domingo, 29 de abril de 2018

Invasion of the Saucer Men (EUA, 1957, PB)



Para os apreciadores dos antigos filmes bagaceiros de ficção científica e horror da década de 1950 (principalmente), um filme que sempre é lembrado por suas características que moldaram o sub-gênero de invasão alienígena é “Invasion of the Saucer Men”. Tem o tradicional disco voador pousando numa floresta perto de uma pequena cidade americana, os alienígenas pequenos com cabeças enormes e olhos esbugalhados, ameaçadores e hostis para a humanidade, e as ações (nesse caso incompetentes) da polícia local e principalmente do exército em ocultar as evidências para não criar pânico.
O filme foi distribuído em 1957 pela cultuada “American International”, da dupla de especialistas James H. Nicholson e Samuel Z. Arkoff. Com fotografia em preto e branco, a direção é de Edward L. Cahn, que também foi o responsável por diversas outras tosquices divertidas do período como “O Cadáver Atômico” (55), “O Fantasma de Mora Tau” (57) e “Invasores Invisíveis” (59). Curto com apenas 69 minutos, seu roteiro tem muitos elementos de humor interagindo com os momentos de horror e sua ideia básica de FC fuleira, baseado na história “The Cosmic Frame”, de Paul W. Fairman. 
Um jovem casal de namorados, Johnny Carter (Steven Terrell) e Joan Hayden (Gloria Castillo), vão de carro para um local conhecido como parada tradicional para namorar e beber cerveja, localizado dentro da propriedade do fazendeiro Larkin (Raymond Hatton), que não gosta da invasão dos intrusos e dos restos de cerveja jogados no campo e que são consumidos depois por seu touro de estimação. Quando os jovens decidem retornar para a cidade, atropelam acidentalmente um pequeno alienígena que acabara de chegar com sua nave espacial em forma de disco voador.
A partir daí, inicia-se uma série de confusões depois que dois sócios oportunistas e interessados em ganhar dinheiro de qualquer forma, Joe Gruen (Frank Gorshin) e Artie Burns (Lyn Osborn), se envolvem com a descoberta da nave e seus ocupantes cabeçudos, que emitem ruídos estranhos e possuem garras nas mãos que injetam álcool nas suas vítimas. Para aumentar o tumulto, ainda tem o exército atrapalhado, que tenta esconder a nave e ocultar a invasão, em ações lideradas pelo Coronel Ambrose (Sam Buffington) e o Tenente Wilkins (Douglas Henderson).
“Invasion of the Saucer Men” é o exemplo típico do cinema bagaceiro de ficção científica que diverte com suas inúmeras bobagens, em histórias ingênuas e exageradas na fantasia, representando o período conturbado da década de 1950, com a paranoia de invasão alienígena depois do famoso incidente ufológico em 1947 na cidade americana Roswell.
O disco voador é uma maquete tosca (numa época sem computação gráfica), os alienígenas invasores são interpretados por atores anões vestindo roupas e máscaras de borracha, com imensas cabeças e olhos esbugalhados, encarnando o típico estereótipo criado pelo cinema para esses seres hostis vindos de outros mundos. A história é simples e sem profundidade, não há explicações sobre o disco voador e os extraterrestres, eles apenas vieram e são ameaçadores. Tudo é tratado de forma superficial e conveniente para os baixos custos da produção, com diálogos rasos e situações previsíveis. Mas, o resultado final é pura diversão para quem aprecia o cinema fantástico bagaceiro.     
Curiosamente, tanto a nave espacial quanto a maquiagem dos alienígenas foram confeccionados pelo técnico em efeitos especiais Paul Blaisdell (1927 / 1983), que trabalhou para vários outros filmes similares na época, marcando seu nome no gênero. E foi lançada uma refilmagem em 1965 com o título “The Eye Creatures”, dirigido por Larry Buchanan.
(Juvenatrix – 29/04/18)


quarta-feira, 18 de abril de 2018

Regresso a Zero

Regresso a Zero (Retour à “0”), de Stefan Wul. Tradução de Maria Adelaide Correia Freire e Raul Correia. Capa de Lima de Freitas. 177 páginas. Lisboa: Editora Livros do Brasil, Coleção Argonauta no. 54, 1959. Lançado originalmente em 1956.


