domingo, 28 de fevereiro de 2016

O Monstro de Mil Olhos (Return of the Fly, EUA, 1959, PB)


O sucesso de “A Mosca da Cabeça Branca” (The Fly, 1958) inevitavelmente despertou a atenção dos produtores para o lançamento de uma continuação. Então, no ano seguinte, só que com fotografia em preto e branco para reduzir os custos, foi lançado “O Monstro de Mil Olhos”, escrito e dirigido por Edward L. Bernds (1905 / 2000), um cineasta mais conhecido por seus filmes de comédia, mas que dirigiu algumas preciosidades do cinema fantástico bagaceiro como “Vinte Milhões de Léguas a Marte” (1956), “Rebelião dos Planetas” (1958) e “Valley of the Dragons” (1961).
Após quinze anos da experiência com teletransporte do “cientista louco” do filme original, cujos resultados catastróficos transformaram-no num monstro misto de homem e mosca, seu filho Philippe Delambre (Brett Halsey) tenta seguir os passos do pai., depois da morte da mãe, deprimida com a tragédia do passado. Ele convence com muito custo o tio François (Vincent Price) para patrocinar a aquisição de novos equipamentos para montar um novo laboratório e retomar o projeto de desintegração e reintegração de matéria, transmitindo estruturas moleculares e explorando terras selvagens do conhecimento científico. Ele tem um parceiro, Alan Hinds (David Frankham), que possui interesses obscuros ao fazer parte do projeto, roubando as ideias com o intuito de vendê-las para magnatas da indústria eletrônica. Ele é aliado de Max Barthold (Dan Seymour), um criminoso interceptador de objetos roubados. Num confronto entre eles, o jovem cientista Philippe torna-se vítima do mesmo acidente que ocorreu com seu pai. Virando um monstro com cabeça, braço esquerdo e perna direita de mosca, fugindo desorientado do laboratório e despertando a atenção da polícia, através das investigações do Inspetor Beecham (John Sutton), que já tinha enfrentado situação similar ao auxiliar o Inspetor Charas no filme anterior.  
Essa continuação é uma produção com orçamento bem modesto e duração curta, com apenas 77 minutos. Foi claramente lançada numa jogada oportunista dos produtores para tentar lucrar com a boa receptividade do filme original. Tanto que a história é muito similar, contando apenas com o acréscimo de outros personagens coadjuvantes e o fato do “homem transformado em monstro” sair do laboratório e percorrer as ruas em busca de vingança, com algumas mortes dos oponentes que causaram sua tragédia. Os efeitos são extremamente bagaceiros, principalmente a representação de um porquinho da índia com mãos humanas, depois que o bicho se misturou com um policial que investigava os crimes de Alan Hinds, e foi colocado na máquina de teletransporte, se transformando numa criatura bizarra com as patas do animal. Mas em compensação, o cientista com uma cabeça enorme de mosca ficou mais interessante que no filme original, onde a cabeça de mosca do cientista transformado era bem menor e menos assustadora. Outro detalhe desabonador é o desfecho comum e previsível, com resultados improváveis. 
A questão é que “O Monstro de Mil Olhos” é na verdade apenas mais um filme bagaceiro de horror com elementos de ficção científica, igual a centenas de outros com características parecidas. E o diferencial que o tornou mais conhecido é apenas o fato de ser uma continuação do clássico “A Mosca da Cabeça Branca”, além também por ter o privilégio da presença de Vincent Price no elenco. Se não fosse por isso, provavelmente o filme se perderia na imensidão de produções similares.  
“O Monstro de Mil Olhos” foi seguido por “A Maldição da Mosca” (1965), que concluiu a trilogia. Depois, em 1986, a história de George Langelaan foi novamente adaptada para o cinema em “A Mosca”, de David Cronenberg, apostando em cenas sangrentas, que por sua vez inspirou a sequência “A Mosca II” (1989), de Chris Wallas.

(Juvenatrix – 28/02/16)

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Ficção de Polpa - Volume 1

Ficção de polpa – Volume 1, Samir Machado de Machado, organizador. 132 páginas. Editora Fósforo. Porto Alegre: Editora Fósforo, 2007.

