quarta-feira, 29 de abril de 2015

Jamie Marks Está Morto (Jamie Marks Is Dead, 2014)


Filme americano dirigido e escrito por Carter Smith, baseado em livro de Christopher Barzak, “Jamie Marks Está Morto” é um drama sobrenatural com elementos sutis de horror que foi exibido no Brasil na “38ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo”, em Outubro de 2014.
Um adolescente que está sempre isolado e sofre bullyng na escola, Jamie Marks (Noah Silver), é encontrado morto misteriosamente na beira de um rio gelado numa pequena cidade dos Estados Unidos, descoberto pela jovem Gracie Highsmith (Morgan Saylor), enquanto procurava pequenas pedras para sua coleção. Como um fantasma desorientado, ele fica perdido entre os mundos dos vivos e mortos, precisando de um amigo para ajudar a guiá-lo pelo túnel para o outro lado, que parece ser Adam McCormick (Cameron Monaghan), esportista bem sucedido na escola e que não participava das sessões de bullyng.. O fantasma de Jamie Marks podia ser visto apenas por Gracie e Adam, criando uma relação estranha e misteriosa entre eles.
Melancólico, depressivo, uma história de fantasma perturbado em busca de paz. Com uma narrativa lenta, mas não entediante, como um bom roteiro deve ser, sem precisar apelar para sangue, violência ou sustos fáceis, nem efeitos especiais mirabolantes e artificiais. Não é para todos os públicos, sendo um típico filme para exibição em festivais, com pequeno apelo comercial e por isso difícil de ser exibido nos cinemas em geral.  
A química de amizade formada por Jamie e Adam funciona bem e de forma convincente, mantendo a atenção do espectador e o interesse pela condução da história. Curiosamente, a bela atriz Liv Tyler, também conhecida por ser filha de Steven Tyler, o líder da banda “Aerosmith”, e que esteve em filmes populares como “Armageddon” (1998), a trilogia “O Senhor dos Anéis” (2001 / 2002 / 2003) e “O Incrível Hulk” (2008), tem uma participação menor no papel da mãe de Adam, num momento meio frio de sua carreira, com poucos trabalhos.
(Juvenatrix - 29/04/15)

segunda-feira, 27 de abril de 2015

Muitas peles, Luiz Bras

Muitas peles, Luiz Bras. 128 páginas. Ilustração da capa de Teo Adorno. Terracota Editora, São Paulo, 2011

A produção de não-ficção no ambiente editorial fantástico brasileiro não é grande, mas tem se mantido estável, com dois ou três publicações por ano. Contudo, geralmente são textos oriundos de trabalhos de graduação acadêmica, com toda a parafernália que caracteriza os ensaios de pesquisa científica universitária: muitas citações, notações de referência e notas de pé de página, o que torna a leitura fragmentada e cansativa, sem esquecer que são textos voltados a provar uma tese, ou seja, são construídos em torno de um objetivo específico e o perseguem até que seja atingido; afinal, se isso não acontecesse, o trabalho seria rejeitado pela banca e seu autor teria de refazê-lo até obter esse resultado. São, portanto, leituras pragmáticas, de interesse específico, que depois de defendidas, aprovadas e publicadas, ficam nas estantes esperando que futuros pesquisadores acadêmicos as tomem para buscar referências e citações para seus próprios trabalhos.
Mas, algumas vezes, surgem títulos que não foram produzidos para o ambiente acadêmico e tornam-se trabalhos de leitura mais fluida para o leitor leigo, como por exemplo O que é ficção científica (Brasiliense, 1986) e Um rasgão no real (Marca de Fantasia, 2005), ambos de autoria de Braulio Tavares.
E também é o caso de Muitas peles, primeiro livro de não-ficção de Luiz Bras, publicado pela Editora Terracota com recursos do ProAC (Programa de Ação Cultural do Estado de São Paulo), distribuído gratuitamente pelo autor. Trata-se de uma coletânea que reúne os melhores artigos de Luiz Bras, publicados na coluna “Ruído branco” do jornal literário Rascunho, de Curitiba, PR.
Luiz Bras notabilizou-se nos últimos anos por uma atitude de militância no gênero da ficção científica, atuando como escritor e ensaísta, com propostas de impacto e provocações que transcendem o fandom e ecoam no mainstream literário como nunca antes foi conseguido pelos escritores do gênero. Isso porque Luiz Bras é a persona autoral de Nelson de Oliveira, escritor multipremiado no mainstream que, há alguns anos, optou por se retirar em favor de seu alter ego mais identificado com a literatura especulativa.*  Bras tem sido extremamente ativo, publicando vários livros a cada ano, sempre de qualidade acima da média, tendo sido extensamente entrevistado pelo Anuário Brasileiro de Literatura Fantástica em sua edição referente a 2010, ano em que teve publicada a ótima coletânea de contos Paraíso líquido, pela mesma Terracota.
Além de Muitas peles, Bras publicou em 2011 o romance infanto-juvenil Sonhos, sombras e super-heróis, na coleção Jovem Leitor da editora Ciranda das Letras, além de, como Nelson de Oliveira, ter participado da organização da antologia As cidades indizíveis (Llyr Editorial), ao lado do também escritor Fábio Fernandes.
Não por acaso, Muitas peles traz na capa um desenho de Teo Adorno, o mesmo artista que ilustrou a capa de Paraíso líquido, e isso até pode confundir o leitor, mas trata-se de um trabalho completamente diferente.
São 16 textos que discutem questões interessantes ligadas ao ato da escrita e da crítica literária, bem como sobre os valores da literatura de gênero, especialmente a ficção científica, frente aos caminhos do mainstream.
Entre os textos está o importante “Convite ao mainstream”, no qual Bras convida todos os autores brasileiros a experimentarem a ficção científica como uma alternativa ao engessamento estilístico da literatura brasileira, um texto que já se tornou basilar no ambiente da fc&f nacional.
Mas o livro tem muito mais a oferecer. Além de “Convite ao mainstream”, Muitas peles traz outros artigos que ampliam a percepção do leitor tanto para a literatura de gênero quanto para o mainstream, como por exemplo “Duas elites”, no qual Bras confronta lucidamente os parâmetros analíticos que predominam nos ambientes da ficção de gênero e do mainstream. O artigo é composto por breves depoimentos de Ana Cristina Rodrigues, Braulio Tavares, Fabio Fernandes, Guilherme Kujawski, Marcello Simão Branco, Roberto de Sousa Causo e Tibor Moricz, todos nomes vinculados ao fandom brasileiro de fc&f, ampliando o leque de opiniões expostas. Faltou, contudo, a contraparte mainstream para configurar um bom debate.
Os demais artigos que compõe o volume são: “O infinito: um delírio?”; “Fim do papel, fim da poesia”; “Escolha um futuro”; “Cinco erros”; “Três leis”; “Sabedoria secreta”; “Olha, mãe, uma cor voando!”; “Encontro com o autor-personagem”; “O autor e seu editor”; “Elogio do acaso”; “Paraíso perdido: a infância”; “Morte e imortalidade” e “Crítica é cara ou coroa”. A coletânea também abre espaço para o artigo “Um bárbaro que se preze não vem para o chá das cinco”, de Roberto de Sousa Causo, escrito a convite de Bras.
Muitas peles é um livro ágil, de leitura leve e agradável, mas de impacto contundente. Sem dúvida, uma das mais importantes publicações do gênero nos últimos anos.
— Cesar Silva

* Nelson de Oliveira permanece assinando textos de crítica e a organização de antologias.

quinta-feira, 23 de abril de 2015

Dinosaur From the Deep (França, 1993)


Inacreditável “filme Z” francês de orçamento quase inexistente, escrito, produzido, editado e dirigido por N. G. Mount (Norbert Moutier), que também atua sob o pseudônimo Bert Goldman. Ele é o responsável por outras porcarias como “Mad Mutilator” (1983) e “Le Syndrome d´Edgar Poe” (1995). Tem ainda a participação no elenco do veterano cineasta e roteirista francês Jean Rollin (1938 / 2010), que interpreta o papel de um “cientista louco”. Rollin teve uma vasta carreira no cinema com uma infinidade de bagaceiras de horror, atuando também em muitas delas, com seu nome tornando-se associado ao gênero.
Em 2004, um futuro para a época da produção em 1993, e um passado para nosso momento atual, a pena de morte para criminosos violentos está abolida e então a polícia decide enviar um perigoso prisioneiro junto numa expedição científica para o passado na época dos dinossauros. A missão é comandada pelo cientista Prof. Nolan (Jean Rollin), e o objetivo é estudar os gigantescos animais pré-históricos. O criminoso seria levado junto com seus carrascos para ser executado nesse passado sem lei. No retorno da nave que é uma máquina do tempo, um ovo de dinossauro é trazido à bordo e um pequeno monstro desperta, atacando os tripulantes com mortes sangrentas.  
Em “Dinosaur From the Deep” tudo é ruim ao extremo, nada se salva, nem a presença de Jean Rollin. A história é ridícula, com algumas piadas sem resultado, os atores são péssimos, e a edição com cortes bruscos é horrível. O diretor claramente demonstra não possuir qualquer tipo de conhecimento sobre como fazer cinema. Sem contar a música totalmente deslocada e que apenas contribui para aumentar o sentimento de rejeição do espectador. Até os créditos são extremamente amadores. Mas, o pior de tudo são os efeitos patéticos, que vão da nave espacial tosca, uma maquete estática paupérrima, aos dinossauros feitos de papel e com alguns movimentos num péssimo “stop motion”, que crianças em idade escolar do ensino fundamental conseguem fazer bem melhor e de forma mais convincente. É até difícil descrever a colossal ruindade geral desse filme.
Curiosamente, em determinado momento há uma citação irônica para “Parque dos Dinossauros” (Jurassic Park), de Steven Spielberg, lançado na mesma época em 1993, onde o criminoso condenado à morte e que conseguiu escapar de seus executores, encontra uma “mulher das cavernas” e afirma que agora é o “Rei do Parque Jurássico”.
Produzido diretamente para o vídeo, o filme está disponível no “Youtube” na íntegra em francês sem legendas.
(Juvenatrix - 22/04/15)

terça-feira, 21 de abril de 2015

Espectra: Histórias de fantasmas

Espectra: Histórias de fantasmas, Tomo 1, Georgette Silen, org. 240 páginas, Capa de Dimitri Uziel, prefácio de Simone O. Marques. Editora Literata, Praia Grande, 2011.

