quarta-feira, 27 de julho de 2016

O Lago dos Tubarões (Shark Lake, 2015)


Os tubarões são os animais mais maltratados pelos roteiristas no cinema. São tantos os filmes ruins abordando essas feras do mar que uma missão de catalogação é bem difícil. Esses animais foram transformados em fantasmas, zumbis, demônios, monstros geneticamente modificados, criaturas pré-históricas, assassinos que habitam lagos e rios, criaturas que se locomovem através de tornados e avalanches, surgem debaixo da areia, e inúmeras outras coisas absurdas. Quase em sua totalidade, os filmes são patéticos ao extremo, e em alguns poucos e raros casos até proporcionam alguma diversão discreta justamente por suas características bagaceiras.
Não é o caso de “O Lago dos Tubarões” (Shark Lake, 2015), dirigido por Jerry Dugan. Aqui, a regra se mantém como um filme sem atrativos e totalmente descartável, tendo como único diferencial a presença no elenco do ator sueco Dolph Lundgren (das franquias “O Soldado Universal” e “Os Mercenários”), que aparece no cartaz apelativo estampando seu rosto para tentar chamar a atenção dos fãs. Ele que é um ator conhecido pelos filmes de ação com tiroteios, porradas, perseguições e explosões para todos os lados, mas que pertence a um escalão menor, ficando o topo desse gênero do cinema para astros lendários como Sylvester Stallone e Arnold Schwarzenegger. Uma vez precisando de trabalho, Lundgren obviamente aceitou o papel, independente da história ruim e precariedade geral da produção, e teve como resultado apenas mais um filme que não agrega nada em sua carreira.
Ele é o viúvo Clint Gray, que passou cinco anos preso por fazer parte de um esquema de tráfico de animais, deixando sua filha pequena Carly (Lily Brooks O´Briant) para ser cuidada pela policial Meredith Hernandez (Sara Lane), xerife de uma pequena cidade americana no Estado de Nevada. As coisas começam a se complicar quando ocorrem mortes sangrentas misteriosas num lago, creditadas inicialmente e de forma equivocada para um urso. Porém, com a investigação de um professor de oceanografia, Peter Mayes (Michael Aaron Miligan), descobre-se logo que a autoria dos assassinatos brutais no lago é de uma família de tubarões (nem é “spoiler”, pois o título do filme já entrega a revelação). Resta ao herói Clint salvar a cidade da ameaça das feras aquáticas.
A história é carregada de clichês que não despertam interesse. As cenas de mortes não impressionam. Os efeitos em CGI vagabundo não convencem e só contribuem para tornar a produção ainda mais descartável. Tudo é muito óbvio e sem graça, num convite ao sono. Dolph Lundgren nem é o protagonista, ele aparece pouco e sua participação resume-se ao velho clichê de um personagem canastrão metido a durão, e que luta com os tubarões de borracha numa cena tão patética que dá pena. “O Lago dos Tubarões” certamente está entre os piores de todos os filmes ruins com tubarões, mesmo sem exagerar nas ideias absurdas que normalmente o cinema utiliza para ridicularizar essas feras das águas. Mas, a história é tão desinteressante que o resultado foi apenas mais um filme destinado ao limbo dos esquecidos.
(Juvenatrix – 26/07/16)

sábado, 16 de julho de 2016

O Livro dos Contos Enfeitiçados

 O Livro dos Contos Enfeitiçados, Martha Argel. 166 páginas. São Paulo: Landy Editora – Coleção “Novos Caminhos: Literatura Fantástica”, 2006.