Este lançamento foi a maior surpresa no mercado editorial brasileiro em 2007, com relação aos autores nacionais. Menos pelo conteúdo e mais pela proposta. A começar é, fundamentalmente, um livro que procura resgatar um espírito pulp para a literatura nacional que, como lembra o organizador, nunca existiu da maneira como nos Estados Unidos aqui no Brasil. E a proposta vai fundo no que se propõe, pois a própria edição é em formato das revistas pulps americanas, a não ser pelo tamanho, que era maior. A ilustração de capa de Gisele Oliveira, com uma linda loura acorrentada prestes a ser atacada por um maníaco, era a norma destas revistas. Abrindo as páginas, vemos que os textos estão divididos em duas colunas, como também ocorria nas revistas, há ilustrações internas para alguns contos e por aí vai. Se não por qualquer outro motivo, a iniciativa já seria elogiosa, pela criatividade e competência em recriar uma típica pulp magazine. Mas vamos ao principal, o conteúdo.
O organizador situa a proposta e os temas a serem apresentados na antologia e já observa que “a maior parte dos textos pendeu para o lado do horror, mesmo que dentro de um contexto fantástico ou de ficção científica”.  Esta informação ajuda também a situar melhor a qual gênero as 16 histórias pertencem, pois pela capa os três gêneros eram igualmente anunciados.
O primeiro conto pertence ao organizador e chama-se “O homem que criava fábulas”. É a história de um sujeito que vai passar um fim de semana numa fazenda de uma amiga de sua falecida vó. Lá ele conhece animais produzidos por manipulação genética, inspirados na fantasia e mitologia universal, como o unicórnio e o pégaso. Mas as coisas começam a dar errado um dos animais ataca o marido da amiga da avó. A prosa é fluente e o texto mantém o interesse, sendo mais efetivo por isso do que tema, mais uma variação sobre os monstros do Doutor Moreau de H.G. Wells.
O segundo conto é “Carne”, de Guiherme Smee. Um sujeito acorda com fome e dor de cabeça. Logo percebe que não conhece o lugar onde está. Além disso, tudo ao seu redor está desarrumado e destruído. A forme e o mal estar só aumentam e ele precisa de carne. Aos poucos e de maneira convincente percebe-se que o autor subverte o ponto de vista das histórias de mortos-vivos. O mundo foi devastado e a história é contada de um ângulo diverso do convencional. Muito bom, intenso e ousado.
O próximo é “Lingüista”, de Rodrigo Rosp. História de gosto duvidoso sobre um casal que tem um sexo intenso, especialmente com o uso da língua. A sensação de desconforto não é pelas cenas de sexo, mas do que passa a ocorrer quando ele resolve deixá-la por sentir-se submisso nas relações sexuais. Basta dizer que ela estudava e, literalmente, colecionava línguas mortas.
Um conto na linha absurdista é “Cosmologia ou de como uma simples coceita pode mudar a vida de alguém”, de Marcelo Juchem. Um sujeito tem uma coceira na orelha, vai coçando, mas ela só aumenta. Desesperado, nota que algo grande e inexplicável vai saindo do seu ouvido.
Mais um conto que trabalha com uma situação estranha e inusitada é “Os estranhos”, de Gustavo Faraon. Um menino é o último a aguardar a chegada da mãe na saída da escola. Como ela demora, resolve ir ao banheiro e se depara com pessoas estranhas – vestidos como médicos – que fazem exames nele e em outras crianças. Os aprovados são liberados e os reprovados ficam retidos dentro da escola. Quando percebe já é dia e ele tem de ir para a sala de aula, como se nada tivesse acontecido. Ele ouve sons estranhos de uma construção na escola, mas sabe que são daqueles que ficaram presos. É um conto com uma atmosfera angustiante, que trabalha na questão da imaginação de uma criança, não ficando claro se tudo aconteceu mesmo ou não.
Já “Dias de fome, noite de cão”, de Sérgio Napp é uma história aparentemente convencional na figura de um sujeito que vem à cidade grande em busca de emprego, não encontra e vive faminto pelas ruas. A certa altura entra em uma casa aparentemente desabitada e encontra o horror absoluto na forma de um enorme cão preto.
Rafael Spinelli assina “O homem dos ratos”. Um sujeito não consegue se desfazer de nada. Acumula tudo e isso vira um problema grave para sua mulher, em meio a lixo e bugigangas pela casa toda. Embora soe como loucura, vez por outra são noticiados casos semelhantes. Mas talvez não com o desfecho deste conto.
O próximo é uma eficaz cena de terror psicológico. “Tempestade em Coney Island”, de Rafael Kasper narra uma fortíssima tempestade e os efeitos que provoca em uma mulher enquanto o marido sai para comprar cerveja. Tão bem narrado que fica no limite entre o suspense e o horror quase sobrenatural.
Na seqüência temos “Ventre”, de Roberta Lorini. Um filho mal cuidado por seus pais, mata a mãe, retirando-lhe o útero. E assim prossegue tornando-se um psicopata. Ao mesmo tempo, o texto é intercalado por um delegado solitário e bem-sucedido, disposto a não só prender, mas matar o criminoso. Uma história curta e bem narrada, em que mesmo o final surpresa encaixa-se bem dentro do contexto.
“Fungui”, de Luciana Thomé segue a tendência, com uma situação bizarra acontecendo e invertendo o próprio sentido do terror. Cogumelos nascem por toda casa, deixando uma mulher primeiro sedenta e depois tomada de puro desespero.
Alessandro Garcia é o próximo autor com o seu “Vãos”, o texto mais longo do volume. Contada em tons intimistas, os sentimentos do protagonista dão o tom, ao relatar seus problemas pessoais, como um mau casamento, a morte mal explicada de um funcionário de sua fazenda, um filho mimado e de comportamento misterioso. É um suspense psicológico que se anuncia como sobrenatural, mas fica no plano realista, pois não há nenhum elemento fantástico. O que mantém o interesse é a prosa habilidosa e as intenções subjetivas dos personagens, deixando ‘vãos’ de expectativas para o leitor.
A seguir temos “A meia-noite do fim do mundo”, de Fernando Mantelli.  Digo que o melhor está no título. A história não passa de um pastiche pouco inspirado e previsível de H.P. Lovecraft. Talvez funcionasse em um fanzine, não deveria ser publicado nesta antologia.
Já “Cabeça-de-arroz”, de Annie Piagetti Müller, explora mais uma história bizarra. Agora é a vez de Nilce, uma mulher viciada em arroz (!). O conto tem o mérito de ser o primeiro do livro a não ser narrado em primeira pessoa até aqui, pois o recurso estava repetitivo e cansativo. Contudo, a narrativa é previsível quanto ao desfecho, aliás na mesma toada de outros contos.
Assim como também “Fígado”, de Silvio Pilau. Uma outra premissa absurda, quando um fígado bate à porta de um alcoólatra dizendo que vai matá-lo por maltratá-lo por tantos anos. Talvez o personagem estivesse tendo deliriuns tremens ou algo do tipo, mas o conto não faz questão de sutilezas em sua proposta moralista sobre o vício da bebida.
“O desvio”, de Antônio Xerxeneski é como “Carne”, um conto que brinca com os clichês, procurando subvertê-los. Um viajante solitário em uma estrada deserta dá carona a uma garota, vestida no estilo gótico. Tudo vai bem, até que um anuncia ao outro que é o diabo. Paira uma certa dúvida durante a leitura, mas o fato é que um estava assustando o outro. Porém, um desvio os espera numa próxima curva que nunca aparece para, provavelmente, definir o destino de ambos. Ótimo conto.
Mas o melhor trabalho ficou para o final. Refiro-me a “Quando eles chegaram”, de Rafael Bán Jacobsen. O argumento é simples e dos mais retratados: Uma invasão extraterrestre em nosso planeta. De início pacíficos, misturam-se aos humanos na condução do poder e dos negócios e por fim revelam suas reais intenções de nos transformarem um fonte de sua alimentação. Até aí também sem novidades, há ecos de O fim da infância, de Arthur C. Clarke e da minissérie televisiva V, a batalha final. Mas a força da narrativa impacta e choca por sua frieza e indiferença com que a matança é realizada e a total impotência com que os humanos são dominados, submetidos e eliminados. Muito efetivo também é o uso da primeira pessoa, com o protagonista contando a tragédia de seu ponto de vista.
Ficção de polpa ainda reserva uma seção chamada de “Faixa bônus”, que dá ainda mais charme à sua proposta pulp, apresentando um conto de H.P. Lovecraft, “O cão de caça”, o primeiro a mencionar o Necronomicon e um making-off interessante mostrando o processo de criação da ilustração da capa.
Vale mencionar também que esta é uma antologia regional e, mais que isso, gaúcha. Quase todos os autores lá nasceram ou moram lá há muito tempo. São em sua maioria relativamente jovens, entre os 20 e 30 anos e atuam no campo literário ao lado de ocupações profissonais na área de comunicação e ciências exatas. Estes fatos certamente significam algo para a comunidade brasileira de ficção científica, pois mostra que existe grupos de autores atuando por fora de suas fronteiras, talvez como efeito da internet e da própria decadência do fandom em integrar os novos interessados, principalmente de uns dez anos para cá.
É curioso que este livro tenha aparecido justamente em meio a uma polêmica sobre as virtudes de uma ficção pulp, como defendida por Ana Cristina Rodrigues e Alexandre Lancaster, em artigo publicado no fanzine Scarium n.19, de junho de 2007.[1] Que este tipo de história tem seus encantos é indiscutível, mas não a concepção pulp dos autores do artigo que entendem que sua simples expressão prescindiria de uma busca por qualidade literária, desqualificando mesmo propostas pretéritas e atuais que procuram conciliar uma boa história com um bom texto. Ora, este Ficção de polpa, acaba por ser uma resposta involuntária, pois afirmando uma proposta pulp, procurou primar por um vocabulário e estilos relativamente elaborados, mostrando que é não só possível como desejável contar boas histórias através da busca por uma boa literatura. É certo que o resultado do livro é um pouco desigual, mas percebe-se o esforço dos autores em produzir pulps com algo mais do que simples pulps, à maneira do que faziam os americanos nos anos 20 e 30 do século passado e que, a dupla de autores do referido artigo, quer parecer ressussitar.
Samir Machado de Machado já divulgou os autores e os contos de uma segunda edição do livro, prevista para publicação em 2008. Se o resultado geral desta antologia é de razoável para bom, com muitos contos semelhantes quanto à temática e um pendor por vezes exagerado para o escatológico e o sensacional, o saldo é positivo pela iniciativa em si, abrindo uma boa expectativa de que no mínimo, o mesmo nível possa ser mantido na próxima edição.

 Marcello Simão Branco






[1] O artigo é “Ficção científica popular”.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

A Mosca da Cabeça Branca (The Fly, EUA, 1958)


“A Mosca” é um conto de Ficção Científica com elementos de Horror escrito pelo francês George Langelaan e publicado na edição de Junho de 1957 da revista americana “Playboy”. No ano seguinte, a ótima história com grande potencial para o cinema, transformou-se no filme “A Mosca da Cabeça Branca” (The Fly), produzido e dirigido pelo alemão Kurt Neumann (1908 / 1958), de “Da Terra à Lua” (1950) e “Kronos, o Monstro do Espaço” (1957). No elenco, temos o ícone Vincent Price num papel coadjuvante, e David Hedison como o protagonista, ele que esteve em “O Mundo Perdido” (1960) e seu rosto é mais conhecido pelo papel do Capitão Lee Crane da série de TV “Viagem ao Fundo do Mar” (1964 / 1968).

“Quanto mais eu sei, mais eu tenho certeza que sei tão pouco. O eterno paradoxo.” – frase do “cientista louco” Andre Delambre num momento de reflexão sobre seus avanços científicos 

A história é ambientada na cidade canadense de Montreal, onde o cientista Andre Delambre (David Hedison) faz experiências com teletransporte de matéria. Casado com a bela Helene (a canadense Patricia Owens) e pai do pequeno Phillipe (Charles Herbert), ele também é sócio de seu irmão François (Vincent Price) numa bem sucedida empresa de eletrônica. Obcecado por seu trabalho na pesquisa científica para o bem da humanidade, ele não mede esforços para conseguir seus objetivos. Fazendo testes de desintegração de objetos e cobaias vivas (sua gata de estimação e um porquinho da índia) numa cabine especial, com seus átomos viajando na velocidade da luz pelo tempo e espaço até se reintegrarem novamente em outro local. Porém, após a ocorrência de um acidente onde ele próprio decidiu ser a cobaia da experiência, seu corpo misturou-se ao de uma mosca intrusa na câmara de teletransporte. Como resultado desastroso, o cientista transformou-se num monstro onde sua cabeça e braço esquerdo eram de uma mosca, e o inseto fugiu com cabeça e braço humanos. Para tentar reverter o processo, ele pede para sua esposa e filho tentarem capturar a “mosca da cabeça branca”, antes que ele pudesse perder a sanidade e o resto de sua humanidade pela influência da mosca em seu corpo. Paralelamente, a polícia, sob a liderança do Inspetor Charas (o inglês Herbert Marshall), investiga os mistérios e eventos sinistros envolvendo o cientista e seu trabalho pioneiro de teletransporte.

O filme é um clássico dos saudosos anos 50 do século passado abordando as temáticas de “cientista louco” e “homem transformado em monstro”. Faz parte de um período fértil com centenas de filmes divertidos do cinema fantástico, muitos deles produzidos com orçamentos baixos e roteiros exagerados na fantasia, com características bagaceiras que justamente despertam o interesse dos apreciadores do estilo. O laboratório do “cientista louco” possui todos aqueles aparelhos sofisticados da época, repletos de luzes piscando, botões e mostradores analógicos, num período turbulento onde a humanidade convivia com a paranoia nuclear da guerra fria, com a preocupação e medo da destruição do planeta e das consequências de atos equivocados com o avanço da tecnologia, dos aparelhos eletrônicos, foguetes, satélites espaciais e vôos supersônicos.