Não há dúvida que o gênero preferido dos fãs de ficção fantástica é o horror. Neste momento, há um grande rebuliço com a fantasia por conta dos sucessos internacionais como O senhor do anéis, Harry Potter e A guerra dos tronos, mas o horror sempre esteve na ordem do dia. Mesmo quando a fantasia era interesse apenas de uns poucos nerds jogadores de rpg e a ficção científica dominava o cenário editorial, o horror estava lá, firme e forte, com seus fãs fiéis e ardorosos que sempre responderam bem aos produtos em todas as mídias.
Talvez seja por isso que, apesar de não predominar no formato de romance, as antologias do gênero são tão abundantes e voluptuosas. Em 2010, das 59 antologias inéditas publicadas no ano, 30 eram de horror, conforme dados divulgados no Anuário brasileiro de literatura fantástica 2010, e em 2011 não foi diferente.
Alguns organizadores especializaram-se na montagem de antologias de horror, como Ademir Pascale, M. D. Amado e Georgette Silen. Esta organizou para a editora Literata o volume Espectra: Histórias de fantasmas, que promete ser o primeiro de uma série.
O livro reúne em 240 páginas nada menos que 31 contos de 28 autores, boa parte deles estreantes. Como o título já diz, trata-se de uma antologia temática dedicada às histórias de fantasmas e assombrações. E no livro há um pouco de tudo: demônios, poltergeists, aparições, casarões e, é claro, fantasmas aos montes. É até estranho que com tanto fantasma por aí, eu nunca tenha visto um só sequer.
Seria exaustivo comentar todos os contos, mas vale a pena destacar alguns deles.
“Inferno particular”, de Sheilla Liz Cocconello, uma veterana nas antologias de ficção fantástica, conta o cotidiano de uma jovem suicida que, condenada a uma eternidade infernal, resiste em abandonar o local de sua morte. Mas não importa o quanto protele seu destino, o inferno sempre estará esperando por ela e não está com pressa.
Taiane Gonçaves, que estreou na antologia Tratado secreto de magia (Andross, 2010), participa desta seleta com três textos. O melhor deles é “As treze almas”, sobre um jovem que, ao visitar uma tia no interior, se vê as voltas com o fantasma de um assassino psicopata.
O conhecido autor-fã Adriano Siqueira, autor da coletânea Adorável noite (Estronho, 2011), foi especialmente convidado para o livro e também oferece um texto interessante e divertido. “70 Km por hora” relata, em clima de videogame, uma noite de trabalho de um detetive especializado em casos bizarros. Aqui, o de um automóvel assombrado que coloca toda a cidade em risco.
“Anga”, de Carlos Gaiten, outro autor experiente em antologias, investe numa história de laivos políticos, na qual um vidente recebe de um fantasma a localização de uma vala onde estariam enterradas várias vítimas da ditadura militar.
“A gameleira”, de Carmelo Ribeiro, é o melhor texto da coletânea. Trata-se de um “causo” contado a moda antiga, sobre dois homens valentes que se desafiam mutuamente a enfrentar a maldição de uma velha árvore.
Outro bom texto é “Altar de ossos”, de Marcelo Augusto Claro. Um pai e seu filho, cuja profissão é caçar fantasmas, vão enfrentar um dos piores numa velha casa de fazenda.
Gian Danton, premiado roteirista de quadrinhos e um dos autores mais experientes do grupo, participa com o conto “Lembranças de sangue”, sobre um jovem estudante que se hospeda na casa de uma senhora simpática, mas vai descobrir, da pior forma possível, que o lugar é assombrado por lembranças de sangue e morte.
Além destes, o livro ainda traz textos de Marcelo Augusto Claro, Sória Celestino, Bruno Anselmi Matangrano, Vicente Reckziegel, Eduardo Bonito, Suzy M. Hekamiah, Jéssica Schiavetto Linhares, Michele C. Marchese, Debby Lenon, Marjorie Tolentino, Rosi Caobiano, Cecília Torres Nogueira, Rubens Alves, Sandra Françoso, Débora Jeronymo, Andrea Betoldo, Mariana Albuquerque, MBlannco, Celso Correa de Freitas, da prefaciadora Simone O. Marques e da própria organizadora, Georgette Silen.
Apesar da grande quantidade de autores e ampla variedade de estilos, a antologia é equilibrada e fácil de ler. Não chega a ser assustadora; está mais para divertida, como geralmente são as histórias populares de terror, e representa bem o estado da arte no ambiente dos fãs do gênero.
Na falta dos fanzines, quase todos extintos, as antologias têm cumprido a função de permitir o exercício editorial de novos autores, dessa forma são uma espécie de incubadora de talentos. Esperemos que, futuramente, alguns deles desdobrem suas asas e arrisquem voos solo. Aí sim, ninguém vai segurar essa turma.
— Cesar Silva

segunda-feira, 20 de abril de 2015

O Homem que Viu o Disco Voador, Rubens Teixeira Scavone

O Homem que Viu o Disco Voador, Rubens Teixeira Scavone. 221 páginas. São Paulo: Editora Melhoramentos, Série “Escape”, São Paulo. Edição de 1975. Lançado originalmente em 1958.

Por vários motivos este livro tem importância na história da ficção científica brasileira. Marcou a estreia profissional de Rubens Teixeira Scavone (1925-2007), que iria se tornar pelas décadas seguintes um dos mais importantes autores brasileiros dedicados ao gênero. Representou também o início da chamada “Geração GRD”, o primeiro momento expressivo em termos de obras e movimento literário da ficção científica em nosso país.[1] E, de certa forma, também simboliza o diálogo deste gênero literário com a ufologia, tão mal afamada e incompreendida naquele tempo e ainda hoje.
Publicada originalmente pela editora Palácio do Livro, de São Paulo, a obra chama a atenção já na capa, ao lermos o nome do autor. Um certo Senbur T. Enovacs. Talvez por algum tempo este nome tenha prevalecido na autoria desta obra, mas a verdade é que ele é um anagrama – nome escrito ao contrário –, de Rubens T. Scavone.
O que levou Scavone, filho de Maria de Lurdes Teixeira e José Geraldo Vieira, autores de prestígio junto ao mainstream nacional, a ocultar o seu nome? Talvez o tema, muito polêmico à época, além da marginalização que a ficção científica também desfrutava. De qualquer forma, tornou-se um detalhe sem grande importância nos anos seguintes, pois O homem que viu o disco voador, foi um best-selller, republicado em várias edições, e já com o nome verdadeiro do autor.
O livro tem um objetivo claramente didático e não esconde isso em sua estrutura narrativa e no desenvolvimento da ação e do perfil e comportamento dos personagens, um pouco estereotipados e sem profundidade maior. E está dividido em três partes distintas e complementares.
Na primeira, intitulada de “O mistério”, temos a exposição direta de dois contatos com objetos voadores não identificados (Ovnis). Logo de saída, o aviador Eduardo Germano de Rezende não entende a pane nos instrumentos de seu avião, quando estava prestes a pousar no aeroporto de Congonhas, em São Paulo. Semanas depois testemunha um avistamento concreto, próximo a uma das asas de um avião que pilotava. Trata-se de um estranho objeto circular, que inunda o interior da nave com uma luz intensa. Ao contrário do primeiro fenômeno, este é testemunhado pela tripulação e todos os passageiros.
Neste segundo contato, Eduardo conhece um renomado cientista, que expõe a ele de forma rápida o seu profundo conhecimento sobre o assunto. Aos dois, se junta a comissária de bordo, Leila, que não esconde a afeição íntima pelo comandante. Depois de voltar desta viagem, o aviador é perseguido por um homem que deixa em seu apartamento um estranho aparelho. É um visor-transmissor que faz um comunicado dos seres responsáveis pelos dois contatos e que deseja um terceiro, para lhe revelar os segredos de sua origem e as suas intenções. Em princípio abalado e confuso, Eduardo terá a ajuda de sua namorada e do cientista Augusto Vaugirard para saber como proceder frente à convocação. O encontro deve acontecer na ilha de Trindade, próximo à costa atlântica brasileira, a cerca de 1600 km do litoral capixaba. Aos três se junta um colega de trabalho de Eduardo e Leila, o radiotelegrafista Santos, pois ele é dono de um barco apropriado para a viagem.[2]
A segunda parte do romance tem o nome de “Ilha” e narra o fantástico encontro de terceiro grau do grupo com os seres misteriosos. O disco voador aparece no horizonte da noite estrelada sobre a ilha, paira sobre eles e depois de alguns minutos aterrissa. As cinco páginas que descrevem a aparição e a reação das pessoas é o momento principal da obra, pois é narrada com precisão e emoção ao mesmo tempo, com muita verossimilhança, como se Scavone tivesse narrando uma experiência que tivesse realmente vivido.[3]
Um ser humanóide de nome Alik sai do disco e se comunica com o grupo. Convida-os para entrar na nave e lá explica parte de suas intenções. Talvez o mais surpreendente é que ele diz que não é extraterrestre, mas sim intraterrestre. Ou seja, é um ser humano que habita o interior da Terra. Há milhares de anos parte da população da superfície teria entrado em túneis e cavernas e, a partir daí, desenvolvido uma tecnologia que os permitisse perfurar o interior do planeta e construir o mundo de Agarta, composto por sete cidades interligadas. Os avistamentos de discos voadores ocorreriam há milhares de anos, com o intuito de monitorar as atividades dos humanos da superfície.[4] Mas embora não se anunciassem publicamente, teriam ido mais longe, pois alguns deles estariam misturados junto aos habitantes da superfície e teriam recrutado colaboradores que serviriam aos seus planos de união a longo prazo das duas civilizações. Eduardo e seus companheiros seriam apenas mais alguns recrutados para esta missão. Contudo, se eles revelassem publicamente o que agora sabiam seriam “anulados”.


A terceira parte, chamada de “A ameaça”, versa fundamentalmente sobre os desdobramentos deste contato. A vida dos quatro muda inteiramente e eles têm de se manter unidos em seu segredo, pois temem o que pode vir a ser esta “anulação”. Contudo, Santos distoa do restante, ao questionar a origem dos intraterrenos, seus objetivos e ameaças. Então conta o que sabe aos jornais de São Paulo e a vida dele e dos outros três passa a correr risco. É muito curioso como os jornais aceitam e publicam a história de uma pessoa, sem maiores questionamentos. É verdade que eles ocorrem depois que a história é publicada, mas é muito irrealista o comportamento da imprensa neste episódio. Santos relata que a experiência foi vivida apenas por ele e Vaugirard, deixando de fora o casal. O raditelegrafista é devidamente “anulado”, com o sumiço de seu avião em pleno vôo. Já a polêmica que se segue acaba com a reputação do cientista e leva Eduardo e Leila, numa próxima viagem a uma decisão radical de cortar o contato com os seres do disco voador. Com isso acaba não acontecendo a próxima etapa do recrutamento do grupo e nem o avanço dos objetivos dos seres de Agarta, tudo terminando com a manutenção mistério, da dúvida e do segredo do que seria de fato os tais discos voadores.
Embora a parte final seja repleta de um suspense que mantém o interesse, o romance partiu para um anticlímax, pois o momento principal da história foi vivido no meio do livro. Para quem esperava o aprofundamento do contato, a história retrocede quase que a um ponto inicial, a não ser pelo segredo agora partilhado pelos sobreviventes do contato. De certa forma, isso seria um reforço conservador para o mundo tal e qual conhecemos, deixando de lado situações que possam fugir ao nosso controle.
Scavone contou em uma entrevista que O Homem que Viu o Disco Voador foi escrito por volta de 1955 e 1956 para o seu filho, que gostava das aventuras de Julio Verne.[5] Além disso, nessa época, ele também tinha interesse pelo assunto. Então, talvez possamos afirmar que o romance didático e algo esquemático nasce de sua própria motivação de entender um pouco mais sobre o fenômeno dos Ovnis, já nos anos 50 bastante popular nos céus de todo o mundo. Isso talvez explique também porque a história não avance muito, só insinue – e até de forma surpreendente, como na revelação da origem do disco –, mas não tenha muito interesse em extrapolar para uma história de grandes especulações, como chegou a sugerir que faria na metade da obra.
Contudo, mesmo com estas limitações de método, tema e desenvolvimento de personagens, a obra tem brilho próprio, pois nota-se o talento em formação de Scavone, que iria se tornar um dos mais estilosos e certamente o mais erudito dos escritores brasileiros de ficção científica. Para se notar como o tema era caro ao autor, retornaria a ele em mais duas histórias curtas, “O número transcendental”, na coletânea Diálogo dos mundos (1961) e “O grande eclipse”, publicada nas antologias Sete faces da ficção espacial (1992) e Estranhos contatos (1998). E, por fim, ainda produziria em sua maturidade, a obra-prima O 31o peregrino (1993), numa história de abdução por extraterrestres em plena Inglaterra do século 14.
Por tudo isso e mais vale a pena voltar nossa atenção crítica ao primeiro livro de Scavone, para ilustrar como a tradição deste segmento temático dentro da ficção científica brasileira ainda está viva e em contínua renovação, como atesta o lançamento em 2008 do romance De Roswell a Varginha, de Renato A. Azevedo, pela Tarja Editorial. Pois queiram os puristas ou não, o fato é que Scavone inaugurou uma tradição que se manteve ao longo dos anos com outras obras[6] e que tem enriquecido com um dos olhares mais particulares, a maneira como o brasileiro escreve e interpreta os temas associados direta ou indiretamente à ficção científica.
Marcello Simão Branco




