O
Mundo dos Draags (Oms em Série), Stefan Wul. Tradução de Mário
Henrique Leiria. Capa de Lima de Freitas. 155 páginas. Lisboa:
Edição Livros do Brasil, Coleção Argonauta, no. 64, 1961. Lançado
originalmente em 1957.
Este
é o quarto romance do autor publicado na célebre coleção Fleuve
Noir nos anos 1950 e, mais uma vez, temos como pano de fundo uma
ameaça ao destino da humanidade. Tal situação já havia sido
tratada em Regresso a Zero (Retour à “0”) (1956) e
Pré-História do Futuro (Niourk) (1957),
respectivamente, seu primeiro e terceiro romance. Em Regresso a
Zero através de um confronto catastrófico entre a velha Terra e
o emergente poder de uma Lua rebelde habitada por criminosos. Já no
segundo o reerguimento da humanidade após um apocalipse nuclear que
dizimou quase toda a civilização.
Agora
com O Mundo dos Draags a humanidade encontra-se em xeque, numa
posição inferior e indigna. Somos apresentados ao mundo de Ygam
onde a espécie dominante chamada draags escraviza os humanos –
chamados de oms – não como serviçais, mas pior que isso, como
animais de estimação, considerados como estúpidos e pouco
inteligentes. Será esse nosso possível destino no caso de um
contato com uma espécie alienígena tecnologicamente mais avançada,
belicosa e, eventualmente, mais inteligente? Realmente me incomodou
ver nossa espécie sendo humilhada, numa relação paternal e
opressiva. E num certo sentido talvez
possamos dizer que este livro despretensioso de Wul tenha
influenciado o bem
mais reconhecido O Planeta dos Macacos (La
Planète de Singe) (1963), do também francês Pierre Boulle
(1912-1994), embora não com uma dominação alienígena, mas de
uma espécie de nosso próprio planeta.
Os
draags invadiram a Terra em nosso futuro, mas já distante da época
em que se passa a história. Levaram para seu planeta seres humanos,
considerados como passivos e resignados. Havíamos chegado a uma
condição de bem-estar material consolidado que, gradativamente, nos
teria deixado fracos para lutar, acostumados com muitos anos sem
rivalidades ou problemas sérios a resolver.
O
início da história nos mostra a vida de um om domesticado, cuidado
com carinho, mas subjugado apenas como estimação para famílias e,
principalmente, crianças. Os draags têm a aparência semelhante
à de sapos enormes, cerca de cinco vezes a altura de
um om adulto. Depois de séculos de escravidão, por meio da fuga de
um jovem om, Wul nos conta a lenta saga de resistência que emergirá
entre os oms, que sem os donos, vivem em pequenos grupos nos esgotos,
parques, lugares ermos da grande metrópole de Ygam.
Através
da liderança de Terr – mostrado no início da história – os oms
organizam-se crescentemente, unindo-se em coletivos cada vez maiores
e mais articulados. Um dos meios para que eles readquirissem o gosto
pelo conhecimento era através
de fones de ouvido, usados para alfabetizar as crianças
draags, que eles roubavam.
Contudo,
apesar dos alertas seguidos de Singh, um dos mais prestigiados
cientistas draags, de que os oms não deviam ser subestimados, pois
estavam readquirindo sua inteligência e capacidade de rebeldia, os
draags só o levaram a sério quando era muito tarde. Isso porque os
oms, por causa da escravidão e conforto lhes imposta pelos draags,
recuperaram seu desejo por liberdade, novamente lutando por sua
sobrevivência para se organizar como seres autônomos e dotados de
razão.
Sendo
Ygam um planeta enorme em comparação com a Terra – com uma
superfície distribuída por cinco continentes, três deles
artificiais, construídos pela tecnologia draag, os oms conseguem se
refugiar num velho porto abandonado e organizar-se numa sociedade.
Assim, eles constroem
três navios e navegam em direção a um dos dois continentes
naturais, pouco habitados pelos draags.
Como
já deve antever o leitor presume-se um confronto entre as duas
civilizações, agora praticamente invertendo a situação: os
conquistadores draags acomodados e sem disposição para a luta e os
oms renascidos em sua busca por dignidade e liberdade. Podemos dizer
que estamos diante de uma metáfora sobre racismo, numa crítica ao
imperialismo europeu – e francês em particular – com relação
aos povos conquistados pela força militar e discriminados por uma
suposta – e na verdade absurda – superioridade cultural.
Mas
Wul não problematiza questões como estas, escreve como que com um
impulso natural e irresistível, dando a impressão – como já
visto em outros de seus livros – de não planejar o enredo. Assim,
a força da história repousa na fluência narrativa e na
movimentação dos acontecimentos, sobressaindo o pleno
entretenimento. Em todo caso, nota-se em O Mundo dos Draags um
subtexto político mais presente do que nos livros anteriores.
Notável
e instigante como os outros, é digno de registro que também foi
publicado no Brasil como O Cativeiro Humano, pela Tridente
Edições e Artes Gráficas, coleção FC no. 5, em 1970. Além disso
recebeu também uma interessante adaptação ao cinema de animação
em 1973, com o título de La Planète Seuvage (Fantastic
Planet, em inglês), dirigido em tons psicodélicos e
surrealistas bem à moda dos anos 1970 por René Laloux. Bem recebido
pela crítica levou o Prêmio do Jurí do Festival de Cannes de 1973.
Tive a sorte de conseguir uma cópia da versão em inglês, mas não
foi lançado no mercado audiovisual no Brasil, embora
seja possível assisti-lo na internet.
Em
suma, O Mundo dos Draags é mais uma das aventuras pulps de
Stefan Wul, embora aqui o tom de crítica social e subtexto político
tenha um pouco mais de espaço do que seus três livros anteriores,
de tonalidades mais fantásticas e delirantes.
– Marcello
Simão Branco
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