sábado, 23 de dezembro de 2017

Mystics in Bali (Indonésia / Austrália, 1981)


Mystics in Bali” é uma tranqueira produzida na Indonésia em parceria com a Austrália, também conhecido pelo título alternativo “Leák”. Com direção de H. Tjut Djalil, a história mistura elementos de magia negra, feitiçaria e vampirismo, apresentando uma cabeça voadora com órgãos internos pendurados, em efeitos precários e com um elenco extremamente ruim.
Uma escritora americana, Catherine Kean (Ilona Agathe Bastian), está em Bali (uma ilha localizada na Indonésia) para pesquisar informações sobre a antiga, estranha, misteriosa e poderosa magia negra “leák”, com o objetivo de escrever um livro sobre o assunto. Ela é auxiliada pelo namorado Mahendra (Yos Santo), nativo da região, e consegue um contato noturno e sinistro com uma feiticeira, uma rainha leák (interpretada por Sophia W. D. quando velha, e por Cinthya Dewi quando jovem).
A poderosa bruxa, com voz gutural, aceita passar os ensinamentos da magia para a ingênua Cathy, que se torna uma discípula das trevas e se transforma eventualmente numa criatura assassina e vampira à procura de sangue e carne de suas vítimas, sendo que sua cabeça, agarrada à espinha, pulmões e intestinos, se separa do corpo e voa em busca de alimento. Mahendra tenta salvá-la da maldição e pede ajuda ao seu tio Machesse (W. D. Mochtar) e outros religiosos para combater a rainha leák e libertar a namorada Cathy de seu domínio maléfico.
Com esse roteiro absurdo já dá para imaginar a imensa tranqueira que é “Mystics in Bali”, um filme tão ruim que o espectador torce para que acabe logo, mas isso somente ocorre depois de seus longos 87 minutos. Os atores são muito inexpressivos, artificiais e tão amadores que chegam a incomodar pela precariedade das atuações. A rainha leák dá tantas gargalhadas histéricas irritantes que nos incentivam a avançar o filme minimizando o incômodo. Sem contar a dança ridícula do ritual de magia negra.
Os efeitos são extremamente bagaceiros, principalmente a tal criatura demoníaca que é a cabeça voadora de Cathy possuída, arrastando as tripas pelos ares. Tem também uma mão decepada que caminha sozinha, o tentáculo enorme em forma de língua da bruxa leák, as cenas de transformação dela e da discípula Cathy em animais como porcos e outras criaturas gosmentas, além dos vômitos verdes misturados com ratos vivos e o duelo de feiticeiros transformados em bolas de fogo numa guerra patética de raios, entre outras bizarrices. Mas, onde normalmente isso seria um motivo para agregar valor como entretenimento para os apreciadores de filmes toscos, acaba surtindo um efeito contrário por causa da ruindade extrema geral do filme, desde a história sofrível até as atuações inacreditavelmente inexpressivas.
(Juvenatrix – 22/12/17)

terça-feira, 19 de dezembro de 2017

O Grito da Caveira (The Screaming Skull, EUA, 1958)


“Nós garantimos enterrá-lo sem custos se você morrer de susto durante O Grito da Caveira – jogada de marketing dos produtores

“O Grito da Caveira é um filme que atinge seu clímax num horror chocante. Seu impacto é tão terrível que pode causar um efeito imprevisto. Pode até matá-lo. Portanto, seus produtores garantem serviços funerários gratuitos para quem morrer de susto enquanto assistir O Grito da Caveira”.

