sábado, 29 de abril de 2017

Vinte anos no Hiperespaço

Vinte anos no Hiperespaço, Cesar Silva, org. Prefácio de Marcello Simão Branco. Capa: Cerito. Editora Virgo, São Caetano do Sul, 2003.
A ANTOLOGIA QUE FECHOU UM CICLO
O fanzine Hiperespaço, editado por Cesar Silva e, no início, também por José Carlos Neves e Mário Mastrotti, durou uns vinte anos. Quando resolveu encerrá-lo, Cesar organizou uma antologia comemorativa, que passo a comentar.
VINTE ANOS NO HIPERESPAÇO, Cesar Silva e Mário Mastrotti.
A capa do livro equivale a um conto em forma de noticiário em torno do personagem “Tripanossoma”, pirata galático criado por Mário Mastrotti, responsável pela parte visual da história. A notícia da captura do pirata e seu cúmplice Dodô é bem-humorada, mas infelizmente a colocação das colunas da notícia em posição inclinada fez com que algumas letras se perdessem, impossibilitando a leitura integral do trabalho.
A NOVA REVOLUÇÃO DOS BICHOS, Carlos Orsi Martinho.
Este é, a meu ver, o melhor trabalho da antologia. Com uma originalidade muito grande Carlos Orsi desenvolve uma fábula utópica e autópica que já começa com palavras intrigantes: “O maligno Humanoide observa, impotente, os Gorilas Selvagens de Chachka-Qun atacarem as paredes do Palácio de Tugstênio com brocas roubadas de diamante.” É um conto divertido, que prima pelo absurdo e narrado com grande engenhosidade, numa tessitura que se completa brilhantemente no desfecho, e ainda aproveita para uma referência a Animal farm de George Orwell (ao seu título no Brasil, A revolução dos bichos).
BACTÉRIA, Edgard Guimarães.
Conto sofisticado onde um sujeito especula sobre um hipotético micro-organismo que altera os textos impressos. É um conto bem escrito em termos de língua portuguesa mas esbarra com o problema de não conseguir passar a mensagem de humor que pretende na surpresa final, que de resto é previsível.
ANDROIDES ORGÂNICOS TERÃO CABELOS NO PEITO?, E. R. Corrêa.
História extravagante e de difícil compreensão, a começar pelo título esquisito e excessivamente comprido. Tudo gira em torno de um sujeito reles num botequim, no meio-dia de São Paulo, pensando em ataques terroristas e que, por fim, começa a desconfiar ser ele próprio um androide bomba. A linguagem “punk” prejudica muito o clima de terror induzido e o desfecho, anticlimático, é decepcionante.
PAULA, A ESTRANHA, Fernando Moretti.
Parece que o autor se inspirou, no título, na Carrie de Stephen King. A história porém segue a via da psicopatia, não a do terror puro. O que salta aos olhos é a gratuidade da violência narrada, uma história que segue a triste via do “brutalismo” que hoje infesta a literatura e o cinema.
COLEIRA DO AMOR, Gerson-Lodi Ribeiro.