[1] Ao lado da antologia Maravilhas da ficção científica, organizada por Mário da Silva Brito, para a editora Cultrix, de São Paulo, no mesmo ano. A Geração GRD, também nomeada de Primeira Onda da Ficção Científica Brasileira, teria perdurado até 1972, com o fim da publicação da revista Magazine de Ficção Científica, da editora Globo, de Porto Alegre.
[2] Pouco antes do livro ser publicado aconteceu um fenômeno de observação ufológica nesta ilha, em 16 de janeiro de 1958, onde um fotógrafo a bordo de um navio da marinha brasileira tirou seis fotografias de um OVNI. Como observa Roberto Causo em Os Melhores Contos Brasileiros de Ficção Científica (pág. 103, nota 29): “Como o romance de Scavone foi publicado no segundo semestre de 1958, haveria tempo do escritor incorporar a repercussão do avistamento.”
[3] Inclusive, na contracapa da edição de 1975 utilizada para esta resenha, há uma ótima ilustração desta cena, de autoria de Myriam R. da Costa Araújo. Deveria mesmo ter sido a da capa.
[4] Ora, esta é a tese de algumas teorias paracientíficas ou místicas sobre como seria de fato o interior do planeta e a origem dos discos voadores. Uma obra relevante sobre o tema é a de Raymond Bernard, A Terra oca: A descoberta de um mundo oculto (The hollow Earth, 1969), publicado pela editora Record no início dos anos 1980. Talvez Scavone tenha bebido desta fonte a partir da suposta experiência do Contra-almirante Richard Byrd, dos Estados Unidos, que afirma ter entrado com mais alguns tripulantes com um avião, 3.700 Km no interior do planeta, a partir do Polo Sul, em janeiro de 1956. O livro de Bernard conta esta suposta aventura com detalhes.
[5] Concedida a David Lincoln Dunbar, Unique motifs in brazilian science ficion. É o primeiro trabalho acadêmico sobre a ficção científica brasileira, defendida na Arizona State University, em 1976. Esta citação foi retirada do livro ainda inédito, Depois do Sputnik: O debate cultural sobre ficção científica no Brasil, organizado por Roberto de Sousa Causo.
[6] Vários livros no sub-gênero “ficção científica ufológica” tem sido publicados nas últimas décadas, a maioria deles, é verdade, desvinculados de uma indentificação com o gênero, de cunho mais supostamente testemunhal ou mesmo espiritualista. Na tradição do gênero, os melhores exemplos – para além dos de Scavone – são a coletânea de Marien Calixte, Alguma coisa no céu (1985) e a antologia de autores nacionais e estrangeiros, Estranhos contatos, organizada por Roberto de Sousa Causo, em 1998.

sábado, 18 de abril de 2015

Eles Vieram do Espaço Exterior (They Came From Beyond Space, Inglaterra, 1967)


Direção de Freddie Francis. Uma misteriosa chuva de meteoritos ocorre numa fazenda no interior da Inglaterra, chamando a atenção do governo, que convoca o cientista Dr. Curtis Temple (Robert Hutton) e sua namorada e assistente Lee Mason (Jennifer Jayne), entre outros, para estudar o fenômeno. Porém, todos que entram em contato com os meteoros que vieram do espaço exterior são possuídos por alienígenas formando uma conspiração que trabalha secretamente na fazenda com objetivos obscuros. Exceto pelo Dr. Temple, que por ter uma placa de prata no cérebro por causa de um grave acidente de carro, se mantém ileso do poder mental dos extraterrestres.
Produção inglesa da “Amicus”, de Max J. Rosenberg e Milton Subotsky, a grande rival da “Hammer” durante os anos 60 e meados dos 70. A direção é de Freddie Francis, o mesmo cineasta de preciosidades como “O Monstro de Frankenstein” (1964), “As Torturas do Dr. Diabolo” (1967), “Drácula, O Perfil do Diabo” (1968), “Contos do Além” (1972), “A Essência da Maldade” (1973), entre outras. Tem também a participação, apesar de pequena apenas nos dez minutos finais, do malaio Michael Gough (interpretando o líder dos alienígenas), um ator com um rosto conhecido em diversos filmes significativos como “O Vampiro da Noite” (1958) e “O Fantasma da Ópera” (1962).
Lançado em DVD por aqui pela “Works”, junto com “O Invasor Galáctico” (1985), vale registrar uma atenção especial com um tremendo spoiler incluso na sinopse que está disponível no menu do disco, revelando o objetivo dos alienígenas ao manipular os seres humanos, um detalhe que é melhor apreciado se descobrirmos vendo o filme.
(Juvenatrix - 12/11/09)

quinta-feira, 16 de abril de 2015

Dieselpunk: Arquivos secretos de uma bela época

Dieselpunk: Arquivos secretos de uma bela época, Gerson Lodi-Ribeiro, org. 384 páginas. Capa: Erick Sama. Editora Draco, São Paulo, 2011.

O hábito de montar seletas de contos e novelas parece mesmo ser um dos grandes prazeres do fãs de fc&f no Brasil. E, curiosamente, temos um critério próprio que permite que essas coletâneas sejam possíveis num mercado que praticamente não publica ficção curta de outra maneira.
De modo geral, antologias são montadas com textos já experimentados em outros veículos, principalmente revistas periódicas. É comum nos Estados Unidos, por exemplo, seletas do tipo “O melhor da nova fc” ou “O melhor do novo horror”, reunindo os textos de autores que estrearam nos últimos meses. No Brasil, isso é obviamente impossível, pois não há nenhum periódico a publicar ficção de espécie alguma. Os contistas não têm onde se exercitar – nem mesmo os fanzines existem mais – e a internet mostrou não ser a salvação da lavoura nesse quesito.
Dessa forma, a dinâmica aqui é abrir editais para que os autores submetam seus textos, inéditos ou não, ao crivo de um ou mais organizadores que vão escolher quais serão os textos adequados ao projeto. Debates quentes rolam cotidianamente nas redes sociais quando um e outro projeto de “antologia” se mostra um pouco mais mercantilista. Contudo, foi essa dinâmica que favoreceu o florescimento de uma indústria de antologias nacionais nos últimos três anos que, tal como os cogumelos, surgem da noite para o dia. Essas seletas são o que tem sustentado a ficção fantástica nacional neste período, mas não permitem que antologias reunindo “os melhores do ano”, por exemplo, sejam realizadas, uma vez que os textos ficam retidos por contrato com as editoras. A exceção são as antologias montadas a partir de material antigo, como aquelas organizadas por Braulio Tavares para a editora Casa da Palavra, e do Roberto de Sousa Causo para a Devir Livraria, algumas delas comentadas neste Almanaque.
Não é o caso de Dieselpunk: Arquivos confidenciais de uma bela época, organizada por Gerson Lodi-Ribeiro para a Editora Draco. Seguindo o molde de uma antologia anterior, Vaporpunk: Relatos steampunk publicados por ordem de Suas Majestades, lançada em 2010 pela mesma editora, Dieselpunk também se propõe ser uma seleção de textos de história alternativa. Se em Vaporpunk a tecnologia dominante deveria ser o motor a vapor, em Dieselpunk supõe-se que seja o motor a óleo diesel que vai mover as histórias. Como a tecnologia do diesel ainda está por aí, podemos imaginar que qualquer coisa moderna pode estar enquadrada na premissa. Pelo menos, sempre vejo nos postos de combustível, ao lado das bombas de gasolina, álcool e gás, uma de óleo diesel. Mas a ideia talvez não fosse bem essa, já que a maior parte dos autores selecionados trabalharam temas restritos às primeiras décadas do século XX.*
O texto que abre a seleção é “Fúria do Escorpião Azul”, de Carlos Orsi, uma aventura de vingador mascarado ambientada nos anos 1930 de um Brasil no qual os princípios da União Socialista Soviética tornaram-se a política predominante. É claro que o Escorpião Azul vai enfrentar os comunistas.
“O grande G” é uma fábula tecnológica escrita por Tibor Moricz, que contrapõe duas metrópoles — uma movida a carvão e outra a diesel — que lutam pelo predomínio econômico. No lado do diesel, um feroz empresário faz uso de todos os instrumentos de que dispõe não só para manter sua cidade na liderança, mas também para satisfazer suas taras e manter o poder em suas próprias mãos. O texto é algo libertino na abordagem, mas de fundo extremamente moralista: “não façam isso em casa, crianças, ou vocês vão se dar mal.”
“O dia em que Virgulino cortou o rabo da cobra sem fim com o choço excomungado”, de Octávio Aragão, explora o confronto entre o bando de Lampião e a Coluna Prestes, que historicamente nunca aconteceu. Mas há mais na noveleta além do encontro destes dois mitos da história brasileira, entre os quais se incluem armas de tecnologias muito avançadas, pós-humanismo, viagens no tempo e um pouco de ufologia, Ou não. Trata-se de um bom trabalho, com muita ação e um final feliz.
“Impávido Colosso”, de Hugo Vera, é um épico ingênuo inspirado nos animes de robôs gigantes para contar como um Brasil monarquista, comandado pelo sucessor de D. Pedro II, enfrenta um infame ataque da Argentina à região sul do país. Enquanto o agressor usa um exército de autômatos mecânicos cedidos pelo Império Britânico, o Brasil defende-se com o experimental Impávido Colosso, um robô gigante projetado pelo engenheiro Rudolf Diesel e tripulado por uma bombshell paraguaia que é uma declarada homenagem à Larissa Riquelme, musa da Copa do Mundo de 2010 na África do Sul, uma entre muitas citações que acabam chamando mais a atenção do leitor do que a história em si.
O único conto não inédito da antologia é “Pais da aviação”, de autoria do próprio organizador, que já havia sido visto na antologia Vinte voltas ao redor do Sol, publicada pelo CLFC em 2005. Numa França em que Jules Verne é o presidente da República, Santos Dumont e os Irmãos Wright disputam a primazia de serem os primeiros homens a alçar voo num aparelho mais pesado que o ar.
O jornalista Antonio Luiz M. C. Costa participa com “Ao perdedor, as baratas”, um suspense político sobre um atentado à vida de um importante candidato a presidência num Brasil subdividido em repúblicas menores, inimigas entre si. A barata do título faz uma pontinha no final da história.
“Auto de extermínio”, do jovem fluminense Cirilo Lemos, é de longe o melhor texto da antologia e, arrisco dizer, um dos melhores contos da fc brasileira em todos os tempos. Bem escrito, com diálogos precisos, cenas empolgantes e personagens muito bem estruturados, a noveleta apresenta recursos mais que suficientes para ser expandida num romance. Até as citações são de uma engenhosidade inspirada e não perturbam a credibilidade da história, que gira em torno de Jerônimo Trovão, assassino de aluguel que se mete numa confusão maior do que pode administrar. A trama de várias frentes revela aos poucos a estrutura do rico universo alternativo que Lemos criou.
Outra noveleta ótima é “Cobra de Fogo”, do experiente roteirista Sidemar de Castro, um dos raros exemplos de ficção desportiva na fc brasileira. É o texto que melhor responde às propostas da antologia, com uma corrida mundial de super locomotivas, sendo M’Boitata, a tal Cobra de Fogo, a representante do Brasil nessa disputa que tem um ligeiro fundo político. Ecos de Esses homens maravilhosos e suas máquinas voadoras, filme de 1965 dirigido por Ken Annakin, reverberam em cada página da noveleta, que tem um sabor Golden Age bem ao gosto do leitor brasileiro.
O texto que fecha o volume é “Só a morte te resgata”, do português Jorge Candeias, único autor estrangeiro da antologia. A primeira metade da história é militar, com uma batalha aérea entre caças e dirigíveis, que depois é completada por um thriller de espionagem, no qual um sobrevivente da batalha narrada anteriormente tenta retornar para casa. Trata-se de uma história dramática, e uma breve notinha final acrescenta-lhe uma profundidade pessoal emocionante.
Graças à experiência e representatividade dos autores selecionados, Dieselpunk resultou numa antologia de qualidade média superior às seletas nacionais publicadas recentemente. Um caminho adequado caso se pretenda construir outras seleções de boa qualidade dentro das limitações do mercado brasileiro.
— Cesar Silva
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* Assim como a antologia anterior, esta reúne histórias de ficção científica recursiva, voltada para o passado.