Foi criada uma franquia dentro desse interessante universo ficcional, inicialmente com uma trilogia composta pelo original de 1958 e outras duas sequências com fotografia em preto e branco, “O Monstro de Mil Olhos” (Return of the Fly, 1959), e “A Maldição da Mosca” (Curse of the Fly, 1965). Cerca de vinte anos depois, o cineasta David Cronenberg retomou o assunto e lançou a refilmagem “A Mosca” (The Fly, 1986), com horror gráfico e mortes sangrentas em ótimos efeitos especiais, e que foi seguido por “A Mosca II” (The Fly II, 1989), de qualidade bem inferior. “A Mosca da Cabeça Branca” foi lançado em DVD no Brasil pela “Fox”, com a opção de exibição do filme com a dublagem em português da época em que foi exibido na televisão. Na parte de materiais extras, temos apenas os trailers sem legendas do próprio filme e também da refilmagem de 1986, sua continuação de 1989, e do clássico de FC “Viagem Fantástica” (Fantastic Voyage, 1966).

(Juvenatrix – 22/02/16)

sábado, 20 de fevereiro de 2016

O Incrível Homem Que Encolheu (The Incredible Shrinking Man, EUA, 1957, PB)


Produção da “Universal” de 1957 com fotografia em preto e branco, “O Incrível Homem Que Encolheu” tem direção de Jack Arnold e história de Richard Matheson, dois especialistas no gênero fantástico. Arnold (1916 / 1992) tem no currículo preciosidades como “Veio do Espaço” (1953), “O Monstro da Lagoa Negra” (1954), “A Revanche do Monstro” (1955), “Tarântula!” (1955), “Mensagem do Planeta Desconhecido” (1958) e “O Monstro Sanguinário” (1958). E o escritor Matheson (1926 / 2013) escreveu vários episódios da série de TV “Além da Imaginação” e roteiros de filmes produzidos por Roger Corman e inspirados em Edgar Allan Poe como “O Solar Maldito” (1960), “O Poço e o Pêndulo” (1961), “Muralhas do Pavor” (1962) e “O Corvo” (1963). Também escreveu os roteiros de “Farsa Trágica” (1964), “As Bodas de Satã” (1968), da “Hammer” e “Encurralado” (1971), de Steven Spielberg, e parte de seus livros foram adaptados para o cinema em filmes como “Mortos Que Matam” (1964) e “A Casa da Noite Eterna” (1973).

Minha prisão. Uma área perigosa e solitária no espaço e no tempo. Pensei que assim como o homem tinha dominado o seu mundo, eu dominaria o meu.” – Scott Carey, analisando o porão de sua casa.

Scott Carey (Grant Williams) está passeando com sua esposa Louise (Randy Stuart) num barco no mar, descansando e tomando um banho de sol. Porém, uma misteriosa nuvem radioativa surge no caminho e apenas ele entra em contato com a estranha neblina. Passados alguns meses e depois que ele também entra em contato aleatório com uma névoa de inseticida, percebe que suas roupas estão ficando folgadas no corpo. Analisando melhor o mistério, descobre que está incrivelmente encolhendo e exames médicos indicaram uma reorganização da estrutura molecular das células de seu corpo, provocada pela exposição à radiação misturada com o inseticida. Com o encolhimento crescente e desenfreado de seus órgãos, Scott Carey tornou-se vítima da imprensa sensacionalista e se isolou do convívio social. Diminuiu tanto de tamanho que passou a morar numa casa de bonecas, lutando por sua vida contra a ameaça de seu gato de estimação. Com o encolhimento progressivo e depois de um acidente num confronto com o imenso gato, ele cai no porão e mora numa caixa de fósforos. Na nova condição repleta de perigos e dificuldades para a sobrevivência, ele terá que lutar o tempo todo por sua vida, encolhendo sem parar, enfrentando desde uma inundação com um vazamento de água de um cano até a batalha mortal com uma aranha enorme que vive no porão e quer manter seu domínio no local.

Meu inimigo parecia imortal. Mais que uma aranha, ele representava todos os medos desconhecidos do mundo. Todos eles, juntos num medonho horror negro.” – Scott Carey, sobre a guerra contra a aranha colossal.

“O Incrível Homem Que Encolheu” é uma pérola do cinema fantástico dos anos 50 do século passado, geralmente considerado pelos apreciadores do gênero como um dos mais importantes filmes de todos os tempos. Ambientado numa época onde a guerra fria entre os Estados Unidos e a antiga União Soviética pela supremacia do mundo, gerava um clima desconfortável de constante instabilidade e medo de um apocalipse nuclear, com a especulação dos efeitos destrutivos do uso indevido da radiação. A espetacular história mantém o interesse contínuo fazendo o espectador torcer pelo sucesso do protagonista, entendendo seu drama incomum e criando uma empatia por sua grave situação de homem encolhido que luta pela vida num ambiente onde tudo se transforma em perigoso e potencialmente mortal. Sem contar o imenso esforço psicológico para suportar a nova condição e não enlouquecer ou entrar num estado de depressão sem volta, perante o completo cenário pessimista ao seu redor. É difícil até imaginar como seriam nossas ações se tivéssemos que enfrentar uma situação similar, num mundo novo de desafios e perigos, onde o ápice do caos está no confronto com uma aranha que se transformou num monstro gigante pela perspectiva do homem encolhido.
Apesar de uma produção de baixo orçamento, os efeitos especiais são excelentes, principalmente pela época e pelos recursos disponíveis, num período sem a facilidade e artificialidade da computação gráfica, utilizando a construção de mobílias e objetos gigantes para simular a condição diminutiva do personagem. Além de efeitos eficientes de trucagem em cenas como a perseguição do gato de estimação, que de dócil tornou-se um monstro carnívoro ameaçador.
O desfecho, carregado de comentários filosóficos do protagonista, refletindo sobre questões existenciais, é memorável e se destaca na história do cinema de Ficção Científica, ao lado de outros marcantes como “O Homem dos Olhos de Raio-X” (1963) e “O Planeta dos Macacos” (1968).

Mas, de repente entendi que eram dois extremos de um mesmo conceito. O incrivelmente pequeno e o vasto acabaram se encontrando, como se um grande círculo se fechasse. Olhei para o céu como se de algum modo pudesse compreender, o céu, o universo, os mundos infinitos, a tapeçaria prateada de Deus que cobre a noite. Eu ainda existo.” – Scott Carey, refletindo sobre sua nova condição como “o incrível homem que encolheu”, e que continua encolhendo de forma infinitesimal.

Curiosamente, o escritor Richard Matheson criou uma história para possível sequência onde Louise Carey, a esposa do homem encolhido, também teria que enfrentar o mesmo drama, porém o projeto foi cancelado pelos produtores. E um erro atribuído ao filme é que a aranha utilizada é uma tarântula, porém esses aracnídeos não vivem em teias como mostrado, e sim em tocas e buracos.

(Juvenatrix – 19/02/16)

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Carnossauro (Carnosaur, EUA, 1993) + Carnossauro 2 (Carnosaur 2, EUA, 1995) + Criaturas do Terror (Carnosaur 3: Primal Species, EUA, 1996)



* Carnossauro (1993)
 “A Terra não foi criada para nós. Ela foi feita para os dinossauros. Estava desenhada para suas dimensões. Os seres humanos são como formigas passeando pelos seus quartos.” – comentário da “cientista louca” Dra. Jane Tiptree
Aproveitando o lançamento em 1993 de “Jurassic Park – O Parque dos Dinossauros”, de Steven Spielberg, que gerou uma franquia milionária, o produtor e também diretor Roger Corman, com centenas de filmes no currículo, a maioria situados no gênero fantástico, aproveitou o momento favorável comercialmente e lançou o cultuado “Carnossauro”. O filme é uma tranqueira divertida de dinossauros que gerou outras duas continuações. Corman é conhecido como “O Rei dos Filmes B” por seu incrível talento em produzir filmes com orçamentos baixos e filmagens em tempos curtos, e sua carreira marcante teve início nos anos 1950, já tendo acumulado mais de 400 filmes no currículo, e também grande quantidade de créditos na função de diretor, tendo trabalhado com atores ícones do Horror como Vincent Price e Boris Karloff. É uma pena que seu último trabalho na direção foi em 1990 com “Frankenstein – O Monstro das Trevas” (Frankenstein Unbound). Mas, em compensação, como produtor Corman tem mais de 60 anos de contribuições para o cinema fantástico bagaceiro, com um legado eterno de filmes de qualidade duvidosa, mas a maioria com diversão garantida.
Em “Carnossauro”, dirigido por Adam Simon (de “Brain Dead”, 1990) e com sequências adicionais por Darren Moloney, temos uma história tosca ao extremo apresentando a “cientista louca” Dra. Jane Tiptree (Diane Ladd) liderando um projeto científico de engenharia genética com estudos de recombinação de DNA e manipulação de um vírus de frangos. Como resultados, temos dinossauros nascendo em ovos de galinha, crescendo numa velocidade extremamente rápida, e devorando as pessoas. Além da propagação de uma contaminação nas mulheres causando uma febre misteriosa e transformando-as em grávidas de dinossauros. Tudo faz parte de um plano maquiavélico da cientista para eliminar as mulheres e consequentemente a raça humana, dando lugar para os dinossauros pré-históricos povoarem novamente nosso planeta. Para tentar combatê-la, temos um vigia noturno, Doc Smith (Raphael Sbarge), que toma conta dos tratores de uma empresa que está destruindo a natureza, e uma ecologista hippie, Ann Thrush (Jennifer Runyon, atriz casada com um sobrinho de Corman), que defende o slogan “As grandes corporações estão matando nosso mundo”. E tem também um xerife durão, Fowler (Harrison Page), que tenta impedir a invasão dos dinossauros. 
Ao contrário da produtora picareta “The Asylum”, que copia ideias e faz filmes modernos extremamente ruins e exagerados nos efeitos de computação gráfica, o cultuado produtor Roger Corman sempre aproveitou argumentos e cenários usados para fazer filmes também ruins, mas divertidos. Principalmente pela precariedade dos recursos, sem a utilização dos efeitos artificiais de CGI, como exemplificado nos dinossauros toscos de “Carnossauro”, feitos por bonecos em miniatura com controle remoto e fantoches de mão, ou como no caso do tiranossauro, por um robô desajeitado com quase cinco metros de altura. Temos as sempre esperadas cenas de mortes violentas de dezenas de vítimas com o sangue jorrando, e pedaços de seus frágeis corpos destroçados pelas garras e dentes das feras, que vão de um imponente tiranossauro aos ágeis deinonicos (animais parecidos com velociraptores). É verdade que o roteiro é bem exagerado na fantasia, desde a ideia insana da cientista geneticista até a forma como ela coloca seu plano diabólico em ação, mas em compensação, a overdose de mortes sangrentas e o desfecho pessimista contribuem significativamente para o interesse pelo filme, que concluiu com um gancho para sequências inferiores que foram lançadas nos anos seguintes. 
Curiosamente, a veterana atriz Diane Ladd é mãe de Laura Dern, que no mesmo ano de 1993 atuava ao lado de Sam Neill, Jeff Goldblum e Richard Attenborough em “Jurassic Park – O Parque dos Dinossauros”. O experiente ator Clint Howard, com mais de 230 créditos no currículo, tem uma participação rápida com destaque para uma cena onde conta uma piada num bar antes de virar comida de dinossauro. A famosa cena do bebê alien rasgando o ventre de seu hospedeiro no clássico “Alien, o Oitavo Passageiro” (1979) é também referenciada em cena similar no filme produzido por Corman.