No cenário da ficção científica europeia, a coleção francesa Fleuve Noir exerceu grande importância, ao revelar vários autores de seu país e com histórias voltadas, pelo menos em sua fase inicial, às aventuras e space operas, num tom assumidamente pulp.
Regresso a Zero apareceu na Fleuve Noir em seu número 78, no ano de 1956, como o livro de estréia de Stefan Wul (1922-2003), pseudônimo usado por Pierre Pairaul. Wul acabaria por se tornar um dos mais populares escritores franceses de ficção científica.
Se Wul estreou e publicou o restante de sua obra nesta célebre coleção de seu país, faz todo o sentido que quase todos seus livros tenham sido traduzidos e publicados em língua portuguesa, na equivalente portuguesa da coleção francesa, a Argonauta. Além disso, Regresso a Zero é o livro de Wul com mais edições em Portugal. Saiu também como Regresso a “0”, no Clube do Livro e com o mesmo título pela editora Nova Era, ambos em 1977.
A aventura nos leva ao futuro do século 37 (!), com um conflito bélico prestes a acontecer entre a Terra e a Lua. É que desde há alguns séculos todos os condenados por crimes graves eram deportados para o satélite, sem possibilidade de retorno. Com isso os proscritos acabaram por colonizar a Lua, criando uma sociedade autoritária, machista e potencialmente agressiva, pois para os dirigentes mais idosos, o principal objetivo a ser atingido é se vingar dos terráqueos, com uma invasão em grande escala.
O serviço secreto da Terra descobre os planos e envia para a Lua um espião para sabotar os planos ou, se possível, criar canais de diálogo que possibilite um acordo de paz. Desta forma, o físico nuclear Jâ Benal se faz passar por um condenado e é enviado ao nosso satélite natural.
Mal chega e descobre que sua tarefa não será fácil. Isso porque os selenitas não acolhem, de saída, os recém-chegados. Deixa que eles lutem pela sobrevivência num lugar inóspito e desconhecido por pelo menos 15 dias. Caso resista, só então é admitido como membro da nova sociedade.
Jâ Benal pousa numa região difícil e tem de lutar bravamente para sobreviver a uma região pantanosa e contra algumas espécies, especialmente os gorn, pequenos animais – semelhantes a porcos – extremamente agressivos, inteligentes e carnívoros. Benal é tocaiado pelos gorns num labirinto com cavernas subterrâneas onde vivem, mas termina por se safar, mas não sem antes sofrer um sério ferimento na perna. Vale comentar que a Lua descrita por Wul não guarda nenhum compromisso com a realidade científica, mesmo da época, mas isso não diminui o prazer e o envolvimento com as situações descritas.
Como já havia passado os 15 dias e ciente de que o novo membro era um eminente cientista, o governo lunar o recolhe e procede a uma operação de emergência. E é aqui que o romance atinge o clímax da inventividade: uma equipe de cirurgiões é miniaturizado e enviado para o interior do corpo de Benal. As páginas da preparação da cirurgia e da aventura dos médicos é puro sense of wonder. Impossível não lembrar do clássico filme Viagem Fantástica (Fantastic Voyage, 1966), dirigido por Richard Fleisher, e não especular de que possa ter sido inspirado no livro de Wul, escrito dez anos antes.
Pode até parecer estranho que tudo isso aconteça quando o tema principal é a disputa entre a Terra e a Lua pois, de fato, a missão de Benal só começa a ser efetivamente cumprida após estes interregnos iniciais, mas eles são os momentos mais inspirados do livro.
Benal é instalado com todas as condições para continuar seu trabalho de cientista, pois o governo lunar o quer como um aliado no desenvolvimento de suas armas para atacar a Terra. Até lhe entregam para viver em sua companhia uma linda loira, obviamente para amaciá-lo ainda mais.
O que Benal ignora é que o governo lunar sabe que ele é um espião, e quer saber até onde ele pretende ir com seus objetivos. Nira Slid, sua mulher, se apaixona por ele, e acaba por lhe contar tudo. Mas Benal não sabe mais como viver sem ela, e assim a toma como aliada para cumprir sua missão.
Primeiro ele procura Kam, cirurgião-chefe que o operou e um amante da paz para se aliar à sua causa, e buscar uma solução diplomática. Quando esta opção se revela infrutífera Benal parte para uma série de atos de sabotagem às instalações militares com o intuito de enfraquecer os objetivos bélicos dos selenitas.
O tema do uso da Lua como rival da Terra não é incomum no gênero, e certamente o romance mais conhecido é Revolta na Lua (The Moon of a Harsh Mistress, 1966), de Robert A. Heinlein (1907-1988), onde os lunares lutam por sua independência frente ao governo centralizador da Terra. Mas este Regresso a Zero segue uma linha mais despretensiosa, no qual o próprio título da obra só adquire significado no último capítulo por meio do desfecho da rivalidade entre terráqueos e selenitas.
Como um primeiro livro de uma carreira Regresso a Zero apresentou várias ideias interessantes que seriam desenvolvidas posteriormente, à exceção da cirurgia por miniaturização, uma verdadeira pérola de criatividade de realização narrativa. Assim, surge no livro temas como problemas ambientais na Terra, exploração do espaço, alteração da órbita de um corpo celeste, instrumentos de anti-gravidade, espécies alienígenas, colonização de um novo planeta e criação de uma nova civilização.
Embora trate de um tema sério de conflito político, suas possibilidades dramáticas nunca chegam a ser muito exploradas, pois o que conta mesmo é a criatividade e leveza da narrativa, mais preocupada em entreter, sem que isso possa significar, necessariamente, a diminuição de sua qualidade como obra literária. É que o foco é na aventura e no entretenimento, e nisso Wul se mostra exemplar.