Conan, o bárbaro, Robert E. Howard

Conan, o bárbaro (Conan, the conqueror), Robert E. Howard. 392 páginas. Tradução de Alexandre Callari. Capa de Alex Alprim. Selo Generale, Editora Évora, São Paulo, 2011.

Depois de quase um século, finalmente as editoras brasileiras parecem ter descoberto os atrativos da Weird Fiction, estilo narrativo desenvolvido em revistas pulp como a Weird Tales, editada em 1923 por J. C. Henneberger, em Chicago, EUA. Em 2011 chegou às livrarias brasileiras, pela Editora Évora, a coletânea Conan, o bárbaro, de Robert E. Howard, a reboque do lançamento da superprodução cinematográfica homônima, dirigida pelo alemão Marcus Nispel, remake do grande sucesso de 1982 estrelado pelo gigante Arnold Schwarzenegger. O livro traz alguns textos inéditos no Brasil deste personagem que é uma bem-sucedida franquia internacional, que se espalha por diversas mídias como o cinema, os quadrinhos, a televisão e os videogames.
Howard nasceu em dezembro de 1906, em Peaster, Texas, e nos breves 30 anos em que viveu, construiu uma saborosa mitologia ancestral, amálgama de histórias de guerras medievais com fantasias das Mil e Uma Noites, que hoje é conhecido como o subgênero Sword and Sorcery (Espada e Magia). Nessa versão delirante do passado da humanidade trafega Conan, guerreiro das montanhas geladas de algum lugar que parece ser o norte da Europa e que, no mundo criado por Howard, chama-se Ciméria. Aliás, Howard redesenhou o mapa do mundo, definindo um continente estranho, no qual se pode identificar versões de diversas culturas recentes, como os turcos, os árabes, os egípcios e até os romanos. A arquitetura descrita também se apoia nas desses povos, com uma boa dose de medievalismo europeu. Depois de bem cosida, Howard fixou essa mixórdia cultural numa época 12.000 anos atrás, 4.000 anos depois do desaparecimento da lendária Atlântida, que chamou de Era Hiboriana. O ambiente é tão rico que permitiu a criação de outros personagens, como o Rei Kull, que governou a Atlântida em seus últimos dias.
Quase todas as histórias de Conan foram escritas entre 1926 e 1930, e publicadas principalmente na Weird Tales. A primeira história impressa foi chamada “A fênix e a espada” (“The phoenix on the sword”),  publicada em 1932. A série original completa conta com apenas 21 textos, três dos quais publicados postumamente. Na década de 1950, o material foi republicado em forma de livro pela Gnome Press, e reeditado em 1966 com belíssimas capas ilustradas por Frank Frazetta, que lhe renderam o sucesso atual. Autores como L. Sprague de Camp e Lin Carter deram sequência às aventuras de Conan, algumas a partir de manuscritos incompletos posteriormente descobertos.
No Brasil, os textos de Howard foram pouco publicados. A primeira tradução que se tem notícia foi do conto “A fênix e a espada”, visto em 1973 no número 7 da revista Planeta (Editora Três), então editada por Ignácio de Loyola Brandão. Outro texto de Howard só iria aparecer em 1990: “O povo do Círculo Negro” (“The people of the Black Circle”), publicado na antologia Isaac Asimov Apresenta: Magos, os Mundo Mágicos da Fantasia (Editora Melhoramentos). Em 1995, a editora Mercuryo, pelo selo Unicórnio Azul, distribuiu nas bancas cinco volumes do periódico Conan: Espada e Magia, com uma seleção de histórias do bárbaro escritas por Howard e seus seguidores. No ano seguinte, a editora Newton Compton Brasil distribuiu, do mesmo modo, um volume com a novela Pregos vermelhos (Red nails), um dos maiores clássicos do personagem. Em 2006, a Editora Conrad publicou dois volumes somente com contos de Conan escritos por Howard, na sua sequência original.
Conan, o Bárbaro apresenta quatro textos: o já anteriormente visto “Os profetas do Círculo Negro”, mais os inéditos “Além do Rio Negro” (“Beyond the Black River”), “As negras noites de Zamboula” (“Shadows in Zamboula”) e “A hora do dragão” (“The hour of the dragon”).
O livro inicia justamente com “A hora do dragão”, que narra um episódio da vida madura de Conan, durante seu reinado na Aquilônia. Três nobres de segunda linha tramam com um feiticeiro para se colocarem no poder dos reinos da região da Aquilônia. Para isso, restauram a vida de Xaltotun, um poderoso mago do extinto reino do Pyton, fazendo uso de um objeto místico chamado Coração de Ahriman. Xaltotum usa seus poderes para tirar Conan do trono, mas seu objetivo é muito mais amplo do que esperam seus capangas: ele pretende restaurar o antigo poder de Pyton e dominar todo o mundo hiboriano. Enquanto os nobres mergulham a região num banho de sangue, o deposto Conan tem que lutar para sobreviver, descobrir uma forma de derrotar o poderoso Xaltotum e assim poder recuperar seu trono. Trata-se do texto mais longo que Howard escreveu com o bárbaro. Considerado como o único “romance” de Conan, “A hora do dragão” é, na verdade, uma novela de narrativa linear centrada no protagonista. A história é cheia de detalhes, com muitos personagens e as costumeiras cenas da batalhas grandiosas típicas das aventuras de Conan.
“Além do Rio Negro” é o texto seguinte, uma noveleta que mostra o herói num período anterior, quando ele ainda era um guerreiro errante. Embrenhado na selva, Conan se envolve em uma guerra de fronteira com os selvagens pictos, raça de homens primitivos e ferozes, liderados por um xamã sedento de vingança. Apesar de curto, é o texto mais denso do volume, com um forte clima claustrofóbico.
“As negras noites de Zamboula” é a narrativa mais curta da coletânea. Depois de escapar de uma armadilha engendrada pelo proprietário da hospedaria onde dormia, Conan conhece uma linda dama que o convence a resgatar seu amante das garras de um feiticeiro. Depois de algumas tribulações, Conan acaba aplicando sua costumeira justiça, inclusive contra o traiçoeiro estalajadeiro que tentara enganá-lo.
“Os profetas do Círculo Negro” fecha o volume, um texto com a mesma carga épica da novela inicial. Conan é o líder de um bando de salteadores das montanhas que tenta negociar com a milícia local a libertação de alguns de seus homens que foram capturados. Mas ele é atacado e, ao fugir, leva a rainha Jasmina de Vendhya refém. Esta, por sua vez, pede a ajuda de Conan para vingar seu irmão morto pelas artes mágicas dos Profetas Negros de Yimsha, necromantes que habitam uma fortaleza mística no alto das montanhas. Levado pelas circunstâncias, Conan não tem outra opção a não ser enfrentar esses seres, para salvar a própria vida e recuperar a liderança de seus homens.
Os textos têm tradução de Alexandre Callari, autor da casa pela qual teve publicado em 2011 o romance Apocalipse zumbi. Callari assina também a apresentação da coletânea, que tem prefácio do roteirista norte-americano Roy Thomas, comentando a adaptação do personagem para os quadrinhos, o que soa um pouco deslocado no contexto de um volume literário, especialmente para aqueles leitores que não acompanham os quadrinhos do personagem.
O livro ainda traz um caderno de oito páginas com imagens em cores do remake e a capa reproduz o cartaz do filme. O grande problema ao associar tão enfaticamente a publicação de um texto clássico como este a uma adaptação cinematográfica é a enorme possibilidade de que o filme seja mal recebido pela crítica e pelo público. E quando um filme não vai bem, seus subprodutos tendem a seguir-lhe a trajetória, o que seria uma pena no caso deste livro, que tem qualidades suficientes para sustentar-se. Afinal, se há um subproduto aqui, ele é o filme.
No momento em que títulos como O senhor dos anéis, Crônicas de Nárnia e A guerra dos tronos estão entre os mais vendidos das livrarias, é um ótima chance para Howard, que foi um daqueles que moldou a forma original da fantasia como gênero.
— Cesar Silva

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Campo Total e Outros Contos de Ficção Científica, Carlos Orsi

Campo Total e Outros Contos de Ficção Científica, Carlos Orsi. Ilustração de capa: Eriksama, 154 páginas. São Paulo: Editora Draco, 2013.