Carnossauro 2 (1995)
“Carnossauro” impulsionou a realização de outros filmes ambientados em seu universo ficcional, nas mesmas mãos de Roger Corman como produtor. Em 1995 foi lançado “Carnossauro 2” (Carnosaur 2), com direção de Louis Morneau (de “Morcegos”, 1999 e “Lobisomem: A Besta Entre Nós”, 2012) e com o veterano ator John Savage, com mais de duas centenas filmes na carreira. Foi exibido na televisão na “Sessão das Dez” do SBT.
Na história, ocorre um acidente numa mina de urânio operada por militares, uma unidade secreta localizada no meio do deserto. Depois que os funcionários morrem misteriosamente, cortando as comunicações, o governo americano decide enviar um representante para averiguar, Major Tom McQuade (Cliff De Young). Ele é acompanhado por um grupo contratado de especialistas em missões especiais de resgate, liderado por Jack Reed (John Savage). A equipe é ainda formada por Ben Kahane (Don Stroud), Monk Brody (Rick Dean), a bela Sarah Rowlins (Arabella Holzbog), o expert em computação e piadista Ed Moses (Miguel A. Núñez Jr.) e a piloto de helicóptero Joanne Galloway (Neith Hunter). Ao entrar nas instalações militares, o grupo encontra um cenário de destruição com mortes violentas, e resgatam um sobrevivente em estado de choque, o adolescente Jesse Turner (Ryan Thomas Johnson). Mas, o pior ainda viria com a descoberta de que o local está infestado de dinossauros ávidos por suas frágeis carnes.
Em termos de roteiro, mesmo sendo um clichê colossal, podemos considerar que é melhor do que o filme original, cuja história básica é extremamente exagerada na fantasia. Mas, por outro lado, temos aqui a tão manjada ambientação claustrofóbica, onde um grupo de pessoas está encurralado num local isolado, sendo atacado por dinossauros carnívoros e tentando desesperadamente lutar por suas vidas. Esse argumento é um dos mais explorados no cinema de horror e ficção científica, com centenas de filmes similares, alternando apenas as pessoas, o local e a ameaça. Como sendo nitidamente uma produção de baixo orçamento, o ambiente interno é bem escuro para ajudar a camuflar a precariedade dos efeitos dos dinossauros, mas assim como no filme anterior, temos várias cenas de mortes sangrentas, com braço decepado, cabeça arrancada a dentadas e dilacerações diversas. Porém, os ataques dos monstros demoram e a carnificina inicia apenas depois de meia hora de filme (antes, as cenas de mortes são “off screen”).
“Carnossauro 2” é curto, com pouco mais de 80 minutos, e o desfecho é bem similar ao filme original, com um confronto inverossímil e exagerado entre o adolescente metido a herói Jesse, dirigindo uma grande empilhadeira, contra um tiranossauro, culminando com aqueles resultados já previsíveis. Curiosamente, e talvez como uma homenagem ao clássico da guerra do Vietnã “Apocalipse Now” (1979), de Francis Ford Coppola, quando o helicóptero do grupo de resgate chega à instalação militar, um dos membros da equipe faz questão de ouvir um trecho da música clássica “Cavalgada das Valquírias”, do alemão Richard Wagner. É uma referência para uma cena similar do filme de Coppola, onde um grupo de helicópteros ataca uma aldeia vietnamita ao som da mesma música.

Criaturas do Terror (1996)
Em 1996 veio o terceiro filme da franquia, que recebeu por aqui o manjado título sem criatividade “Criaturas do Terror” (Carnosaur 3: Primal Species), dirigido por Jonathan Winfrey. O pior é que ainda recebeu outro nome patético quando foi exibido na telinha na “Sessão Especial” da TV Record, “Carnossauro: O Monstro Destruidor”, apenas para confundir e dificultar ainda mais um trabalho de catalogação dos filmes que chegam no Brasil.
Um comboio do exército escoltando um caminhão misterioso é surpreendido numa emboscada por mercenários terroristas, que o roubam acreditando num carregamento valioso de urânio. Porém, eles descobrem que na verdade a carga trata-se de uma criação de répteis carnívoros que logo os transforma em alimento. São réplicas de dinossauros geneticamente construídos através de um projeto científico que buscava a cura de várias doenças, estudando sua estrutura de DNA regenerativa. Uma equipe especial de militares, liderada pelo Coronel Rance Higgins (Scott Valentine) e contando com soldados treinados como Sanders (Rodger Halston) e o piadista Polchek (Rick Dean, que curiosamente esteve também em “Carnossauro 2” como outro personagem), é convocada pelo General Pete Mercer (Anthony Peck) para investigar a ocorrência do roubo da carga secreta. Eles encontram corpos despedaçados e sangue espalhado para todos os lados e ficam sabendo através da cientista Dra. Hodges (Janet Gunn) sobre o projeto científico de criação de dinossauros e da necessidade de capturar as criaturas vivas. O grupo do Cel. Higgins une-se com uma equipe de fuzileiros navais para combater as feras, primeiramente num galpão e depois num navio, onde um tiranossauro rex imenso montou um ninho no porão de carga e está criando dúzias de ovos para reprodução.
O terceiro filme da franquia “Carnossauro” pode ser classificado simplesmente como “mais do mesmo”. Ou seja, roteiro similar aos anteriores, explorando o velho clichê formado por um grupo de soldados num ambiente fechado e com atmosfera de claustrofobia (galpão, depois navio), combatendo uma ameaça (dinossauros famintos por suas carnes). O filme tem até um desfecho novamente com gancho, mas a série parou por aí, até porque não tinha mais como contar uma história com um mínimo de interesse. Também temos os mesmos efeitos bagaceiros e fotografia escura para esconder a precariedade, e os mesmos personagens estereotipados como um líder militar metido a durão. E continuam as piadas banais e comentários absurdos de personagens que estão prestes a morrer de forma violenta, e ainda encontram humor nos últimos momentos de vida, não combinando com a postura esperada de soldados. Tudo isso até consegue divertir um pouco, principalmente para os apreciadores de cinema bagaceiro, mas no caso desse “Carnossauro 3” a repetição de clichês tornaram o filme mais cansativo, num último suspiro da franquia.  
Curiosamente, um dos policiais que chega ao local onde está o caminhão roubado pelos terroristas com a carga de dinossauros, encontra um cenário sangrento repleto de vítimas esquartejadas, e faz um comentário hilário: “Isto aqui está parecendo um pesadelo de sexta-feira 13”.

(Juvenatrix – 17/02/16)

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

O Som do Trovão (A Sound of Thunder, EUA / Alemanha / República Tcheca, 2005)


Escrito originalmente em 10/09/2006.

“No ano 2055, uma nova tecnologia foi inventada que poderia mudar o mundo, ou destruí-lo. Um homem chamado Charles Hatton a usou para ganhar dinheiro.”

