sábado, 25 de abril de 2020

Tijucamérica


Tijucamérica, José Trajano. Capa de Alceu Chiesorin Nunes. São Paulo: Paralela, 2015. 230 páginas.

Todo torcedor de futebol é um apaixonado imerso em suas ilusões, alegrias e, sobretudo, sofrimentos. Mesmo o dos grandes times já teve seus momentos de decepção. Mas em contraponto a elas todos os torcedores, seja de que time for, vive como momento único, glorioso, a vitória sobre o rival, uma goleada inesperada ou o título de seu time querido.
Não é segredo para quem acompanha futebol que José Trajano torce para o América, do Rio de Janeiro. Jornalista experiente e dos mais competentes, ele não engana o torcedor – como outros fazem – ao dizer que gosta de um time de menor expressão para não revelar sua verdadeira paixão por um time grande. Então, imagine o que deve ser a angústia de ser americano. Acho que é ainda pior do que torcer por um time pequeno, que nunca ganhou nada importante, pois se o América nunca foi grande como o Flamengo ou o Vasco, teve bons times e venceu alguns campeonatos em meados do século passado. Eu mesmo vi uma raspa de tacho desta fase, entre o final dos anos 1970 e anos 1980, quando o América engrossava para seus rivais e chegou a ser terceiro colocado no Campeonato Brasileiro de 1986.
Talvez pensando nisso e no desespero de concluir que seu time não voltará mais aos bons tempos – já há alguns anos disputa a segunda divisão do Campeonato Carioca e quase não tem mais torcedores –, é que Trajano resolveu escrever o romance Tijucamérica. Nele é revivida a emoção superlativa e insuperável de ver seu time campeão de novo. Mas não se trata de uma ficção que imagine o reerguimento do América. Trajano foi mais sensato e optou pelo caminho da nostalgia: reviver os gloriosos times e jogadores da melhor época do time. Mas não se trata de um livro de memórias. Não, Trajano resolveu trazer para os dias de hoje os ídolos do passado. Para isso, reuniu uma seleção dos mais poderosos pais-de-santo, espíritas e paranormais que se tem notícia no Brasil. Como nos sonhos mais loucos, pediu para que eles juntassem suas forças e ressuscitassem 25 dos melhores jogadores da história do América.
Depois de muita confabulação surgiram os zumbis do time americano para disputar um Campeonato Carioca extraordinário, fora do calendário oficial. Pois aos mortos-vivos do América seria preciso reviver também os dos outros times! Mesmo após algumas resistências, em especial da cartolagem de times rivais, o Carioca metropolitano, dos velhos tempos voltou em pleno século XXI. Além dos jogadores retornaram também os técnicos e dirigentes mais importantes. Trajano foi eleito presidente e resolveu que o América deveria voltar às suas origens, o bairro da Tijuca, onde viveu seus momentos de conquista.
O leitor familiarizado ou não com futebol já percebeu que estamos diante de uma história fantástica. E que explora como poucas na literatura brasileira de FC&F as possibilidades mágicas do panteão africano. Como ressalta o subtítulo “uma chanchada fantasmagórica”, o livro não resvala para um campo sobrenatural mais tradicional ou sombrio. Ao contrário, é solar, colorido e muito divertido. Pois além do futebol em si traça um retrato revivido inspirado da cena cultural carioca de meados do século passado, com as presenças de vários artistas, como Francisco Alves, Heitor Villa-Lobos, Lamartine Babo, Luz del Fuego, Noel Rosa, Orlando Silva, Tom Jobim, Vicente Celestino, Virgina Lane e muitos outros.
Desta forma Trajano vai narrando a formação do novo América e seu desempenho no campeonato jogo a jogo e é uma delícia ver as escalações dos times, e relembrar muitos craques do passado, inclusive dos outros times. E ao lado disso ele entremeia o texto com comentários e divagações sobre a cena cultural carioca, com muitos causos, boemia, canções e gastronomia de dar água na boca.
Outro aspecto interessante da obra é a da ligação primária dos times com os bairros, que permitiu a formação de muitos deles no Rio e em outras cidades do país, como São Paulo. Assim, a ligação do América com o bairro da Tijuca conferiu identidade a um e a outro, como se fossem uma continuidade. Não é coincidência que a saída do América da Tijuca, no início dos anos 1960, para o bairro do Andaraí, enfraqueceu a ambos, especialmente o clube que nunca mais foi o mesmo: times cada vez mais fracos e perda de torcedores. Unindo Tijuca com América o autor quis ressaltar esta relação umbilical que existe ainda hoje entre times e bairros. Em São Paulo, por exemplo, seria impensável ver o Palmeiras fora da Pompeia, o Corinthians fora do Parque São Jorge, ou a desvinculação do Juventus com a Moóca.
Tenho certeza que Trajano pôde ser feliz de novo com o seu querido América. E o melhor é que ele transmite esta alegria a quem lê e compartilha de sua “chanchada fantasmagórica”. Prova disso é que em seguida ele escreveu um outro romance Os Beneditinos (2018), em que revisita novamente o Rio antigo e se reúne a velhos amigos para voltar a praticar um esporte semelhante ao futebol, o walking futebol, também criado pelos ingleses, em que se joga sem tirar os pés do chão.
Ao ler Tijucamérica fiquei pensando em quem eu gostaria de ver num Palmeiras imaginário. Time grande que é, o Verdão viveu inúmeras glórias, mas eu mesmo passei por uma fase parecida como a do América do Trajano, quando fiquei 17 anos sem ver meu time ser campeão, entre 1976 e 1993. Então, vamos lá, se pudesse gostaria de ver uma formação como esta: 1 – Oberdan, 2 – Djalma Santos; 3 – Luís Pereira, 4 – Waldemar Fiume e 6 – Roberto Carlos; 5 – Dudu; 8 – Jair da Rosa Pinto e 10 – Ademir da Guia; 7 – Julinho Botelho, 9 – Liminha e 11 – Rodrigues. Teria muitos e muitos outros que não vi, mas esta formação seria fantástica, incluíndo Luís Pereira e Roberto Carlos, que eu vi, mas gostaria de saber como seria interagindo com os outros.
Tijucamérica é uma declaração de amor ao futebol e vem a se somar aos pouquíssimos livros que abordam o esporte bretão da perspectiva da ficção científica e do fantástico no Brasil. Eu mesmo organizei a antologia pioneira Outras Copas, Outros Mundos (Ano-Luz, 1998), seguida pelo romance Fáfia: A Copa do Mundo de 2022, de Clinton Davisson (Nexus, 2004), e mais recentemente pelo ótimo romance sobrenatural O Drible, de Sérgio Rodrigues (Cia. Das Letras, 2013) – Peralvo, o craque do romance aparece em Tijucamérica! – e a antologia Futebol: Histórias Fantásticas de Glória, Paixão e Vitórias, organizada por Marco Rigobelli (Draco, 2014). Neste contexto a ficção de José Trajano, em especial, mostra como o potencial do fantástico pode ser bem aproveitado num tema pouco explorado pelo gênero. Um golaço!

