terça-feira, 25 de outubro de 2022

Curva de argumento

 


Miguel Carqueija

 

            Em pleno Porto Espacial de Jacarepaguá, o Capitão Barbosa e seu imediato Zé Peroba caminhavam pela Alameda J das lojas. Barbosa ia fazendo compras e aos poucos enchendo a sua mochila de couro. A certa altura virou-se para o outro e indagou:

            — E afinal, Peroba, você não vai comprar nada?

            — Com que dinheiro, Capitão? — respondeu o imediato, com cara de réu.

            — Ora essa, com o seu!

            — Capitão Barbosa, o senhor ganha dez vezes mais do que eu, e além disso...

            — Que dez vezes o que! São só oito! Ou você esquece que eu sou o comandante da Antaprise? Não posso ganhar salário de mendigo!

            Qualquer resposta do Peroba ficou entalada na garganta. Barbosa prosseguiu:

            — Já gastou todo o seu salário?

            — Bem, capitão, sabe aquele joguinho...

            — É por isso que eu não jogo! Que isso lhe sirva de lição! Ah, vamos ver aqueles mangás ali!

            Entraram os dois numa mangazeria. Ler quadrinhos japoneses era uma das manias do velho Barbosa. Peroba suspirou de enfado, já preparado para passar horas naquele estabelecimento.

            O velho Isolino, dono do negócio, quase grunhiu, pois Barbosa demorava muito para escolher, ficava olhando centenas de mangás. E realmente já estavam lá há quase uma hora quando subitamente, ao tentar puxar um número de “Confusão cósmica”, Barbosa esbarrou com outra mão. Voltou-se e deparou...

            — Arquibaldo!

            — Barbosa!

            — Que faz aqui? Largue o meu mangá!

            — Que quer dizer? Largue você! Eu peguei primeiro!

            — Sem essa! Eu peguei primeiro!

            — É meu!

            — Não, seu pilantra, é meu!

            — Pilantra é você! Lembro muito bem da barbeirada que você fez há dez anos, danificando a Antaprise...

            — Você é que fez a barbeiragem! O meu papagaio de estimação ficou gago de susto...

            — Senhores, por favor — interveio o Isolino — não rasguem a revista! Me dêem isso aqui!

            Isolino pegou a revista e colocou-a na caixa, aos cuidados da Arlete.

            — Um deles vai comprar. Guarde enquanto isso!

            Zé Peroba se aproximou da caixa, interessado em puxar conversa. Afinal, ela era uma senegalesa linda...

            — Parado aí! Nem pense em se apossar do mangá!

            Peroba se virou: era o Bicudo, primeiro oficial do Capitão Arquibaldo.

            — Você também por aqui?

            — E daí? Você também, não é?

            — Por favor, senhores! — exclamou implorativamente o dono do local, vendo que os quatro estavam prestes a se engalfinharem por causa de uma revista. — Só restou esse exemplar desse número, mas posso encomendar outro... vocês já espantaram todos os fregueses...

            — Pois eu não vou esperar! Eu quero esse! — gritou o Capitão Barbosa.

            — Egoísta! Eu é que não vou esperar! Eu quero esse!

            Arquibaldo e Barbosa agarraram-se mutuamente e foram ao chão, derrubando uma estante repleta, para maior desespero de Isolino e pânico de Arlete e Júlia, as duas funcionárias. No instante seguinte Zé Peroba e Bicudo também se engalfinharam.

            — Parem! Ordeno que parem! Acabem com essa briga imediatamente! Eu resolvo esse assunto!

            Pararam todos instantaneamente, espantadíssimos. Surgira uma figura estranhíssima, um sujeito alto, hirsuto, descabelado, trajado de maneira antiquada e de aspecto feroz.

            —Quem é você? — perguntou o Capitão Barbosa, esforçando-se por se levantar.

            — Ora, quem sou eu! Então não me reconhece, Capitão Barbosa? Eu sou o famoso psiquiatra, o Doutor Mexilhão!

            — Nunca ouvi falar. Por favor, não gosto de ser interrompido quando estou brigando! Aliás, como sabe o meu nome?

            — Está escrito no seu crachá!

            — Ah, tá. Ora bolas! Esqueci de guardá-lo — assim dizendo, Barbosa colocou o objeto num dos grandes bolsos da jaqueta.

            — O que quer o senhor? — quis saber o Capitão Arquibaldo. — Não marquei nenhuma consulta, muito menos consigo.