Num entrecho mais longo – aliás esse autor costuma escrever contos bem mais longos – Gerson conta uma história que poderíamos chamar “passional-tecnológica”, exercitando sua habitual firmeza de estilo e habilidade em tecer tramas. No entanto, a ideia da manipulação dos próprios sentimentos mediante a implantação de nanorrobôs e a discussão se isso fere ou não o livre-arbítrio resulta numa discussão em jargão técnico que soa bem artificial e pesada para os leitores, principalmente aqueles que veem a ficção científica como lazer. Vejam este trecho: “Os chips de amor eterno não inserem novos padrões (...) Apenas reforçam as trilhas neurais que expressam sentimentos mútuos pré-existentes.” Em todo o caso creio que Gerson tem razão ao sugerir a possibilidade de loucura como consequência de tais manipulações.
V.I.R.T.U.A.L., Gian Danton.
Uma divertida vinheta que brinca com aquele clichê de “nada é o que parece ser”, tornado mais comum após a descoberta do mundo virtual. Fazendo lembrar o Hal – o computador inteligente de “2001: uma odisseia no espaço” – o pequeno conto de Gian Danton pode ser considerado perfeito, e admite vários níveis de leitura. O que é a realidade? O que é a auto-consciência?
O MONSTRO DO ARMÁRIO EMBUTIDO, Miguel Carqueija.
Uma espécie de conto lovecraftiano infantil, que se reporta aos clássicos terrores das crianças. Como se sabe, o folclore infantil fala nos monstros  que habitam os armários ou se emboscam embaixo da cama, nos amigos invisíveis e nos brinquedos que se movem e falam na ausência dos humanos. O protagonista-narrador, já adulto, relembra um fato traumatizante de sua meninice.
(observação: como sou eu o autor do conto não posso dar opinião sobre ele e limitei-me a explicar o enredo)
ARMAGEDOM EM MADUREIRA, Octávio Aragão.
Incursão no domínio do “non sense”, como nos velhos quadrinhos de Juarez Machado; porém com detalhes vulgares. A história começa com uma mulher sendo lambida pelo telefone (sic). Outros horrores vão acontecendo, culminando com uma explicação atroz a respeito de uma invasão do inferno. Esse é, de longe, o pior conto do livro.
PRÉ-NATAL, Roberto de Sousa Causo.
Os textos de Causo com frequência tratam de assuntos militares e políticos, e também polêmicos. No caso trata da luta contra a tirania, uma ditadura de algum país não identificado (mas que parece ser o Brasil), já que o autor tem a idiossincrasia de falar apenas no “Regime” e no “Ditador”. Uma criança em gestação deve ser contrabandeada e, para tanto, é implantada no abdômen de um homem, na suposição de que isto iludirá a vigilância do inimigo. O conto me parece pouco convincente do ponto de vista científico, pois não consegui entender como o bebê poderia sobreviver no corpo de um homem.
O ÚLTIMO SUSPIRO, Cesar Silva.
Um conto muito curto para o assunto, passado em época nebulosa, talvez num futuro distante, onde uma nova idade de gelo isola comunidades humanas e, numa delas, um dos habitantes tem a ideia de organizar torneios esportivos para evitar a degeneração da raça e manter a esperança de dias melhores; todavia os torneios só servem, afinal, para estimular o ódio entre as famílias. É um conto deprimente, com um final sombrio. Creio que a ideia básica daria para melhor desenvolvimento e um final menos pessimista. Em todo o caso, uma visão bastante ácida em relação à natureza humana.
Miguel Carqueija

