domingo, 10 de janeiro de 2021

Kaori e o samurai sem braço, Giulia Moon

Kaori e o samurai sem braço, Giulia Moon. Giz Editorial, São Paulo, 2012.
 
Escaldado pela leitura de um bom número de romances de ficção científica e literatura fantástica de autores brasileiros, que se revelaram obras medíocres, confesso que não nutria grandes esperanças ao iniciar a leitura. No entanto, achei este romance de terror surpreendentemente leve e interessante, com um clima de aventura que me lembra até o Inuyasha da Rumiko Takahashi. Claro que as diferenças são consideráveis: aqui o grupo é bem menor porém consideravelmente heterogêneo: Kaori, a vampira, ou “kyukesuki” em japonês; Migitê-no-Kitarô, o samurai sem um braço e não obstante, um terrível lutador; e Omitsu, a mulher-raposa ou “kitsume”, eu diria uma youkai como o Shippou do Inuyasha. No caso deste o grupo é formado, além do “hannyou” (mestiço de youkai e ser humano) Inuyasha, de Kagome (garota mística), Shippou (youkai-raposa), Miroku (monge com buraco de vento ou “kazaana”), Sango (humana, exterminadora de youkais) e Kirara, o gato que se transforma em fera voadora.
O trio, apesar das diferenças de temperamento e problemas de relacionamento, se une para caçar o “bakemono” (monstro) Shinkû, misterioso, oculto nas sombras e letal, um assassino dotado de grandes poderes e com o qual o samurai tem sérias contas a ajustar.
Giulia Moon não tornou a obra pesada, intercalando o drama e a aventura com pitadas de humor. É a “kitsune” Omitsu, que cria muitos problemas para Kitarô, quem se encarrega disso. Kitarô por sua vez é o personagem sério, aparentemente implacável mas que revela o seu lado humano, por exemplo, quando, vendo Kaori enfraquecida, permite que ela sugue um pouco do seu sangue, mordendo-lhe o pescoço. A própria Kaori, cujo aspecto é o de uma bela jovem, humaniza-se um pouco ao longo da história, tornando-se menos relaxada com suas roupas e higiene pessoal.
A autora fez bem em utilizar uma linguagem elevada, sem cair no estilo brutalista que infelizmente contaminou alguns dos nossos autores.
O seguinte diálogo mostra um pouco o difícil relacionamento do trio, o que não impede que se completem mutuamente:

“— Pensei ter-lhe dito para não matar humanos, 'kyuketsuki'.
— 'Kitsune' linguaruda — resmungou Kaori para Omitsu. — O samurai não havia percebido nada até você dar com a língua nos dentes.
— Não me ignore — rosnou Kitarô. — Estou falando com você.
Imperturbável, Kaori respondeu:
— 'Kyuketsukis' matam. Faz parte da nossa natureza.
Kitarô tomou outro gole de saquê.
— É fato — disse, limpando a boca com as cosas da mão. — Mas também é verdade que a minha profissão é eliminar 'bakemonos' maus. Os que matam gente.
— Os dois estavam roubando. E eu estava com fome — observou Kaori com secura. (...)”

Kaori é na verdade personagem de uma série da autora, ela aparece também em Kaori: Perfume de vampira e Kaori: Coração de vampira, obras que não tive ocasião de ler.
Miguel Carqueija
Rio de Janeiro, 4 de agosto de 2019.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

Filmes do Fim do Mundo


Filmes do Fim do Mundo: Ficção Científica e Guerra Fria (1951-1964), Igor Carastan Noboa. 189 páginas. São Paulo: LCTE Editora/Fapesp, 2013.


    
No cenário da ficção científica brasileira este é um livro incomum. Isso porque é dos poucos a tratar da ficção científica com um tema específico. Normalmente, os livros sobre o gênero o abordam de uma forma genérica. Mas Igor Carastan Noboa se propõe
a um desafio instigante: analisar os filmes norte-americanos de FC que tratam, direta ou indiretamente, da Guerra Fria (1945-1991).

Este momento histórico marcou a segunda metade do século XX. É como o mundo se organizou politica e militarmente como resultado da Segunda Guerra Mundial, no qual sob os espojos da derrota nazista e da decadência dos países imperialistas (Reino Unido e França), emergiu duas superpotências que passaram a liderar e dividir a geopolítica em duas vertentes opostas: Os Estados Unidos, com capitalismo e democracia liberal; e a União Soviética, com socialismo e totalitarismo político. Mas como vai mostrar Noboa em seu trabalho, o que mais acentuou o clima de rivalidade entre norte-americanos e soviéticos foi a possibilidade de uma guerra nuclear. Mas se ocorresse teria sido, muito provavelmente, o último dos grandes conflitos bélicos da humanidade.

O livro é consequência de uma dissertação de mestrado defendida pelo autor no curso de História Social, na Universidade de São Paulo, em 2010. Lembro que em algum momento de 2009 o autor me procurou para consultar sobre uma lista de filmes básicos do cinema norte-americano de FC. Me enviou uma ótima lista que mantenho até hoje. Assim, quando em 2014 soube que sua pesquisa tinha sido publicada, não tive dúvidas e fui atrás da obra, literalmente “caçando” o livro pela internet. Tive até de ligar para a obscura editora LCTE dizendo do meu interesse pelo livro. Ao que parece, até eles estavam surpresos pelo contato. Não deveriam porque o livro é ótimo. E uma prova institucional disso é o financiamento parcial que recebeu da Fapesp. Um selo de qualidade na publicação de obras acadêmicas.