Marcello Simão Branco

sexta-feira, 24 de abril de 2020

A Besta de Yucca Flats (The Beast of Yucca Flats, EUA, 1961, PB)


No cinema fantástico bagaceiro existem aqueles filmes que de tão ruins e mal feitos acabam proporcionando entretenimento hilário, sendo cultuados ou constantemente lembrados pelos apreciadores do estilo, justamente pela produção paupérrima, roteiros absurdos, elencos inexpressivos e efeitos toscos, tudo de forma não proposital. E também tem outros filmes com todas essas mesmas características, mas nem ao menos conseguem divertir. “A Besta de Yucca Flats” (The Beast of Yucca Flats, 1961) faz parte desse último grupo, e a única coisa que garante um pouco de diversão é a presença do grandalhão Tor Johnson, sem dizer uma palavra, como o monstro do título. Tanto a direção quanto o roteiro são de Coleman Francis (1919 / 1973), que também colocou sua família, esposa e filhos, para participar do filme, tornando o resultado final ainda mais patético.   
 Na verdade não existe um roteiro, apenas um fiapo, um esboço mal desenvolvido. A história é sobre um cientista soviético, Joseph Javorsky (Tor Johnson, de outras bagaceiras dos anos 50 como “A Noiva do Monstro”, Plano 9 do Espaço Sideral” e “Noite das Assombrações”), que vai para os Estados Unidos no auge da guerra fria, entregar documentos secretos para os americanos, sobre a chegada da União Soviética na Lua. Mas, ele sofre um atentado por agentes espiões da “cortina de ferro” no deserto de Yucca Flats, no Estado de Nevada, onde são realizados testes de armas atômicas. Com a explosão de uma bomba nuclear, o cientista desertor é afetado pela exposição à radiação e se transforma na fera irracional do título.
Vagando a esmo pelo deserto e matando pessoas inocentes pelo caminho, o monstro persegue uma família em férias no local formada pelo pai, Hank Radcliffe (Douglas Mellor), a mãe Lois (Barbara Francis), e os dois filhos pequenos, Art (Alan Francis) e Randy (Ronald Francis). Porém, o cientista distorcido é caçado por uma dupla de policiais, Joe Dobson (Larry Aten) e Jim Archer (Bing Stafford).
“A Besta de Yucca Flats” só tem defeitos, nada se salva, e talvez vale a curiosidade em conhecer essa tranqueira apenas pela presença hilária do ator sueco Tor Johnson no papel da besta assassina. Um narrador (o próprio diretor Coleman Francis) tenta explicar a história, explorando a ideia da paranoia nuclear do conturbado período da guerra fria entre Estados Unidos e a antiga União Soviética, com o medo constante de explosões de bombas atômicas e seus efeitos devastadores, seja diretamente nas ondas de choque ou na exposição de radiação.
Tem uma cena inicial extremamente bizarra e completamente aleatória, não tendo relação com a história. É o assassinato de uma mulher por estrangulamento num quarto, logo após o banho. Só existe para mostrar uma mulher pouca vestida. O excesso de narração é cansativo. As filmagens não tiveram som, todos os poucos diálogos foram inseridos na pós-produção, e não estão sincronizados com as falas dos personagens. O filme é muito curto, apenas 54 minutos, mas que parecem intermináveis. As filmagens tem planos muito longos e arrastados, numa história em que não acontece nada de interessante, passando para o espectador um inevitável sentimento de tédio.
A esposa do diretor, Barbara Francis, faz o papel da mãe da família perseguida pelo monstro. Ela é péssima atriz, sempre agindo como um zumbi, não expressando emoções nem quando os filhos estão desaparecidos, perdidos no deserto. O cientista transformado em monstro pela radiação poderia (e deveria) ser muito mais ameaçador e cruel, e não tão patético. A maquiagem de Tor Johnson deve ser uma das mais paupérrimas da história dos filmes bagaceiros.
Curiosamente, tem uma referência direta para o clássico de Alfred Hitchcock “Intriga Internacional” (North by Northwest, 1959), com Cary Grant, na cena onde um avião em baixa altitude persegue um homem correndo por sua vida pelo deserto.      