                    A primeira ideia que vem à cabeça depois de ver “O Som do Trovão” (A Sound of Thunder), é um questionamento sobre por que esse filme não foi exibido em nossos cinemas, sendo apenas lançado diretamente no mercado de DVD (pela “Europa”, em Março de 2006). Pois o filme reúne alguns elementos favoráveis do ponto de vista comercial, tendo um bom potencial para entrar em cartaz nas salas de exibição, ou seja, é uma super produção de 80 milhões de dólares, um típico filme pipoca com ação, aventura, e muitos efeitos especiais numa história de Ficção Científica e viagem no tempo. Por outro lado, filmes insignificantes como “Amaldiçoados” (Cursed), de Wes Craven, são exibidos nos cinemas quando deveriam ir direto para o vídeo. Isso apenas é mais uma das incoerências cometidas pelas distribuidoras responsáveis pelos filmes que chegam ao Brasil.
                    Em “O Som do Trovão”, a ação é ambientada em 2055, época em que o Homem já havia criado uma forma de viajar no tempo. Um empresário rico e sem escrúpulos, Charles Hatton (Ben Kingsley), é dono de uma agência que faz viagens ao passado, a “Time Safari”, proporcionando aos seus clientes uma pequena e rápida, porém bastante convincente e real, turnê para o passado da humanidade, voltando 65 milhões de anos no tempo, em plena época dos dinossauros. Qualquer pessoa, depois de pagar uma quantia imensa em dinheiro, poderia participar de uma expedição e abater um alossauro em seu habitat natural (meticulosamente escolhido), pouco antes dele se atolar num pântano ou ser carbonizado na erupção de um vulcão.
                    A expedição era sempre repetida com precisão para os vários clientes diferentes, sob a liderança do cientista Dr. Travis Ryer (Edward Burns), que contava com o auxílio de outros profissionais em sua equipe como a jovem Jennifer Krase (Jemima Rooper), responsável por registrar a caçada, Marcus Payne (David Oyelowo), o oficial de segurança, e o Dr. Lucas (Wilfried Hochholdinger), o médico que monitora as condições físicas dos clientes. Participa também das expedições um agente a serviço do governo (Departamento de Regulamentação Temporal), Clay Derris (August Zirner), cuja função é fiscalizar as ações para impedir que alguma interferência no passado possa gerar alguma conseqüência grave no tempo seguinte.
                    E é justamente isso que acontece quando após um acidente numa das expedições, ocorre uma série de efeitos turbulentos no presente desestabilizando a vida como conhecemos e colocando em risco o planeta. Confirmando uma ameaça prevista pela cientista Dra. Sonia Rand (Catherine McCormack), a criadora do super computador que faz os cálculos de viagem no tempo, e que se une ao Dr. Ryer para tentar reverter o processo e colocar as coisas novamente em seu curso normal. Enfrentando uma infinidade de perigos como ondas de choque que modificam todo o processo evolutivo, e um mundo hostil infestado de plantas e animais mutantes como macacos dinossauros, morcegos monstruosos e serpentes aquáticas.
                    Com direção de Peter Hyams (de “A Relíquia” e “Fim dos Dias”) e história inspirada por um conto do cultuado escritor de Ficção Científica Ray Bradbury, “O Som do Trovão” é uma aventura de viagem no tempo explorando as conseqüências graves causadas quando algum evento do passado (por menor que seja e mais insignificante que pareça) é inadvertidamente alterado, podendo culminar com a destruição do mundo que conhecemos. Dentro dessa ideia interessante, que sempre tem um potencial para o entretenimento, somos convidados a acompanhar a trajetória de um grupo de cientistas para tentar reparar um erro cometido e anular o efeito devastador de um evento alterado no tempo.
                    Os efeitos especiais são uma atração à parte, mostrando desde a rotina de uma enorme cidade futurista, com seus belos e imensos prédios e tráfego intenso de carros, passando pela recriação de um ambiente pré-histórico de milhões de anos no passado habitado por dinossauros, até um mundo caótico dominado por uma realidade alternativa onde vivem criaturas mutantes desconhecidas por nós.
                    Por outro lado, e servindo apenas para evidenciar que estamos vendo um filme comercial que privilegia exclusivamente um tipo de diversão simples e sem compromisso, temos aqueles conhecidos desfiles de clichês e situações absurdas, como por exemplo a queda do casal de cientistas, que para fugirem de uma invasão de insetos no apartamento da Dra. Rand, se jogam pela janela e caem de uma altura significativa por cima de algumas árvores e não sofrem nem um arranhão. Além do desfecho previsível que sempre tem que existir para satisfazer a maioria do público (faço parte da minoria e preferiria de vez em quando um pouco de ousadia dos roteiristas com um desfecho mais pessimista e diferente do trivial).
                    Uma curiosidade interessante é quando o empresário Charles Hatton faz um discurso padrão para seus clientes nas viagens no tempo encorajando-os no desafio que enfrentarão ao confrontar um dinossauro real, citando eventos importantes na história da humanidade como Cristóvão Colombo ter descoberto a América, Neil Armstrong ter pisado na Lua, e de “Brubaker ter chegado em Marte” (será uma previsão?)... Aliás, Brubaker é o nome do comandante de uma expedição fraudada para Marte no thriller de FC “Capricórnio Um” (Capricorn One, 1978), dirigido também por Peter Hyams.
                    Outra curiosidade é que as filmagens ocorreram em 2002 em Praga, na República Tcheca, e o filme deveria ter sido lançado em 2003. Mas, como aconteceram várias inundações naquele país europeu, os cenários foram danificados e os trabalhos de filmagens atrasaram muito, com o lançamento apenas em 2005.

“1 – Não mude nada. 2 – Não deixe nada para trás. 3 – Não traga nada de volta.” – regras básicas que devem ser respeitadas em viagens no tempo

(Juvenatrix - 10/09/2006)

sábado, 13 de fevereiro de 2016

Todo Mundo Quase Morto (Shaun of the Dead, Inglaterra / França, 2004)


                                   Escrito originalmente em 06/02/2006.

“Remover a cabeça ou destruir o cérebro é a única forma de combatê-los.”
– alerta de um apresentador de noticiário de televisão

Shaun (Simon Pegg) é um homem fracassado que não consegue visitar sua mãe Barbara (Penelope Wilton), tem problemas de relacionamento com seu padrasto Philip (Bill Nighy, o chefe supremo dos vampiros em “Underworld”), mora numa casa dividindo o espaço com os companheiros Ed (Nick Frost), um gorducho inútil e desempregado, e o severo Pete (Peter Serafinowicz), não é respeitado pelos colegas de trabalho numa loja de eletrodomésticos, freqüenta apenas um único bar como diversão, e não consegue também agradar ou surpreender com criatividade a bela namorada Liz (Kate Ashfield), que está cansada da rotina do namoro, dispensando-o e preferindo a companhia de um casal de amigos, David (Dylan Moran) e Dianne (Lucy Davis). Ele chega à conclusão que precisa “dar um jeito na vida”, ter atitudes e sair do marasmo. Ele só não imaginaria que seria obrigado a assumir o papel de herói meio atrapalhado e teria que fazer tudo isso repentinamente, depois que um vírus contamina as pessoas transformando-as em mortos-vivos vagando desorientados pelas ruas de Londres, famintos por carne humana. Shaun acaba assumindo a liderança de um grupo que tenta sobreviver em meio ao caos instaurado pelos zumbis. Eles se refugiam num pub, onde ficam encurralados e são atacados, obrigando Shaun a lutar por sua vida e a dos amigos, além também de tentar recuperar o amor da namorada.     
Depois de assistir o filme inglês “Todo Mundo Quase Morto” (Shaun of the Dead, 2004) fica um sentimento que seus criadores Edgar Wright (também o diretor) e Simon Pegg não se decidiram se fariam um filme de comédia de humor negro sobre o fim do mundo ou um drama sério de horror com cenas fortes de violência e mortes, pois o resultado ficou uma mistura das duas coisas e que para mim não funcionou. Eu particularmente não sou muito fã de comédias ou paródias, sendo que entre as poucas exceções destaco “O Jovem Frankenstein” (1974), de Mel Brooks, e “Malditas Aranhas!” (2001), homenagem e sátira divertida dos nostálgicos filmes dos anos 1950 com aquelas criaturas tornando-se gigantes por causa do contato com produtos químicos que alteraram seu metabolismo. Eu prefiro filmes mais sérios. Ou, caso a ideia seja satirizar algum gênero, que o filme seja reconhecidamente uma comédia de humor negro, e não uma mistura onde temos piadas e situações cômicas perdidas no meio de cenas sangrentas com zumbis putrefatos devoradores de carne humana.
Como filme de humor negro, não achei tão divertido quanto esperava, principalmente depois das expectativas geradas após ler diversos comentários positivos a respeito, vindos de todos os lados (tanto que no site “Internet Movie Database”, a maior fonte de dados de cinema do mundo, a nota média dos leitores ao avaliarem o filme é até bem alta). Utilizei como referência para chegar a essa conclusão o fato que somente consegui rir de alguma coisa ao ver nos materiais extras do DVD algumas cenas cortadas por erros de gravação, principalmente quando o obeso Ed tenta explicar para Shaun as características devassas de uma mulher deprimida de meia idade e ex-atriz pornô que sempre freqüenta solitária o bar “The Winchester”.
Já como filme sério de horror gore, existem algumas boas cenas que merecem destaque como aquela onde uma garota afetada pelo vírus que a tornou uma morta-viva, a caixa de supermercado Mary (Nicola Cunningham), é empalada por um cano grosso de aço, e a seqüência onde um dos personagens é destroçado violentamente com suas entranhas devoradas por uma legião de zumbis, lembrando cena muito similar com um militar arrogante, o Capitão Rhodes, em “O Dia dos Mortos” (1985), de George Romero.
Aliás, vale enaltecer as várias citações e homenagens aos filmes do mestre Romero, “A Noite dos Mortos-Vivos” (1968), “Despertar dos Mortos” (1978) e o já citado “O Dia dos Mortos”, além de outras personalidades do cinema de horror como os cineastas Lucio Fulci e John Landis, e o cultuado ator Bruce Campbell (isso sem falar no diretor Danny Boyle e no ator Ken Foree, de “Despertar dos Mortos”). E uma cena também em especial, onde Shaun demonstra uma completa alienação, típica do ser humano consumista, numa crítica social interessante quando ele sai de casa para comprar um refrigerante e um sorvete num pequeno mercado e consegue a incrível proeza de não perceber que o bairro está misteriosamente sem movimento e que vários mortos-vivos estão cambaleando pela região, próximos dele.
“Todo Mundo Quase Morto” foi lançado em DVD no Brasil no final de Outubro de 2004 pela “Universal”, trazendo cerca de uma hora de materiais extras, divididos entre os tópicos “Carne Crua”, “Galeria de Zumbis”, “Rastros dos Monstros” e “Partes Cortadas”. No primeiro tópico, temos uma interessante apresentação de Edgar Wright e Simon Pegg sobre o esboço do filme, mostrando a ideia básica do roteiro que imaginaram através de rascunhos escritos num “flip chart”, além de detalhes dos efeitos especiais, testes de maquiagem e um “featurette” promocional com comentários do diretor Edgar Wright e dos atores Simon Pegg, Kate Ashfield, Nick Frost, Lucy Davis, Dylan Moran e Bill Nighy. O segundo tópico apresenta fotos e cartazes do filme. Já em “Rastros dos Monstros”, temos a exibição de “teasers”, “trailers” e comerciais de televisão. Finalizando os extras, o último tópico destaca cenas que foram cortadas da edição final com a opção dos comentários dos roteiristas Edgar Wright e Simon Pegg, além de uma interessante revelação do destino de três cenas que ficaram no ar durante o filme, ou seja, como Shaun conseguiu despistar a legião de zumbis que o perseguiam antes de chegar ao pub “The Winchester”, o que aconteceu com Lucy depois que decidiu enfrentar sozinha os mortos-vivos num acesso de fúria, e uma explicação envolvendo a cena final.
Finalizando, justifico a minha nota como sendo 6 (de total de 10) devido quase que exclusivamente pela quantidade de citações e homenagens inseridas no roteiro do filme, e pelas boas cenas de horror gore, pois sinceramente não consegui entrar no clima do humor negro proposto pela história. Mas, independente de qualquer coisa, como um filme de mortos-vivos, vale uma conferida...

