segunda-feira, 17 de junho de 2019

Zombi 3 (Zombie Flesh Eaters 2, Itália, 1988)



Também conhecido como “Zombie Flesh Eaters 2”, “Zombi 3” é uma bagaceira italiana no sub-gênero “mortos-vivos” dirigida por Lucio Fulci e Bruno Mattei (não creditado). Tudo é muito confuso e longe de qualquer coerência, desde o roteiro de Claudio Fragasso, um clichê imenso dentro do universo ficcional largamente já explorado sobre as criaturas que retornam da morte, até a bagunça com o título do filme. “Zombi 3” é considerado uma sequência (mesmo sem relação direta entre as histórias) de “Zombie – A Volta dos Mortos” (Zombie Flesh Eaters, 1979, lançado em DVD no Brasil pela “Dark Side”), que por sua vez também era conhecido como “Zombi 2”, numa jogada de marketing picareta insinuando alguma relação (inexistente) com o americano “Despertar dos Mortos” (Dawn of the Dead, 1978, de George Romero). É tudo tão confuso que nem vale a pena gastar energia tentando encontrar alguma lógica nesses títulos.
Um cientista maluco está trabalhando num projeto militar de arma química e depois que um grupo terrorista rouba um poderoso vírus, ocorre uma contaminação numa ilha das Filipinas, com a população se transformando em zumbis carnívoros repletos de feridas pútridas e sangue gosmento escuro. Alguns soldados unem-se com um grupo de turistas e todos lutam por suas vidas refugiando-se num hotel abandonado, combatendo um ataque de zumbis.     
                O filme é ruim, com elenco amador e efeitos toscos, sendo infinitamente inferior ao anterior de 1979, bem mais violento e significativo dentro da história do subgênero do cinema de horror sobre zumbis comedores de carne humana. Sempre esperamos por uma boa diversão no cinema bagaceiro de horror, mas em “Zombi 3” a história é entediante e a enorme quantidade de absurdos, furos no roteiro e cenas risíveis de ataques dos zumbis contribuem para o desinteresse.
Não existe um padrão para os mortos-vivos, às vezes são lentos e pouco ameaçadores, e em outros momentos são ágeis, violentos e letais. Até tem algumas cenas sangrentas, mas que perdem em comparação com outros filmes de Lucio Fulci, um cineasta especialista no gênero e conhecido pelos excessos de violência.
Existem cenas envoltas em quantidade exagerada de névoa, algo compreensível uma vez que o objetivo é aumentar uma já desconfortável sensação de insegurança com os ataques dos zumbis, mas que desaparecem de forma abrupta, evidenciando falhas de continuidade significativas, e uma falta de atenção para detalhes que desrespeita o espectador.
Entre as curiosidades, tem uma cena patética envolvendo uma cabeça decepada zumbi, que escondida numa geladeira, surpreende uma vítima voando para rasgar sua garganta. Cena similar aparece também no posterior “Pelo Amor e Pela Morte” (Dellamorte Dellamore, 1993), outra bagaceira italiana, dirigida por Michele Soavi.
O cineasta Lucio Fulci (1927 / 1996) é bastante cultuado por seus filmes exagerados em violência e sangue, como “Pavor na Cidade dos Zumbis” (1980) e “Terror nas Trevas” (1981). Ele revelou que não gostou do roteiro de “Zombi 3” e filmou cerca de 70 minutos, obrigando os produtores a chamar outro diretor para a conclusão. O escolhido foi Bruno Mattei (1931 / 2007), também conhecido pelo currículo repleto de tranqueiras utilizando pseudônimos, muitas delas no gênero Horror e várias igualmente pouco divertidas.

Os mortos se levantam, matam seus amigos e comem seus corpos.

(Juvenatrix – 03/06/19)

sábado, 1 de junho de 2019

Ao Cair da Noite


Ao Cair da Noite (Just after Sunset), Stephen King. Tradução de Fabiano Morais. 398 páginas. Rio de Janeiro: Editora Objetiva/Suma de Letras, 2011.