Após uma boa introdução sobre o contexto de desenvolvimento da bomba atômica, o cenário inicial da Guerra Fria e as mudanças pelo qual passou o cinema de Hollywood nos anos 1950, o autor parte para uma discussão sobre alguns conceitos que caracterizam a ficção científica, sua relação com o fantástico e, mais especificamente, o modo como evoluiu o cinema de FC nos EUA. Aqui, para chegar propriamente ao tema do livro: como o cinema do gênero abordou a problemática política da disputa ideológica entre o Ocidente e a chamada Cortina de Ferro.

Ao invés de ir pela solução mais comum, de comentar vários filmes, Noboa optou por enfatizar apenas quatro deles: O Dia em que a Terra Parou (The Day the Earth Stood Still;1951), Vampiros de Almas (Invasion of the Body Snatchers; 1956), A Bolha (The Blob; 1958) e Limite de Segurança (Fail Safe; 1964). Talvez do ponto de vista didático teria sido mais interessante a primeira opção, mas o enfoque em quatro filmes representativos, vistos em conjunto, tornou o trabalho mais profundo na análise e sólido em suas considerações.

O Dia em que a Terra Parou, dirigido por Robert Wise (1914-2005) é, dos quatro, o mais importante para a FC. Baseado na noveleta “Adeus ao Mestre” (“Farewell to the Master”; 1940), de Harry Bates,1 subverte o clichê do alienígena hostil. Ao invés, ele vem à Terra para impor a paz entre a nações, cessando a corrida armamentista que poderia levar a uma guerra e ameaçar a segurança, até mesmo, das outras civilizações próximas no universo. Como pontua Noboa chama a atenção a forma como o processo de conhecimento e convencimento do alienígena Klaatu sai pelas margens, ou seja, depois de ser mal sucedido em contatar as autoridades, busca ajuda no povo comum e, posteriormente, na comunidade científica. É como se a chance de solução do problema tivesse de ser buscada na sociedade, pois a esfera da política estaria contaminada com a rivalidade e paranóia em relação ao inimigo. Neste filme não há uma vinculação direta com o comunismo em si, mas com a ameaça que representa o então recente desenvolvimento das armas nucleares, de parte a parte. Assim sendo, o filme serve como um interessante indicativo para as possíveis consequências que estariam por vir, anos à frente, quando, justamente, o mundo viveria sob o risco de um confronto nuclear. Klaatu envia sua mensagem de paz, mas na forma de um ultimato. De fato, talvez para cessar a corrida armamentista naquele momento, só seria possível um poder externo e superior.

Do enfoque das possíveis consequências da rivalidade em si, o filme a seguir é o que discute o aspecto ideológico de forma mais profunda. Como se sabe, Vampiros de Almas trata de uma invasão extraterrestre numa pequena cidade, em que vagens se transformam em copias perfeitas, assumindo a identidade e existências das pessoas. Dirigido por Don Siegel (1912-1991) e baseado no romance de mesmo nome de Jack Finney (1911-1995), foi interpretado, principalmente, como um alerta contra o possível avanço do comunismo na sociedade norte-americana. As novas pessoas não teriam emoções, seriam todas disciplinadas e sem livre-arbítrio, como se seguissem algum comando. O filme é extremamente efetivo em trabalhar a forma como as pessoas vão mudando seu comportamento, e a luta de um casal para evitar a situação e denunciar este estado de coisas. Mas esta é a análise mais conhecida. O que Noboa acrescenta na obra são outras três possíveis: o alienígena como ameaça às mudanças políticas e liberdades constitucionais, a radiação como invasora de corpos e a ameaça alienígena aos valores patriarcais do homem branco. Na primeira, inverte-se a paranóia anticomunista. É o discurso machartista que persegue o indivíduo e sua liberdade de pensar e agir; no segundo, há uma denúncia dos experimentos científicos e militares em torno da tecnologia nuclear2 e na terceira, uma crítica ao conservadorismo machista da sociedade norte-americana. Todas são interessantes mas creio que as duas primeiras tem mais a dizer sobre a proposta da obra, tanto o romance, como o filme. Pois se a interpretação mais comum é aquela do anti-comunismo, ao meu ver, a segunda é a mais reveladora, pois mostraria como a sociedade tinha se tornado paranóica e desta forma – e não pelos supostos valores igualitários do comunismo –, é que o modo de vida americano e sua democracia, estavam sendo corroídos.