(Juvenatrix – 23/04/20)





segunda-feira, 20 de abril de 2020

Plano 9 do Espaço Sideral (Plan 9 From Outer Space, EUA, 1959, PB)


Perdido no limbo do esquecimento junto com uma infinidade de outros filmes de orçamentos reduzidos desde seu lançamento em 1959, “Plano 9 do Espaço Sideral” (Plan 9 From Outer Space) foi descoberto em 1980 por um crítico de cinema que o considerou como “o pior filme de todos os tempos”. Desde então, esse título transformou o filme num objeto de interesse e culto para os apreciadores do cinema fantástico bagaceiro.
Dirigido, escrito, editado e produzido por Edward D. Wood Jr. (1924 / 1978), que também passou a ser percebido dentro do gênero e lembrado eternamente por sua filmografia repleta de produções paupérrimas e mal feitas, em minha opinião o título é injusto, apesar de ter proporcionado um grande benefício de divulgação para o filme. Pois, mesmo sendo extremamente ruim, desde o roteiro fuleiro, atuação amadora do elenco, edição com enormes erros de continuidade e cenários toscos, posso afirmar que já vi muita coisa bem pior, e que na verdade o filme é até divertido para quem aprecia bagaceiras com elementos de horror e ficção científica.
Na história, um homem idoso (Bela Lugosi) morre de tristeza logo após perder a esposa (Vampira, ou a atriz finlandesa Maila Nurmi), e ambos são reanimados no cemitério, voltando de seus túmulos, através de raios elétricos em suas glândulas pituitárias, ativados por alienígenas que pretendem criar um exército de zumbis sob seu controle, para a invasão do nosso planeta. O inspetor de polícia Clay (o grandalhão ator sueco Tor Johnson) também é despertado depois de morto. Os extraterrestres alegam que precisam invadir a Terra para impedir que a humanidade, sempre ávida por guerras e armas de destruição, possa ameaçar o resto do Universo.
Um oficial do exército, Coronel Edwards (Tom Keene), um piloto comercial, Jeff Trent (Gregory Walcott), e o policial Tenente Harper (Duke Moore), entre outros, tentam combater a invasão alienígena liderada pelo soldado espacial Eros (Dudley Manlove) e sua assistente Tanna (Joanna Lee).
 “Plano 9 do Espaço Sideral” é logicamente um filme com muitos problemas. O roteiro tem falhas colossais, mesmo para um tema escapista como invasão alienígena. Tem diálogos risíveis não intencionais, cenários paupérrimos (cemitério, cabine do avião comercial, interior tanto da base quanto da nave alienígena), e efeitos toscos (os discos voadores são tampas de panela penduradas com fios). Mas, como filme bagaceiro que explora o horror e ficção científica, consegue garantir entretenimento sem compromisso, basta desligar o cérebro e relaxar.
As cenas com o Bela Lugosi, mesmo poucas e sem uma única palavra, agregam grande valor ao filme, e todas as sequências com a Vampira e Tor Johnson caminhando lentamente como zumbis ameaçadores são impagáveis. E não poderia faltar a tradicional cena do monstro (no caso, Tor Johnson morto-vivo) carregando nos braços a mocinha (no caso, Paula, a esposa do piloto de avião Jeff, interpretada por Mona McKinnon).     
Como o filme de Ed Wood recebeu muita atenção por suas características de produção bagaceira não proposital, surgiu uma infinidade de curiosidades em torno de sua produção e bastidores. Seguem apenas algumas para registro.
O baixo orçamento foi conseguido por Ed Wood através de um empresário membro da Igreja Batista, que pediu depois para alterar o título original de “Grave Robbers From Outer Space” (Ladrões de Túmulos do Espaço Sideral) para o oficial “Plan 9...”.
O ator húngaro Bela Lugosi, eternamente conhecido como o Conde Drácula no filme americano de 1931 da “Universal”, morreu em 1956 esquecido pela indústria de cinema, e foi Ed Wood que o resgatou no final da carreira oferecendo papéis de “cientista louco” em seus filmes “Glen ou Glenda?” (1953) e “A Noiva do Monstro” (1955). Como ele tinha algumas cenas filmadas com Lugosi para um projeto que não se concretizou, o diretor utilizou essas imagens de arquivo em “Plano 9...”, rodando o restante das cenas com o personagem através de outro ator (mais alto) e sempre cobrindo parcialmente o rosto com uma capa para disfarçar.
O vidente Criswell é o narrador que abre e fecha o filme, alertando de forma sensacionalista a humanidade sobre a possibilidade de invasão alienígena. Maila Nurmi criou a personagem Vampira e foi apresentadora de programas de televisão nos anos 50 que exibiam filmes de horror bagaceiros.
O filme ainda teve uma versão colorizada por computador, lançada em 2006.
Em 1994, o diretor Tim Burton lançou o filme “Ed Wood”, homenageando o criador de “Plano 9...”, mostrando como eram os bastidores de seus filmes toscos e a relação com os envolvidos nos processos de produção. Ed Wood foi interpretado por Johnny Depp, ator bem sucedido e muito requisitado, que apareceu com frequência em filmes de Burton. E Bela Lugosi foi interpretado por Martin Landau (1928 / 2017), outro veterano com carreira significativa. 

