terça-feira, 30 de julho de 2019

Names


Names: Uma história policial sci-fi, de Dalton L. C. de Almeida. Dragonfly Editorial Ltda., São Paulo, 2016. Prefácio: L.H. Hoffmann (editor). Capa: Victor Caigue.

Muito original esta novela que estrutura um mundo futuro complexo e bem diferente do nosso, na verdade um mundo espacial e onde as paixões humanas continuam poderosas e impiedosas. Imensas naves espaciais atravessam o Cosmos, representando o conjunto de nações e continentes; um policial, Lucca Costa, da nave latina, investiga um crime que apresenta conotações peculiares. A Latina é uma das super-naves da Frota Real de colonização extra-solar. Sim, este futuro é monárquico, como aliás muitos mundos imaginados pela ficção científica.
A novela é hábil e instigante, porém admite alguns questionamentos. Por exemplo, por que o uso da expressão “sci-fi” — um estrangeirismo de pouco trânsito no Brasil — no subtítulo? E por que o próprio título da obra é “Names” e não “Nomes”? É um detalhe interessante que o nome que a pessoa usa, ou que deixa de usar, é algo de extraordinária importância na trama. Idem os meandros da política, onde nem tudo é o que parece, e onde a liberdade é posta em xeque por sutis manobras. Isso fica evidente quando Lucca e seus companheiros de investigação se vêem impotentes para dar solução definitiva ao caso.
É aos poucos que a gente toma gosto pela trama, que acaba num gancho excitante para uma possível continuação.
— Miguel Carqueija

quarta-feira, 10 de julho de 2019

Um Dia Na Vida do Século XXI


Um Dia na Vida do Século XXI (July 20, 2019: A Day in the Life of the 21st Century), Arthur C. Clarke, organizador. Tradução de Heloísa Gonçalves Barbosa. Capa de Victor Burton. 304 páginas. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1989. Originalmente publicado em 1986.