No final dos anos 1950, uma época de ouro do cinema fantástico bagaceiro, vários filmes de baixo orçamento do produtor e cineasta William Castle receberam um tratamento diferenciado e criativo na área de marketing e divulgação, despertando a atenção e curiosidade do público para ir aos cinemas. Utilizando técnicas interativas para assustar os espectadores como poltronas que tremem e dão pequenos choques elétricos, fornecimento de apólices de seguro de vida para quem morresse durante a exibição do filme, ou o uso de um esqueleto humano iluminado movimentado por um complexo mecanismo de polias, cordas e correias, que era arremessado por cima das pessoas. Inspirado por esse marketing inusitado de William Castle, os produtores de “O Grito da Caveira” (The Screaming Skull, 1958), Thomas F. Woods e John Kneubuhl (também autor do roteiro), igualmente entraram na onda e prometeram pagar os serviços funerários de quem morresse de susto durante a projeção do filme (conforme atestam a tagline e a narração de introdução reproduzidas acima).
No filme, dirigido por Alex Nicol (mais conhecido pela carreira de ator coadjuvante), Eric Whitlock (John Hudson) se casa com Jenni (Peggy Webber) e juntos vão morar no casarão de Eric, que utilizava quando ainda era casado com Marianne, morta num trágico acidente doméstico, ao se afogar num pequeno lago após escorregar num dia de forte chuva.
Jenni tenta ser feliz ao lado do marido, após enfrentar uma fase conturbada com problemas psicológicos num hospital psiquiátrico por causa da morte dos pais afogados num acidente de barco. Na mansão ainda vive o suspeito jardineiro Mickey (Alex Nicol), um homem com retardamento mental que cuida do imenso jardim que rodeia a casa, e continua sentindo uma devoção exagerada à antiga patroa falecida. E entre os amigos do casal temos os vizinhos Reverendo Edward Snow (Russ Conway) e sua esposa (Tony Johnson).
Os problemas se iniciam quando Jenni é atormentada por gritos na escuridão da noite e com a suposta presença fantasmagórica da falecida primeira esposa de seu marido, além de uma misteriosa caveira que está constantemente perseguindo-a para desestabilizar o seu já fragilizado estado psicológico. Apavorada, o estado mental dela vai progressivamente piorando, confusa com os acontecimentos sinistros da casa e do passado trágico envolvendo a morte perturbadora de Marianne.
“O Grito da Caveira” tem fotografia em preto e branco e uma duração curta, com apenas 68 minutos. É uma produção de orçamento reduzido, poucos personagens (apenas 5), uma história clichê e ingênua com elementos de horror que talvez pudessem assustar as platéias mais sensíveis de meados do século passado, mas que atualmente dificilmente causaria algum desconforto. Os efeitos especiais da “caveira que grita” são patéticos de tão hilários. Porém, são exatamente esses ingredientes típicos do cinema fantástico bagaceiro daquele período que resultam na diversão dos apreciadores dessas tranqueiras. Temos uma atmosfera sinistra de um casarão envolto em manifestações sobrenaturais, um fantasma atormentado em busca de vingança e paz, uma mulher lutando para manter sua instável sanidade, e a jogada de marketing promocional com um caixão nos cinemas reservado para quem morresse de susto durante a exibição do filme.
Curiosamente, “O Grito da Caveira” também recebeu outro nome alternativo nacional: “A Maldição na Noite de Núpcias”.
(Juvenatrix – 19/12/17)