Por uma outra via, mas também nesta linha, é que Noboa selecionou A Bolha como o terceiro filme a ser analisado. Dirigido por Irvin Yeaworth (1926-2004), é mais identificado como um filme B e para adolescentes, de fato, não foi tão levado a sério à época, mas ganhou relevância e o status de cult décadas depois. Isso porque, como mostra o autor do livro, A Bolha insinua suas relações com o tema da Guerra Fria de uma forma diferente. Interna aos valores em mudança da sociedade norte-americana, da grande prosperidade do país no pós-guerra, mas que aprofundou também várias contradições, como a desigualdade social, as relações entre homens e mulheres, a luta dos negros por seus direitos civis e políticos e o conflito de gerações entre pais e filhos. Nesse sentido é o filme menos diretamente relacionado com a Guerra Fria enquanto fenômeno político-ideológico da época, mas como os EUA lidavam com suas próprias tensões neste contexto. Assim, o elemento catalizador é a queda de um meteoro, que trará a chegada da bolha, uma criatura assassina vinda do espaço. Pois parte destas contradições sociais ficarão expostas no enfrentamento do problema maior, que é a destruição da bolha. Interessante que, assim como nos dois filmes anteriores, o plano de ação principal para a resolução do drama se situa na sociedade e não no ambiente político dos governos ou dos militares. Estaria aí, de certa forma, a recorrência de uma crítica à incapacidade do ambiente institucional de se aproximar dos problemas ao nível dos cidadãos, para de fato protegê-los de ameaças concretas, e não de questões fora de suas realidades cotidianas, aquelas vinculadas à disputa macro entre os países e suas supostas razões de Estado, para garantir a tal da “segurança nacional”.

Desta forma, o contraponto é justamente o último filme analisado, Limite de Segurança, dirigido por Sidney Lumet (1924-2011) e, assim como o filme de Wise e o de Siegel, também baseado numa história previamente publicada. Neste, a ação se passa inteiramente no ambiente político e militar, no qual, devido a um erro técnico, caças norte-americanos armados com armas nucleares se dirigem para destruir Moscou. Embora a premissa possa ser questionada como pouco verossímil, na verdade o filme realiza uma crítica contundente à tecnologia e ameaça de que decisões humanas sejam entregues a máquinas, por mais sofisticadas que sejam. Ainda mais numa questão sensível como esta. De fato, o filme explora de forma intensa o drama para evitar uma guerra, e dos quatro é o mais realista, o que dialoga de forma mais próxima com a situação da época. A narrativa realmente incomoda pelo alto nível de suspense embutido e surpreende com o desfecho. Como aponta Noboa, contra as convenções do cinema comercial norte-americano.

Após analisar de forma exaustiva os quatro filmes, Noboa ainda apresenta no capítulo final instigantes discussões sobre as relações entre os filmes, onde torna mais claras as diferentes críticas e perspectivas que cada filme adota sobre os temas do militarismo, tecnicismo e conformismo, que permeiam as obras e o contexto geral, principalmente nos EUA dos anos da Guerra Fria, em especial nas décadas de 1950 e 1960.

Neste trabalho acadêmico está bem ilustrado os dois temas mais caros ao autor, que os discute por meio do cinema: a ficção científica e a sociedade norte-americana. O pano de fundo para as extensas discussões sobre os filmes, mais que à Guerra Fria e suas consequências em si, é sobre as características e rumos dos EUA naquela época histórica. Tanto é assim que ele continuou nesta seara em sua tese de doutorado, defendida na mesma USP em 2019. Com o título de O Futuro e o Passado estão Além da Imaginação: A Viagem no Tempo e os EUA no Contexto do Segundo Pós-Guerra, ele mantém o mesmo tema geral, mas com um novo enfoque: a viagem no tempo (no lugar da ficção científica em geral) e da série de TV Além da Imaginação (no lugar do cinema). Ou seja, mergulha num subgênero da FC e numa série de TV. Tive um contato apenas breve com a obra, que pode ser baixada no site www.teses.usp, mas sugere que o autor explora, de forma mais abrangente, os valores culturais dos EUA, ao associar o tema da viagem no tempo – por meio dos episódios da série –, com a relação de tradição versus modernidade, conservadorismo versus radicalismo, numa sociedade que cada vez mais expunha suas contradições, que se tornariam mais agudas e dramáticas nos anos 1960.

Igor Carastan Noboa é professor de História da rede municipal em São Paulo e do Centro Universitário Sumaré, e faço votos para que esta tese de doutorado também seja publicada. É um pesquisador e crítico talentoso, e que mostra o potencial da ficção científica como meio privilegiado de interpretação da realidade social e histórica. E vem a se juntar a outros bons pesquisadores que nesta última década tem apresentado trabalhos acadêmicos, tendo o gênero como campo de pesquisa. Que esta tendência se consolide e que os melhores trabalhos – como este resenhado aqui – possam ser publicados e colocados à disposição dos leitores em geral.


Marcello Simão Branco

1Publicado na antologia Máquinas que Pensam: Obras-Primas da Ficção Científica (Machines that Think: The Best Science Fiction Stories about Robots and Computers), organizado por Isaac Asimov, Patricia S. Warrick e Martin H. Greenberg, publicado pela editora L&PM em 1985, e como Histórias de Robôs, em três volumes, 2005.

2A meu ver o filme mais impactante a abordar este aspecto nos anos 1950 foi O Incrível Homem que Encolheu (The Incredible Shrinking Man, 1957), de Jack Arnold (1916-1992), em que um homem, sob o efeito de um gás radioativo, diminui inexoravelmente de tamanho. Foi baseado num romance homônimo de Richard Matheson (1926-2013).

terça-feira, 5 de janeiro de 2021

Heróis de Novigrath, Roberta Spindler

Heróis de Novigrath, Roberta Spindler. 296 páginas. São Paulo: Companhia das Letras, selo Suma, 2018.