segunda-feira, 17 de abril de 2017

As Crônicas de Medusa

As Crônicas de Medusa (The Medusa Chronicles), Stephen Baxter e Alastair Reynolds. Tradução de Ronaldo Sérgio de Biasil. 432 páginas. Rio de Janeiro: Editora Record, 2016.

Quando Arthur C. Clarke (1917-2008) escreveu “Encontro com Medusa” ele estava no auge de seu prestígio e popularidade. Vinha do êxito do filme 2001: Uma Odisséia no Espaço, de 1968, em que ele foi co-responsável pelo roteiro e autor de um excelente romance. A novela foi publicada em dezembro de 1971 na edição norte-americana da revista Playboy, e venceria o Prêmio Nebula em 1972 e o Prêmio Hugo em 1973, os dois mais importantes da ficção científica.
“Encontro com Medusa” foi publicado no Brasil na coletânea O Vento Solar: Histórias da Era Espacial (Globo, 1973), e é provavelmente seu último trabalho de relevância na ficção curta. O enredo narra uma missão ao interior de Júpiter, e a descoberta de surpreendentes formas de vida que flutuam na atmosfera gasosa do gigantesco planeta. As descrições acuradas das etapas da missão e do encontro com as tais medusas são um primor de equilíbrio entre criatividade e verossimilhança científica. Quem conduz a missão é Howard Falcon, que anos antes sofrera um grave acidente no comando do dirigível Queen Elisabeth IV, e fora cobaia de uma experiência medicinal de fronteira, pois ele foi quase totalmente reconstruído com componentes artificiais. Falcon tornou-se um ciborgue, meio homem e meio máquina, e por isso o único capaz de mergulhar no interior de um planeta hostil à vida humana, com temperaturas e pressões na casa dos milhares de graus e atmosferas.
Já ao final de “Encontro com Medusa”, após o êxito da missão, Falcon havia se tornado uma espécie de pária. Respeitado sim, mas com reservas, pois se intuia que como um ciborque ele sinalizava o possível passo evolutivo da humanidade. Um pós-humano. Cerca de dez anos depois, reencontramos Howard Falcon no romance As Crônicas de Medusa, escrito pela dupla de autores britânicos Stephen Baxter e Alastair Reynolds.
O livro cobre um período de tempo de quase mil anos, e mostra como um ser praticamente imortal serve de elo entre a humanidade e as máquinas que, após adquirirem inteligencia e autonomia, se desprendem dos seus criadores e passam a competir com eles sobre o predomínio dos corpos celestes do Sistema Solar e seus recursos naturais. Falcon, que manteve a sua patente de comandante da Marinha Imperial da Terra, é chamado, de forma intermitente, para agir como uma espécie de embaixador da humanidade nos contatos cada vez mais complexos com as máquinas. Desta forma o livro apresenta uma série de eventos em que Falcon assume a tarefa – meio a contragosto – de representar os interesses humanos frente ao dos robôs. Só que sua ligação com os últimos torna-se próxima o suficiente para que sua lealdade seja posta em xeque.
Numa atividade industrial de extração de recursos energéticos num asteróide transplutoniano, ocorre um acidente que destroi vários robôs. Adam, o líder, para os trabalhos e Falcon é enviado para descobrir o que aconteceu. Descobre que Adam sentia tristeza pela perda dos companheiros e questionava como que os humanos os haviam colocado numa missão perigosa, e sem a segurança necessária. Ao descobrir que Adam tinha sentimentos, Falcon não apaga suas memórias, como era recomendado, mas faz um acordo com ele para que voltasse aos trabalhos, até conseguirem construir uma nave para zarparem do Sistema Solar. Centenas de anos depois, Adam anuncia o retorno da agora civilização artificial, e com um últimato: os humanos teriam 500 anos para sairem da Terra, pois seria ocupada pelas máquinas. Com isso humanos e máquinas entram definitivamente em conflito pela supremacia política e tecnológica dos planetas do Sistema Solar, numa ação de certa forma iniciada por Falcon em sua missão ao asteróide.