(RR – 20/04/20)





sexta-feira, 17 de abril de 2020

O Robô Alienígena (Robot Monster, EUA, 1953, PB)


Para quem aprecia o cinema fantástico bagaceiro, especialmente aquelas tranqueiras de orçamentos minúsculos e fotografia em preto e branco da década de 1950, com roteiros absurdos explorando o tema de invasão alienígena e monstros toscos, é obrigatório conhecer “O Robô Alienígena” (Robot Monster), produção americana de 1953 dirigida por Phil Tucker, sendo um dos filmes mais ruins que se possa imaginar dentro desse gênero que tanto fascina justamente pela precariedade geral.
 O roteiro do chinês Wyott Ordung é extremamente simplório, cheio de clichês e furos. O alienígena Ro-Man (interpretado por George Barrows e com voz de John Brown) chega ao planeta Terra e causa uma destruição geral através de raios cósmicos calcinadores. Porém, apenas uma única família sobrevive ao caos, para a surpresa do monstro invasor do espaço, que precisa reportar suas ações constantemente para seu líder, o Grande Guia (também interpretado pela mesma dupla).
A família fica isolada numa casa de uma região rochosa e vegetação rasteira e é formada pelo pai, o cientista George (John Mylong), a mãe Martha (Selena Royale), o filho pequeno Johnny (Gregory Moffett), sua irmã pequena Carla (Pamela Paulson) e sua irmã adolescente Alice (Claudia Barrett), além do namorado dela, Roy (George Nader), que é assistente do cientista. Eles não morreram no ataque porque são imunes, graças ao soro antibiótico desenvolvido por Roy, e também não são localizados por Ro-Man na casa onde estão refugiados, devido uma cerca elétrica. Porém, o alienígena recebe uma intimação de seu líder para concluir o plano de invasão e matar os últimos humanos sobreviventes, e não contava com o fato de se afeiçoar pela jovem e bela Alice.
“Robot Monster” foi lançado originalmente em 3D e é bem curto, com pouco mais de uma hora de duração. É o típico exemplo em que o cartaz promocional é muito mais interessante e chamativo que o próprio filme. O elenco é amador ao extremo, com péssimas atuações de todos, apesar que é difícil exigir algo dos atores numa história tão patética, que até tem espaço no meio do suposto caos para um casamento hilário entre Roy e Alice. O alienígena Ro-Man certamente é um dos mais ridículos e bizarros monstros do cinema bagaceiro em todos os tempos, com um ator vestindo uma fantasia fuleira de gorila com uma espécie de capacete de mergulho com antenas. Ele utiliza equipamentos “tecnológicos” toscos ao extremo, localizados numa caverna, para a comunicação com o Grande Guia e controle do armamento de destruição.
Curiosamente, existem dois outros títulos originais alternativos, “Monsters From the Moon” e “Monster From Mars”, e então podemos definir a origem do alienígena Ro-Man sendo da Lua ou de Marte, dependendo do título escolhido, fato que não significa grande coisa para uma história carregada de confusão e incoerências.    
O filme também tem várias cenas aleatórias retiradas de outros filmes como “O Despertar do Mundo” (1940) e “Continente Perdido” (1951). São lutas mortais entre animais pré-históricos, como lagartos reais filmados numa perspectiva que os transforma em gigantes, além de dinossauros em efeitos paupérrimos de “stop motion”, tudo em meio a terremotos e desastres geológicos causados pela aniquilação dos raios destruidores dos invasores espaciais. Sem contar que ainda tem uma reviravolta na trama no desfecho, envolvendo o garoto Johnny, e lembrando ideia similar de “Invasores de Marte” (também de 1953). A coleção de bobagens e cenas absurdas não tem fim. Mesmo o filme sendo curto, os realizadores ainda gastaram um tempo excessivo com o alienígena caminhando no meio do nada, para conseguir atingir a metragem mínima.    
Justamente pelo conjunto dessas bizarrices todas é que o filme tornou-se objeto de culto e entretenimento entre os apreciadores do cinema fantástico bagaceiro, além de referência obrigatória quando o assunto for filmes ruins.