terça-feira, 12 de dezembro de 2017

30 ANOS DE UMA REUNIÃO ESPECIAL

Foi num sábado, 12 de dezembro de 1987. Aconteceu na capital paulista a reunião comemorativa dos dois anos do Clube de Leitores de Ficção Científica (CLFC). Mas foi mais do que uma reunião. Foi uma verdadeira mini-convenção. A começar por sua duração. Ao contrário das reuniões mensais que aconteciam no período da manhã, a partir das nove horas, esta se estendeu até o fim da tarde, devido às muitas atividades programadas.
Na foto: André Carneiro e Jorge Luiz Calife
Em seus primórdios o CLFC paulista organizava suas reuniões mensais no último sábado de cada mês no mezanino da Livraria Paisagem, situada numa galeria da Avenida São Luís, Centro de São Paulo. O Benedito Máximo era o proprietário da livraria e sócio do clube, e importava todas as coleções portuguesas do gênero na época, como a Argonauta, Europa-América e Caminho, que abasteciam as coleções de FC dos fãs brasileiros, carentes de livros de FC publicados em nosso país. Neste local as reuniões duraram até o início dos anos 1990, quando a crise econômica levou a livraria à falência. Migrou depois para a sede do sindicato dos engenheiros rodoviários, no bairro do Bom Retiro, por iniciativa do sócio Ivan Carlos Regina. E vale lembrar que esta tradição de encontros mensais no fim do mês resiste até hoje. Só que numa pizzaria da família do sócio Humberto Fimiani.
Embora o CLFC já tivesse realizado uma bem sucedida Mostra de FC no prestigiado Sesc Pompéia em 1986, cuja intenção era divulgar o gênero para o público em geral, a reunião de dezembro de 1987 pode ser considerada como a primeira convenção do gênero realizada em São Paulo desde o renascimento da comunidade brasileira de FC no início dos anos 1980.
E não só pela duração do evento, mas principalmente por reunir de forma significativa as comunidades de São Paulo e do Rio de Janeiro. Sim, os cariocas vieram em grande número ao evento. É uma estimativa, mas vieram pelo menos umas 20 pessoas. Somadas às 30 de São Paulo, o evento somou cerca de 50 fãs ao longo do dia. Foi certamente o encontro mais importante do CLFC desde sua fundação até então, e dos mais importantes também pelo que aconteceu.
Era um lindo sábado de sol, e antes mesmo das nove da manhã muitos fãs, especialmente os do Rio que haviam viajado de madrugada, se juntavam à porta de entrada da livraria. Foi organizada toda uma programação de atividades que, infelizmente, eu não tenho como narrar já que este evento não recebeu qualquer notícia ou reportagem nos fanzines da época, nem no do próprio clube, o Somnium.
Em todo caso lembro que após os cumprimentos e abertura do evento, houve uma palestra sobre um autor de FC, como era praxe na época. A memória pode estar errada, mas creio que o fã carioca José dos Santos Fernandes falou sobre a obra de Poul Anderson.
Depois, lá pelo fim da manhã houve uma pausa para o almoço, mas antes vários dos fãs paulistas e cariocas percorreram as ruas do Centro à procura de sebos. Foi nesta andança que pude conhecer vários dos fãs do Rio, se não estiver enganado, o Braulio Tavares, Fábio Fernandes, Gerson Lodi-Ribeiro, José dos Santos Fernandes, Miguel Carqueija, Rubenildo Piton de Barros, Sérgio Fonseca de Castro, entre outros. Os de São Paulo eu já conhecia há alguns meses, pois esta era a minha quarta reunião mensal, após me associar em maio, e ir à minha primeira reunião em setembro, onde conheci o Cesar Silva, R.C. Nascimento, Roberto de Sousa Causo, Luis Marcos da Fonseca, Ivo Luiz Heinz, Ivan Carlos Regina, Sérgio Roberto Lins da Costa, Fritz Peter Bendinelli, Caio Luiz Cardoso Sampaio, Maria Angela Calazans Bussolotti, e muitos outros que vieram depois.

Presenças ilustres
Após o almoço as atividades se intensificaram e contaram com a presença especial de três personagens importantes da FC no país: os escritores André Carneiro e Jorge Luiz Calife, e o editor Gumercindo Rocha Dorea. Lembro que cada um deles proferiu uma breve palestra sobre sua trajetória na FC brasileira. O Gumercindo rememorando sobre suas coleções de livros dos anos 1960 e os autores que revelou, e André e o Calife narrando suas trajetórias e preferências temáticas dentro do gênero – o primeiro com uma FC mais humanista e introspectiva, e o segundo com uma mais tecnológica, com forte apelo à exploração espacial. Um soft e outro hard. Os três receberam grande atenção da audiência que lotou a livraria, respondendo várias perguntas e autografando seus livros.
O fandom paulista já convivia com o André e o Gumercindo desde pouco depois da fundação do clube em dezembro de 1985, mas a vinda do Calife foi uma novidade, ainda mais porque, ele nunca foi de conviver com os fãs. Já para o fandom carioca, alguns conheciam o Calife, mas muitos tiveram o primeiro contato pessoal com duas personalidades históricas da FC brasileira dos anos 1960, o Gumercindo e o André.