Carlos Orsi anuncia na apresentação que este é um livro especial. Primeiro, porque marca os 20 anos de sua estreia profissional, quando publicou a noveleta “Aprendizado”, na revista Isaac Asimov Magazine, n. 24, em novembro de 1992. Segundo porque representa um ponto de ruptura em sua carreira, já que ele pretende que seja o último livro de ficção científica que deverá publicar.
Campo Total é também o retorno de Orsi à forma narrativa do conto, depois de publicar os romances Guerra Justa (2010) e Nômade (2010), além de republicar a novela As Dez Torres de Sangue (2012; a primeira saiu na Coleção Fantástica, em 1999).
Desde Tempos de Fúria (2005), ele não publicava um volume só de contos, e este retorno gerou uma boa expectativa para este resenhador. Isso porque sempre gostei muito dos trabalhos mais curtos de Orsi, ao contrário de seus textos mais longos que, como o próprio autor admite em seu blog, são mais sequências de narrativas encadeadas do que propriamente um romance. Não que isso seja necessariamente ruim, mas o caso é que o resultado no caso deste autor é inferior ao que ele produz em narrativas mais curtas. Talvez por isso mesmo os romances fix-ups não tiveram o mesmo impacto que os textos curtos, pois Orsi sabe como poucos na ficção científica brasileira abordar um tema específico e tirar muito dele em poucas páginas. Tem uma forma narrativa objetiva, compacta, que vai direto ao ponto, justificando o argumento de críticos que afirmam que a forma curta (conto e noveleta) é melhor para um gênero como a FC, que se caracteriza pelo desenvolvimento de uma ideia.
Mas é fato também que Orsi nunca foi um escritor de FC per se. Outra característica que o distingue no panorama brasileiro é a sua habilidade em transitar muito bem entre os gêneros da FC e do horror. De tal maneira que seus melhores textos são de difícil classificação entre um e outro, destacando-se o cenário híbrido dos enredos.
Nesta nova coletânea, nomeada como de ficção científica, o horror reaparece pouco. Por exemplo, em contos como “Um Bom Emprego” – surpreendente reedição em sua carreira de um conto neolovecraftiano –, e “Disse a Profetiza”. Mas são pálidas incursões se comparadas a textos anteriores como, por exemplo, “O Mal de um Homem”, “Planeta dos Mortos” ou “A Fábrica”. Temos em mãos, então, um volume de histórias curtas pouco híbridas e mais identificadas com a FC.
Basicamente estas histórias situam-se em dois polos. Primeiro, textos mais especulativos, que procura desenvolver alguma ideia científica nova ou um conceito mais abstrato. Textos como, por exemplo, “A Equação” e “Campo Total”. Ambos interessantes, mas que mais parece querer mostrar a inteligência do autor do que o desenvolvimento narrativo a partir de uma ideia. Nesse sentido, então, são falhas por não produzir situações mais dramáticas que envolvam o leitor na história. Também vão por este caminho, “Cardeais em Órbita” e “Clitoridectomia”, ou seja, apresentam ideias potencialmente interessantes, mas que vão pouco além de uma crítica um tanto desajeitada de teor mais moral ou comportamental.
Mesmo que nem todos os contos tenham sido escritos recentemente, o autor mesmo admite que alguns deles ecoam assuntos com os quais ele vem se ocupando nos últimos anos na condição de jornalista de divulgação científica, seja como colunista da revista Galileu, seja como autor de livros como, por exemplo, o recente Pura Picaretagem (2013) – em parceria com o físico Daniel Bezerra. Isso porque Orsi reconhece uma virada de interesse em sua carreira de jornalista e escritor: de um escritor de ficção que atuava como jornalista, para um jornalista que também escreve ficção.
Dentro deste contexto, o livro se ressente, talvez, de mais empenho do autor em se dedicar por inteiro às histórias mesmo que, e isso é louvável, ele não tenha medo de arriscar temas novos, alguns deles de difícil execução, como mostrado neste livro.
Mas há pelo menos duas histórias que nos remete ao bom contador de histórias com o qual o autor se notabilizou na FC&F brasileira a partir dos anos 1990: “Nativos” e “Terror no Planeta dos Canibais”. Em ambas vê-se a pujança de seu texto quando voltado a temáticas de aventura e ação, onde não faltam soluções dramáticas e criativas. Histórias de aventura e contato em planetas distantes de primeira categoria. Em “Nativos”, um diplomata busca travar contato com uma estranhíssima forma de vida inteligente baseada, aparentemente, na radioatividade – como as plantas terrestres se baseiam na fotossíntese para retirar energia da luz do Sol. Há toda uma construção social de um cenário de colonização de fronteira, meio ao estilo de um faroeste que dá um sabor especial à trama. A melhor história do livro. Outra muito boa nesta linha é “Terror no Planeta dos Canibais”, em que uma equipe de astronautas que viaja a velocidades próximas à da luz, a Planetária, vai a um planeta obscuro para resgatar uma nave terrestre e descobre que, abandonados e sem poder se alimentar no planeta recorrem ao canibalismo. A ideia desta equipe da Planetária de resgatar naves e terrestres em perigo universo à fora, poderia render mais, ou um romance ou uma série de histórias com muitas aventuras.
Como o próprio autor declara na apresentação do livro, ele tem uma “busca quase obsessiva pela narrativa de ação e aventura”. Ora, este livro torna isso claríssimo! Parece mesmo que há dois autores diferentes, o das histórias frias e especulativas e as outras com ação e aventura.
Carlos Orsi pode até escrever histórias mais reflexivas, mas mostra neste livro que o seu forte está em ser um bom contador de histórias: tem bom ritmo narrativo, ideias criativas e aventura e drama na medida certa. É com esse tipo de texto que ele foi reconhecido dentro da FC&F brasileira, especialmente na temática do horror, e é uma pena que afirme ser este seu último livro escrito de forma espontânea, sem que seja convidado para escrever um conto para uma antologia.
Como o autor ainda é novo esperemos que ele mude de opinião mais adiante e volte a escrever histórias como “Nativos” e “Terror no Planeta dos Canibais”. Sua melhor ficção segue nesta linha e ele ainda tem muito a contribuir para boas aventuras de ficção científica e horror no cenário nacional.

– Marcello Simão Branco


segunda-feira, 13 de abril de 2015

El Espanto Surge de la Tumba (Horror Rises From the Tomb, Espanha, 1973)


França, meados do século XV. Quando a superstição e a ignorância controlavam toda a Europa, homens e mulheres acusados de bruxaria eram executados na fogueira, na forca ou por lâminas afiadas. A peste, a mais devastadora das pragas, e a guerra, com todas as calamidades em seu rastro, não são tão temidos quanto o poder sombrio de Satanás, e de sua sinistra corte de demônios e bruxos.
O espanhol Paul Naschy (pseudônimo de Jacinto Molina Álvarez) nasceu em 06/09/1934 em Madri, e faleceu em 30/11/2009 aos 75 anos, sendo considerado um nome cultuado relacionado ao cinema de horror, com uma infinidade de créditos como diretor, roteirista e ator. “El Espanto Surge de la Tumba” (conhecido também pelo título inglês “Horror Rises From the Tomb”) é mais uma de suas várias bagaceiras preciosas com roteiros bizarros e todos os elementos do horror da época da inquisição européia.
Dirigido por Carlos Aured, inicia-se na França de 1454, onde um casal é condenado à morte por prática de magia negra. Alaric de Marnac (Paul Naschy) é executado por decapitação e sua cabeça é enterrada longe do corpo, e sua companheira Mabille De Lancré (Helga Line) é morta após ser torturada pendurada de cabeça para baixo numa árvore. Antes de morrerem, eles lançam uma maldição para seus executores, o próprio irmão Armand de Marnac (também Naschy) e Andre Roland (Vic Winner), dizendo que seus corpos morreriam, mas seus espíritos continuariam vivos buscando por vingança contra seus descendentes.
Mais de quinhentos anos depois, dois casais de amigos, Hugo de Marnac (novamente Naschy) e a namorada Sylvia (Betsabe Ruiz), e o pintor Maurice Roland (também Vic Winner) e a bela Paula (Cristina Suriani), decidem participar de uma sessão espírita comandada pela médium Madame Irina Komarova (Elsa Zabala). Eles recebem uma mensagem que desperta a curiosidade em encontrar a cabeça decepada de Alaric de Marnac, enterrada em terras próximas das ruínas de um antigo mosteiro, atualmente pertencentes ao descendente Hugo. Lá chegando, eles se juntam ao caseiro que cuida da propriedade, e que mora no local com suas duas belas filhas, Chantal (Maria Jose Cantudo) e Elvira (Emma Cohen), sendo que esta última tem um caso amoroso com Hugo. Juntos, todos eles lutam para sobreviver dos ataques brutais de Alaric de Marnac, que consegue reviver da tumba junto com sua companheira, e utiliza seu poder satânico para controlar as pessoas e transformá-las em zumbis assassinos, além de beber seu sangue e comer seus corações.
“El Espanto Surge de la Tumba” é o típico cinema bagaceiro divertido, com uma sinistra trilha sonora gótica de órgão, mortes com significativo grau de violência e sangue, ambientes tétricos envoltos em névoa, corpos que saem de caixões, zumbis deformados caminhando lentamente em busca de suas vítimas, uma cripta em ruínas com atmosfera de gelar o sangue, um talismã mágico capaz de combater as forças demoníacas, a impagável expressão facial de Paul Naschy com seu olhar hipnotizador no melhor estilo imortalizado pelo vampiro “Drácula”, belíssimas mulheres semi nuas desfilando para o abate, e uma história repleta de clichês e situações absurdas que justamente por isso garantem o entretenimento bizarro.
Entre as curiosidades, podemos citar:
* É mencionado no filme o conhecido demônio “Astaroth”, que foi o nome de um fanzine de horror que editei entre 1995 e 2008, sendo que utilizei como inspiração uma referência de outro filme, “Uma Filha Para o Diabo” (To the Devil a Daughter, 1976).
* “El Espanto Surge de la Tumba” é o nome do terceiro disco da banda de metal extremo “Dorso” (Chile), lançado em 1993, com letras inspiradas em filmes de horror.
* Foi filmada uma sequência em 1983, “Latidos de Pánico”, escrito, dirigido e atuado pelo multi funcional Paul Naschy.
(Juvenatrix - 12/04/15)

sexta-feira, 10 de abril de 2015

Batalha no Espaço Estelar (War of the Planets, Itália, 1977)


     Direção de Al Bradley (pseudônimo de Alfonso Brescia). O Capitão Alex Hamilton (John Richardson) é um astronauta respeitado, mas também conhecido pelos atos de indisciplina e aversão aos computadores. Ele é o comandante da nave espacial MK-31, que é chamada para investigar a origem de misteriosos sinais no espaço, juntamente com outros tripulantes como a bela Meela (Yanti Somer). Sua nave encontra um planeta, e ao pousar descobre uma região inóspita e mergulhada em escuridão (as noites são extremamente longas, com centenas de horas). Dentro de uma caverna sua equipe encontra um portal dimensional que os leva ao encontro de uma raça de alienígenas humanóides com pele pintada numa cor mista de verde e azul e com orelhas pontudas (no estilo do “Spock” de “Star Trek”), liderados pelo chefe Etor (Aldo Canti). A princípio, eles se mostram hostis e depois acabam até aceitando a ajuda dos humanos para enfrentar a pior descoberta que ainda viria: o planeta é controlado por um super computador inteligente que tem escravizado os habitantes.
     No passado, eles viviam felizes em harmonia com as máquinas, que lhes serviam e davam conforto, porém certo dia eles foram atacados por inimigos de outro planeta e tudo foi destruído, restando apenas um único computador que possuía o conhecimento para gerar novas máquinas, mas com propósitos de conquistar a galáxia, escravizando a civilização local. Esse computador psicopata, na intenção de tornar-se ainda mais potente e perfeito, enviou sinais ao espaço para atrair a atenção dos astronautas da Terra, e forçá-los a instalar um componente eletrônico que o deixaria mais forte para poder colocar em prática seu plano tirano e conquistador. 
     "Batalha no Espaço Estelar" é um típico filme bagaceiro italiano com excesso de cores, visual exagerado e naves e estações espaciais com painéis de controle repletos de luzes piscando e botões para todos os lados. O roteiro é simples demais e com uma overdose de clichês, e a narrativa é na maior parte do tempo muito arrastada, gerando uma significativa dose de tédio no espectador, incitando-o ao sono. A ideia de explorar o tema dos computadores dominando civilizações, enfatizando o propósito de tirania, já havia sido visto inúmeras vezes antes, não conseguindo empolgar.
     Foi lançado em DVD no Brasil junto com “O Planeta Fantasma” (1961), que apesar de ser bem tosco, é ainda assim melhor que esse “Batalha no Espaço Estelar”, que vale mesmo apenas como curiosidade.
     (Juvenatrix - 12/11/09)    

quinta-feira, 9 de abril de 2015

As Amantes do Dr. Jekyll (França / Espanha / Áustria, 1964)


