sexta-feira, 17 de junho de 2022

Invasão!

Invasão! (Footfall), de Larry Niven e Jerry Pournelle. Tradução: Ana Paula Simões Silva. Capa: Antônio Jeremias. 649 páginas. Rio de Janeiro: Francisco Alves Editora, Coleção Mundos da Ficção Científica, n. 45, 1989. Lançamento original de 1985.

 


Este é, provavelmente, o maior romance sobre o tema da invasão alienígena já escrito. São quase 700 páginas na versão brasileira, ante 495 da norte-americana. Este tamanho não é casual, pois a proposta dos autores é contar uma história de tons épicos, ao mesmo tempo dramática e realista, apesar de ser ficção científica.

Em maio de 1995 astrônomos baseados no Havaí percebem que há uma nave alienígena em direção à Terra. Na verdade, os extraterrestres se estabeleceram no Sistema Solar em setembro de 1976, quando orbitaram o Sol e se dirigiram para uma lua de Saturno, onde ficaram escondidos. Ocultos, terminaram pacientemente os preparativos para o objetivo final da missão: invadir e viver em outro planeta, a Terra, escolhida por dois motivos práticos. O planeta que oferece as condições de vida mais semelhantes à de seu mundo na estrela mais próxima. Que ele já seja habitado, não é objeto de consideração moral por parte deles. Se irão alterar ou destruir formas de vida do planeta e, mesmo, modificar sua própria atmosfera.

Os fithp, seres semelhantes a filhotes de elefantes, com duas trombas frontais e couraças nas costas, se locomovem de forma ereta, chegando a cerca de três metros. São originários de um planeta de Alfa Centauri, a estrela mais próxima da Terra, planeta que eles chamam de Winterhome. Resolveram deixar seu habitat, chamado por eles de Homeworld, por causa de uma guerra global em que os que perderam tiveram como punição o exílio. Isso, apesar de, como eles dizem, a vida ter ficado inviabilizada em seu mundo. Viajaram numa nave gigantesca, com cerca de 2.500 km de extensão e 600 m de largura, se dividindo em duas categorias: os sleepers (os que saíram do planeta) e os spaceborn (os que nasceram na própria nave durante a viajem e a conduziram a seu destino), também chamados de o rebanho viajante. A missão começou, pelo tempo da Terra, em 1915. Ou seja, levaram 80 anos para completá-la.

A descoberta da chegada de uma civilização extraterrestre é explorada de forma verossímil, numa mistura de grande expectativa e incerteza. Quem são eles? De onde são e por que vieram? Seriam pacíficos ou não? No mundo de Niven & Pournelle a Terra ainda vive a Guerra Fria, com grande rivalidade entre os EUA e a URSS. E em parte devido a este contexto conflitivo, não se constrói uma convergência comum para lidar com a questão, tão inédita como potencialmente perigosa. Alguns políticos e militares – de ambos os lados – chegam mesmo a achar que um dos lados poderia se aliar com os alienígenas, e propõe até um ataque nuclear preventivo contra o inimigo. Por cerca da metade do livro, militares e políticos dos dois lados planejam suas duplas estratégias: 1) como lidar com o possível invasor? e 2) como lidar com o inimigo interno? Mas com a iminente chegada dos fithp, um deputado norte-americano – entusiasta da exploração do espaço –, é convidado para ir à Kosmograd, a estação orbital soviética, que serviria como primeiro elo de contato com os visitantes.

Em abril de 1995 a Thuktun Flishthy parte da lua de Saturno e, um mês depois, chega à Terra. Destrói a Kosmograd e não responde às tentativas de comunicação humana que, aliás, já estavam sendo feitas desde a sua descoberta. Com isso, para espanto e choque, a humanidade percebe que está sendo invadida, e nada mais será como antes em sua história.

Como já dito, é um romance massivo e que dá voz a dezenas de personagens – tem até uma lista deles e que não inclui todos! São muitas situações e histórias de vida entremeadas, numa estrutura de enredo que lembra o de uma telenovela. Até a invasão propriamente dita, por exemplo, cerca de um terço é dedicado às estratégias de mobilização e às vidas cotidianas de várias pessoas. É, assim, uma espécie de romance mosaico que tira sua força, principalmente, do tema maior, mas com particularidades da vida de pessoas comuns, algumas delas desnecessárias.

Contudo, o tipo de invasão dos fithp não é dos mais convencionais. Eles estabelecem sua supremacia do espaço. Com sua poderosa nave e dezenas de outras menores, disparam raios laser para destruir a infraestrutura e as instalações militares, principalmente dos EUA e da URSS. Assim, estradas, pontes, represas, sistemas de comunicação e energia são dizimados. Isso desestabiliza quase totalmente a rede de comando militar e a presença do Estado, levando à confusão, desinformação, desmobilização e anarquia. Os alienígenas estabelecem uma base inicial no estado norte-americano do Kansas, que é posteriormente destruída – assim como todo o território –, com mísseis intercontinentais soviéticos, numa ação conjunta dos dois antigos rivais. A estratégia dos invasores não é uma invasão terrestre clássica, mas sim subjugar os humanos e fazê-los de escravos, ou como eles dizem, novos membros do rebanho viajante.