– Marcello Simão Branco

domingo, 15 de abril de 2018

Magda, Rafa Campos Rocha

Magda, Rafa Campos Rocha. 144 páginas. Editora Companhia das Letras, selo Quadrinhos na Cia, São Paulo, 2016.

Por muito tempo restrita ao ambiente amador, publicada em fanzines e edições de autor, a ficção científica agora ocupa espaços bem mais evidentes, em editoras de porte com boa distribuição nas livrarias. Outra prova que o gênero deixou de ser o patinho feio do mercado é a frequência com que o gênero tem sido abordado pelas histórias em quadrinhos, com produções de porte sendo oferecidas com alguma regularidade, inclusive por autores brasileiros, o que há alguns anos era impensável. Isso é decorrente do crescimento do interesse pela arte, mas também do desenvolvimento de uma consciência do gênero entre os autores da nova geração, mais acostumados à tecnologia e aos apelos da cultura pop.
É por isso que temos a chance de ter publicado Magda, de Rafa Campos Rocha, pela editora Companhia das Letras, no selo Quadrinhos na Cia, novela gráfica de ficção científica de grande impacto visual, que trafega também pelas sendas do horror splatter, que é aquele que espirra sangue e vísceras para todos os lados.
Tudo começou quando cientistas brasileiros desenterraram uma rocha, que pensavam ser um meteorito. Ao partirem a pedra, libertaram um vírus poderoso do longínquo passado do planeta que, antes que se dessem conta, escapou do complexo e contaminou a sociedade, transformando pessoas em assassinos furiosos descerebrados literalmente sedentos de sangue humano. Rio de Janeiro e São Paulo se transformam em áreas de contenção, bombardeadas continuamente para evitar que a praga se alastre.
Contudo, não foi apenas o vírus que saiu daquele ovo. Ali também hibernava uma entidade que, ao ser despertada, invadiu o corpo de uma das cientistas - Magda - e com ela estabeleceu uma relação simbiótica. Magda passou a partilhar sua consciência com a invasora, a qual chama de Máquina, que lhe deu uma séria de poderes, mas cobra um preço alto por isso: a fome por sangue e carne humanos.
A história começa num campo de sobreviventes em algum lugar no interior do país, onde a praga dos transformados ainda não se estabeleceu. Os poucos transformados que ali aparecem tornam-se alimento de Magda, que mantém sua condição mutagênica em segredo dos membros da comunidade. Porém, a ausência de incidentes com os transformados chama atenção das forças armadas, que para lá enviam uma força de ocupação que pretende investigar o fenômeno. Instigada pela Máquina, Magda retorna para o local em que as coisas começaram, e o caminho será repleto de confrontos violentos, carnificina e desmembramentos.
Há ecos aqui de várias obras do cinema e da tv, como se pode perceber. A mais evidente é o seriado The walking dead, sucesso dos quadrinhos e da tv, que conta a história de um grupo de sobreviventes depois do apocalipse zumbi, mas também é forte a influência da franquia  de videogame e cinema Resident evil, e mais particularmente do filme de cinema Species  (A experiência, 2001). Apesar disso, Magda consegue sustentar independência autoral, na medida em que se apoia em cenários e maneirismos brasileiros (como não poderia deixar de ser), no estilo despojado, quase amador, dos traços do autor - que continuamente roubam do leitor a suspensão da incredibilidade - e o também evidente diálogo com "A metamorfose", de Franz Kafka: a máquina tem a aparência de uma barata enorme que muitas vezes assume a forma física da personagem.
Por trás dessa trama por si só subversiva, acontece o drama familiar entre Magda, sua amante e uma jovem que ambas têm como filha, e a velha falácia da maldição hereditária que vai dar tom humano à essa narrativa fantástica e grotesca.
O paulistano Rafa Campos Rocha é um artista experiente, professor de História da Arte, cenógrafo e artista plástico, publicou na PiauíFolha de S. Paulo, e Vice, entre outros. Magda é seu segundo álbum pela Quadrinhos na Cia; o primeiro foi Deus essa gostosa, de 2012.