Stephen King tem sido publicado com frequência no Brasil há mais de trinta anos. A começar pela carioca Francisco Alves Editora, nos anos 1980 e 1990, a seguir nos anos 2000 pela também carioca Objetiva, e mais recentemente pela paulista Companhia das Letras. Se a maior parte de seus títulos é composta de romances, a maioria de suas histórias são contos e noveletas.
King afirma que escreve contos por duas razões básicas. Primeiro porque gosta; escrever contos serve para o manter ativo, exercitar constantemente a criatividade entre um ou outro projeto literário de maior envergadura, na maior parte das vezes um romance volumoso. Segundo porque afirma — e não é primeira vez que o faz na introdução de uma coletânea — que, ao escrever e publicar histórias curtas, ajuda a mantê-las vivas, já que esta forma literária tem sido cada vez menos praticada, tanto pela dificuldade em si como, principalmente, pelo rendimento muito maior que um romance traz.
Esta é a segunda coletânea de King publicada no país pela Objetiva. A primeira foi Tudo É Eventual,[1]  em 2003, e continha 14 histórias, algumas delas poderosas como, por exemplo, “O Homem do Terno Preto”, “As Irmãzinhas de Eluria” e “Andando na Bala”. Quase dez anos depois, King reúne mais 13 neste Ao Cair da Noite. Há histórias tão boas quanto estas citadas na coletânea anterior? Sim, pelo menos três delas: “A Corredora”, “A Bicicleta Ergométrica” e “n.”
O texto de “A Corredora” é vibrante e angustiante ao mesmo tempo. Uma mulher perde seu bebê, e tudo o que consegue fazer depois é correr. Torna-se uma corredora compulsiva. Claro, é para esquecer que ela assume essa obsessão, ou melhor, para fugir. O casamento entra em crise e ela se refugia na casa de praia do pai, numa cidadezinha da Flórida. Até topar acidentalmente com um psicopata. É espancada, presa e torturada. Sua única chance é se desvencilhar da cadeira em que está amarrada, antes que o seu algoz volte. Ela perceberá que o fato de ter adquirido o hábito diário de correr será fundamental para escapar do maníaco, que, por sua vez, também tem suas manias e fobias. Com um enredo aparentemente simples, “A Corredora” tem o mérito de segurar a leitura de forma igualmente compulsiva (uma das maiores e mais conhecidas virtudes de King), por meio de um ritmo de thriller, além das sutilezas psicológicas de cada personagem também serem parte vital no êxito da história.
“A Bicicleta Ergométrica”, por sua vez, também explora uma premissa simples, a da necessidade quase premente que todos temos de controlar a alimentação. Um ilustrador recebe más notícias do médico, compra uma bicicleta ergométrica, e torna-se fissurado em andar nela. Não no exercício em si, mas nos efeitos psicológicos que provoca, pois ele imagina estar eliminando as funções do próprio corpo, como se operários perdessem o emprego de limpar seu organismo dos excessos alimentares. Desenha uma tela com os “operários” numa estrada e a situação fica cada vez mais “normal” em sua mente. É um conto dos mais perturbadores, e lida com o limite da sanidade e da loucura.
Mas se há um texto de horror abertamente sobrenatural é “n.”, que também lida com questões se saúde mental. Um psiquiatra é procurado por um paciente com toc (transtorno obssessivo compulsivo) e relata seu desespero a partir do encontro com um conjunto de pedras misteriosas achadas numa propriedade abandonada à beira de uma estrada. Elas provocariam efeitos ilusórios e visões aterradoras, como que vindas de uma outra dimensão da realidade. Apesar do tratamento, ele comete suicídio, e a título de comprovar a insanidade do paciente, o psiquiatra vai atrás das tais pedras para descobrir que também está profundamente perturbado pelos acontecimentos. King revela que se inspirou na novela O Grande Deus Pã (1895), de Arthur Machen, mas me veio à mente ecos de Lovecraft. Seja como for, uma história de horror aterradora e de alto nível.
Em Ao Cair da Noite, King trabalha com alguns temas recorrentes, embora o livro não seja uma coleção de histórias de horror no sentido mais tradicional, ou seja, ligada a eventos sobrenaturais malignos. Ao invés, com eventos sobrenaturais ligados à exploração de situações pós-morte. É o caso do conto que abre o livro, “Willa”, uma história triste, em que as pessoas custam a crer que morreram depois de um acidente ferroviário, até que dois deles, um casal, desabafa suas mágoas numa casa noturna. Outro é “The New York Times a Preços Promocionais Imperdíveis”, em que uma viúva recebe o telefonema do finado marido às vésperas de seu funeral, com este descrevendo onde está, sem perceber que já partiu. Mais um é “Ayana”, que lida com a questão do poder de cura milagrosa que algumas pessoas podem possuir e de como esse dom pode se tornar um fardo a ser carregado. Mas o melhor é “As Coisas que Eles Deixaram Para Trás”, em que objetos pessoais de companheiros de trabalho mortos no 11 de Setembro surgem do nada no apartamento de um sujeito que faltou ao trabalho no dia fatídico. King disse que foi profundamente abalado pelos atentados, como, de resto, a maioria das pessoas civilizadas, e escreveu esta bela e tocante história para tentar extravasar seus sentimentos a respeito.
Outra característica constante do autor é colocar os protagonistas em situações improváveis, absurdas, mas teoricamente possíveis em nosso mundo ilusoriamente ordenado. Ele procura lidar com horrores possíveis, e, por isso mesmo, mais assustadores. Temos exemplos neste livro, nas penúrias pelo qual passam os personagens de “Mudo”, e, sobretudo, “No Maior Aperto”. Pode soar como lugar comum, mas quem tiver lido estas duas histórias pensará duas ou mais vezes antes de dar carona a um deficiente auditivo ou, mais prosaicamente, usar um banheiro químico — aliás, algo desagradável por si mesmo.
No conjunto, Ao Cair da Noite é uma coletânea bem temperada em termos temáticos, sustentada pela prosa segura de sempre, além de personagens críveis envoltos com situações tristes ou à beira do desespero. Se há pelo menos três histórias realmente boas, a maioria das outras não fica muito atrás, tornando este livro um entretenimento de horror competente, mesmo que já tenhamos encontrado King em momentos mais brilhantes. Ele continua em boa forma, e isso é melhor do que a maioria dos outros escritores consegue atingir em seus melhores momentos.

– Marcello Simão Branco



[1] Escrevi uma resenha deste livro para o site Scarium Online, disponível em http://www.scarium.com.br/artigos/sombras/simao11.html.