     Mais uma pérola do cinema europeu de horror, numa co-produção entre França, Espanha e Áustria, lançado por aqui em DVD na coleção “Clássicos do Terror”, da “Vinny Filmes”, com direção e roteiro de Jesus Franco e fotografia em preto e branco.
     Sequência de “O Terrível Dr. Orloff” (1962), a história agora apresenta as atividades sinistras do cientista Dr. Conrad Fisherman, interpretado por Marcelo Arroita-Jáuregui (teve uma versão do filme onde seu sobrenome era Jekyll, e por isso um dos inúmeros títulos foi “As Amantes do Dr. Jekyll”). Ele foi discípulo do cientista Dr. Orloff, que em seu leito de morte, repassou uma série de anotações sobre estudos envolvendo ondas de rádio ultrasônicas que permitiriam gerar movimentos num ser humano morto. De posse dessas informações, o Dr. Fisherman realiza experiências em seu laboratório num tétrico castelo, e consegue trazer de volta para caminhar entre os vivos seu irmão Andros (Hugo Blanco), assassinado por ele numa reação passional por causa da traição de sua esposa infeliz, Ingrid (Luisa Sala). Uma vez controlando as ações do zumbi, o cientista utiliza-o para matar violentamente por estrangulamento várias mulheres nos arredores, colocando também em risco a vida de sua jovem sobrinha Melissa (Agnes Spaak), que acabara de chegar ao castelo e descobre uma terrível relação com o autor das mortes. E também despertando a atenção de uma investigação policial liderada pelo Inspetor Klein (Pastor Serrador). 
     Filme que faz parte da safra de histórias góticas criadas e dirigidas pelo cultuado cineasta espanhol Jesus Franco, numa atmosfera sombria de constante mistério, não faltando o tradicional cientista louco e sua criatura, um assassino de luvas pretas.
    (Juvenatrix - 13/07/14)

Vinte Voltas ao Redor do Sol: 20 Anos do CLFC

Vinte voltas ao redor do Sol – Uma antologia comemorativa, Alfredo Keppler, organizador, 410 páginas. Clube de Leitores de Ficção Científica, São Paulo, 2005.