Esta coletânea de Martha Argel reúne sete contos que podemos classificar entre a fantasia tradicional e a sombria (dark fantasy), mas antes de analisar as histórias, chamo a atenção para a qualidade gráfica e editorial do livro. Uma bela ilustração de capa de Camila Mesquita, plenamente de acordo com a proposta da obra. Também a diagramação moderna e o tamanho do volume, em formato pocket, não muito habitual no mercado editorial brasileiro. Vale destacar ainda a pequena introdução da autora, didática e inteligente, situando e justificando o tema central da obra, a magia, tanto para o mundo racional, como para o fantástico.
    A noveleta “Amarelo... Amarelo” abre a coletânea. Nos mostra uma mulher que é obrigada a cuidar temporariamente de sua sobrinha de apenas três anos, depois da morte de seus pais em um acidente de carro. Pessoa solitária e egoísta, detesta a situação mas aos poucos se impressiona com uma certa semelhança da criança com ela própria. Contudo, o elemento fantástico da trama é a cor amarela. Beatrix, a menina, só gosta de amarelo e tem   poderes de transformar o que deseja nesta cor.
A narrativa acontece com muita desenvoltura e segurança, o que a torna interessante e agradável de se ler. O tema em si não é tão criativo e é possível que nas mãos de um autor menos sensível deixasse a desejar, o que não é o caso da autora.
      O conto seguinte é uma pérola, “Eu Detesto Futebol”. Um grupo de bruxas com nomes de flores e que se reúnem em um Jardim, resolvem acabar com o futebol, pois é um rival com a qual não podem competir pela atenção de seus maridos. Contudo, há os efeitos inesperados e invariavelmente perversos, afinal retirado o futebol fica o quê no lugar?
     Pois seus maridos inventaram outras ocupações ‘desagradáveis’, como clube do charuto, boxe e pinturas psicodélicas nas paredes da casa, para suprir a ausência do tão amado esporte bretão. Assim, elas resolvem recolocar as coisas nos seus lugares, pois, afinal, o problema não é, de fato, o futebol. Narrado em primeira pessoa por uma das bruxas, o texto remete diretamente ao contraste entre o universo subjetivo e misterioso das mulheres e o universo expansivo e mundano dos homens.
     Escrito em 1974, a história é rica por suas nuances, como os costumes alimentares e culturais da época, especialmente nostálgico para quem a viveu. Gostaria muito de ter publicado este conto em minha antologia Outras Copas, Outros Mundos (Ano-Luz, 1998) e, se tiver a chance de relançá-la um dia, esta história está, desde já, selecionada.
     “O Verdadeiro Poder” vem a seguir e nos conta sobre a experiência de uma bruxa que ajudou um bruxo a salvar sua amada das garras de um demônio. A história se ancora em duas máximas: 1) Em troca do poder que possui os bruxos não podem amar e 2) o amor é o verdadeiro poder. Ou seja, eles alteram a realidade exterior com poderes sobrenaturais, mas o poder interior de transformação só os humanos mortais têm.
     É um conto em que o fantástico assume o primeiro plano, embora trabalhe com temas humanos, como o amor e a solidão. Apesar do texto correto, a história não entusiasma, talvez por parecer um pouco forçada no propósito de mostrar como poderia ser a atividade de feiticeiros em nosso cotidiano contemporâneo.
     O que já não é o caso do próximo conto, “O Olho Vermelho”. Esta uma história mais pendente para o horror, no qual o sobrenatural está a espreita, se insinua, mas não de forma explícita, sempre deixando uma dúvida no ar. E isso enriquece a trama. Uma velhinha que aluga um quarto, nele instala um alarme, o tal do ‘olho vermelho’, que acende quando algo se movimenta no interior do cômodo. Pois um novo inquilino fica obcecado, depois de ver no escuro, sozinho e deitado em sua cama, o tal do olho acender, indicando que alguma coisa estaria dentro do aposento. Sem saber se é sonho ou realidade, o fato é que ele não é o primeiro a passar por esta experiência no quarto.
     “Final Feliz” é uma espécie de sátira ao clichê do título e da vida supostamente idílica e romântica que uma jovem princesa teria. Sim, porque ao se opor aos estereótipos – não é bonita e encantadora – procura um Bruxo da Mata para conseguir um par.
    A exemplo de “Verdadeiro Poder” esta é uma história plena de fantasia. E, como tal, nada acrescenta, pois é apenas uma variação sobre temas por demais repetidos, ainda que tente, em seu desfecho, um final feliz diferente do convencional. Talvez mais atinado com a mulher emancipada desde começo de século XXI.
     A mesma questão da ‘variação sobre um tema’ é encontrada no próximo relato, justamente o que dá o título ao livro. Mas “O Livro dos Contos Enfeitiçados’ – outra história dark fantasy –, consegue ter um interesse próprio, nos jogos de imagens, no horror insinuado, no conceito sempre fascinante da biblioteca gigantesca e misteriosa, que abriga um livro capaz de horrores e encantamentos.
     Este conto demonstra a opção da autora por um público que creio, já lhe seja cativo, ou esteja em vias de: o leitor jovem, adolescente ou recém-adulto. Mas insisto que os temas não precisam, necessariamente, serem baseados em repetições com teores infantilóides. É possível escrever para qualquer público de maneira criativa e provocadora. O que não é o caso da terceira história com este perfil no livro, embora, como dito acima, ela seja boa por si mesma, graças ao despojamento narrativo com que ela é trabalhada.
   Uma novela fecha a coletânea, “Sofia”. Situa-se nos tempos atuais, no qual uma jovem é surpreendida por um estranho, ao ser abordada e raptada. E ele lhe diz ainda que ela é uma bruxa concebida para cumprir uma profecia. No mundo desta e de outras histórias deste volume fica clara a defesa da ideia de que humanos mortais e bruxos poderosos convivem. Só que a maioria dos primeiros não crê na existência dos bruxos. Ou quando acreditam, os veem de forma pejorativa e perigosa. De outro lado, nem todos os bruxos sabem que são bruxos e tomam-se apenas como humanos, como o caso de Sofia. Talvez haja nesta segunda ideia a tentativa de agradar uma comunidade de pessoas que acredite que possua poderes sobrenaturais, como quiromantes e clarividentes. Não é preciso pesquisar muito com pessoas do nosso próprio entorno social para achar alguém que crê ter tais talentos. Uma busca na internet, então, revela diversas comunidades de pessoas que se creem especiais.
     Sofia seria uma espécie de representante delas? Talvez, tanto é que na história tudo já estava escrito para chegar a este momento crucial de sua vida. Que é uma batalha duríssima com uma velha e poderosa bruxa. Esta, como se percebe no texto, maligna, sim, pois elas também existiriam.
Em resumo, sob a defesa deste argumento ou não, estamos diante de mais uma história com caracterização tradicional. O interesse maior pode estar na qualidade do texto da autora, de fato, novamente em alta, como exemplificado no primeiro parágrafo:

“O sol filtrava-se, oblíquo e persistente, entre as nuvens escuras, e dava mais vida ao verde da grama e às azaleias e hibiscos floridos. No fim da tarde de sábado, parecia que a praça tentava impregnar-se ao máximo da energia luminosa, como se soubesse que chegava ao fim a breve trégua da chuva naquele inverno especialmente úmido.” (página 109).

     Tem uma bela poesia por trás dos motivos naturais, com palavras e frases bem escolhidas, o que faz com que, de saída e de forma irresistível, sejamos despertados pelo prazer da leitura e interesse pela história, mesmo que logo depois nos deparemos com mais uma narrativa com tema padrão e sem maiores impactos.
    Em síntese esta é uma coletânea de qualidade razoável em temos temáticos e boa em termos literários. Martha Argel sugere ser uma escritora melhor do que os temas da maioria das histórias que mostra neste livro. Escreve bem, tem sensibilidade apurada, um estilo ora despojado, ora coloquial, que agrada a leitura e transmite verossimilhança. Por todas estas qualidades é possível esperar que nos apresente no futuro uma obra que traga um maior equilíbrio entre o conteúdo e seu estilo. Talvez com temas mais maduros ou com tratamentos menos convencionais.

Marcello Simão Branco

quarta-feira, 6 de julho de 2016

Terror Tropical (Dragon Wasps, EUA, 2012)


Dirigido por Joe Knee, “Terror Tropical” é outra bagaceira moderna com elementos de horror e ficção científica que o canal de TV a cabo “SyFy” gosta de exibir em sua programação. Faz parte daquela manjada equação que pode ser representada como “roteiro desinteressante” + “elenco inexpressivo” + “CGI vagabundo” = tranqueira dispensável.
O cientista entomologista Dr. Humphries (David Stasko), especialista em engenharia biogenética, está trabalhando para uma empresa misteriosa chamada “Transgen Tech” e se perde numa floresta tropical na América Central. Sua filha Gina (a polonesa Dominika Juillet) e a amiga Rhonda Guiterrez (Nikolette Noel) partem em sua procura, unindo-se com um grupo do exército americano que patrulha a floresta combatendo terroristas e traficantes, liderado por John Hammond (Corin Nemec) e entre os soldados, Willy Meyers (Benjamin Easterday). Ao investigarem a mata fechada, são obrigados a enfrentar dois grandes problemas, sendo um deles um grupo de guerrilheiros fortemente armados e supersticiosos, sob o comando de Jaguar (Gildon Roland), um líder violento que acredita em magia e na proteção de espíritos da floresta. O outro, bem pior, é enfrentar um inesperado ataque de vespas gigantes mutantes que cospem fogo.
O desfile de clichês é enorme. Tem o imperialismo americano num país “que não consegue cuidar de suas fronteiras”, o militar metido a herói, as piadas banais, o “cientista louco” (que nesse caso não tem quase importância na história, deixando o protagonismo para sua filha), os tiroteios óbvios na floresta, e os ataques dos insetos modificados geneticamente. De um filme apresentando vespas dragões incendiárias (daí o título) logicamente já se espera um roteiro absurdo e carregado de clichês, perdido numa avalanche de produções com temática similar. Talvez um dia num futuro distante, essas porcarias até possam se tornar cultuadas dentro de um estilo de cinema fantástico bagaceiro produzido exaustivamente nesse início de século XXI, de forma parecida com o que aconteceu com os nostálgicos filmes dos anos 1950. Porém, pelo menos por enquanto, filmes como esse “Terror Tropical” ainda são extremamente ruins e difíceis de assistir, com uma história patética e insetos gigantes não convincentes, criados por efeitos artificiais de computação gráfica.
Curiosamente, as filmagens ocorreram em Belize, na América Central. E Corin Nemec, o ator que interpretou o soldado durão e herói, também foi um dos produtores do filme. Seu nome está envolvido em inúmeras outras tranqueiras como “Tubarões Assassinos” (Raging Sharks, 2005), “Mosquito Man” (2005), “Tubarões da Areia” (Sand Sharks, 2012), “Dracano” (2013), “Robocroc” (2013) e “Pânico no Lago: Projeto Anaconda” (Lake Placid vs. Anaconda, 2015).
(Juvenatrix – 06/07/16)