Quando comprei este livro fazia 20 anos que o homem pousara na Lua. Era 18 de julho de 1989 e passei por uma banquinha que vendia livros usados no fim da Avenida Paulista, próximo à Praça Osvaldo Cruz, em São Paulo. Estava no clima do assunto já que preparava a edição número cinco do fanzine Megalon, sobre a chegada do homem à Lua. Pensei em incluir uma resenha deste livro, mas estava muito em cima da hora. O livro ficou 30 anos (!) na estante até que, finalmente, o peguei para ler, em virtude agora dos cinquenta anos do pouso humano em nosso satélite natural.
Mas este livro não aborda temas relacionados à Lua, mas sim como estaria o mundo quando chegássemos a 20 de julho de 2019. Tanto é que o subtítulo é explicativo: “A vida na Terra e no espaço cinquenta anos depois da chegada do homem à Lua.” Nesse sentido foi até mais interessante esta espera toda pois pude ler o livro com os olhos de 2019 e comparar com as previsões que foram feitas, em meados dos anos 1980. Mais ou menos nesta época o ano 2000 era visto como a chegada do futuro: carros voadores, viagens espaciais, videofones, androides, inteligência artificial, cura de doenças e transplantes de órgãos, possível governo mundial, descoberta de vida extraterrestre etc. Tudo isso e mais está no cardápio de várias obras de ficção científica e até mais nas de divulgação científica e futurologia. Como esperado a especulação foi mais longe que a realidade na maioria das vezes. Mas não vejo isso como um demérito, mas de como a imaginação humana, em sua criatividade a ansiedade por resolver muitos dos nossos problemas, sempre está passos à frente do que é possível ou se torna concreto.
Como deixei este livro esquecido por décadas não atentei para o fato de que, na verdade, ele não foi escrito por Arthur C. Clarke. Na verdade, ele foi o organizador, com convidados a escrever sobre um assunto de sua especialidade. Contribuiu para este engano a desonestidade da editora Nova Fronteira. O livro é anunciado como de Clarke na capa, na orelha e na contracapa, inclusive com comentários elogiosos sobre ele, como a citação do poeta Esra Pound de que Clarke seria “a antena da raça”. Já no sumário os temas estão elencados dando a entender que teriam sido escritos por Clarke. Apenas nos agradecimentos o autor inglês cita o nome dos especialistas, mas sem deixar claro de que foram eles que escreveram os textos. Dá a impressão de que foram apenas consultados. Ora, qual seria o problema em publicar o livro tendo Clarke como organizador?
Em termos de conteúdo o livro cobre vários assuntos interessantes sobre como seria o mundo trinta anos depois de escrito. São quinze capítulos que dão um panorama bastante razoável de como estaria o mundo hoje, principalmente pelo fato de que parte relevante do que especularam se tornou realidade.
O texto “20 de julho de 1969: pouso da Apolo na Lua”, escrito em 1986, por Robert Weil, é muito lúcido sobre as causas da colonização espacial ter sido abandonada, depois da última alunissagem em 1972: o objetivo de pousar na Lua foi político, os custos se tornaram altíssimos e a opinião pública perdeu parte do interesse. Em julho de 2019 o homem estava de volta à Lua, depois de um recomeço do interesse no final dos anos 1990. Na verdade, nada disso aconteceu, e a Lua continua em compasso de espera. A próxima missão tripulada norte-americana anunciada está marcada para 2024, mas sujeita a cortes orçamentários, já que não é uma prioridade de “segurança nacional”. Talvez se a China colocar seus homens na Lua nos próximos anos, haja um recomeço mais consistente e duradouro para a exploração e colonização da Lua.
Os demais capítulos abordam temas bastante variados: medicina e saúde; o uso dos robôs e androides nas mais variadas situações; novos meios de transportes; o uso de tecnologias digitais e virtuais para modificar a forma como encaramos e interagimos com a arte, em pintura, cinema e música; as mudanças em vários esportes, com atletas mais bem preparados fisicamente, mudanças em regras e incorporação de tecnologias; casas e habitações em lugares incomuns, além do incremento de inteligências artificiais; relações sexuais aprimoradas com próteses, implantes e relacionamentos virtuais; novas concepções para a ideia de morte e de como lidar com ela.
Na maioria deste mosaico de temas, os especialistas não fazem feio. Alguns deles imaginam uma rede mundial de informações conectadas em computadores domésticos, mas nenhum deles chega a falar em algo tão complexo como se tornou a internet. Ora, mas ela já existia como uma rede interna das Forças Armadas dos EUA desde o fim dos anos 1960, e depois estendida para algumas universidades norte-americanas nos anos 1970. É de se lamentar que o tema das comunicações não tenha um capítulo próprio, mas abordado de forma lateral a outros assuntos.