Nova Geração
Em setembro de 1987 havia estreado nos EUA a nova série Jornada nas Estrelas: A Nova Geração (Star Trek: The Next Generation), e numa correspondência com o Calife ele me disse que havia recebido de um amigo dos EUA uma cópia VHS do episódio piloto “Encontro em Longínqua” (“Encounter at Fairpoint”). Também ativo no fandom da série, pedi a ele que me trouxesse uma cópia. Contei para os trekkers a novidade, e uma dezena deles apareceu na reunião só para pegar a fita que o Calife havia me passado. No fim das contas fiquei na reunião, e só depois fui ver o episódio que reconstruiu a franquia do seriado.
Foi um dia realmente ímpar para mim e que fortaleceu de forma definitiva meus laços com a FC. Conheci gente interessante e aprendi muito sobre a história do gênero no país. Além disso, levei para casa alguns livros, como o presenteado pelo José dos Santos Fernandes, a coletânea Outros Contos do País de Outubro, do Ray Bradbury – de uma das coleções do GRD –, e comprei dois: a ótima antologia Science Fiction: Autores Selecionados e o romance Irmão Assassino, do Fred Saberhagen, Coleção Argonauta no. 201, que alguém me disse que era “muito bom”. E também adquiri alguns fanzines. Enfim, saí de lá com a cabeça cheia de ideias para projetos, e talvez tenha sido neste dia que nasceu a ideia de editar um fanzine. Pois cerca de um ano depois surgia, em parceria com o amigo Renato Rosatti, o Megalon.
Como disse antes, lamento apenas que um evento tão rico e único como este não tenha recebido qualquer documentação. Mas muitos dos fãs que lá estiveram – hoje na casa dos 50 ou 60 anos – poderão se lembrar de outros detalhes. Um dia de pura ficção científica como poucas vezes vivi depois.
– Marcello Simão Branco

quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

Mundo novo 2: Nova ordem, Chris Weitz

Mundo novo 2: Nova ordem (The new order), Chris Weitz. 266 páginas, tradução de Álvaro Hattnher. Editora Companhia das Letras, selo Seguinte. 2015.

O odisseia dos adolescentes em um mundo devastado por uma praga continua neste que é o segundo volume da saga iniciada em Mundo novo, publicado em 2014 pela mesma editora Companhia das Letras em seu selo Seguinte, cuja resenha pode ser lida aqui.
Jefferson é um nipoamericano novaiorquino que, depois de testemunhar seu mundo desmoronar e seu irmão mais velho sucumbir à doença, se vê na obrigação de assumir a liderança de seu pequeno mas determinado grupo de sobreviventes. Acompanhado de alguns garotos e garotas bons de briga, além do estranho e cerebral Crânio, partem para a missão de identificar o vírus mortal e encontrar uma cura, sem a qual estão todos condenados. Mas, para isso, têm de atravessar uma Nova York anarquizada, dividida em feudos em guerra, além de monstros antropófagos de quatro e de duas pernas. O primeiro volume se encerra quando, depois de enfrentar o bando de psicopatas liderado pelo último adulto vivo – que foi justamente o criador do vírus – a cura é obtida a partir do sangue de Jeff. Quando uma solução redentora parece próxima, os garotos são surpreendidos por um helicóptero da marinha, repleto de soldados que os capturam e levam para o alto mar. É justamente aqui que se inicia Nova ordem.
Jefferson, Crânio, Donna – que depois de muitos desencontros tinha iniciado um ardente idílio com Jefferson – e os demais sobreviventes já imunizados contra a doença, são aprisionados num porta-aviões fundeado ao largo da costa da cidade. A nave é americana, mas parece estar sendo controlada por oficiais britânicos. Ali, os meninos são submetidos a longos e intermináveis interrogatórios, e logo percebem que o mundo não sofreu com o vírus tanto quanto os Estados Unidos. Ainda há muitos adultos na Europa e em outros continentes, também imunizados contra o vírus, mas a ordem mundial está perturbada e instável. Muitos países desapareceram completamente, mas os que subsistem travam uma espécie de guerra fria, disputando os recursos deixados pelos que se foram. Para facilitar o trabalho, os sobreviventes decidiram abandonar a população dos EUA a própria sorte, esperando até que todos os seus habitantes morram para, depois, tomar seus recursos sem resistência. A cura encontrada por Jefferson é, assim, um grande problema para os planos dos novos senhores do mundo.
Quando os jovens começam a se adaptar a nova realidade de suas vidas, depois que o comandante do porta-aviões relaxa um pouco as suas prisões, os garotos são contatados por um grupo secreto de soldados americanos que querem retomar o controle dos EUA e levar para lá a cura de Jefferson. Depois de um rápido entrevero, os jovens embarcam num helicóptero para voltar para o continente, mas um deles fica para trás: Donna não consegue embarcar e é levada para Londres, onde outra fase de interrogatórios a aguarda. Lá, seus tutores dizem-lhe que todos no helicóptero morreram, e ela terá de superar a tristeza da perda de seus amigos e de seu grande amor. Mas o que Donna não sabe é que tudo o que lhe disseram é mentira.
De volta à Nova York, agora com a ajuda de alguns mariners, Jefferson e seus companheiros iniciam uma campanha de coalizão entre as diversas tribos de sobreviventes, usando a cura como um argumento incontestável. A princípio, as coisa parecem progredir de forma satisfatória, apesar de muitos riscos pelos quais o grupo tem de se sujeitar, mas o que nem Jefferson, nem o inteligentíssimo Crânio imaginam é que eles estão sendo manipulados e que um perigo ainda maior que a doença pode ser liberado no planeta.
Chris Weitz mais uma vez demonstra que sabe muito mais além de dirigir filmes. Seu texto é fluido, de descrições detalhadas e precisas que ajudam a construir as impressionantes imagens de uma Nova York em ruínas. Além disso, usa criativamente diversos recursos estilísticos e gráficos para dar voz individual a cada um dos personagens. Assim como no primeiro volume, o autor narra os acontecimentos através de depoimentos dos personagens, como se estivessem escrevendo um diário pessoal. Cada um deles tem seu próprio estilo narrativo e usa um linguajar diferenciado, com gramática e jargões próprios. Além disso, cada um deles tem sua própria tipologia, que também revela características de suas personalidades. Neste livro, outros além de Jefferson e Donna participam com depoimentos próprios, como o homossexual Peter, valoroso membro da equipe original, a agressiva Kath da tribo de Uptown, que ainda não sabe se ama ou odeia Jefferson, e principalmente o cerebral Crânio, cujo texto sem pontuações e parágrafos reproduz seu confuso fluxo de pensamento. A variedade de tipos e etnias também contribui para fazer a história ser mais que um romance para adolescentes, com muitas discussões sobre ética e intolerância em pauta.
Mundo novo revela ainda que teremos pelo menos mais uma sequência, uma vez que a história não tem uma conclusão, com ganchos poderosos que deixam o leitor ansioso pelo que há de vir. E nestes tempos em que as mídias audiovisuais estão em alta, fazer um leitor ansiar pela publicação de um livro é, sem dúvida, um feito admirável.
Cesar Silva