(Juvenatrix - 06/02/2006)

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

A Maldição da Múmia (The Curse of the Mummy´s Tomb, Inglaterra, 1964)


A contribuição do estúdio inglês “Hammer” para o universo ficcional das múmias do antigo Egito é composta por quatro filmes. São eles: “A Múmia” (The Mummy, 1959), de Terence Fisher e com Christopher Lee e Peter Cushing, “A Maldição da Múmia” (The Curse of the Mummy’s Tomb, 1964), de Michael Carreras, “A Mortalha da Múmia / O Sarcófago Maldito” (The Mummy’s Shroud, 1967), de John Gilling e com André Morell, e “Sangue no Sarcófago da Múmia” (Blood From the Mummy’s Tomb, 1971), de Seth Holt e Michael Carreras, e com Andrew Keir.
No segundo filme da série, a história é ambientada no Egito de 1900, onde um grupo de arqueólogos europeus encontra a tumba de 3000 anos do príncipe Ra-Antef, um dos filhos gêmeos do faraó Ramsés VIII, após uma exaustiva jornada de dezoito meses pelo deserto. A equipe é formada pelos egiptólogos ingleses Sir Giles Dalrymple (Jack Gwillim) e John Bray (Ronald Howard), além da bela francesa Annette Dubois (Jeanne Roland) e do empresário americano da área de entretenimento Alexander King (Fred Clark), o financiador da expedição. A múmia preservada em seu sarcófago, e todos os tesouros, pertences pessoais e artefatos valiosos, foram levados para Londres para serem apresentados à imprensa. E depois seguiriam para os Estados Unidos com o objetivo de serem expostos num evento itinerante, mesmo contra a vontade do governo egípcio, representado por Hashmi Bey (George Pastell), que não queria que a múmia saísse de seu país de origem. Durante o trajeto por navio até a Inglaterra, os arqueólogos conhecem outro estudioso e colecionador de objetos do antigo Egito, o misterioso Adam Beauchamp (Terence Morgan), que desperta um interesse amoroso em Annette. Após chegarem a Londres, tem início uma ocorrência de fatos estranhos, como o desaparecimento da múmia em seu sarcófago seguido de uma série de ataques violentos com mortes envolvendo a equipe e todos que testemunharam a abertura da tumba, desencadeando “a maldição da múmia” (do título).
De todos os quatro filmes de múmias da “Hammer”, certamente o melhor disparado é o clássico “A Múmia” (1959), dirigido pelo especialista Terence Fisher (o melhor cineasta do estúdio) e estrelado pela dupla dinâmica Christopher Lee (como o monstro) e Peter Cushing (como o arqueólogo rival). Como esse trio não fez parte dos outros três filmes, a qualidade e interesse inevitavelmente diminuíram. Mas, apesar disso, “A Maldição da Múmia” é um filme da cultuada produtora (curto, com apenas 78 minutos) e está situado dentro da temática de um dos grandes monstros sagrados do cinema de horror. E esses já são motivos suficientes para agregar valores ao filme e despertar o interesse dos fãs. Michael Carreras fez de tudo aqui, dirigiu, escreveu o roteiro sob o pseudônimo de Henry Younger e produziu o filme. Porém, é uma pena comprovar que ele é mais talentoso apenas como produtor de muitos filmes divertidos da “Hammer”, e seu trabalho principalmente como roteirista, é bem inferior. A história desse filme é apenas trivial, exagerada nos clichês e com uma “surpresa” envolvendo o personagem Adam Beauchamp que teve um efeito contrário (na verdade, a tal surpresa é até previsível e exagerada na fantasia). O que realmente vale destacar nesse segundo filme da série de múmias da “Hammer”, é o mesmo que acontece com os outros dois seguintes: as cenas de ataque do monstro envolto em bandagens (interpretado por Dickie Owen) contra os profanadores de sua tumba, e as eventuais mortes violentas.
Curiosamente, o eterno ator coadjuvante Michael Ripper também aparece aqui, numa ponta rápida no início como o serviçal egípcio Achmed. Ele que é o campeão de participações em filmes da “Hammer”.
(Juvenatrix – 10/02/16)

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Mulheres Pré-Históricas (Slave Girls / Prehistoric Women, Inglaterra, 1967)


O estúdio inglês “Hammer” tem uma importância extremamente significativa na história do cinema fantástico, principalmente com seus filmes de atmosfera gótica, uma marca registrada que tornou a produtora tão cultuada. Porém, vários outros temas também foram abordados, como o sub-gênero de civilizações perdidas no tempo, com histórias classificadas como aventura com elementos de fantasia. É o caso de “Mulheres Pré-Históricas”, filme de 1967 dirigido, escrito e produzido por Michael Carreras, e com um elenco enorme formado especialmente por belas mulheres vestidas com poucas roupas.
David (Michael Latimer) é um guia de expedições de caça de animais selvagens, que encontra no meio da selva uma misteriosa tribo de nativos que querem matá-lo em nome de seu deus, uma imagem de um rinoceronte branco. Porém, em meio ao ritual de sacrifício, ocorre um evento onde ele é transportado para o passado encontrando uma civilização formada por mulheres de cabelos morenos e “pré-históricas” (do título original adotado nos Estados Unidos). Elas são lideradas pela rainha tirana Kari (Martine Beswick), que mantém as mulheres de cabelos loiros como serviçais “escravas” (do título original na Inglaterra). Os poucos homens são também escravizados e mantidos presos numa caverna. O jovem inglês recém chegado se apaixona por uma das mulheres loiras, Saria (a húngara Edina Ronay), e juntos eles tentam organizar uma revolta contra a tirania da rainha morena, libertando as loiras da escravidão e impedindo os constantes sacrifícios oferecidos para uma tribo violenta de homens negros que mantém a paz num acordo que exige as mulheres em troca.
Ao contrário de alguns dos outros filmes da “Hammer” com temática de civilizações perdidas, nesse não há dinossauros ameaçadores caminhando pela Terra. Porém, encontramos clichês tradicionais com o roteiro apresentando uma rainha que governa sua tribo com tirania, despertando a fúria dos escravos, que desejam a liberdade. E como herói opositor, surge um homem vindo do futuro que desperta um interesse amoroso na rainha, mas que se apaixona por uma das escravas, se engajando numa luta para se livrarem da opressão. A história é simples demais e repleta de danças e cantorias entediantes, num inevitável convite ao sono. Por outro lado, o que realmente consegue manter a atenção do espectador é o desfile de belíssimas mulheres, tanto morenas quanto loiras, em trajes sumários, garantindo a diversão, juntamente com os elementos fantásticos como a viagem no tempo do protagonista, visitando e interferindo nas ações de um mundo do passado.   
Curiosamente, “Mulheres Pré-Históricas” foi filmado em apenas quatro semanas, utilizando os mesmos cenários e vestuários reaproveitados do filme anterior “Mil Séculos Antes de Cristo” (1966), de Don Chaffey e com a belíssima Rachel Welch no elenco. 
(Juvenatrix – 09/02/16)