As Crônicas de Medusa é um romance épico que mostra como ocorre o relacionamento entre criadores e criaturas, retomando um tema dos mais tradicionais da ficção científica, agora em escala espacial. Na verdade, Baxter e Reynolds especulam sobre o que pode acontecer se as máquinas adquirirem uma autoconsciência e se tornarem muitíssimo mais inteligentes e capazes que a humanidade. Segue os argumentos da chamada singularidade, que poderia estar por acontecer ainda no século XXI. Mesmo que seja pouco provável que isto aconteça, ao menos em nosso tempo histórico, quais poderiam ser os possíveis desdobramentos? Uma nova espécie inteligente se contentaria a servir apenas aos seus criadores? Ou passaria a questionar sua condição subalterna e se rebelaria, lutando por direitos, liberdade e buscando seus próprios objetivos? Como ficaria a humanidade à mercê de uma espécie muito mais inteligente, capaz e praticamente imortal? Todas estas perguntas já foram feitas e mostradas em muitas histórias do gênero, e Baxter e Reynolds não almejam originalidade, embora coloquem a questão numa contextualização contemporânea, com aquilo que temos de mais recente em termos de pesquisa científica.
Mas o leitor pode estar se perguntando: E as Medusas? Sim, Falcon cultiva um carinho especial por estes seres enormes que flutuam no meio da atmosfera gasosa de Júpiter. De tempos em tempos, ele voltará a encontrá-las. E são nestas sequências que temos os momentos mais belos de especulação e fantasia nos mergulhos cada vez mais profundos do imenso planeta. Poucas vezes presenciei a descrição de cenas tão inspiradas sobre os mistérios de um planeta tão diferente e fascinante. Tanto do ponto de vista de como ele pode ser em termos naturais, como das eventuais formas de vida que ele pode abrigar. Pois poderá vir justamente das entranhas de Júpiter a chance eventual de reaproximação entre os homens e as máquinas, tendo, mais uma vez, Howard Falcon como uma figura central nos acontecimentos.
O desafio de escrever um romance que ocorre num intervalo de séculos é que possa segurar o interesse e não se torne uma espécie de colcha de retalhos de diferentes eventos que se justapõe. Pois Baxter e Reynolds são competentes ao amarrarem os diferentes acontecimentos dentro de um contexto maior e tendo um personagem principal a servir como elo da narrativa. Mesmo assim, pode-se ponderar que paira sobre a história um drama frio e distanciado. Alguns dos eventos cataclísmicos que ocorrem não recebem uma carga emocional condizente. Os personagens não são muito densos e desenvolvidos do ponto de vista psicológico, mesmo Howard Falcon, um sujeito que atravessa as eras praticamente sozinho, pois perde seus amigos, não tem família e apenas a sua médica é o que mais se pode considerar como uma pessoa íntima – mas ela também é humana. Contudo, pode fazer sentido, pois afinal ele, conforme o tempo passa, tona-se cada vez menos humano e mais próximo das máquinas. Virtualmente imortal como elas.
As Crônicas de Medusa foi listada como “leitura recomendada” dos melhores do ano da revista Locus: The Magazine of the Science Fiction & Fantasy Field, a mais prestigiosa da FC, embora não tenha sido finalista do Hugo e Nebula.  E é surpreendente que tenha sido traduzida e publicada tão rapidamente no Brasil pois, afinal, o livro é de 2016. Talvez tenha a ver com o fato de Ronaldo Sérgio de Biasi ser o tradutor, uma figura importante na ficção científica brasileira no início dos anos 1990, quando editou as 25 edições da Isaac Asimov Magazine (1990-1993) – versão brasileira da Asimov´s Science Fiction. Biasi nunca escondeu que prefere a vertente hard da FC, e talvez tenha influenciado a editora a publicar este romance. Acertou em cheio.
Quando imaginamos que As Crônicas de Medusa seja uma homenagem a Arthur C. Clarke, já seria louvável, embora pudesse não acrescentar muita coisa aos autores, dois expoentes da FC hard desde, pelo menos, os anos 1990. Mas a obra vai além e se ombreia na melhor tradição da corrente temática mais tradicional do gênero.
Num momento em que parte expressiva da FC se repete de maneira desanimadora com histórias sobre temas distópicos, tornando o gênero mais pobre, As Crônicas de Medusa é um sopro de criatividade. Na melhor tradição de uma literatura de ideias, apresenta vários insights especulativos e reflexões sobre os possíveis efeitos complexos da convivência entre duas civilizações inteligentes. Mostra que a FC ainda pode ser capaz de obras no qual é possível especular de forma despojada, e em que o sense of wonder não só é desejável, como necessário. E que uma obra como esta tenha sido inspirada numa história de Arthur C. Clarke não é mera coincidência.