Feroz simetria, Roberto de Sousa Causo

Feroz simetria, Roberto de Sousa Causo. Nova Coleção Fantástica nº4. Edições Hiperespaço, São Bernardo do Campo, 2004.

FÁBULA E FICÇÃO CIENTÍFICA
por Miguel Carqueija

Um livro mais do que surpreendente, na verdade um conto extenso e publicado originalmente no exterior, em inglês, como narra o autor em seus agradecimentos, e ornado com ilustrações de Jin Gruss (República Checa) e Petri Hiltimen (Finlândia).
O protagonista-narrador é um agente federal brasileiro, amigo de um tigre siberiano falante. Sim, porque nesse mundo de um incerto futuro os animais passaram a falar, tornados inteligentes por obra e graça de misteriosos alienígenas que sequer aparecem na história. Esses assim chamados Novos Bichos, por contrariarem poderosos interesses, são perseguidos em vários países porém protegidos no Brasil, e ajudam a combater o tráfico de animais e outras mazelas da civilização humana.
É preciso lamentar que o livro não tenha sido revisado, pois está repleto de erros de digitação que truncam o texto. A mensagem, porém, é muito válida, inclusive ao apontar a corrupção das autoridades, que abandonam a quem deveriam defender. Causo trabalha com a consciência do dever, mesmo se for à custa da própria vida. O diálogo com a corrupta agente Melinda — envolvida na emboscada contra Nadezhda, o tigre, é esclarecedor:

“Está cometendo um grande erro, amante dos animais. (...) Você não pode ficar no caminho das forças que estão em jogo agora. (...)
— (...) Se cometi um erro nas minhas escolhas foi há muito tempo atrás. Você não entendeu isso, e nem Ribeiro. Este é o seu engano.”

