Perelandra
(Perelandra), C. S. Lewis.
Tradução de Waldéa Barcellos. 302 páginas. São Paulo: WMF
Martins Fontes, 2011. Lançado originalmente em 1943.
Perelandra
(Viagem à Vênus) é o segundo romance da Trilogia Cósmica,
ou de Ransom. Como o próprio autor informa no início do livro pode
ser lido de forma independente. Mas se feito na sequência faz mais
sentido para acompanharmos o desenvolvimento da trilogia criada por
Lewis.
Depois
de voltar de Marte (Malacandra para os habitantes do planeta) Ransom
retoma seus afazeres acadêmicos, mas sabe que pode ser convocado
pelos eldilas – espíritos evoluídos vistos em Malacandra – para
cumprir uma missão para a evangelização cósmica, conforme já
havia sido dito a ele em Além do Planeta Silencioso - resenha aqui. Em todo
caso, ele é surpreendido com relação ao seu novo destino, pois é
levado a Vênus (Perelandra), e não sabe o que deve fazer exatamente
por lá.
Ransom
se depara com um mundo novo, em processo de construção, e com uma
extraordinária vitalidade em seu ecossistema. Tal característica já
havia sido vista de forma bela em Malacandra, mas aqui estamos diante
de uma natureza (fauna e flora) em intensa transformação. Assim, a
maior parte da superfície é aquática, circundada por milhares de
pequenas ilhas flutuantes, onde se desenvolve a vegetação e formas
de vida animal.
Após
explorar parte desta natureza Ransom conhece a Dama Verde, uma mulher
misteriosa, com o qual vai travar longos diálogos, em torno de se
situar neste mundo, trocar informações e partilhar valores. Na
verdade, a mulher – nua, assim como Ransom, levado assim ao planeta
– (depois renomeada de Rainha) é a primeira e única do novo
mundo. Ela procura reencontrar o Rei, de quem se perdeu em meio às
turbulências climáticas. Mas Ransom só percebe o propósito de seu
contato, quando aterrissa no planeta o físico Weston, justamente um
dos dois sujeitos que o sequestraram para Malacandra.
Weston
é o antípoda de Ransom: egoísta, materialista, inescrupuloso, e
cientista. Pretende ocupar Perelandra com o objetivo de
liderar uma colonização humana. Aqui se estabelece uma polêmica,
pois é dado a entender de que por meio do conhecimento científico,
que supõe-se superior a outros, se justificaria a expansão humana
em escala cósmica, mesmo que prejudicando o destino de outras formas
de vida. É provável que tenha havido menos que uma crítica ao
desenvolvimento científico em si – como Lewis passou a ser acusado
a partir deste livro, especialmente nos Estados Unidos –, mas
ao uso instrumentalizado e politicamente imperialista
da ciência e tecnologia. Afinal, ele era irlandês, parte da cultura
anglo-saxã responsável por colonizar povos em todo o mundo durante
alguns seculos. (E não deixa de ser irônico de que no momento em
que o livro foi escrito o Reino Unido estava quase por cair sob o
império nazista).
Ao
longo do livro haverá um embate entre as ideias pacíficas e
humanistas de Ransom e as egoístas e bélicas de Weston, em torno da
figura da Dama. Ora, como já deve estar claro, Perelandra é
uma alegoria sobre o Gênesis, seção do Velho Testamento. A Dama
representa Eva, e o Rei, o primeiro homem, Adão. A missão de
Ransom, então, é evitar que o novo mundo, belo e inocente, seja
corrompido, como acabou acontecendo com a Terra (Thulcandra, para os
eldilas). Pois através da construção de um novo
Paraíso, que não se deixe levar pelas tentações do prazer, da
vaidade e do poder, Perelandra possa se tornar o que Thulcandra
poderia ter sido. Um mundo que sucumbiu a todos os tipos de pecados,
moralmente corrompido e espiritualmente decaído e, por isso,
silencioso, isolado da comunhão celestial. Por outro lado, é
interessante pensar que embora Lewis não tivesse conhecimento de
como Vênus é na realidade, possa existir uma ironia embutida: a
Terra, um paraíso em termos de natureza sucumbiu ao vício e ao
pecado do homem; Vênus, um inferno em termos de natureza, deve
emergir como o novo paraíso da virtude e da bondade.
Assim
como no primeiro da trilogia este livro também tem uma estrutura
metalinguística embutida, pois quem narra os feitos de Ransom não é
ele em primeira pessoa, mas um amigo dele que não é ninguém menos
que o próprio C. S. Lewis. Outro aspecto curioso, é que Ransom
viaja a Vênus num caixão, como se morresse e fosse renascer num
novo mundo. Ainda mais por ser Perelandra, é como se Ransom
despertasse no Paraíso. Aqui, como se percebe, não há nenhuma
preocupação racional ou
tecnológica em como justificar a viagem interplanetária. Ao invés,
ressalta-se a opção mais espiritualista, ou mesmo sobrenatural.
Esta
é a segunda edição em língua portuguesa de Perelandra, e a
primeira no Brasil. O livro foi publicado em Portugal pela Coleção
FC Europa-América, no. 179, em 1991, como Perelandra Viagem a
Vênus – que foi o título que recebeu numa das edições
publicadas nos Estados Unidos nos anos 1950. Mais recentemente, em
2019 a editora de livros cristãos Thomas Nelson publicou Perelandra,
junto com os outros dois livros da trilogia: Além do Planeta
Silencioso (Out of the Silent Planet) e Aquela Força
Medonha (That Hideous Strenght).
Este
romance tem uma discussão teológica cristã evidente, especialmente
da metade para o final, e chega a ficar um pouco chato
e cansativo, pois carece de ação e drama, ao se concentrar demais
na discussão e depois no desdobramento das opções apresentadas ao
Rei e à Rainha, de que rumo seguir na construção do novo mundo.
Apesar de ser um bom prosador Lewis acaba exagerando, tornando o
livro quase que uma peça de defesa proselitista do cristianismo.
Mesmo assim,
no conjunto, apesar destes problemas, Perelandra vale a
leitura, em termos da riqueza filosófica que apresenta, das
discussões sobre a condição moral da humanidade e, não menos
significativo, da narrativa da construção de um mundo rico e
diversificado, cheio de imagens belíssimas.
– Marcello
Simão Branco
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