– Marcello Simão Branco

domingo, 16 de abril de 2017

O peculiar, Stefan Bachmann

O peculiar (The peculiar), Stefan Bachmann. 272 páginas. Tradução Viviane Diniz. Editora Record, selo Galera Júnior, Rio de Janeiro, 2014.

A Terra Velha, também conhecida como o mundo das fadas, liga-se ao mundo dos homens por portais que surgem eventual e naturalmente. Nesses episódios, homens desatentos os atravessam para ficar para sempre presos nas florestas selvagens da magia, ou fadas vêm parar aqui, onde definham por causa da magia fraca. Mas, em raríssimas vezes, surgem portais grandes o suficiente para que muitas fadas atravessem para o nosso mundo. É quando as coisas realmente ruins acontecem. Foi o que ocorreu em Bath, uma pequena aldeia próxima de Londres, na noite de 23 de setembro de algum ano no século 19. Todos os aldeões desapareceram misteriosamente e uma horda fadas selvagens começaram a causar todo tipo de problemas nos arredores. O exército interveio e uma guerra feroz aconteceu. No início, foi um massacre, mas aos poucos os homens aprenderam a subjugar as fadas e acabaram por vencê-las. Com o fim do conflito, que ficou conhecido como Guerra Sorridente, o mundo mudou. As fadas se tornaram um recurso valioso entre os homens, como fonte alternativa à tecnologia, embora esta ainda predomine na maior parte do mundo. Máquinas movidas a carvão e magia são coisas corriqueiras. Na virada do século, homens e fadas desfrutam de uma convivência quase pacífica, embora estas ainda estejam, em sua maior parte, escravizadas ou segregadas em guetos insalubres. As fadas até são toleradas, ao ponto de terem representantes no Parlamento, mas uma categoria delas é odiada pela sociedade, tanto humana quanto mágica: os peculiares, popularmente chamados de medonhos. Filhos da união entre fadas e homens, sem ser nem homens nem fadas, os peculiares são odiados e perseguidos até a morte. Por isso, ninguém ligou quando corpos ocos de peculiares jovens começaram a surgir boiando no Tâmisa.
Na periferia favelada de Bath, no Beco do Velho Corvo, os irmãos peculiares Bartholomew e Hattie Kettle moram com sua mãe humana. Seu lema de vida é "não seja notado e não será enforcado". Por isso, vivem escondidos no barraco que chamam de casa, fora das vistas de todos. Mas como a curiosidade também é um traço forte nas crianças peculiares, Barth vê quando uma linda e elegante dama num vestido cor de ameixa leva embora um de seus poucos amigos, peculiar como ele, entregue pela própria mãe a troco de alguma coisa. Mas a bisbilhotice de Barth não passou despercebida.
Em Londres, o despreocupado Sr. Jelliby segue com sua vida confortável como representante no Parlamento. Sobreviver às tediosas reuniões políticas é o principal desafio de sua vida, sendo que passa o restante de seu tempo em festas, espetáculos e bons restaurantes da metrópole. Mas o destino tem outros planos para ele e as coisas começam a acontecer muito rápido quando é obrigado, muito a contragosto, a comparecer a uma reunião social protocolar na residência do Lorde Chanceler John Wednesday Lickerish, a mais bem posicionada fada do império. Quando mais um peculiar é encontrado no Tamisa, um turbilhão de acontecimentos sinistros colocará o Sr. Jelliby ao lado do jovem Bartholomew, empurrando-os literalmente em direção ao fim do mundo.
O peculiar (The peculiar) é o romance de estreia do jovem escritor americano Stefan Bachmann, publicado em 2012 pela Harper Collins quando tinha apenas 19 anos, sendo elogiado por autores como Rick Riordan e Christopher Paolini. Bachmann nasceu em 1993, no Colorado, e vive atualmente em Zurique, na Suiça, onde estuda música, tendo composto uma trilha sonora para o livro, disponível em ThePeculiarBook. A edição brasileira veio em 2014 pelo selo Galera Junior da editora Record, com tradução de Viviane Diniz.
O romance impressiona pela concisão e boas ideias, dialogando com obras vultosas como o premiado Jonathan Strange & Mr. Norrell, de Susanna Clarke. Há um toque steampunk secundário na trama, embora seja um elemento útil em vários momentos. Também há méritos do autor na habilidade em reconstruir o ambiente britânico, algo que nem todo americano consegue tão naturalmente.
Bachmann escreveu uma sequência, The whatnot, publicado originalmente em 2013 e traduzido no Brasil pela mesma Record em 2015 com o título de Não-sei-o-quê, cujo capítulo inicial está disponível para leitura aqui.
-- Cesar Silva

quarta-feira, 12 de abril de 2017

A Morte Veste Vermelho (I´m Dangerous Tonight, EUA, 1990)