(RR – 17/04/20)



sábado, 11 de abril de 2020

Aranhas (Spiders 3D, EUA, 2013)


As aranhas são muita exploradas como tema para filmes com elementos de ficção científica e horror, principalmente quando são transformadas em criaturas gigantes e ainda mais ameaçadoras.
Com produção americana e filmagens em Sofia, capital da Bulgária, para baratear os custos, o filme “Aranhas” (Spiders 3D) foi lançado em 2013, com o propósito de mostrar em três dimensões os ataques desses aracnídeos que geralmente povoam os pesadelos das pessoas.
É mais um daqueles típicos filmes que costumo situar dentro do cinema bagaceiro de horror do século XXI, com monstros gerados por computador e história cheia de clichês e ideias recicladas. Porém, devido essas mesmas características talvez até possa um dia no futuro ser lembrado como uma tranqueira que não agrega, mas poderia divertir, mesmo que apenas um pouco. Num paralelo com os filmes antigos bagaceiros de roteiros absurdos e efeitos toscos produzidos dezenas de anos atrás, e que agora são cultuados e garantem uma diversão hilária.
Uma chuva de meteoros atinge uma estação espacial da antiga União Soviética e destroços caem em direção à Terra, atingindo uma estação de metrô no centro da cidade de New York. Esses detritos espaciais trazem também aranhas que logo se espalham pelos túneis escuros de obras abandonadas do metrô. O controlador de tráfego Jason Cole (Patrick Muldoon, de “Tropas Estelares”) e sua esposa Rachel (Christa Campbell), que trabalha no Departamento de Saúde, tentam investigar a queda do objeto e descobrem a invasão das aranhas, que procuram hospedeiros para depositar seus ovos, crescem de tamanho descomunal e são disciplinadas para proteger a rainha, que se transforma num monstro gigantesco.
Em paralelo, uma conspiração governamental liderada pelo inescrupuloso Coronel Jenkins (William Hope), está por trás de uma obscura pesquisa com as aranhas geneticamente modificadas, para através dos estudos do cientista russo Dr. Darnoff (Pete Lee-Wilson), desenvolver uma couraça super resistente para fins miliares. Cabe então ao casal de heróis tentar evitar a proliferação das aranhas mutantes, proteger sua filha pequena Emily (Sydney Sweeney), e impedir o caos na cidade. 
A direção de “Aranhas” é do húngaro Tibor Takacs, que tem em seu currículo títulos como “984 – Prisioneiro do Futuro” (1982), “O Portão” (1987) e “MosquitoMan” (2005). A história não tem elementos muito atrativos, explorando clichês cansativos com a velha ideia de objeto que cai do espaço trazendo alguma ameaça aterradora para a humanidade, nesse caso aranhas mutantes que crescem e gostam da carne humana no cardápio. Temos o militar arrogante com propósitos obscuros, o “cientista louco” com um interesse bizarro nas aranhas, e o casal típico de heróis que tenta combater a ameaça e salvar a cidade. Tem correrias, perseguições, tiroteios, ação desenfreada, ataques, corpos despedaçados, sangue jorrado e aranhas de CGI com dois metros de comprimento, sem contar a rainha colossal que arremessa carros como se fossem bolas de tênis (e estampa o pôster promocional do filme numa jogada de marketing como sempre exagerada).
“Aranhas” diverte um pouco nas cenas violentas de confrontos, mas como filme bagaceiro de horror, ainda prefiro as tranqueiras mais antigas, com seus monstros de borracha e maquetes.    

(Juvenatrix – 10/04/20)



quarta-feira, 8 de abril de 2020

Lisa e o Diabo (Lisa and the Devil, Itália / Espanha / Alemanha, 1973)


“Uma noite sem luar, esta casa, e uma certa atmosfera. Devo confessar que preferia fantasmas e vampiros, no entanto. Eles são muito mais humanos, eles têm uma tradição a cumprir. De alguma forma, conseguem manter todo o horror sem derramar sangue.” – Sophia Lehar, desconfortável pelo ambiente sinistro da “casa do exorcismo”

No início dos anos 70 do século passado, os filmes com fantasias góticas estavam começando a declinar, após o auge na década de 1960. Eles estavam cedendo espaço para filmes cada vez mais violentos, com o satanismo sendo um tema bastante explorado.
O cineasta Mario Bava (1914 / 1980), eternamente cultuado na história do horror gótico, ainda lançou em 1973 “Lisa e o Diabo” (Lisa e il Diavolo / Lisa and the Devil), mais uma preciosidade desse fascinante estilo, inserindo elementos urbanos e o diabo.
Uma turista americana, Lisa Reiner (a alemã Elke Sommer), se perde no meio de um vilarejo espanhol sinistro com becos estreitos desertos e casas antigas de pedra. Quando a noite chega trazendo ainda mais insegurança, ela solicita uma carona no carro de Francis Lehar (Eduardo Fajardo), que está acompanhado de sua esposa infiel Sophia (a croata Silva Koscina), amante do motorista George (Gabriele Tinti). O carro tem pane mecânica próximo de uma mansão sombria e eles são convidados pelo jovem hospitaleiro Max (Alessio Orano), filho da Condessa (Alida Valli), cega e uma anfitriã bem menos amistosa. Para completar a estranheza do lugar, eles são recepcionados pelo sinistro mordomo Leandro (Telly Savalas), e ainda tem a presença misteriosa de Carlo (Espartaco Santoni), marido infiel da Condessa e pivô de uma história de traição e tragédia familiar.
Mario Bava teve a ideia para o filme se inspirando numa pintura mural com a representação do “Diabo que transporta os mortos”, cuja semelhança física com o Mordomo Leandro é bastante notável. Aliás, o calvo Leandro, que constantemente tem um pirulito na boca para substituir o cigarro, é interpretado por Telly Savalas (1922 / 1994), ator do clássico de guerra “Os Dozes Condenados” (1967) e da divertida bagaceira “O Expresso do Horror” (1972), além de várias séries de TV, sendo um rosto muito conhecido pelos 117 episódios da série policial “Kojak” (1973 / 1978).
Como em todos os filmes do cineasta italiano, temos uma narrativa mais lenta com uma atmosfera perturbadora de pesadelo na mansão macabra, cheia de aposentos enormes, coloridos e mobília antiga. O clima é bem pesado, angustiante, depressivo, desconfortável, que envolve o mistério de uma família bizarra atormentada pela tragédia, desconfiança e insanidade. Não há profusão de sangue, mas as poucas mortes são bem violentas.   
“Lisa e o Diabo” foi lançado em DVD no Brasil em 2015 pela “Versátil”, na coleção “Obras-Primas do Terror – Volume 2”. De material extra veio incluso o documentário “O Exorcismo de Lisa” (2004), com depoimentos interessantes do biógrafo Alberto Pezzotta, do roteirista Roberto Natale (que escreveu o filme, mas curiosamente não foi creditado), além de Lamberto e Rov Bava, respectivamente filho e neto do diretor. Eles comentaram, entre outras coisas, sobre a versão americana lançada em 1975 com o título “The House of Exorcism”, aproveitando o apelo comercial com o grande sucesso de “O Exorcista” (1973), de William Friedkin. A nova versão é basicamente formada pelo mesmo filme “Lisa e o Diabo” anterior, com o acréscimo de cenas de exorcismo de Lisa possuída e a inclusão do Padre Michael (Robert Alda), como um exorcista que tenta livrá-la da influência do demônio. Outra diferença significativa refere-se à exploração das cenas de nudez e sexo, bem mais explícitas.