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Tempestade Solar (Exploding Sun, Canadá, 2013)


O canal de TV a cabo “SyFy” é conhecido pela exibição de filmes de ação com elementos de ficção científica e histórias de catástrofes globais abordando a destruição de nosso planeta. São tantos filmes similares com os mesmos clichês exaustivos, que dá pena da Terra sendo tão maltratada pelos roteiristas sem imaginação e preguiçosos em tentar desenvolver alguma ideia no mínimo razoável. Em “Tempestade Solar”, uma produção canadense dirigida pelo inexpressivo Michael Robison e roteiro patético de Jeff Schechter, que não tem nenhuma importância para o cinema fantástico, a única diferença para a imensidão de outros filmes ruins do mesmo estilo e temática, é que sua duração tem quase três horas, com a exibição dividida em dois filmes, dobrando o sofrimento do espectador. Depois que termina a péssima primeira parte ainda vem em seguida a continuação ainda pior.
Apesar da duração enorme do filme, é plenamente possível resumir a sinopse em poucas linhas de tão ruim e sem interesse que é a história. Uma empresa privada está anunciando a primeira viagem espacial civil, com um avião projetado especialmente para dar a volta na Lua e retornar em poucas horas, graças à capacidade de viajar numa velocidade extremamente alta. Porém, um defeito ocorre com os motores após uma tempestade solar com explosão de raios cósmicos e a nave perde o controle rumando para uma colisão com o Sol. Após o trágico acidente, a Terra passa a ser terrivelmente ameaçada com uma imensa descarga de raios solares que se dirige ao planeta. Para evitar o apocalipse final, o destino do mundo fica nas mãos do cientista Craig Bakus (Anthony Lemke) e do astronauta Don Wincroft (David James Elliott), que partem rumo ao Sol numa nave similar da agência espacial americana, para tentar criar um evento que anule os efeitos destrutivos dos raios solares.
A primeira parte é centrada na nave “Roebling Clipper” com seus seis passageiros, entre tripulação e civis, apresentando os personagens e mostrando a aventura do vôo espacial inaugural para a Lua. Perde-se tempo demais com personagens que não despertam interesse, com uma overdose de clichês e cenas carregadas de pieguice. Onde o ápice do tédio gira em torno de um triângulo amoroso entre os protagonistas que tentam salvar o mundo e a conselheira científica do presidente americano, Cheryl Wincroft (Natalie Brown), ex-esposa de um deles e atual mulher do rival.
Na segunda parte de noventa minutos, a ação se volta, depois da tragédia da nave civil que se chocou com o Sol, para a tentativa banal de evitar o fim do mundo. Com a utilização de outra nave, pertencente à NASA e copiada e melhorada a partir da primeira, para reverter o processo da tempesatde solar que acabaria com a vida na Terra.
É difícil dizer qual das duas partes é a pior. Imagine dois filmes péssimos que se complementam, com o roteirista inventando uma série de tramas paralelas para conseguir preencher o total de três horas do filme. São cenas envolvendo personagens secundários que só contribuem para o sono do espectador. Temos vários momentos descartáveis com o presidente americano Mathany (Frank Schorpion), sua filha adolescente Lara (Charlotte Legault) e a primeira dama Simone (Jane Wheeler), que era uma das passageiras da nave que foi para a Lua, contribuindo para promover a viagem. Temos também cenas tediosas com Joan Elias (Julia Ormond), a responsável de um acampamento humanitário no Afeganistão, esposa de Alan (John Mclaren), outro passageiro do primeiro vôo espacial civil. E a pior de todas as subtramas está reservada para uma pequena cidade americana onde vive Marta Hernandez (Cristina Rosato), esposa de outro passageiro, que ganhou a vaga numa loteria e tem medo de avião.
Se eu fosse enumerar e descrever a imensa quantidade de erros, furos de roteiro, situações inverossímeis e cenas patéticas, provavelmente não conseguiria terminar esse texto. Então, prefiro parar por aqui e finalizar com um pequeno alerta de um apreciador de cinema fantástico bagaceiro: “Tempestade Solar” é um completo desperdício de um longo tempo de três horas que poderia ser melhor aproveitado com outros filmes ruins, mas que pelo menos divertem.
(Juvenatrix – 08/02/16)

sábado, 6 de fevereiro de 2016

Incidente no Caribe, Denise Reis

Incidente no Caribe, Denise Reis. Prefácio de André Valente. 128 páginas. Edição da autora, Rio de Janeiro, 2005.

Incidente no Caribe, de Denise Reis, é uma novela que se insere no tema da transmigração de um personagem contemporâneo para uma utopia tecnológica, uma tradição desde a proto-ficção científica que caracteriza boa parte dos primeiros exemplos da literatura do gênero e, principalmente, aquela feita no Brasil. Porém, Incidente no Caribe não é exatamente uma obra de ficção científica, mas uma fantasia esotérica.
Dr. Renato Di Cosmo é um renomado físico brasileiro em férias no Caribe. Ele mergulha sozinho no mar da Ilha de Bimíni e ali encontra submersas ruínas de uma construção antiga em ouro e cristal. No mesmo instante, é arremessado para uma outra realidade, na qual emerge nu e desorientado numa praia deserta com duas luas no céu. Depois dos primeiros momentos de pânico, começa a explorar a região e localiza água e alimento mais que suficientes para manter-se vivo.
Muito tempo depois, Renato encontra uma aldeia vivendo uma utopia de conforto e fartura. São cidadãos de Aztlan, uma grande metrópole insular que está em guerra contra um inimigo distante. Em breve, seus dirigentes vão acionar a arma suprema, recentemente desenvolvida, que derrotará para sempre todos os seus inimigos. Porém, Renato é alertado por um sábio resignado que alienígenas amistosos previram que o disparo dessa arma vai também arrasar o planeta e destruir a humanidade. Eles têm um plano de evacuação em suas espaçonaves para uns poucos escolhidos, mas o nome de Renato não está nessa lista. Sua única esperança de sobrevivência é encontrar o portal que o trouxe até ali e fazer o caminho inverso, retornando ao seu próprio tempo antes da catástrofe.
Este é o resumo da novela que parece ser o trabalho de estreia de Denise Reis no gênero. Nas orelhas da capa do volume descobrimos que a autora é engenheira e jornalista, ex-sócia da Editora Leviatã do Rio de Janeiro e se dedica a produção de eventos e webdesign.
O prefácio é assinado pelo linguista André Valente que comete uma gafe logo nas primeiras linhas, quando diz: "A autora extrapola os limites do romance de ficção científica e nos oferece um texto profundamente humanístico."  Não era necessário que, para elogiar a autora, o prefaciador tivesse que desqualificar todo o gênero em que a obra pretendia estar inserida. Certamente ele compartilha o preconceito contra a literatura de gênero, especialmente a ficção científica, para considerar que só extrapolando suas fronteiras uma obra possa atingir o humanismo. 
Denise Reis tem um texto leve que se lê com facilidade. Porém, seria desejável mais atenção aos instrumentos de suspensão da descrença do leitor, que contribuiria para um resultado melhor. Por exemplo, poderia ter enriquecido a introdução da história com o cenário do Caribe onde o personagem foi passar as férias, construindo assim uma esfera de realismo e empatia em torno do mesmo, entes de penetrar nos absurdos inerentes das histórias de fantasia. Algumas inconsistências também comprometem a plausibilidade do texto, como quando o protagonista fica semanas vagando pela orla marítima sem encontrar qualquer sinal de vida humana para, depois, descobrir-se numa ilha não muito grande na qual se instala uma metrópole tecnológica populosa e muito ativa. 
Um ponto valioso a favor da autora é que ela não utiliza vocabulário rebuscado nem pratica exercícios formais intrincados, narrando a história com simplicidade, o que é ótimo para qualquer tipo de literatura e muito desejável para atingir o público jovem. Este parece ser o melhor caminho para a autora dar sequência ao seu trabalho literário.

— Cesar Silva

Fenda no Espaço, Philip K. Dick

Fenda no Espaço (The Crack in Space), Philip K. Dick. Tradução de Elisabeth Marques Jesus de Sousa. Publicações Europa-América, coleção Ficção Científica, n.79, Portugal. Publicado originalmente em 1966, 160 páginas.