A Morte Veste Vermelho” é um filme que tem direção de Tobe Hooper, um cineasta com nome reconhecido no gênero principalmente pelo eterno clássico “O Massacre da Serra Elétrica” (1974). O elenco é formado, entre outros, por Anthony Perkins, o psicopata Norman Bates de “Psicose”, e Dee Wallace-Stone, atriz veterana e um rosto conhecido por preciosidades dos anos 80 como “Grito de Horror”, “E.T. – O Extraterrestre”, “Cujo” e “Criaturas”. Lançado em nosso mercado de vídeo VHS pela “CIC”, o filme realmente desperta a atenção por essas credenciais e só por esses nomes no projeto já valeria uma conferida. Mas, fora isso, não deixa de ser apenas mais um filme mediano de horror, produzido diretamente para a televisão, que diverte ligeiramente sem muita exigência.
Um caixão misterioso que era utilizado em rituais de sacrifícios humanos pelos antigos astecas é comprado ilegalmente por um museu. Em seu interior repousa a múmia de um sacerdote maligno, vestindo um manto cerimonial vermelho com poderes sobrenaturais. Após um incidente com morte, o manto vermelho vai parar dentro de um baú que foi comprado numa venda de garagem pela bela estudante Amy O´Neill (Madchen Amick), namorada do colega de escola Eddie (Corey Parker). Depois de transformado num belo vestido, aos poucos a jovem vai descobrindo que o estranho tecido vermelho exerce forte influência na personalidade das pessoas que o vestem, despertando agressividade e tendências assassinas em seus usuários.
Entre as vítimas gananciosas do manto estão Gloria (Daisy Hall), prima de Amy, e Wanda Thatcher (Dee Wallace-Stone), uma mulher envolvida com bebidas, drogas e prostituição e que se aproveita do vestido sobrenatural para se afundar ainda mais na criminalidade. Os assassinatos misteriosos despertam a atenção da polícia, sob a investigação do Capitão Ackman (R. Lee Ermey), que sempre está fumando, e também a curiosidade do sinistro Prof. Gordon Buchanan (Anthony Perkins), que está interessado no “Animismo” (a crença que objetos inanimados possuem uma essência espiritual), e consequentemente nos eventuais poderes do misterioso manto vermelho, com sua história sobre violência e mortes sangrentas.
Quem combate monstros deve se cuidar para não virar monstro. Quando você olha um abismo, o abismo também olha para você.” – Friedrich Nietzsche (1844 / 1900)
Dessa vez parece que o título nacional escolhido é até melhor que o original. “A Morte Veste Vermelho” soa bem e tem relações coerentes com a história, funcionando bem melhor que “I´m Dangerous Tonight”, que numa tradução literal seria “Eu Estou Perigoso(a) Esta Noite”, um título mais comum e sem impacto. O filme tem o diferencial pela direção de Tobe Hooper e elenco com Dee Wallace-Stone e Anthony Perkins, mas isso não é suficiente para torná-lo especial. A história, baseada num conto de Cornell Woolrich, até tem seus interesses, mas o resultado final é mediano, principalmente pelas doses discretas de violência. O desfecho apresenta um gancho que até poderia ser explorado para uma sequência, mas a ideia foi descartada.
(Juvenatrix –12/04/17)

domingo, 9 de abril de 2017

A Morada do Terror (Grandmother´s House, EUA, 1988)