Em 2005 o Clube de Leitores de Ficção Científica (CLFC) completou 20 anos de fundação. Esta associação de fãs nasceu do desejo de um fã de congregar um grupo que compartilhasse de um prazer e objetivo comum, a ficção científica.
Inicialmente o objetivo de R.C. Nascimento era encontrar mais colecionadores da coleção Argonauta, de Portugal, como fica claro quando lançou o seu livro Quem é quem na ficção científica – Volume 1: A coleção Argonauta (1985). Há dois encartes no fim do volume. O primeiro para apurar quais seriam as dez melhores obras publicadas na coleção e o segundo, uma ficha de inscrição para um clube de ficção científica, justamente o CLFC.
Este grupo de fãs, colecionadores e escritores tornou-se nestas duas últimas décadas a principal organização social do fandom brasileiro de ficção científica. Passou por várias fases, algumas delas muito efervescentes, outras de claro declínio, mas o objetivo aqui não é uma análise sobre a importância do CLFC para a história recente de nossa FC&F.
Isto certamente é um trabalho importante ainda a ser realizado, mas de certa forma, a própria maneira que o clube encontrou para marcar esta efeméride tão significativa já é, por si só, uma contribuição que muito diz o que foi o CLFC em sua trajetória.
Refiro-me, é claro, à antologia de contos e depoimentos, Vinte voltas ao redor do Sol – Uma antologia comemorativa. É um livrão que impressiona por suas mais de 400 páginas, pela produção editorial profissional e principalmente pelo grande número de histórias.
A ilustração de capa é bonita e alusiva ao espírito de ficção científica, razão de ser do clube. Já os textos estão demarcados em duas partes. A primeira contém 10 pequenos depoimentos de sócios sobre o significado da data. A segunda parte é composta de duas dezenas de trabalhos de ficção, desde contos curtos até uma novela.
É comum em edições comemorativas e corporativas uma seção como a de depoimentos. Em outras publicações do próprio CLFC isto já ocorreu, por exemplo, quando o clube comemorou 10 anos e a edição especial de sua publicação oficial, o Somnium, trouxe vários deles. Desta forma, embora compreenda o sentido de sua presença nesta nova obra comemorativa, achei-os totalmente dispensáveis. E até para criar algo novo, diferente em termos de uma edição que se declara como ‘comemorativa’, seria mais interessante se eles estivessem ausentes.
Mas a maior controvérsia desta antologia foi o método de seleção das histórias. Já no prefácio da obra, o presidente do CLFC Alfredo Keppler argumenta que deixou aos critérios dos próprios sócios-autores a escolha de seus trabalhos, pois uma escolha editorial sofreria de um viés de preferência, “muitas vezes mal defendido por um indefinível critério de qualidade” (página VI). Ora, mas para que serve um selecionador, um editor? Esta ausência de atitude por parte do responsável pela organização da obra não o exime dos eventuais problemas e virtudes encontrados. Conforme ficará claro nos comentários sobre os contos publicados neste livro, esta ‘falta de seleção’ foi um dos fatores que mais chamou a atenção na avaliação da qualidade da antologia.
 Comecemos pelo número de trabalhos. São duas dezenas. Certamente é um número alto para qualquer livro deste tipo, o que aumenta a possibilidade da obra ser mais irregular. A intenção declarada publicamente pela Diretoria era que a obra marcasse de forma contundente a atual administração e talvez fosse um símbolo do próprio fim da entidade, tão criticada nos últimos anos, na mesma proporção da baixíssima participação e interesse dos sócios. Mas, felizmente, pelo impacto positivo que o lançamento do livro teve entre os sócios, respira-se aliviado com a anunciada continuidade do CLFC.
Para uma publicação claramente corporativa como esta, optou-se pelo critério óbvio na sequência das histórias: o número do sócio. Assim, quanto mais antigo, primeiro aparece nas páginas do livro.
Assim é que o primeiro conto do livro é Ivan Carlos Regina, “MOMA – Minha organização mundial de animais”. Contado em tom de fábula, não há propriamente uma história no sentido convencional.
O Homem e outros animais depõem sobre suas virtudes, defeitos, belezas e transcendências. Sem dúvida que o texto é belo nas palavras e metáforas, literariamente bem escrito. Mas é também um pouco tedioso, pois se torna um repetitivo e previsível em seus objetivos claros: um sentido espiritual para a busca evolutiva das espécies, sua razão de existir. No fundo, esta própria justificativa já seria questionável, mas é a estrutura da história o que a torna pouco interessante.
O conto a seguir é “Aí vem o Sol”, do carioca José dos Santos Fernandes. Neste caso, a escolha do autor não poderia ter sido mais feliz. O título do conto se refere a uma antologia de ficção científica inspirada no título de canções dos Beatles. A antologia, infelizmente não deu certo, mas o conto veio à luz pela primeira vez no fanzine Megalon n.49, de junho de 1998. E é o melhor conto que ele já escreveu e, para mim, um dos melhores da história de nossa ficção científica. Se tivesse que organizar uma antologia dos ‘melhores’ da FCB, esta história seria selecionada.
O cenário é o Rio de Janeiro sob um rigoroso inverno nuclear. Um pai sobrevive com seu filho dentro de uma caverna no que restou da floresta da Tijuca. O frio é intenso, com forte nevasca e escuridão na maior parte do tempo. Periodicamente ele sai em busca de comida. Mas não ousa contar ao seu filho doente o tipo de alimento que ele traz.
O tema do pós-holocausto nuclear é clássico e a ele se alia a questão polêmica do canibalismo. Temos uma prosa enxuta e fluente, com apenas o essencial para a criação do ambiente narrativo. Mas isso não limita seu conteúdo dramático, no devido limite para não soar exagerado.
Tem um clima de golden age marcante, mas com boa plausibilidade científica, o que só aumenta a emoção e a credibilidade do texto. O desfecho é terrível e revelador, acentuando a condição de uma obra-prima, entre as poucas de nossa ficção científica.
Roberto de Sousa Causo é o autor seguinte, com a novela “O par”. E ela vem bem recomendada. Venceu o prestigioso Prêmio Nascente, de 2001, promovido pela Universidade de São Paulo (USP) para jovens talentos que lá estudam.
Talvez alheios a tão promissora premissa, vários sócios criticaram – de antemão – a publicação da história, pelo fato dela ser muito maior em termos de número de páginas do que as demais. De fato, eu mesmo admito que achei a opção questionável por, supostamente, abrir um espaço excessivo a um autor em comparação com os outros. Nesse sentido, continuo achando que um dos poréns desta antologia é a falta de critérios nela adotada, entre os quais, o do tamanho desequilibrado entre as histórias.  E “O par” é o exemplo mais visualizável. Contudo, ao lê-la me rendi às evidências e a um critério que oblitera qualquer outro: a excelência da história.
É uma nova aventura do autor pelo interior profundo da floresta amazônica – já vista antes na novela Terra verde (2000). Em “O par” a ação se situa na terceira década do nosso século, com uma invasão extraterrestre em plena Amazônia. Tropas brasileiras tentam isolar a área tomada pelos invasores. Mas o combate não se dá diretamente com eles, mas sim com tropas internacionais chanceladas pela Organização das Nações Unidas (ONU). No fundo, estamos diante de um dos maiores temores históricos das Forças Armadas brasileiras: a perda de soberania sobre a Amazônia.
Em meio a este contexto explosivo e controverso, conta-se a história de Feitosa. Um soldado desafortunado que é obrigado a desertar da tropa e se embrenhar na Amazônia dos alienígenas. Causo realiza uma das melhores descrições de ‘floresta profunda’ que já li. Me remete às descrições extremamente verossímeis do interior da selva vietnamita no romance de horror Koko (1988), de Peter Straub.
Em sua luta por sobrevivência, Feitosa desperta com uma mulher, muito parecida com uma antiga namorada que havia morrido. Juntos enfrentam perigos humanos, mistérios da Natureza e o fascínio com a visão das naves extraterrestres. Até descobrirem, finalmente, quem (ou o que) são eles.
Causo narra a aventura com muita fluência e intensidade dramática, além de agilidade e soluções criativas às peripécias pelas quais ‘o par’ têm de enfrentar. O interesse é mantido, mesmo quando é fácil perceber quem era a companheira de Feitosa, assim que ela ‘reapareceu’ subitamente no meio da floresta.
Assim como na já citada Terra verde há uma simbiose temática entre o estranhamento do contato alienígena e das forças da Natureza, com uma crítica sociopolítica importante à situação hipócrita pela qual o Estado brasileiro – e boa parte da sociedade –, encara a chamada ‘questão amazônica’, no contexto das prioridades ambientais e econômicas do país.
Mesmo com esta abordagem pertinente, o que dá realmente liga a esta simbiose é o vigor do elemento humano e individual, em todo este cenário turbulento e transformado. Alguns críticos notaram que esta história retoma – mais uma vez – o tema do soldado em crise de consciência, que seria o próprio alter ego do autor. De fato, não há como escapar desta observação, mas o que é novo nesta história é o violento despojamento de Feitosa, um sujeito socialmente desajustado desde antes de se alistar no Exército e que não hesita em quebrar as regras e matar friamente, quando julga necessário. Do que eu li, a novela “O par” é a melhor história da ficção científica brasileira em 2005.
“Quadros pretéritos de uma vida” é o conto seguinte e marca a presença de Cesar Silva – um dos editores deste Anuário – na antologia. Ele também produziu esta antologia, certamente responsável pela boa impressão geral que o livro teve entre aqueles que o recebeu.
Não é uma história inédita, foi publicada originalmente no Somnium n.48, em 1990. Já se passaram 15 anos, portanto, mas o texto continua sendo uma evidência do ecletismo do autor. Silva faz de tudo um pouco em nossa ficção científica: edita, ilustra, organiza eventos e também escreve – e bem.
A história mostra em flash back cenas pretéritas da vida de um piloto espacial de caça prestes a enfrentar seu destino final. O contexto mostra os terrestres colonizando com sucesso o Sistema Solar, com uma grande empresa dominando as relações políticas e econômicas. Há uma crise quando uma colônia independente se estabelece em Titã, a maior lua de Saturno.
Silva entremeia o cenário político sob o olhar do piloto, quando menino. Este ângulo de observação torna a narrativa mais sensível e foge do lugar-comum, tornando-a interessante de ser lida. E a conclusão não deixa de ter certo viés poético – ainda que trágico –, ressaltando que o autor poderia – e pode – se tornar um nome promissor entre os escritores brasileiros de ficção científica se escrevesse mais ficção. Embora sua opção de ‘abraçar’ a FC&F em diversas atividades também o torne uma das pessoas mais influentes em nosso meio.
O próximo no índice é Braulio Tavares, que se faz presente com o conto “O molusco e o transatlântico”. A trama mostra um brasileiro que possui poderes paranormais de movimentar elétrons. E com esta habilidade ele se torna um dos tripulantes, ao lado de mais seis astronautas, em uma Estação Orbital.
Lá pelas tantas sofrem um acidente e despertam no interior de um local estranho, que depois descobrem ser uma nave alienígena. Todos os astronautas são libertados, menos o brasileiro que, assim, nos conta sua sina, prisioneiro para experiências dos Intrusos. Sim, eles mesmos, os alienígenas já conhecidos de trabalhos anteriores de Tavares, especialmente em uma de suas principais histórias, “Principe das sombras”, presente na sua já clássica coletânea A espinha dorsal da memória (1989).
Narrada em primeira pessoa é um texto de moldes um tanto convencionais, no qual o mais interessante é a percepção de mudança de atitude psicológica por parte do sequestrado. Pouco a pouco ele vai se adaptando, se conformando à uma situação impossível de enfrentar. Não deixa de ser uma parábola da insignificância humana frente aos mistérios da realidade que mal apreendemos, como as de possíveis forças – físicas ou não – que podem estar nos espreitando pelo universo.
Após Braulio Tavares, chega André Carneiro, outro ilustre sócio e personalidade de nossa ficção científica. Mas em “A grande obra” não temos uma história estritamente do gênero; talvez nem mesmo uma história em seu sentido, digamos, convencional.
Menos pelo enredo – que se revela fascinante em sua sutileza em seu final – o texto vale mais pelo estilo seguro e arrojado e ainda mais pelo suspense e intensidade psicológica do personagem que conta a história. No caso é um sujeito que leciona literatura e trabalha numa editora e conhece um pai e uma filha aparentemente simplórios, além de sem origem e atividade definida. Com uma atmosfera que lembra contos policiais e narrado em primeira pessoa, o literato vai mostrando seu envolvimento misterioso, surpreendente e desesperador com Saulo e sua bela filha Roxana, por quem se apaixona.
É uma história que procura trabalhar com a noção de que o fantástico e o improvável tem lugar no mundo e pode estar oculto para todos os que não vêem. Ou não tem como vislumbrar uma ‘grande obra’. Uma história curiosa pelo tema e que agrada por sua prosa saborosa e segura, de um autor maduro e ainda capaz de surpreender. Outro grande momento do livro.
 “Paradoxos méson”, de Miguel Carqueija, é o próximo e nos mostra uma história de viagem no tempo, com o clássico tema do sujeito que volta ao passado e encontra com si mesmo. O autor, mais uma vez, tem uma mulher como protagonista, mas a história tem cores menos coloridas do que de costume em suas aventuras.
No caso, trata do tema do estupro de uma menina que se tornou mulher e volta no tempo para impedir a tragédia. O conto é curto e objetivo quanto aos paradoxos de tal empreitada, mas não acrescenta nada em especial a um subtema já por demais explorado na ficção científica.
A história seguinte é “Pais da aviação”, de Gerson Lodi-Ribeiro. O título faz referência a Santos Dumont. A pretexto de se valer desta homenagem – que não deixa de ser justa – em termos práticos o texto narra aproximadamente 150 anos de domínio político e militar da França sobre a Europa e parte do continente americano. Exceções são a Rússia a leste e os Estados Unidos a oeste, com que os franceses e seus dominados empreendem duras batalhas pela América do Sul e do Norte, na primeira metade do século XX.
Como já deu para notar é uma história alternativa e com premissas steampunks, ou seja, em uma linha histórica alternativa com um inovação tecnológica que muda o desenrolar histórico como o conhecemos. O ponto de divergência inicial seria a vitória francesa na Batalha de Trafalgar, permitindo a invasão das forças de Napoleão ao Reino Unido. O texto procura se apoiar nas modificações históricas ao longo do século XIX e parte do XX, tendo como linha de ação a superioridade tecnológica francesa, especialmente com o advento dos aeroplanos e seu emprego bélico.
Embora a história tenha o seu interesse, transcorre em um ritmo quase documental, com pouca dramaticidade. Assim, o texto segue uma linha, digamos, determinista, o que de certa forma não é um problema desta história em particular, mas uma recorrência comum no subgênero das histórias alternativas.
Em várias histórias alternativas ocorre uma modificação de um fato histórico – geralmente militar ou político – que altera quase tudo o que conhecemos. O problema é que soa como voluntarista e simples, com pouca análise, primeiro de como este ponto de divergência se contraporia à uma estrutura social e histórica já assentada e em segundo lugar, e mais importante: como se daria as transformações sociais em muitos aspectos que poderia advir de tal mudança, que engendraria outras modificações difíceis de apreender, até para um texto ficcional.