(Juvenatrix – 08/04/20)




sábado, 4 de abril de 2020

Uma Força Medonha


Uma Força Medonha (That Hideous Strength), C.S. Lewis. Tradução de Waldéa Barcellos, 556 páginas. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012. Lançado originalmente em 1945.

Este é o livro de encerramento da Trilogia Cósmica, ou de Ransom, o mais longo dos três livros e, talvez, o mais controverso. Iniciada com Além do Planeta Silencioso (Out of the Silent Planet, 1938) – resenha aqui –, e continuada com Perelandra (Perelandra, 1943) – resenha aqui.
Uma Força Medonha recebeu o subtítulo “Um conto de fadas para adultos”, pois a possível intenção do autor era apresentar ao leitor adulto o romance mais sobrenatural (ou fantástico) da trilogia, embora fenômenos deste tipo também tenham sido vistos nos dois livros anteriores, além de abordar de uma forma mais explícita o conflito entre o bem e o mal.
Aqui, o linguista Ransom não atua como protagonista. Ganha a cena agora um jovem casal, Mark e Jane Sutddock, recém-casados e à procura de afirmação, profissional e sentimental. Mark é professor de Sociologia numa pequena universidade no interior da Inglaterra, e Jane anseia retomar seu doutorado, insatisfeita com a condição de dona de casa.
O enredo se desenvolve por meio das trajetórias paralelas dos dois, afastados um do outro pelo curso dos acontecimentos estranhos que ocorrem na cidade de Edgestown, mas, sobretudo, pela distância que existe entre os dois. Tanto que passarão quase o livro inteiro separados, e pouco incomodados com isso.
Mark, inseguro e carente por reconhecimento, adentra numa nova organização que se instala na cidade, o obscuro Instituto Nacional de Experimentos e Coordenações (Inec), uma sigla que, a rigor, não quer dizer nada. Mas a ideia é esta: não revelar suas reais intenções até poder se apossar de uma “força medonha”, daí o título do livro.
O Inec compra um terreno não usado pela universidade, e a partir disso vai assumindo o controle da própria cidade: derrubando árvores e alterando o curso do rio, desapropriando os moradores de suas casas, tudo de forma abrupta e violenta. Mark inicialmente não se importa com nada disso – e nem se sua esposa possa ser ameaçada –, pois quer apenas saber que funções terá nesta organização. Aliás, este personagem é irritante com sua atitude subserviente e omissa com as barbaridades, interessado apenas em si mesmo.
Jane, por sua vez, de repente passa a ter sonhos perturbadores, que alteram sua rotina. Como o de um homem preso e depois morto pela guilhotina, que surge vivo apenas com sua cabeça. Ao abrir o jornal no dia seguinte ela lê a notícia de um preso morto, com a cabeça separada do corpo. Sem saber o que fazer – consultar seu ocupado marido nem pensar – ela acaba encontrando casualmente uma amiga, também esposa de um professor da mesma universidade. Este a aconselha a procurar uma certa mulher que poderia ajudá-la. Mesmo contrariada Jane a procura, e esta lhe diz que não há nada de errado com sua saúde, mas que ela é uma vidente, e deve usar esse dom a favor da causa pela qual ela está por trás, num mosteiro situado nas cercanias de Edgestown.
A história alterna os capítulos, com as realizações e planos dos membros do Inec, e a resistência informal que se forma, com ambas as situações sendo mostradas do ponto de vista de Mark, de um lado, e Jane, de outro. Esse aspecto é interessante pois acompanhamos junto com os dois do que se trata afinal tudo isso, sem sabermos de antemão os objetivos de ambos os lados.
Mas Lewis concentra mais a narrativa no desenvolvimento do Inec, a instituição que altera o status quo e provoca a reação dos membros do mosteiro. Formado por velhos cientistas, nas áreas da Física, Química e Biologia, é um lugar sombrio e que oculta suas reais intenções até de vários de seus membros, embora todos compartilhem uma visão de mundo sectária e totalitária. Não é revelado como, mas o Inec tem conexões poderosas com políticos, banqueiros, jornalistas e militares e, com isso, com abertura para agir em nome de suas próprias leis, como se fosse um novo Estado no interior do Estado britânico. Se apodera dos principais jornais, opera uma força paramilitar – chamada eufemisticamente de polícia institucional –, que reprime, prende e tortura os cidadãos de Edgestown que oferecem alguma resistência a esta nova ordem.