Jogos que se confundem com a realidade formam um grupo tão grande na ficção fantástica recente que bem poderiam constituir um novo subgênero. Há histórias de jogadores que entram fisicamente no jogo, jogos que invadem a realidade, jogos reais ao estilo reality show quase sempre mortais, jogos que interagem com a realidade de formas mais ou menos sutis, e até jogos que parecem ser só jogos, mas na verdade são interfaces de realidade, mas só saberemos isso no momento propício.
Na ficção estrangeira, algumas dessas histórias tornaram-se grandes sucessos, como O jogo do exterminador de Orson Scott Card, Jogos vorazes de Suzanne Collins, Simulacron-3 de Daniel F. Galouye, Jumanji de Chris Van Allsburg, Jogador nº1 de Ernest Cline, e também no cinema, com Tron: Uma odisseia eletrônica, Zathura: Uma aventura espacial, Rollerball: Os gladiadores do futuroCorrida da morte: Ano 2000 e O último guerreiro das estrelas, entre outros. No Brasil o tema também já rendeu, como as séries 3% (Netflix)  e Supermax (Globo), e o excelente romance O jogo no tabuleiro, de Simone Saueressig.
Então, da mesma forma que em outros subgêneros muito explorados, como a alta fantasia, a ucronia e a space opera, por exemplo, a  originalidade não é um aspecto tão importante também nessa área. Há muito que os fundamentos e protocolos desses modelos recorrentes na fcf já estão em domínio público, e ninguém vai reclamar se a ideia é mais ou menos parecida com essa ou aquela. Portanto, no meu modo de ver, não há nenhum problema quanto a isso em Heróis de Novigrath, segundo romance da escritora paraense Roberta Spindler, que estreou em 2014 com o romance de ficção científica A torre acima do véu (Editora Giz).
No livro, Heróis de Novigrath é um mundialmente popular jogo MMORPG – Massively Multiplayer Online Role-Playing Game –, encarado como esporte profissional com campeonatos disputadíssimos (tal como acontece na realidade com as franquias League of Legends e World of Warcraft).
Produzido pela megacorporação Noise Games, Heróis de Novigrath apresenta um cenário de guerra medieval na qual digladiam personagens mágicos de duas castas opostas: os Defensores de Lumnia e os Filhos de Asgorth. Como fica logo evidente, os primeiros representam o bem, e os outros, o mal. Devido a extrema devoção de seus usuários, o universo do jogo adquiriu existência numa realidade paralela, mas os Filhos de Asgorth não estão satisfeitos com essa condição e cobiçam a materialidade do mundo dos homens. Para atingir seu intento, absorvem a energia dos jogadores online e, com esse aporte de poder, predominam em seu universo sobre os Defensores de Lumnia. Estes, por sua vez, para frustrar os planos malignos de seus adversários, enviam à Terra um de seus campeões, o guerreiro Yeng Xiao, com a missão de selecionar uma equipe de cinco jogadores humanos com talentos especiais que possam impedir os Filhos de Asgorth de vencer o campeonato mundial do jogo pois, caso uma das equipes de Asgorth vença, a energia acumulada de bilhões de torcedores dessa casta do mal abrirá uma passagem através da qual as hordas invadirão a Terra, trazendo ao nosso mundo todos os horrores do jogo.
A história é contada a partir da visão de Pedro (codinome Epic), ex-jogador de Heróis de Novigrath, caído em desgraça depois de um escândalo num antigo campeonato sul-americano. Apesar de decadente, Pedro é escolhido por Xiao para ser o técnico da equipe de Lumnia, a Vira-Latas. Orientado pelo guerreiro virtual, Pedro convoca seus jogadores: o jovem fenômeno Cristiano (codinome Fúria, décimo no ranking brasileiro), a vestibulanda Samara (Titânia, igualmente bem ranqueada), a universitária Aline (NomNom) e os irmãos gêmeos Pietro e Adriano (Roxi e LordMetal, respectivamente).
O romance se divide em três partes principais. Na primeira, acompanhamos a montagem da equipe: os jovens se estranham e têm conflitos pessoais e coletivos que levam o técnico Pedro aos limites de sua curta paciência. A segunda parte mostra a campanha da Vira-Latas no Campeonato Brasileiro, quando os jogadores são testados em combate e têm de se entender ou morrer. A cada nível superado, os protagonistas amalgamam mais profundamente seus avatares no jogo, ao ponto de não só experimentarem uma interface totalmente imersiva durante as partidas, mas também manifestarem seus poderes fora do jogo, no mundo real, para se defenderem de entidades de Asgorth que os atacam. Na parte final, acompanhamos a Vira-Latas no campeonato mundial, na Coreia do Sul, quando terá de enfrentar sua nêmesis, a poderosa equipe dos Espartanos, dirigida por Yuri, o maior jogador de Novigrath que existe.
A autora é competente em retratar a evolução técnica e psicológica dos personagens que, de uma equipe desorganizada e insegura, torna-se uma máquina de combate bem azeitada. Há bons dramas humanos para temperar a narrativa e alguma ousadia, como a presença de um personagem homossexual entre os protagonistas, o que tem sido recorrente nos livros de fcf nacionais publicados pela Suma. Também foi uma boa sacada o uso de uma pletora de termos técnicos que deu autenticidade ao ambiente ficcional. Desconheço se o jargão é efetivamente usado pelos gamers na vida real; se não for, o trabalho de construí-lo é algo realmente admirável. A edição da Companhia das Letras/Suma é bem cuidada e praticamente não tem erros.
Não se deve esperar surpresas e viradas dramáticas, pois a história é simples, claramente maniqueista, linear e fechadinha, muito bem estabelecida como literatura de entretenimento infanto-juvenil, que se desenrola diante do leitor como um filme da sessão da tarde. Longe de ser um problema, este é justamente o maior mérito de Heróis de Novigrath, pois a contínua formação de leitores para o gênero é fundamental. Roberta Spindler vem assim se juntar a outros valentes autores de literatura fantástica infanto-juvenil, como Rosana Rios, Miguel Carqueija,  Helena Gomes, a já citada Simone Saueressig, entre outros. Esta literatura precisa ter lugar de destaque nas estantes das livrarias porque, sem os jovens leitores hoje, não haverá leitores adultos amanhã.
Mas nada impede que leitores maduros também se divirtam com Heróis de Novigrath. Eu gostei e recomendo.
Cesar Silva

