sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Zeladores, Nathan Cornes & Mr. Guache


Zeladores, Nathan Cornes & Mr. Guache. 64 páginas. Devir Livraria, São Paulo, 2010.

Um dos derradeiros recursos dos quadrinhos no Brasil é o financiamento estatal. Já não é de hoje que as Secretarias de Cultura de diversos Estados dedicam recursos públicos para socorrer a cada vez menor publicação de quadrinhos brasileiros. Em São Paulo, o programa mais em voga é o Proac que, a cada ano, seleciona através de um burocrático edital, um punhado de projetos que julga merecedores da verba, que atrai o interesse das editoras.
Foi o caso do álbum Zeladores, publicado em 2010 pela Devir Livraria, baseado numa série publicada na internet, disponível  aqui.
O desenho de Mr. Guache (Anderson Almeida) é moderno e de cores vibrantes, com uma estilização forte e angulosa. O argumento, do espanhol Nathan Cornes, tem contornos míticos e cosmológicos de textura lovecraftiana, lembrando imediatamente Hellboy, personagem de aventuras tenebrosas do norte americano Mike Mignola, com elementos dramáticos que também remetem aos romances do britânico Neil Gaiman, Os filhos de Anansi (Conrad, 2006) e Deuses americanos (Conrad, 2002).
O herói da história é a entidade sobrenatural Zé Pilintra, protetor da cidade de São Paolo (com "o" mesmo). Pilintra detém uma bengala que lhe dá força espiritual para cuidar da cidade.
Ramalho, um ex-traficante de escravos que adquiriu a imortalidade e, para variar, quer dominar o mundo, pretende libertar o deus Anhagá, aprisionado em um lugar desconhecido. Para localizá-lo e libertá-lo, Ramalho precisa da bengala. Ele já teve a bengala uma vez, quando conseguiu a façanha de matar Zé Pilintra, e agora ambos terão de se confrontar novamente para um tirateima.
Um aspecto que enfraquece a história é que o teoricamente astuto Zé Pilintra demonstra não ter força e habilidade suficientes para enfrentar o medíocre e falastrão Ramalho, e até precisa da ajuda de outras entidades para não morrer outra vez.
A história até começa bem e assim vai até mais ou menos a metade, quando a narrativa perde o fôlego. Falta-lhe o aspecto humano: o leitor não se identifica com qualquer dos personagens, todos entidades sobrenaturais impiedosas, verdadeiros monstros. Também falha na tentativa de fazer humor negro, descambando para a paródia e comprometendo a frágil credibilidade da trama.
O que resgata o trabalho do simples pastiche são as citações à mitologia brasileira de fundo africano e indígena, que deve ser o que garantiu a simpatia da Secretaria da Cultura para aprovar o financiamento da obra. Mas poderia ser melhor.
Cesar Silva

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