Dentro deste contexto cabe a Mark escrever artigos mentirosos aos jornais de Londres, enaltecendo o Inec e depreciando os cidadãos que se opõem, rotulando-os de vândalos e bandidos. No interior do Inec são realizadas experiências “científicas” com animais e condenados pela Justiça, lá encaminhados às escondidas. Querem descobrir vacinas e criar vitaminas para tornar o ser humano mais saudável e inteligente. Neste projeto pobres, doentes e idosos deverão ser exterminados, um estorvo na direção de uma espécie mais “evoluída”. Aqui Lewis, de forma contundente, critica as ideologias racistas e eugenistas de um certo darwinismo social vigente em parte da intelectualidade ocidental entre o fim do século 19 até o tempo em que ele escreveu o livro. Ora, em graus variados viraram políticas públicas em vários Estados nacionais – inclusive no Brasil durante o século XIX –, mas se tornaram o terror desenfreado mostrado no livro especialmente em regimes totalitários, como o nazismo alemão.
Embora Mark faça vista grossa à forma violenta como o Inec funciona, começa a ficar contrariado, primeiro por se prestar ao papel indigno de escrever mentiras, depois ao saber o grau de barbaridades que estão sendo cometidas. Principalmente quando lhe é permitido conversar com o Cabeça. Sim, a cabeça guilhotinada do sonho de Jane está viva, através de conexões com um computador. E é neste aspecto que o romance pode ser mais diretamente relacionado com a ficção científica, além do contato com os chamados macróbios, seres não claramente identificados como alienígenas ou sobrenaturais que, supostamente, orientariam os membros do Inec, para que a humanidade chegasse à condição de uma “realidade superior”. Mas não fica claro se realmente estes seres existem, ou não passa da imaginação delirante de cientistas loucos.
Já em torno do mosteiro se reúnem pessoas com diferentes habilidades, sendo que a de Jane é central pois ela pode vir a antecipar futuros movimentos do Inec. O que as une é a fé cristã, a resistência a uma ‘força medonha’ que quer se apossar definitivamente da Terra (Thulcandra), já corrompida pelo mal e pecado. Nesta missão, quem os aproxima é Ransom, nesta história uma figura quase não humana, um espírito evoluído, mas ainda encarnado, que terá sua última tarefa para tentar salvar a humanidade.
Ora, neste terceiro livro torna-se mais claro o confronto ensaiado nas aventuras vividas em Marte (Malacandra) e Vênus (Perelandra). Mas o que incomoda é esta vinculação da ciência com uma visão niilista e desumana, configurados num regime de terror. Se Lewis critica corretamente a doutrina racista e eugenista de parte da mentalidade da época, exagera ao mostrar uma organização poderosa formada por cientistas com carta branca para realizar todas estas atrocidades, como se o próprio desenvolvimento científico estivesse relacionado com uma visão de mundo deste tipo. Não há o devido contraponto de cientistas e intelectuais que se oponham ao Inec. Onde estão os acadêmicos das universidades de Oxford e Cambridge, as duas maiores do Reino Unido e das mais prestigiadas do mundo?
Dá a impressão que estamos diante de uma polarização entre uma ciência utilitarista e anti-civilizatória, contra os religiosos – e só cristãos –, e estes que tem por missão salvar o mundo, e os valores do amor, solidariedade e moralidade. Ora, mas o que o mundo mostra, primeiro no Renascimento e sobretudo com o Iluminismo é que os valores da individualidade e da razão se opuseram aos valores da submissão e do sobrenatural, configurados pela associação do cristianismo com o poder político. Lewis veria como corrompido o mundo pós-iluminista por separar a esfera de ação humana do julgo religioso? Veria a economia de mercado e o conhecimento científico como males da modernidade? Não fica claro se ele radicaliza a este ponto, e creio que não, mas da maneira como apresenta fica uma sensação incômoda de anti-modernidade, de defesa de um certo romantismo a um mundo regressivo que não existe mais.
No plano narrativo ocorrerá o óbvio confronto, mas surpreende que a figura responsável pelo desfecho será o mitológico mago Merlin. Sim, ele mesmo, revivido não se explica como depois de séculos enterrado no terreno da faculdade, por isso comprado pelo Inec. Os dois lados lutam para reviver Merlin primeiro, para trazê-lo para o seu lado e ter mais chances de vitória. Outra surpresa é a quase ausência dos seres espirituais dos romances anteriores, os eldila, que atuam de forma muito tênue, através da liderança de Ransom.
Uma Força Medonha é o mais denso e ideológico dos três livros, e aquele que mais depende dos outros para ser melhor compreendido. Já havia sido publicado em Portugal em 1991 pela coleção FC Europa-América, nos. 185 e 186, como Aquela Força Medonha, e só apareceu uma tradução no Brasil com esta edição da Martins Fontes, cerca de vinte anos depois – mais recentemente foi publicada uma nova edição pela Editora Thomas Nelson Brasil, como Aquela Fortaleza Medonha, em 2019.
Apesar de tomar partido de uma visão anti-moderna, embora não necessariamente medievalista, o romance é forte e se mantém, principalmente, por sua estrutura narrativa bem organizada, a presença de personagens densos e complexos, que acabam por justificar a leitura e a conclusão da trilogia.