Claro que há um bom número de histórias alternativas notáveis por enfrentar as dificuldades acima de forma criativa e convincente, e os clássicos do subgênero são do conhecimento de todos os apreciadores. Contudo, esta ponderação pode ser feita para qualquer história alternativa, especialmente naquelas que partem de grandes modificações, como se elas coubessem dentro de um modelo previamente concebido. Mas é possível fugir desta armadilha, trabalhando de forma mais apurada questões sociais e culturais, sem esquecer do necessário elemento humano, que é o que da vida a uma história, alternativa ou não.
Em resumo, “Pais da aviação” é um texto pequeno para as tantas questões que aborda. Tem o seu mérito como exercício de construção de cenários bélicos alternativos, mas ressente-se do já mencionado elemento humano à trama.
Anna Creuza Zacharias é a próxima autora a publicar na antologia, com a noveleta “Argonáutica”. Ela escolheu um trabalho relativamente antigo, publicado no Somnium n.62, de 1995. E não foi feliz, pois é uma história confusa que, em linhas gerais, traça um paralelo sobre a viagem espacial até um planeta identificado por místicos medievais, com as conseqüências da viagem de Jasão e Medéia, da mitologia grega.
O relato entremeia de maneira irregular trechos da viagem espacial, da saga mitológica grega e do planeta a ser visitado. Tudo isso em um texto truncado, com trechos mal escritos, pontas soltas, qual um roteiro de um filme mal realizado. Se isso não é o bastante, ainda há uma coleção de personagens estereotipados. Além de situações clichê dignas de séries de TV de má qualidade.
Como se vê, uma história com muitos problemas, no qual mesmo sua demonstração de erudição não torna a história menos desequilibrada e incerta quanto aos seus objetivos temáticos, ou seja, sobre o quê, afinal, ela pretende contar. Esta história é o exemplo mais eloquente deste livro de um texto que não deveria ser publicado – ainda mais em um livro. Seria preciso reescrevê-lo, enxugá-lo, melhorá-lo, enfim. E a responsabilidade do organizador é tão grande quanto da autora, que já escreveu contos bons e poderia ter sido poupada deste constrangimento.
Ainda mais se a contrastarmos com a próxima, “Vidinha caseira”, de Martha Argel. Ainda que não seja o melhor conto desta autora é agradável, bem escrito, criativo e com agudo senso de ironia.
É outro conto já conhecido, publicado antes na antologia Lugar de mulher é na cozinha (2000), organizada pela própria autora. Conta a história de uma dona-de-casa que não sai da cozinha, aliás, como tantas que existem por aí. Seu marido reclama – sempre em frente à TV, como tantos por aí também. Ela diz que está muito ocupada. E está mesmo, pois na verdade ela é uma tripulante de uma nave espacial em guerra com uma civilização alienígena hostil e vive entre a missão e sua ‘vidinha caseira’. O texto é conduzido com leveza e bom humor, embora termine, curiosamente, por reforçar o papel subalterno da mulher na sociedade. Pois mesmo com todas as suas conquistas políticas, civis e sociais, a mulher ainda continua a exercer seu papel de ‘dona de casa’, mesmo que não seja – não para todas, ao menos – propriamente uma ‘vidinha caseira’.
O conto seguinte, “Valentim”, de Ataíde Tartari, coincidentemente, tem o mesmo ritmo leve e descompromissado da história anterior. Este resenhador foi parcialmente responsável por “Valentim”, pois o encomendei para a edição especial de fim de milênio, do meu fanzine Megalon n.55, de dezembro de 1999.
Neste trabalho Tartari faz uma dupla homenagem. No estilo, à obra da escritora Helen Fielding, Os diários de Bridget Jones – depois levada às telas de cinema em 2001, com grande interpretação de Renne Zelwegger –, e no enredo a Valentine Michael Smith, o terráqueo criado em Marte, do clássico Um estranho numa Terra estranha (1962), de Robert A. Heinlein. A tentativa é bem sucedida, principalmente porque o autor sabe escrever com facilidade e coloquialidade, intercalando diálogos ágeis e um humor inspirado.
O que já não é o caso do próximo conto, “Aniquilador”, de Carlos Orsi Martinho – aliás, é curioso que neste livro, publicado dois meses depois de Tempos de fúria, ele volta ao seu nome, digamos, original.
Como dizia, este conto não repete o bom nível dos dois últimos. A história é indefinida e curta demais para apreender todos os seus significados existenciais – se for este mesmo o caso. Um sujeito que vive no limite entre um mundo real e virtual, quer morrer porque diz não suportar o “fardo da consciência”. Mas é só isso? Falta um drama mais concreto, um pouco truncado também por um jargão excessivamente técnico, que mais aborrece do que esclarece dentro do contexto da trama.
Já Lúcio Manfredi comparece com “A caçadora”. Um texto com prosa forte em imagens e ambíguo em seus significados. Nesse sentido semelhante ao conto anterior.
O trabalho apresenta uma tentativa estilística interessante, ao entremear a ação concreta, com outro plano de realidade, que o espreita o nosso em busca de uma vítima, no caso um mendigo. Mas ainda que a narrativa procure sair do convencional, o resultado final é um pouco confuso, transmitindo uma sensação de incompletude, de um desfecho abrupto e que não completa o ciclo que a história poderia sugerir. Afinal, a experiência foi real ou imaginária? Manfredi, conscientemente, quis deixar a dúvida no leitor? Não ficou claro.
Tanto Martinho como Manfredi poderiam ter escolhido trabalhos melhores e mais significativos, ao invés destes dois contos pálidos e que não causariam impacto nem nas páginas de um fanzine. Aqui, de novo, a ausência de um editor responde pela queda de qualidade das histórias publicadas.
Na sequência vem “Exercícios de silêncio”, de Finísia Fideli. É uma história publicada originalmente no distante ano de 1983, na antologia Conto paulista e republicada em 1991 no fanzine Megalon, n.21, com direito a ilustração de capa e tudo. No ano seguinte os leitores deste fanzine a elegerem como a melhor história publicada no ano, por meio do Prêmio Tapìrài. Sem medo de exagerar, considero este o melhor trabalho de uma escritora muito boa, uma das melhores histórias da chamada Segunda Onda da FCB.
Trata-se de uma história de ficção científica de moldes tradicionais, com um piloto espacial com problemas com sua nave. Ele é obrigado a pousar em um planeta distante e lá trava contato com a civilização nativa. Seres humanóides, como ele, originários de colonizadores descendentes da Terra.
Sim, você já deve ter lido mais de uma história com um enredo como este. Mas o que diferencia esta noveleta de outras, é a profundidade do contato humano, entre culturas e posturas diante da vida tão diferentes e opostas.
Finisia narra de forma econômica e sensível, sem excessos, numa espécie de convite a uma viagem interior, da qual não apenas o piloto, mas também o leitor é convidado a participar. Para além da alteridade de culturas distintas, o subtexto trabalha a questão de quais valores são importantes em meio a uma sociedade tão competitiva, egoísta e materialista, como a do Ocidente laico.
A dedicatória final ao povo tibetano não deixa dúvida quanto à analogia da história e creio que é até desnecessária, pois a riqueza dos sentimentos transmitida nos deixa claro de onde vem sua inspiração. Mais um grande momento do livro e a lamentar apenas que a autora praticamente tenha desistido de uma carreira das mais promissoras.
Outro que está lutando em torno de uma carreira é o carioca Rogério Amaral de Vasconcellos, muito produtivo nos últimos anos, escrevendo e editando contos e novelas, no universo ficcional Nave profana.
Em Vinte voltas ao redor do Sol, ele nos mostra “Os seres do vácuo”. De saída nota-se que forma e conteúdo estão desequilibrados. Talvez seja possível afirmar que uma atrapalha a outra. O conteúdo é interessante, ainda que sem novidade. A Terra é destruída por uma súbita chuva de meteoritos e uma nave escapa pouco antes com uma tripulação. Após um acidente – mal explicado no texto, por sinal –, que explode a nave, um casal consegue fugir em uma das naves auxiliares e aterrissa em um planeta. Lá descobre que eles não eram mais apenas seres humanos, no sentido biológico do termo, especialmente em termos reprodutivos, mas sim entrecruzados com elementos mecânicos, artificiais. Este fato em si já suscita um novo enredo dentro do primeiro e remete este novo tema, a um drama em torno da continuidade da espécie.
Bem se vê que o conto é ambicioso, trabalha em grandes questões. Isso é interessante em termos de proposta temática, mas para a forma de uma história curta, torna o desafio quase um problema, pois exigiria muita habilidade e harmonia do escritor, um sentido de concisão preciso. No texto em questão isso não ocorre, talvez por falta de experiência do autor, pois a narrativa se mostra confusa. Muitas ideias e conceitos que precisariam ser mais elaborados. A falta confere um incômodo na leitura. Acrescente-se a estes problemas, o estilo distanciado, num tom documental e uma prosa escrita de forma apressada e com escolhas de palavras que destoam do cenário da narrativa. Para resumir, percebe-se que o melhor seria que a história fosse reescrita e talvez aumentada em seu tamanho.
Octavio Aragão vem a seguir com o já conhecido “Lâminas cruzadas”, originalmente vista no Somnium n. 86, de 2003. É uma história situada na segunda metade do século XIX, na frente de batalha da Guerra do Paraguai. O texto narra de forma competente algumas lutas corporais entre um soldado brasileiro, o negro Zuavos, com soldados paraguaios. Até que em uma delas, ferido e em desvantagem, ele é subitamente salvo por um combatente misterioso e fugidio.
O conto é despretencioso, uma homenagem ao escritor Gerson Lodi-Ribeiro – nosso principal autor no subgênero história alternativa e autor da  noveleta clássica A ética da traição (1993), que versa sobre uma vitória paraguaia na guerra vencida pela Tríplice Aliança, em nossa linha temporal. Tanto é que “Lâminas cruzadas” é um conto-homenagem, que se permite, no final, uma surpresa na figura do escritor Júlio Verne – aliás, também homenageado na história “Pais da aviação”, de Lodi-Ribeiro, neste mesmo livro.
Por uma coincidência feliz, de certa forma, o tom de homenagem prossegue na história seguinte. Trata-se da presença rara de Rubens Teixeira Scavone, com uma história já conhecida, “Leica modelo 1932”, publicada no jornal Folha de S. Paulo, em 1989.
Scavone relata com inspiração e capricho a história de uma máquina fotográfica que chega como um presente inesperado de um tio distante da família. Pois a Leica tira fotos do passado e do futuro e não do presente. Passado do centro de São Paulo e o futuro dos pequeninos parentes, filhos e sobrinhos, ainda quando crianças. O recurso ao fantástico é engenhoso e sutil, para Scavone celebrar sua nostalgia por uma São Paulo que não existe mais e o amor aos seus futuros herdeiros.
Max Mallmann estréia ficcionalmente no CLFC, com “História natural”, uma parábola sobre o desenvolvimento das formas de vida no planeta. Que pena, entretanto, que não passe de uma vinheta, um esboço inteligente do que poderia ser tornar uma ficção instigante. Pois talento é o que não lhe falta. Talvez o incentivo de um editor, fizesse Mallmann escrever uma história de verdade.
M.R.R. Olivieri é, provavelmente, a mais jovem deste livro. Um bem-vindo sopro de renovação em nossa ficção científica de meia-idade. O conto é “O apanhador do tempo” e narra em primeira pessoa um cientista que encontra o elixir da juventude, em meio à solidão em uma ilha deserta.
Há um sentimento de deja vù, pois o tema do abandono da civilização e, por meio dela, a descoberta de milagres ocultos em lugares afastados, está longe de ser uma novidade. O cientista em questão está sendo julgado, mas não fica claro qual é a acusação concreta que ele sofre. Esta indefinição somada ao tom distanciado e resumido do relato, termina por limitar um potencial dramático maior.
E se a autora me permite, sugiro que altere o seu nome artístico. M.R.R., sinceramente, soa mais como uma sigla enigmática do que a assinatura de uma artista. Simplicidade e objetividade tem um efeito maior, tanto em termos comerciais, como de retenção na memória de seus futuros leitores. Assim sendo, “Márcia Olivieri” seria um nome mais interessante para a continuidade de uma carreira que, espero, esteja só começando.
E o livro termina com o conto de Edgard Guimarães, “O menino que descrescia”. Também é sua estréia literária no CLFC e, ao que me consta, um dos seus poucos trabalhos em prosa, ele que é um prestigiado roteirista e ilustrador de histórias em quadrinhos no Brasil. A premissa do conto é interessante: Uma mulher tem cinco filhos gêmeos, todos com a mesma composição genética, mas nascidos em épocas diferentes, ou seja, de diferentes gestações. O relato se desenvolve não como um texto ficcional, mas como se fosse um artigo em tom acadêmico, daí o peso um tanto exagerado do tom professoral. Isso acaba por diluir qualquer possibilidade dramática ou fantástica. Esta mesma história recontada dentro de um molde literário, pode render uma ficção científica instigante; do jeito que está fica difícil manter o interesse até o fim.
Qual o balanço possível depois da leitura destas duas dezenas de contos? A de uma antologia das mais irregulares e desniveladas em termos de qualidade. De um lado o livro está muito bem produzido, contando, inclusive com o prefácio, as orelhas e ótimas introduções para cada história, a cargo da verve bem-humorada e espirituosa de Alfredo Keppler. De outro lado há problemas de revisão em todas as histórias, a maioria de ortografia. Porém, o mais importante é a análise do conteúdo. E como afirmei no início, a decisão dos formuladores do projeto – não foi só do organizador, mas de outros membros do CLFC – de se eximirem de selecionar as histórias foi um fator responsável por um resultado final aquém do que poderia apresentar.
Olhe o índice e veja os nomes presentes. A maior parte dos principais escritores brasileiros de FC&F dos últimos 20 anos está no livro. Vinte voltas ao redor do Sol é uma das mais representativas antologias da história desta Segunda Onda, mas desperdiça este simbolismo e potencial, por não tratá-la de forma profissional na seleção das histórias, mas sim amadora, no sentido do fã. De se revelar num projeto corporativo para dentro do ambiente do clube. Sem dúvida que esse é um argumento defensável, a de comemorar uma data com contos dos sócios. Mas depois de tantos anos pede-se mais do CLFC do que uma publicação voltada apenas para seus pares.
A decisão de limitar a distribuição para os sócios – sem divulgação e venda externa –, é outra mostra desta visão intramuros, que contribui pouco para um esforço de melhora na qualidade e divulgação da ficção científica escrita em nosso país, tão carente de espaço e oportunidade. A ausência de um projeto editorial mais engajado talvez tenha se refletido na própria postura da maioria dos autores. Ou enviaram histórias antigas – algumas muito boas, é verdade, mais ainda assim já conhecidas – ou então textos novos de segunda categoria dentro da carreira do autor. Tanto é que no livro inteiro, rigorosamente, só há, ao meu ver, duas histórias inéditas realmente boas, “O par” e “A grande obra”. Convenhamos, isso é pior do que um pessimista poderia esperar.
No dia do lançamento do livro, 18 de dezembro de 2005, alguns sócios lançaram a ideia de que o CLFC realize uma antologia anual, ou então uma dentro do mandato de dois anos. Assim como houve uma surpresa positiva quando o projeto deste livro foi anunciado, espero que a ideia de continuá-la em novas edições realmente vingue. Mas também é preciso que os futuros responsáveis das novas antologias tenham uma visão do CLFC como uma associação ‘inter muros’. Isto é, que procure, por meio de uma iniciativa do seio do fandom, realizar um projeto profissional em termos de conteúdo – com seleção das histórias –, e talvez abrindo a participação para escritores não sócios. Com isso, creio, aumentará o alcance da publicação junto a um público maior e poderá ajudar a elevar o nível de qualidade da antologia e, por extensão, da ficção científica brasileira como um todo.
Marcello Simão Branco