Enterre seus mortos, Ana Paula Maia

Enterre seus mortos, Ana Paula Maia, 134 páginas. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.

Edgar Wilson tem um emprego peculiar: ele participa de uma equipe de trabalhadores que recolhe animais mortos das estradas e vicinais de uma região genérica no interior do país. Seu trabalho é dirigir a caminhonete da empresa ao local para onde os atendentes determinam, recolher as carcaças e levá-las para a sede da empresa, onde serão processadas num grande moedor para serem transformadas em adubo. Seu colega de trabalho é Tomás, um padre excomungado que, além de coletor de corpos, dá atendimento espiritual aos moribundos e nos acidentes que eventualmente atendem. A vida deles está longe de ser um mar de rosas: além do serviço medonho, cada um tem sua própria dor para carregar.
Mesmo assim, Edgar Wilson é um funcionário dedicado, que recolhe toda coisa morta que se lhe aparece pelo caminho. E é por causa desse hábito pouco saudável que se envolve numa complicada trama de assassinato e corrupção, ao encontrar o corpo de uma mulher enforcada no meio do mato.
Ninguém parece querer o defunto. Não há família procurando pela falecida, a polícia está sem condições de investigar a morte e o IML local não tem uma viatura para transportar o cadáver. Por achar uma indignidade deixar o corpo ser devorado pelos animais selvagens, Edgar Wilson decide guardá-lo no velho frízer sem uso no galpão da empresa, pelo menos até que a polícia possa vir buscá-lo. Mas os dias passam e nada das autoridades fazerem sua obrigação.
Para piorar ainda mais a situação, outro cadáver, desta vez de um homem, vem se juntar ao primeiro. Quando o frízer repentinamente para de funcionar, Edgar Wilson é intimado pela gerência da empresa a dar um destino aos dois corpos. Ainda incomodado com a possibilidade de não dar aos cadáveres um destino digno, Edgar e Tomás colocam os corpos no porta-malas de uma caravan e decidem levá-los eles mesmos para o IML da cidade. E é aí que os problemas realmente vão se complicar.
Esta é a história que a escritora Ana Paula Maia conta em seu sétimo romance Enterre seus mortos, publicado em 2018 pela Companhia das Letras. Nascida em Nova Iguaçu em 1977, Ana Paula estreou com o romance O habitante das falhas subterrâneas, publicado em 2003 pela Editora 7 Letras. Também é autora de Entre rinhas de cachorros e porcos abatidos (2009), Carvão animal (2011) e Assim na terra como embaixo da terra (2017), entre outros romances que já ganharam edições na Alemanha, França, Itália, Estados Unidos, Espanha, Sérvia e Argentina. É, portanto, uma autora experiente, que domina bem as ferramentas narrativas. Seu estilo é brutalista e cruel, mas não chega a ser aterrorizante neste Enterre seus mortos, embora seja no terror que pareça mais adequadamente classificar este trabalho, embora a história tenha fortes aspectos de policial e até de faroeste.
Seguindo o conselho do mestre do horror Stephen King, na ausência do clima evidente de terror e de um monstro apavorante, Ana Paula evoca a escatologia e a morbidez com todo o requinte de seu arsenal, para causar nojo no leitor. Para obter resultados mais efetivos, associa as descrições de estripamentos e cheiros nauseantes aos alimentos que Edgar e Tomás consomem o tempo todo. Contudo, o efeito não é plenamente atingido e não incomoda a leitura, que progride com rapidez e leveza pois, de fato, Enterre seus mortos não é um romance, mas uma novela: é possível lê-la de cabo a rabo em pouco mais de duas horas.
Apesar do estilo naturalista, parece inadequado classificar a história como realista, devido a uma certa fabulação mais associada ao absurdismo e ao realismo fantástico. Isso porque, além da natureza improvável do trabalho de Edgar Wilson, e do fato das aves necrófagas serem insistentemente chamadas de abutres embora a história seja evidentemente passada no Brasil (o que temos aqui são urubus, que são de uma outra família), é um tanto bizarro que numa região onde nenhuma instituição funciona, na qual nem o IML nem a polícia cumprem suas obrigações fundamentais, um indivíduo de nuances marginais, fazendo uso irregular do equipamento de uma empresa privada que, contra todos os prognósticos, funciona com competência, faça sozinho e sem qualquer supervisão aquilo que é trabalho das autoridades. Numa perigosa leitura política, esse conceito legitima o discurso do neoliberalismo, que acusa o Estado de ser uma máquina funcional unicamente para promover corrupção, justifica a ação individual e condena toda a ação pública. Ainda bem que isso é apenas ficção e nunca aconteceria na vida real...
Quem tiver estômago fraco talvez não suporte bem a leitura de Enterre seus mortos, mas acredito que vale o esforço, pois o texto correto é fluido de Ana Paula Maia é muito bom e justifica plenamente a aventura. Para os especialistas, é um sopro de ar – ainda que não tão fresco, no caso – na recorrência de temas e estilos da nossa ficção fantástica.
Cesar Silva

O elefante desaparece, Haruki Murakami

O elefante desaparece (Zô no shômetzu), Haruki Murakami. 304 páginas. Traduzido do japonês por Lica Hashimoto. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. Publicado originalmente em 2013 no Japão.