quinta-feira, 5 de abril de 2018

Dia das Mães Macabro (Mother´s Day, EUA, 1980)



A produtora “Troma”, especializada em filmes bagaceiros de horror, lançou em 1980 a divertida tranqueira “Dia das Mães Macabro” (Mother´s Day), dirigida por Charles Kaufman, irmão do fundador da produtora, Lloyd Kaufman.
Três amigas da época da escola, unidas por uma irmandade, se encontram para um passeio de diversão descompromissada. Jackie (Deborah Luce), Abbey (Nancy Hendrickson) e Trina (Tiana Pierce) decidem ir para um local isolado numa floresta, aproveitando um final de semana para sair de suas rotinas diárias e se afastar dos problemas, relembrando os bons momentos do passado na escola. Porém, logo a diversão se transforma em tensão e medo depois que são surpreendidas por dois irmãos psicopatas, Ike (Frederick Coffin, creditado como Holden McGuire) e Addley (Michael McCleery, creditado como Billy Ray McQuade). Eles moram com sua mãe insana e autoritária, interpretada por Beatrice Pons (creditada como Rose Ross), numa cabana no meio do mato.
Os irmãos lunáticos sequestram as garotas e iniciam uma série de torturas físicas e psicológicas, carregadas de violência e perversidade, para satisfazer, além de seus próprios desejos pessoais, também a mãe maluca, que se diverte com o sofrimento das moças capturadas.
É verdade que os primeiros 30 minutos do filme são arrastados, perdendo muito tempo com futilidades envolvendo as três moças, mas depois que elas são capturadas pelos psicopatas assassinos, as ações ganham intensidade com as torturas e violência, espalhando sangue. Além também do plano de fuga e vingança das moças contra seus algozes, que apesar dos inevitáveis clichês, gerou um ritmo tenso com as perseguições e confrontos sangrentos.
Tanto os atores que interpretaram os irmãos sádicos, quanto principalmente a veterana Rose Ross (na verdade, Beatrice Pons), como a mãe perversa, tiveram ótimas atuações, convencendo com seus personagens insanos e ameaçadores, contribuindo significativamente para tornar “Dia das Mães Macabro” mais um exemplo de filme divertido de horror bagaceiro.    
Curiosamente, a primeira vez que vi o filme foi em 1985 através de uma fita “alternativa” de vídeo VHS, um nome diferente na época para “pirata”, e a experiência registrou algumas cenas definitivamente em minha memória, como a decapitação do início e as mãos severamente dilaceradas de uma das garotas, por causa do atrito de uma corda.
Em 2010 tivemos uma refilmagem com o título nacional “Dominados Pelo Ódio”, dirigido por Darren Lynn Bousman e com Rebecca De Mornay no papel da mãe perversa.
(Juvenatrix – 05/04/18)