Com direção de Peter Rader, “A Morada do Terror” (outro título nacional oportunista e sem relação com o original) é de 1988 e foi lançado por aqui em VHS pela “Transvídeo”. A produção é do grego Nico Mastorakis, que também é conhecido pela direção de outras bagaceiras dos anos 1970 e 80 como “A Ilha da Morte” (1976),  “A Próxima Dimensão” (1984) e “The Zero Boys” (1986).
Depois da morte do pai dos irmãos adolescentes David (Eric Foster) e Lynn (a bela Kim Valentine), eles vão morar com seus avós numa casa de campo (daí o nome original “A Casa da Vovó”). São bem recebidos pelo avô (Len Lesser) e a avó (Linda Lee), mas depois que o garoto David testemunha um movimento suspeito deles com uma misteriosa e estranha mulher (a “scream queen” Brinke Stevens), ele passa a se sentir inseguro e desconfia que seus parentes mais velhos possam estar envolvidos em assassinatos.
Qualquer informação adicional pode ser considerada “spoiler” e comprometer a diversão do espectador, pois o filme é cheio de reviravoltas e revelações importantes ao longo da história. Temos um clima constante de suspense que consegue manter a atenção, apesar de que algumas situações inverossímeis ocasionalmente atrapalham o resultado final. Alguns personagens desaparecem por um tempo e reaparecem depois, numa manobra propícia para facilitar o trabalho do roteirista, porém prejudicando a coerência da história.
O filme tem pouco sangue, as mortes são discretas e as cenas de golpes com faca e machado não evidenciam o líquido vermelho, com as lâminas limpas mesmo após penetrarem repetidas vezes nos corpos das vítimas, numa falha grosseira que minimiza o grau de violência. Mas, ainda assim, “A Morada do Terror” consegue despertar o interesse com as reviravoltas na descoberta da verdade. A dupla de atores adolescentes cumpre bem o papel, principalmente o garoto Eric Foster, assumindo uma posição importante na história tentando entender a postura sinistra de seus avós e a real identidade da mulher misteriosa que surge para aterrorizar a casa. E o veterano ator Len Lesser (1922 / 2011) também se destaca no papel do avô com segredos obscuros do passado, numa interpretação assustadora e convincente.
(Juvenatrix –09/04/17)

terça-feira, 4 de abril de 2017

A Marca do Vampiro (Pale Blood, EUA / Hong Kong, 1990)


Lançado em VHS no Brasil pela “Sato Comunicações”, “A Marca do Vampiro” (Pale Blood, 1990) é um obscuro filme de vampirismo totalmente datado, nos remetendo ao período de transição entre as décadas de 80 e 90 do século passado, uma época sem as facilidades do celular, da internet e dos efeitos artificiais de computação gráfica. Tudo é datado, desde a atmosfera, figurinos e trilha sonora, com várias músicas da banda americana de punk rock “Agent Orange”.
Numa co-produção entre EUA e Hong Kong e com direção de V. V. Dachin Hsu e Michael W. Leighton, a história é sobre a chegada aos Estados Unidos de um misterioso homem vindo da Europa, Michael Fury (George Chakiris), atraído pela ocorrência de estranhos assassinatos em série de mulheres, que apresentavam sinais de mordidas no corpo e com o sangue drenado, como se fossem atacadas por um vampiro. Ele solicita ajuda para investigar os casos, contratando uma bela jovem, Lory (Pamela Ludwig), representando uma agência de detetives. Ela é aficionada pelo tema do vampirismo, consumindo filmes e livros sobre o assunto. Em paralelo, um videomaker esquisito, Van Vandameer (Wings Hauser), contrata duas dançarinas de boate, Jenny (Diana Frank) e Cherry (Darcy DeMoss) para participarem de um filme erótico, e misteriosamente ele sempre aparecia nas cenas dos crimes para captar imagens. Com os principais personagens apresentados, a ideia é descobrir a autoria das mortes sangrentas e a possível relação com as ações de um vampiro.
Primeiramente, vale registrar uma crítica na escolha do nome nacional, que poderia ser uma tradução literal do original, algo como “Sangue Pálido”, uma vez que já existia um filme chamado “A Marca do Vampiro” (Mark of the Vampire), de 1935 e com o ícone Bela Lugosi, confundindo os colecionadores e apreciadores do cinema fantástico, e dificultando ainda mais um trabalho de catalogação.
Esse “A Marca do Vampiro” de 1990 não apresenta nada que já não tenha sido visto à exaustão em filmes de vampirismo, e sua existência praticamente significa apenas mais um produto dentro do tema e que foi criado para permanecer no limbo do esquecimento. A presença do ator canastrão Wings Hauser, um rosto conhecido em uma infinidade de produções bagaceiras, pode até ser um convite para conhecer o filme, mas a narrativa arrastada e os clichês por outro lado tendem a afastar o espectador.
Curiosamente, no quarto da jovem investigadora Lori, consumidora de produtos relacionados ao vampirismo, podemos notar a exibição do clássico “Nosferatu” (1922) na televisão, além de posters de cinema nas paredes, com destaque para uma foto do ator Bela Lugosi caracterizado como “Drácula” e o cartaz francês do filme “O Beijo do Vampiro” (Kiss of the Vampire, 1963) da lendária produtora inglesa “Hammer”.
(Juvenatrix –03/04/17)