Uma vez perguntaram ao fantasista goiano José Veiga de onde ele tirava suas ideias fantásticas. Ele respondeu, um tanto contrariado, que o que escrevia não era fantasia, era a pura realidade. De igual modo, perguntaram ao então quadrinhista (hoje escritor) Lourenço Mutarelli como ele havia desenvolvido o estilo caricato de suas ilustrações. Muito espantado, ele respondeu que seu desenho era realista, pois desenhava as coisas exatamente como eram.
Estas duas histórias são perfeitas para ilustrar a sensação de ler os escritos de Haruki Murakami, com uma pequena mas importante diferença: tudo é perfeitamente real em sua ficção mas não parece certo, algo que não pode ser perfeitamente percebido, que nunca se apresenta mas causa uma contínua tensão de estranhamento, muitas vezes beirando o insuportável. Por isso, sua ficção não é de fácil leitura e ainda mais difícil de interpretar.
Murakami nasceu em Kyoto em 1949 e é um dos mais importantes autores japoneses vivos. Continua morando no seu país natal, próximo a Tóquio, e entre seus livros mais famosos estão Kafka à beira-mar, Crônica do pássaro de corda e a série 1Q84, considerada uma legítima história de ficção científica.
O elefante desaparece é uma coletânea de 17 contos que pode servir bem como entrada à obra de Murakami, tanto para o leitor que não gosta de fantasia, uma vez que os textos do autor são muito naturalistas, muitas vezes nas franjas da crônica urbana, como para o leitor experiente que cansou dos protocolos recorrentes da fantasia convencional. Muitas histórias tem um clima tão intimista que parecem confissões do autor. Apenas uma e outra flertam mais descaradamente com o fantástico, como veremos a seguir.
"O pássaro de corda e a mulher da terça-feira" é uma dessas quase crônicas. Um homem que perdeu o emprego há poucos dias é incumbido pela esposa de encontrar o gato fugido. Na modorra de uma tarde ensolarada, ele busca o animal pelo beco que une os quintais da vizinhança – é impossível não visualizar a típica arquitetura urbana japonesa nessa hora – e acaba tendo um encontro inesperado com uma vizinha.
"O segundo assalto à padaria" é uma pérola. Um casal, assolado por uma fome desproporcional durante a madrugada, decide roubar pães de uma padaria. Mas, pelo avançado da hora, os dois não encontram nenhuma aberta. Então resolvem assaltar uma lanchonete 24 horas.
"Mensagem do canguru" é narrado em forma de epístola, na qual o funcionário do serviço de atendimento ao cliente de uma loja de departamentos, impressionado pela qualidade do texto de uma carta de reclamação declara seu amor à cliente desconhecida. O nível de psicose do funcionário faz com que o conto soe como prelúdio a história de terror.
"Sobre uma garota 100% perfeita que encontrei em uma manhã ensolarada de abril", é outra quase crônica, na qual um homem se impressiona com uma garota que viu na rua, mas não consegue falar com ela.
"Sono" conta a história de uma dona de casa que, depois de um sonho perturbador, deixa de dormir e passa a ter uma vida paralela à noite, enquanto sua família dorme.
"A queda do Império Romano, Rebelião indígena de 1881, Hitler invade a Polônia, E o mundo dos vendavais", como o título já revela, é um texto fragmentário, formado pela junção de fatos que um homem encadeia num fluxo de pensamento a partir de situações cotidianas que funcionam como disparadores.
"Lederhosen" é um tanto mais convencional. Conta a história de uma senhora que empreende uma viagem à Europa e recebe do marido o pedido por uma autêntica lederhosen, vestimenta típica da Alemanha. A busca pela peça vai causar uma forte transformação na mulher.
"Queimar celeiros" é uma das melhores histórias do volume. Conta a história de um homem que confidencia ao amigo sua fixação por queimar celeiros abandonados, e o leva a também experimentar a sensação de incendiar as coisas.
"O pequeno monstro verde" é uma das histórias em que o fantástico se apresenta de forma mais evidente. Uma mulher, sozinha em casa, recebe em sua porta a visita de um monstrinho verde que emergiu das raízes de uma árvore, e ele pede sua mão em casamento. Mas ela não é uma boa mulher.
"Caso de família" é uma crônica sobre um casal de irmãos que moram juntos, mas são muito diferentes entre si. Ele é relaxado e libertino, ela uma donzela educada e casadora. O equilíbrio da relação é alterado quando ela parece com um pretendente.
"Homens da tv" é outra história em que a fantasia se destaca mais claramente. Um homem sonolento testemunha, durante a madrugada, a invasão de sua casa por um grupo de homenzinhos que instalam uma televisão em sua sala. Espantado demais para reagir, ele simplesmente deixa acontecer até que todos se retirem. Como se isso já não fosse suficientemente estranho, a tv não exibe nada além de ruído branco, e sua esposa, sempre tão detalhista, não percebe o aparelho interferindo na decoração. As coisas ficam ainda mais estranhas quando os homenzinhos aparecem também em seu local de trabalho e ninguém além dele parece se dar conta dos estranhos invasores.
"Lento barco para a China" é o relato de um homem maduro sobre como conheceu seus primeiros chineses, dentre os quais uma jovem pelo qual se apaixonou, mas de quem se perdeu numa situação infeliz.
A fantasia volta a se declarar em "O anão dançarino", um conto de fadas sombrio e de matiz político, em que o sonho com o tal anão torna-se um fardo difícil de carregar.
"O último gramado ao entardecer" é um relato singelo mas repleto de tensão, em que um homem rememora sua juventude quando, demissionário em um emprego de aparar gramados, vai atender seu último cliente.
"Silêncio" tem o jeitão de um conto de Stephen King e começa com a pergunta: "Você já deu um soco em alguém durante uma briga?" A partir dessa questão, um homem relata ao amigo uma dura experiência sobre bulling e violência na escola que decerto ecoa naqueles que passaram por situações dessa natureza.
O volume fecha com o conto que dá nome a coletânea, uma história de realismo mágico, sobre o desaparecimento inexplicável – ou quase – do velho elefante e seu tratador no zoológico da cidade.
O elefante desaparece não é um livro divertido e de forma alguma deve ser tomado como uma leitura de entretenimento. Trata-se de uma leitura intimista, muitas vezes dolorida, mas não deixa de ser prazerosa devido as cores e sabores do Japão moderno que, sem deixar de ser singular, em muitas coisas é como qualquer outro lugar. Murakami mostra que é um grande mestre em manipular as emoções, sem pieguismos e sem receitas de bolo. Apesar da distância e da ausência metalinguística, arrisco comparar a experiência em ler sua ficção curta com a leitura de Jorge Luiz Borges pela profundidade dramática e o vigor criativo e narrativo.
É possível ensinar alguém a escrever bem. Mas para escrever como Murakami, é preciso ser Murakami.
Cesar Silva

sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

O épico da Princesa da Lua

O ano de 2021 abre com uma novidade auspiciosa: o lançamento, nos cinemas japoneses, do primeiro épico de animação da história do cinema: “Sailor Moon Eternal, the movie” (A Eterna Sailor Moon, o filme). Produção da Toei de 2020, com assinatura de Naoko Takeushi, divide-se em duas partes: a Parte 1 estreia, conforme já marcado, em 8 de janeiro; a Parte 2 em 11 de fevereiro. No total, perto de três horas de projeção.
A saga se baseia em histórias em quadrinhos escritas e desenhadas por Naoko Takeushi na década de 1990. O fato de a própria criadora encontrar-se na produção da película garante uma grande fidelidade em relação ao mangá original.
É verdade que, pelo conteúdo e clima, “Nausicaa do Vale do Vento”, de Hayao Miyazaki (1984) e “A bela adormecida”, de Walt Disney (1958) podem ser considerados filmes épicos, mas aqui estou considerando o tamanho, ou seja, o tempo de projeção, e a divisão em duas partes, o que dá um aspecto mais grandioso. Ao longo do século 20 e já no atual, diversas películas enquadraram-se nesse critério, sendo que algumas eram apresentadas de uma vez na sala de projeção, porém na metade o filme era interrompido, aparecia na tela “intervalo” e o público podia sair para ir ao banheiro ou à sala de espera lanchar ou comprar lanche, pois muita gente come mesmo dentro do cinema (em geral bobagens como pipoca e refrigerante).
Este é o caso 1. O caso 2 é o de obras cujas duas partes são lançadas separadamente, por vezes em anos diferentes.
Segue uma pequena relação, com o caso entre parênteses.
Doutor Mabuse (2)
E o vento levou (1)
Ivan, o Terrível (2)
Os Dez Mandamentos (1)
Grand Prix (1)
Ben-Hur (1)
Spartacus (1)
A volta ao mundo em oitenta dias (1)
Jesus de Nazaré (2)
Harry Potter e as relíquias da morte (2)
Como se vê, são todos filmes de ação viva, com artistas de carne e osso. “Sailor Moon Eternal”, que entra no caso 2, por ser o primeiro desenho épico, representa portanto, só por isso, uma revolução no cinema. Acresce que, como podemos ver nas vinhetas que a Toei já liberou e se encontram no Youtube, a qualidade estética e gráfica da animação é de primeira, muito superior à série animada da Sailor Moon dos anos 90. É melhor também que a série “Sailor Moon Crystal” da década que acaba de se encerrar. E não é apenas por se tratar de fita de cinema: nos últimos trinta anos muitas animações japonesas têm sido primorosas, mesmo assim “Sailor Moon Eternal” extrapola em belza e detalhismo.
Especula-se o destino desta obra grandiosa após o lançamento oficial em terra japonesa. Está problemático o lançamento nos cinemas pelo mundo afora, por causa da crise sanitária (que está bem menos grave no Japão que em muitos outros países) mas já se fala que a saga irá para a Netflix. Eu preferia que pudesse ser possível assistir nos cinemas brasileiros. Mas nem sempre pode ser como a gente quer.
Falemos um pouco agora do enredo de “Sailor Moon Eternal” e sua mensagem de amor.
A película se baseia na fase do Circo Negro, que eu já conheço pelo mangá. Não sei até que ponto o filme é o mangá, pois mesmo com fidelidade e estando Naoko na produção, o cinema tem a sua própria linguagem, diferente dos quadrinhos. Eis os personagens principais:
Usagi Tsukino (Serena na versão americana), a Sailor Moon, também conhecida como a Princesa da Lua Branca e a Guerreira do Amor e da Justiça. É a herdeira do extinto Reino Lunar (o Milênio de Prata) e a portadora do Sagrado Cristal de Prata, uma arma divina.
Mamoru Chiba (Darien na versão americana), também conhecido como Tuxedo Mask (Mascarado de Fraque) e Príncipe Endymion. O amor milenar de Serena. Há dezenas de milhares de anos, ele e a Princesa da Lua juraram amor eterno, e morreram na catástrofe que destruiu o Milênio de Prata (Naoko Takeushi, antes de ser desenhista, foi sacerdotisa xintoísta, daí a ideia de reencarnação e outros aspectos místicos da história; o Xintoísmo é a principal religião do Japão).