Para os aficcionados de uma ficção científica consciente e engajada é livro que recomendo e aplaudo.

quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

The Earth Dies Screaming (Inglaterra, 1964)


Um dos sub-gêneros mais divertidos do cinema bagaceiro de ficção científica dos anos 50 e 60 do século passado certamente foi aquele que abordava o tema de invasão alienígena. Existe uma quantidade imensa de filmes desse período com roteiros explorando o drama da humanidade tentando sobreviver ao enfrentar uma invasão de criaturas hostis vindas do espaço sideral com propósitos de conquista. Seja por causa dos valiosos recursos naturais ou simplesmente pelo domínio de uma raça inferior em tecnologia e força militar.
The Earth Dies Screaming” é uma produção inglesa com fotografia em preto e branco que tem um título original sonoro e sensacionalista, típico dos filmes bagaceiros do gênero fantástico daquele período, e que foi dirigida por um especialista na área. Terence Fisher foi o principal cineasta da lendária e cultuada produtora inglesa “Hammer”, sendo o responsável por diversos filmes clássicos que ficaram eternizados na história do gênero como “A Maldição de Frankenstein” (The Curse of Frankenstein, 1957) e “O Vampiro da Noite” (Horror of Dracula, 1958), ambos com os ícones Christopher Lee e Peter Cushing.
Escrito por Harry Spalding (creditado como Henry Cross), o filme é curto com apenas 62 minutos de duração, e mostra um vilarejo no interior da Inglaterra onde os moradores são mortos misteriosamente. Jeff Nolan (Willard Parker) é um piloto de testes americano em exercícios militares na Inglaterra e que ao aterrissar seu avião encontra uma cidade em silêncio e com várias pessoas mortas espalhadas pelo chão. Ao investigar o mistério, ele encontra num hotel outros sobreviventes, Quinn Taggart (Dennis Price) e Peggy Hatton (Virginia Field), além do casal formado por Edgar Otis (Thorley Walters) e a esposa Violet Courtland (Vanda Godsell), que se recuperavam de um acidente com seu carro.
O pequeno grupo de sobreviventes especula sobre o mistério ao redor e acham que a cidade sofreu um ataque de gás venenoso, fato que poderia explicar as mortes repentinas dos habitantes e sem traços aparentes de violência física. E então surge outro casal, dessa mais bem mais jovem, formado por Mel Brenard (David Spenser) e a mulher grávida Lorna (Anna Palk). Enquanto tentam entender a origem do caos, encontram robôs humanoides assustadores caminhando pelas ruas silenciosas com cadáveres espalhados, e são atacados pelos mortos que voltam a andar como zumbis escravos controlados pelos robôs, com seus olhos esbugalhados como bolas cinzas. Restando apenas lutar pela sobrevivência enquanto “A Terra Morre Gritando”...
O filme é uma produção tranqueira de baixíssimo orçamento abordando o tema da invasão alienígena, com uma atmosfera sinistra de mistério e a presença de robôs alienígenas toscos ao extremo, além de mortos caminhando novamente sobre a Terra. A especulação sobre uma guerra com gases venenosos nos remete à paranóia da guerra fria daquele conturbado período tenso que a humanidade vivia após a Segunda Guerra Mundial, com a ameaça de um holocausto nuclear causado pelas potências opostas da época, Estados Unidos e a antiga União Soviética.
O ritmo é arrastado em alguns momentos, mas isso não chega a prejudicar o entretenimento por causa da curta duração com pouco mais de uma hora de filme. Os robôs são bizarros e lentos, criação de uma tecnologia superior de alguma raça de outro planeta, e possuem poderes para matar facilmente os humanos apenas com um toque. Os zumbis são toscos, com seus olhos inertes, seguindo obedientes os comandos das máquinas. “The Earth Dies Screaming” é o cinema fantástico bagaceiro dos anos 60, divertido e indispensável para os apreciadores do gênero.
Curiosamente, algumas cenas do clássico “Aldeia dos Amaldiçoados” (1960) foram inseridas no início do filme antes dos créditos de abertura, a queda de um avião explodindo com o impacto e um carro se chocando contra um muro.
(Juvenatrix – 06/12/17)