O capítulo “Um dia no hospital” é um dos mais próximos de nossa realidade, apurando com bastante presciência vários dos avanços da medicina. Escrito por Patrice Adcroft, apresenta a rotina de hospitais ultrassofisticados que mais parecem hotéis de luxo. Ora, isso é realidade não só nos países desenvolvidos, mas até no Brasil, em alguns hospitais caríssimos em São Paulo. Mas o que incomoda é que a saúde neste 20 de julho de 2019 é quase toda privada. Paga-se por tudo e, como a própria autora admite, boa parte da população não teria acesso a todos os luxos e, mais importante, avanços da ciência médica. E ela não vê problema algum nisso.
Aliás, esta abordagem economicamente liberal é predominante nos vários capítulos do livro. Em si já seria polêmico, ainda mais num mundo capitalista que, se promove desenvolvimento tecnológico e prosperidade econômica, ao mesmo tempo provoca miséria e muita desigualdade. Mas é empobrecedor por não apresentar possíveis experiências que pudessem incluir mais pessoas, numa visão mais pública e humanista. De certa forma, esta ótica mais privada da vida neste século XXI está relacionada com o fato de que todos os capítulos abordam os cinquenta anos depois da chegada do homem na Lua nos Estados Unidos. É a vida dos norte-americanos, num chauvinismo que chama ainda mais a atenção porque a antologia foi organizada por um inglês. E que vivia no Sri Lanka, um país subdesenvolvido e com desigualdades de toda a ordem.
Os dois últimos capítulos destoam deste tom mais otimista. O penúltimo é “Guerra”. Escrito por T.A. Heppenmheimer – que também escreveu um muito bom sobre a vida na então futura estação espacial –, imagina um possível conflito militar entre os Estados Unidos e a União Soviética. Bom, de saída sabemos que desde 1991 não houve mais a superpotência socialista e o mundo entrou numa nova ordem capitalista e globalizada. Mas o texto é interessante do ponto de vista militar e o autor especula como poderia se dar uma guerra, com o uso apenas de armamentos convencionais. Quando se chegasse ao ponto de usar as armas nucleares seria assinado um armistício encerrando as hostilidades. Apesar do relato apresentar um suspense que prende o interesse, e ser bastante realista do ponto de vista dos armamentos e movimentações de tropas pelo interior do continente europeu, peca pela falta de verossimilhança ao imaginar que um conflito entre as duas superpotências pudesse tomar toda a Europa e o norte do oceano Atlântico sem o uso de mísseis intercontinentais com ogivas nucleares.
Para não dizer que Clarke escreveu apenas a breve introdução, ele também comparece no capítulo final, “Epílogo: Nações Unidas – 2019”. Aqui o mestre da ficção científica dá sua visão sobre as relações internacionais, reconhecendo a importância de uma organização multilateral que reduza um pouco os conflitos entre os países. Mas pontua de que: “não parece possível que em 2019 ainda tenhamos um número tão elevado de Estados soberanos independentes; mesmo hoje parecem estar nas últimas – política e economicamente”. Ora, e ele achava que teria menos países em 2019 do que os 51 quando da fundação da ONU em 1945! Hoje contamos com cerca de 206, sendo 193 filiados à entidade. Na verdade, um dos efeitos do fim da Guerra Fria, com a ascensão da globalização foi a divisão de países, com o ressurgimento de nações antes reprimidas por uma ordem internacional mais fechada em duas ideologias concorrentes e predominantes, em termos políticos e econômicos. Por outro lado, Clarke, observa com correção de que o Conselho de Segurança estaria anacrônico e precisaria ser revisto com a inclusão de mais países.
A visão final de Clarke sobre o futuro do concerto das nações em torno de uma entidade global é mais profícua e condizente com sua condição de escritor de FC: “Não vejo as Nações Unidas como mais do que um estágio de transição para uma época em que o próprio conceito de ´nação´perderá o significado. Talvez o maior agrupamento social do futuro seja a Tribo Eletrônica, cujos membros terão em comum interesses e códigos de acessos a redes de computador, mas raramente a geografia”. Não sei se chegaremos exatamente a isso, mas Clarke pressentiu uma tendência que é, em parte, uma realidade em construção em 2019.
Este livro foi lançado em 1986 nos Estados Unidos e chegou ao Brasil, corretamente penso eu, em 1989, assim como em Portugal com o título de A Vida no Século XXI, pela editora Europa-América. Mas cinquenta anos depois do maior evento tecnológico da história da humanidade o livro não foi relançado e, até onde eu sei, poucos foram lançados em nosso país. Isso dá conta de como a exploração do espaço deixou de entusiasmar as mentes e os corações de nossa época e, mais que isso, de como a ideia de futuro parece que entrou em decadência. Principalmente para aqueles que o imaginaram no século passado como algo que existiria no século XXI, mas que, em boa medida, se revelou uma decepção, com problemas tão ameaçadores como os do passado, mas de outra ordem. Os efeitos devastadores do aquecimento global que só deve piorar, a volta do crescimento da desigualdade social, a diáspora dos refugiados e o terrorismo, a crise da democracia, com o ressurgimento de líderes e ideologias políticas autoritárias, tudo a ameaçar uma convivência mais livre e civilizada entre os seres humanos na Terra.

– Marcello Simão Branco