Marcello Simão Branco

sexta-feira, 3 de abril de 2020

No Mundo de 2020 (Soylent Green, EUA, 1973)


“As pessoas sempre foram ruins, o mundo é que era bonito.”
– policial Solomon Roth

No Mundo de 2020” (Soylent Green) é um filme futurista americano produzido em 1973, dirigido por Richard Fleischer (1916 / 2006) e com elenco de grandes nomes como Charlton Heston (1923 / 2008) e o romeno Edward G. Robinson, que curiosamente faleceu logo após as filmagens aos 79 anos. O roteiro é de Stanley R. Greenberg, inspirado na história “Make Room! Make Room!” (1966), de Harry Harrison.
Ambientado mais precisamente em 2022, nosso planeta está totalmente poluído, com os recursos naturais esgotados e enfrentando uma grave crise com superpopulação. A cidade de New York tem quarenta milhões de habitantes e o mundo passa fome, com as pessoas pobres e desamparadas sendo apenas alimentadas por tabletes chamados “verde soilente” (do título original), obtidos a partir de algas dos oceanos. E apenas uma pequena parte da população rica tem acesso à comida “de verdade” como frutas e carnes.
Esse alimento industrializado é fornecido em monopólio por uma empresa onde um de seus diretores, William R. Simonson (Joseph Cotten), é encontrado misteriosamente morto em seu apartamento de luxo. O policial Thorn (Charlton Heston) é o encarregado das investigações, auxiliado por seu companheiro veterano Solomon Roth (Edward G. Robinson), com quem mora e sempre conversa sobre o passado recente da humanidade, quando a natureza ainda estava viva e existiam rios, peixes, animais, flores e árvores.
Durante as investigações, Thorn entra em contato com o suspeito guarda-costas do falecido, Tab Fielding (Chuck Connors), e conhece a bela jovem Shirl (Leigh Taylor-Young), uma “alugada”, empregada que fazia parte do aluguel do apartamento e servia também de acompanhante para o inquilino. Ao descobrir que o rico empresário foi na verdade assassinado, Thorn desperta a ira de pessoas importantes do poder econômico e político da cidade, com seus interesses obscuros ameaçados, principalmente o Governador Santini (Whit Bissell), ao mesmo tempo em que também descobre um segredo terrível envolvendo a matéria-prima do “verde soilente”.
“No Mundo de 2020” apresenta uma distopia perturbadora, com a Terra devastada pelo efeito estufa, natureza em decadência, um lugar onde os rios, animais e plantas são coisas do passado, e a humanidade enfrenta a fome e falta de espaço nas grandes cidades. Há escassez de água, comida, papel, energia, saneamento. Não existe dignidade mínima de sobrevivência. Nesse cenário aterrador, apenas os ricos usufruem de luxos como sabonete e água quente, ou comer frutas e carnes.
O elenco é de primeira linha e os destaques certamente são as interpretações de Charlton Heston (com excepcional currículo que inclui o clássico “Planeta dos Macacos”) e Edward G. Robinson, numa ótima interação entre eles, criando empatia com o espectador preocupado com seus destinos num ambiente de caos. 
Para os apreciadores de cinema, sempre existem algumas sequências de filmes que ficam eternizadas em nossa memória até o fim de nossos dias. A grande maioria não fica armazenada e rapidamente é descartada, às vezes logo em seguida ao terminarmos de ver os filmes. Porém, ao contrário, tem momentos que ficam gravados para sempre em nossa mente. Como é o caso para mim de uma sequência poética de “No Mundo de 2020” sobre o “asilo”, com o roteiro explorando a ideia de eutanásia como forma de minimizar os efeitos da superpopulação, também numa relação com o misterioso “verde soilente”. O policial idoso Solomon, cansado da degradação do planeta e de viver apenas com as boas lembranças do passado, decide livre e espontaneamente visitar o “asilo”. Lá, ele é muito bem recepcionado e depois de fazer uma rápida entrevista sobre suas preferências de cor e tipo de música, vai para uma sala especial ver um vídeo em tela grande, com belíssimas imagens da natureza que dava vida à Terra, ao som da sinfonia “Pastoral”, de Beethoven. Essa sequência deveria ser vista por todos e sempre, como uma mensagem para talvez a humanidade evitar que a realidade do filme possa se tornar verdade no futuro e que a natureza possa ser respeitada nesse planeta.
Foi lançado em DVD por aqui pela “Versátil Home Video”, na Coleção “Clássicos Sci-Fi – Volume 2”. 

(Juvenatrix – 02/04/20)