Este pequeno romance de Philip K. Dick foi publicado originalmente como uma novela na revista Fantasy & Science Fiction  em 1964, com o título de “Cantata 140”. Faz alusão à peça musical de mesmo nome de Johann Sebastian Bach (1685-1750), em que pessoas despertariam depois de um longo sono. Dois anos depois surgiu ampliada e com o título definitivo, que faz referência à descoberta de um universo alternativo.
Fenda no Espaço nos mostra os Estados Unidos em 2080 às voltas com uma questão das mais controversas da história da política do país: a possibilidade de um negro chegar à Casa Branca. Aqui não vemos a exposição a partir de uma perspectiva anti-negro, como a do romance O Presidente Negro (1926), de Monteiro Lobato, mas, ao invés, a narrativa é conduzida a partir de Jim  Briskin, o postulante negro à Presidência.
É quase automático pensar na frase que já se tornou um clichê: “Mais uma vez a realidade superou a ficção”, pois Barack Obama chegou ao principal cargo do país em 2009. Contudo, como se percebeu ao longo de seus dois mandatos, se a questão racial melhorou, ainda está longe de ser um consenso, e parte das dificuldades que o governo enfrentou junto à oposição republicana pode ser explicado por causa da cor da pele do presidente.
Como só numa história escrita por Dick este é apenas o ponto de partida provocador para a apresentação de uma sociedade com soluções sociais, diria, bizarras, imaginadas nos anos 1960 para uma América de 120 anos depois. Num país superpopuloso o capitalismo não conseguiu integrar milhões de pessoas à economia, e optou-se por colocar os pobres e desempregados para um sono criogênico, mantidos por uma estatal do governo. Isso já seria sui-generis e mesmo impensável nos dias de hoje, mas a questão também se complica pelo fato da maioria das pessoas colocadas nesta condição serem negros e latino-americanos. De forma perversa o país tirou do convívio social os não-brancos! Ao que parece mais do que uma solução para a estagnação da economia resolveu-se uma questão social, ao isolar os brancos da crescente população negra e latina que em nossa realidade deverá ser maioria nos Estados Unidos em meados deste século. Pois a candidatura de Briskim busca como primeira meta, justamente, acabar com esta situação desumana, e a questão mais candente da campanha presidencial dele e do presidente Bill Schwarcz é a terraformação de um planeta do sistema solar, possivelmente Marte, para onde seriam enviados os bibs, como são chamados os dezenas de milhões de adormecidos.
Tudo muda, entretanto, quando uma máquina pertencente a uma das maiores corporações do país, devido a uma falha de funcionamento, descobre uma fenda no espaço, que dá para outro planeta. Mas em pouco tempo chega-se à conclusão de que este outro planeta, em tudo semelhante à Terra, é uma outra Terra! Muito mais despovoada do que a de nosso universo, surge como uma solução mais barata e imediata para a questão dos bibs. Briskim não perde tempo e anuncia que, se eleito, transferirá os adormecidos para se tornarem os colonos de um novo mundo. Precipitado devido ao calor da campanha saberá pouco depois que a outra Terra está povoada não por Homo Sapiens, mas por Homo Erectus ou, como chamados no livro, por homens de Pequim.
As expedições enviadas constatam que os pequins – como são chamados de forma pejorativa – evoluiram num mundo sem os homo sapiens, e por isso não se extinguiram. Desenvolveram uma civilização em que os instrumentos são quase todos baseados na madeira, e não no metal e no plástico. Em termos materiais vivem de forma muito modesta, mas escondem segredos tecnológicos com os quais os homo sapiens nem imaginam.
Pois mesmo com a descoberta de outra civilização o presidente começa uma transferência em massa de bibs para a outra Terra, numa tentativa desesperada de se reeleger. Pouco importa como irão viver lá, como será a convivência com os pequins, que se trata na verdade de uma invasão. Afinal são todos cidadãos de segunda categoria.
Neste contexto de iminente conflito entre os sapiens e os pequins, de forma esperta o mutante George Walt, uma pessoa com uma cabeça em dois corpos, dono do bordel orbital Paraíso Dourado – destino cotidiano de nove entre dez políticos do pais, sendo Briskim a exceção –, vai para a Terra alternativa e se apresenta como um ser diferente e por sua excentricidade física acaba adotado como um líder entre os homens de Pequim. Caberá a Briskim a missão difícil de negociar com Walt para evitar que os pequins invadam a nossa Terra, em represália ao envio dos bibs.
Como se percebe é fundamentalmente um romance de enredo, em que várias ideias interessantes são propostas de forma especulativa e socialmente provocadora, no qual Dick endereça muitas críticas à sociedade de seu tempo, conflagrada pela emancipação dos direitos civis (negros e mulheres) e a uma guerra impopular, como a do Vietnã, que remete aos asiáticos, da mesma origem ancestral do Homo Erectus.
Se o que mais importa são as ideias, o desenvolvimento dos personagens fica num plano secundário, mas eles não são totalmente bidimensionais como poderia se imaginar, pois, afinal, Dick sabe como construir personagens interessantes, como o Jim Briskim, George Walt, Leo Turpin – o centenário dono da corporração Desenvolvimento Terrestre – responsável pelos programas de terraformação e com monopólio de transferência dos bibs à outra Terra –, o detetive particular Tito Cravelli, o pragmático assessor da campanha de Briskim, Sal Heim, e outros.
Fenda no Espaço talvez seja pouco lembrado mesmo entre os fãs de Dick por ter sido escrito no apogeu de sua carreira, quando entre os anos 1960 a meados dos 1970 publicou vários romances clássicos que faziam uma referência maior a outros temas mais desenvolvidos por ele, como os problemas relativos às religiões, drogas e o individualismo na sociedade contemporânea. Entre outros, O Homem do Castelo Alto (1962), Ubik (1969) e Identidade Perdida (1974).[1] Mesmo assim Fenda no Espaço é um livrinho poderoso em suas muitas sacadas que tiram o leitor do lugar comum, e mesmo quando algumas são inverossímeis têm o mérito de fazê-lo se posicionar.
Inédito no Brasil poderia ser considerado a publicação deste romance que tem como outro mérito um ar de não se levar muito a sério, como as muitas ideias e reviravoltas acontecendo a todo o momento, boas doses de humor e observações satíricas sobre a sociedade norte-americana – e ocidental, por extensão – e o arrojo de apresentar soluções pouco convencionais para as especulações propostas.

– Marcello Simão Branco




[1] Republicado pela editora Aleph em 2013 como Fluam, Minhas Lágrimas, Disse o Policial.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

A Era dos Dinossauros (Age of Dinosaurs, EUA, 2013)


A produtora americana “The Asylum”, especializada em cinema fantástico bagaceiro, com o apoio do canal de TV a cabo “SyFy” na exibição, é a responsável por outra tranqueira colossal envolvendo dinossauros recriados por biotecnologia, que invadem a cidade de Los Angeles se alimentando de carne humana. “A Era dos Dinossauros” (Age of Dinosaurs) tem direção de Joseph J. Lawson, o mesmo cineasta de “Nazistas no Centro da Terra” (2012), e nome mais associado como técnico em efeitos visuais em dezenas de outras porcarias. O filme também tem a presença dos veteranos atores Ronny Cox, de “Robocop, o Policial do Futuro” (1987), e Treat Williams, de “Tentáculos” (1998).
“Geneti-Sharp” é uma empresa de biotecnologia que conseguiu sucesso com a pesquisa de regeneração de tecidos, ajudando muitas pessoas queimadas a recuperarem a pele. Seu presidente, Justin (Ronny Cox), decidiu então conquistar objetivos mais audaciosos e patrocinou um projeto científico liderado pelo inescrupuloso Doug (Jose Rosete) e o veterinário Dr. Craig Carson (Joshua Michael Allen), para trazer de volta à vida vários tipos de dinossauros, através de amostras do DNA. Porém, ocorre um acidente com o sistema de segurança no teatro onde os animais eram apresentados ao público, e todo o prédio transforma-se num ambiente de desespero, com as pessoas lutando por suas vidas para não serem alimento dos dinossauros. Em meio à confusão, um bombeiro em folga, Gabe Jacobs (Treat Williams), que só precisa de um machado para resolver os problemas, se perde de sua filha adolescente, Jade (Jillian Rose Reed), que parece um zumbi que não larga o telefone celular, enquanto o prédio é cercado pela polícia para tentar inutilmente impedir a invasão dos monstros pré-históricos pela cidade em busca do sangue e carne de suas vítimas.
Como sendo mais uma produção da picareta “The Asylum”, é plenamente possível sabermos com antecedência que “A Era dos Dinossauros” tem todos os elementos tradicionais de seus filmes ruins. O maior problema, como sempre, é o roteiro patético, e nesse caso tendo como foco um imenso clichê, ou seja, “alguém metido a herói que no meio do caos precisa encontrar e proteger um familiar do perigo mortal de uma ameaça monstruosa”. E essa história banal está acompanhada de efeitos especiais vagabundos, os eternos “CGI” que tornam tudo muito artificial, exagerado e inverossímil. E, claro, também não vai faltar o manjado desfecho previsível, dessa vez envolvendo o bombeiro herói, sua filha, um helicóptero e um pteranodonte, no meio do famoso letreiro gigante de “Hollywood”. 
Enquanto os dinossauros estão dentro do prédio da empresa de biotecnologia, percorrendo os andares e colecionando vítimas, até existe uma razoável atmosfera de claustrofobia, com as pessoas desesperadas lutando por suas vidas, que mesmo já vista em centenas de filmes similares, ainda funciona, auxiliada por cenas de mortes sangrentas. Mas, depois que os bichos carnívoros escapam para as ruas de Los Angeles, perseguindo carros, derrubando helicópteros, destruindo construções de concreto e comendo as pessoas, o filme se perde totalmente tornando-se exagerado e ridículo, características registradas da produtora “The Asylum”, não passando de apenas mais um produto descartável destinado ao esquecimento rápido.
(Juvenatrix – 01/02/16)