Um aspecto curioso do livro é a presença de escritores de FC. Convocados pelo presidente dos EUA, eles formam “A Equipe da Ameaça”, um grupo de especialistas para aconselhamento sobre as razões da invasão e o possível comportamento dos alienígenas. Uma homenagem é feita explicitamente a Robert A. Heinlein (1907-1988), na figura do líder do grupo, o escritor Robert Anson. O perfil mostrado dos autores de FC no livro é de pessoas inteligentes e um tanto impertinentes e arrogantes. Estaria próximo da verdade ou, no fundo, é inconscientemente como Niven & Pournelle se enxergam?

De outro lado, os fithp também têm seus especialistas no comportamento da ‘presa’, como eles chamam os humanos. Contudo, o grau de conhecimento deles é muito pequeno, sendo constituído praticamente depois do contato inicial. Ora, por que não houve um grupo de pesquisa sobre a humanidade desde a chegada, dezenove anos antes? Talvez por se acharem muito superiores. Mas, aos poucos, com a convivência com os humanos que fazem de prisioneiros, percebem que cometeram um erro.

Os elefantídeos têm uma mentalidade de comportamento coletivo. Não tomam decisões importantes de forma individual, mas sempre em relação ao grupo a que pertencem. Não necessariamente através de consultas, mas respeitando as tradições e a ética entre eles. Além de se subdividirem entre os nativos – que detém a liderança – e os viajantes, há entre estes os dissidentes. Este subgrupo se insurge e questiona a invasão de outro planeta. Defendem que eles vivam no interior da nave, já que não conheceram outro ambiente de vida. Assim como a decisão tomada de invadir um mundo já habitado sem consideração moral alguma sobre as consequências, o motivo deles também é prático.

Como parte do plano de dominação, os alienígenas atiram um ‘foot’ em direção à Terra – um enorme meteoro que cai no Oceano Índico e destrói a Índia, além de provocar maremotos e chuvas globais de água salgada. Com isso, bilhões de seres humanos e animais são mortos e o próprio clima se torna mais temperado, bem de acordo com o de Homeworld. Tudo isso para que eles, possam viver na superfície da Terra, por isso, aliás, nomeada por eles de Winterhome – o mesmo nome de sua estrela de origem.

Parece que tudo está perdido, mas, secretamente, o governo dos EUA planeja e executa a missão Orion: a construção de uma nave espacial – chamada de Michael – cheia de armas laser e ogivas nucleares para combater os fithp. O nome não é casual, pois faz uma ilação óbvia com a passagem bíblica da expulsão de Lúcifer do Paraíso. É vencer ou perecer.

Invasão! contribui de forma efetiva para o subgênero, de certa forma, atualizando A Guerra dos Mundos (The War of the Worlds; 1898), de H.G. Wells (1866-1946), o clássico de referência sobre o assunto. Se não tem a originalidade e o brilho literário do inglês, a dupla norte-americana é competente na condução de uma história cheia de drama, suspense e reviravoltas. O que talvez tenha ficado datado para além do necessário é o clima de rivalidade e paranoia da Guerra Fria, e os autores poderiam ter feito um esforço especulativo melhor sobre os desdobramentos deste contexto, já desacelerado quando escreveram o livro.

Este romance, em nossa língua, apareceu primeiro em Portugal, com o título de A Pegada (tradução literal), em dois volumes pela Gradiva, em 1987. Foi finalista do Prêmio Hugo 1986 e best-seller do The New York Times por semanas, e não foi a primeira parceria entre Larry Niven e Jerry Pournelle (1933-2017). Antes escreveram outro romance de FC apocalíptica, Lucifer´s Hammer (1977), sobre um cometa em rota de colisão com a Terra, e também The Mote in the God´s Eye (1974), sobre contato com alienígenas, num contexto de futuro distante. Ambos também bem recebidos pelos críticos e leitores. Estes autores, cada um com uma carreira solo importante, especialmente Larry Niven, fazem parte de uma corrente à extrema direita na FC norte-americana, abordando em suas ficções contextos favoráveis ao capitalismo, contra o Estado e com individualismo extremo. Tal postura os fez, inclusive, a participar dos governos republicanos de Ronald Reagan (1981-1989) e de George W. Bush (2001-2011), na condição de conselheiros de política externa.

Outra reflexão interessante de Invasão! é a de que não há base racional para considerarmos que uma civilização extraterrestre tecnologicamente muito mais avançada do que a nossa seria, necessariamente, pacífica. Tal tese foi muito aventada nos anos da Guerra Fria, lembro de Carl Sagan (1934-1996), a defendendo, de que uma condição necessária para a conquista do espaço, deveria passar pela superação de nossos problemas políticos e morais. Ora, mas em nossa própria História a norma é a de povos tecnológica e militarmente mais avançados conquistarem, dominarem e, mesmo, destruírem, os povos nativos. Claro que não devemos imaginar que seres de outros lugares do universo se movam pela mesma lógica e ação, mas também não temos como assegurar o contrário. Assim, Niven & Pournelle, com sua veia militarista e politicamente conservadora, estabeleceram um contraponto importante, neste debate candente, especialmente naquela época. Gostemos ou não de suas motivações ou visão de mundo.

 Marcello Simão Branco