Sailor Marte (Hino Rei), o “alter ego” de Naoko Takeushi, é aprendiz de “miko” (sacerdotisa) num templo xintoísta.
Sailor Mercúrio (Ami Mizuno), a intelectual do grupo, vive lendo e tira as melhores notas co colégio.
Sailor Júpiter (Makoto Kino), mesmo sendo lutadora de caratê é doce e doméstica, boa em culinária e arrumação.
Sailor Vênus (Aino Minako), a precursora, já agia antes do despertar de Sailor Moon e é considerada a “sailor” da beleza.
(“Sailor” quer dizer marinheira ou navegante, título que provavelmente vem do poder que elas têm de viajar no espaço por teleporte e sem nave espacial.)
Chibiusa, a Pequena Dama (Ríni na versão americana). Filha de Usagi e Mamoru, mas nascida num futuro indeterminado, depois que ambos se casarem. Ela veio do futuro numa emergência e acabou ficando por tempos. É uma graça de menina.
Luna, a gatinha preta de Sailor Moon, que fala e orienta a heroína.
Artêmis, o gato branco, também falante, de Minako.
Diana, a gatinha filha de Luna e Artêmis, veio também do futuro.
Neherenia, a Rainha da Lua da Morte, a Lua por trás do espelho, inimiga da Rainha Serenity do Milênio de Prata (a mãe original de Sailor Moon); espécie de versão da Lilith da lenda judaica, ou seja o demônio feminino que habita o lado oculto da Lua.
Zirconia, a bruxa, poderosa ajudante de Neherenia.
Pégasus ou Hélios, o unicórnio branco alado que pode assumir forma humana, consta que vem do Paraíso e é, além disso, o protetor dos sonhos das crianças; no começo do filme ele pede ajuda a Sailor Moon e Chibiusa, pois sabe que Neherenia quer se apossar dele e do poder sobre os sonhos infantis.
De fato, no começo desta saga Usagi, Mamoru e Chibiusa estão observando um eclipse solar quando o Pégasus aparece e logo em seguida some, por ser apenas uma projeção. A Princesa da Lua Branca ainda não sabe, mas, aproveitando a sombra da Lua sobre a Terra, o Circo Negro está vindo em direção ao Japão. E a Terra está em grande perigo: um Mal ancestral e poderoso despertou.
Os acontecimentos logo se precipitam. O mundo cai sob um grande pesadelo, a escuridão se espalha, uma rede invisível vai amortalhando a humanidade. Surge uma doença misteriosa (!) que se alastra. O que realmente aconteceu é que Neherenia rompeu o lacre que há milênios a mantinha presa na Lua Nova e agora desce à Terra sedenta de poder e vingança. Entre as suas habilidades está o de aparecer nos espelhos (sua base é um grande espelho enfeitiçado) e induzir pesadelos nas pessoas, dominando as suas mentes (não funciona com a Sailor Moon).
Somente as sailors identificam o que está acontecendo e partem para o confronto com as forças malignas que ameaçam dominar o planeta.
Convém esclarecer a quem não saiba que Sailor Moon e suas companheiras são heroínas doces e amáveis, ingênuas e desprovidas de agressividade, são basicamente bondosas. Diferem radicalmente do caráter violento, duro e sinistro dos super-heróis norte-americanos. Sailor Moon está na contra-mão do culto à violência. Ela representa a exaltação de valores como a meiguice, o amor, a lealdade, a compaixão, a coragem e o senso de dever e de justiça. E também é recatada, sendo capaz de enrubescer em certas situações.
De fato Sailor Moon não dá golpes, não odeia os inimigos e, podendo, até os purifica. É humilde, ingênua e super-bem intencionada. Luta com os poderes da Luz empunhando o cetro lunar, a tiara lunar e o broche de transformação com o cristal de prata. Os signos cristãos, além dos xintoístas, acompanham a personagem, que assume o caráter de Messias. Portanto, longe do festival de brutalidade dos filmes de super-heróis norte-americanos, “Sailor Moon Eternal” trata da eternidade do Bem e mostra a luta entre o Bem e o Mal, entre a Luz e as Trevas.
Este filme vai dar muito o que falar.
— Miguel Carqueija
Rio de Janeiro, 1° de janeiro de 2021.