domingo, 2 de abril de 2017

A Maldição de El Diablo (The Evil Below, EUA, 1989)


Algumas coisas são melhores deixadas sozinhas

A frase acima é uma tradução literal de uma tagline promocional do filme “A Maldição de El Diablo” (The Evil Below, 1989), e podemos alterar para algo como “Alguns filmes são tão descartáveis que não valem a pena assistir”. Lançado em vídeo VHS em nosso mercado pela “Top Tape”, o filme foi dirigido por Jean-Claude Dubois, em seu único trabalho.
Max Cash (Wayne Crawford) tem um barco e leva turistas para pescar em alto mar, auxiliado pela jovem assistente Tracy (Sheri Able). Endividado, ele aceita o convite de uma bela mulher, a professora de Arte Sarah Livingstone (June Chadwick), para alugar seu barco por uma semana na tentativa de localizar um suposto tesouro perdido num navio espanhol que naufragou em 1683. O navio carregava artefatos religiosos roubados por um grupo de padres hereges renegados do catolicismo, inspirados por Lucifer. Por causa disso, o navio afundado, conhecido por “El Diablo” (do título nacional), tinha fama de amaldiçoado e seu paradeiro no fundo do mar era desconhecido e protegido por um misterioso guardião sobrenatural, Adrian Barlow (Ted Le Platt). 
A ideia central do roteiro nem é tão ruim, com potencial para uma boa história. Porém, não é o que acontece com “A Maldição de El Diablo”, cujo título original numa tradução literal seria algo como “O Mal Abaixo”. O filme é arrastado e quase sem elementos de horror, perdendo a oportunidade de explorar melhor a lenda de um navio satânico maldito e as conseqüências para todos que se atreviam a tentar roubar seus tesouros. Tem poucas mortes e sangue, quase sempre fora da tela, e a parte “mistério sobrenatural” não consegue empolgar, num inevitável convite ao sono.
Curiosamente, no mesmo período foram lançados vários filmes com temática sub-aquática como por exemplo “Abismo do Terror” (Deep Star Six), de Sean S. Cunningham, e “Leviathan”, de George P. Cosmatos, que pelo menos divertem muito mais que a bagaceira analisada nesse breve texto.   
“Convém não mexer em certas coisas, senão você morre misteriosamente” – tagline promocional da fita VHS lançada no Brasil. Acho que ficaria melhor assim: “Convém não ver esse filme, senão você pode dormir de tédio.”
(Juvenatrix –01/04/17)