            Pondo as mãos atrás das costas o Dr. Mexilhão, que por sinal carregava uma vasta mochila de magiplast, acercou-se dos dois beligerantes:

            — Isso não é problema, posso dar uma contulta grátis e dupla como propaganda dos meus inestimáveis serviços. Podem se considerar privilegiados. Você é o Capitão Arquibaldo, não é?

            — Como você sabe? Não carrego nenhum crachá.

            — Está bordado na sua jaqueta.

            Arquibaldo enrubesceu.

            — Avisei a mamãe que não precisava fazer isso.

            — O que eu percebi é que vocês dois são um caso preocupante de regressão milenar.

            — O que quer dizer com isso? — indagou Barbosa.

            — Que vocês, sendo comandantes de astronaves, na ponta do progresso, comportam-se como dois trogloditas, é isso que eu quis dizer.

            — Mais respeito! — exigiu o Capitão Barbosa. — Não sabe quem eu sou? O que eu fiz?

            — É claro! — e Mexilhão fungou. — Você é o capitão que ao aterrissar com sua nave abalroou a torre de controle no Astroporto de São Paulo...

            — Bem, bem, isto é, quero dizer...

            — E eu? — berrou Arquibaldo. — Eu não sou um palhaço, sou um respeitável comandante espacial!

            — Eu bem sei — disse Mexilhão, sarcástico. — Você só pousou por engano no campo de futebol, acabou com a partida e ainda incendiou o gramado.

            — Eu... ãh... como é que você sabe?

            — Sou um homem bem informado! Agora se me dão licença, darei uma solução imediata a esse ridículo litígio e garanto que os dois sairão daqui como amigos!

            — Está bem, falastrão. Quero ver que espécie de solução você vai dar.

            — De acordo — acrescentou Barbosa.

            — O que você acha? — consultou Peroba ao Bicudo.

            — Não sei. Isso está esquisito — e Bicudo deu de ombros.

            Isolino dirigiu-se ao Mexilhão:

            — Meu senhor, se puder apaziguar os ânimos eu ficarei eternamente grato!

            — Não precisa tanto, então agora eu vou agir!

            Chegou para a Arlete:

            — Empreste-me a revista, por favor.

            Arlete, meio assustada, olhou para Júlia, que não falou nada, depois para Isolino e este assentiu. Então ela entregou. Barbosa e Arquibaldo, intrigados, não tiravam os olhos do barbudo psiquiatra.

            — Preciso de uma mesa vazia — rosnou Mexilhão para Isolino.

            — É pra já, senhor.

            Colocou alguns livros num espaço qualquer numa estante, e mostrou a mesa:

            — Serve essa, senhor?

            — É de madeira. Ótimo. Agora pode se afastar.

            Sem muita vontade de contrariá-lo o Sr. Isolino se afastou um pouco e o médico depositou o mangá sobre a mesa. Então pôs-se a folheá-lo.

            — Não está pensando em ler o mangá, eu presumo — observou Barbosa.

            — Claro que não. Detesto mangás! Só estou querendo achar o meio. São 240 páginas... está bem, então tem que ser na 120.

            Abriu o mangá nas páginas 120-121, deixou-o assim escancarado sobre a mesa e recuou ligeiramente. Então buscou no interior de sua japona e lá de dentro retirou uma machadinha. E antes que alguém pudesse — ou ousasse — detê-lo ele desceu a lâmina sobre o mangá, partindo-o ao meio certeiramente e de quebra partindo a mesa em duas partes.

            Novas pessoas que se haviam arriscado a entrar na livraria saíram correndo. As outras sete pessoas que lá já estavam ficaram todas congeladas e mudas. Impassível, Mexilhão guardou a machadinha, abaixou-se, recolheu os dois pedaços da revista e aproximou-se dos apatetados astronautas.

            — Peguem! Metade para cada um!

            Como em transe eles pegaram e Mexilhão se aprumou.

            — Bem, cumpri o meu dever. Agora tenho que ir, outro dever me chama!

            — Mas... mas... mas... peraí... — balbuciou Barbosa.

            — Não se preocupem! Não cobro nada pela consulta! Foi uma amostra grátis!

            Arquibaldo, ainda em estado de choque, murmurou:

            — Mas espere aí... que idéia foi essa...

            — Na verdade a idéia original não foi minha, eu aproveitei de Salomão. Até mais, senhores e senhoritas!

            Disse isso e foi embora.

            Alguns segundos depois eles começaram a acordar do aturdimento. Isolino foi o primeiro a falar:

            — Alguém pode me dizer quem vai me pagar o prejuízo?

            Disse isso e desmaiou, sendo amparado pela Júlia, a garota holandesa, que buscou os sais num dos bolsos do infeliz livreiro.

            — Capitão, vamos continuar a briga? — indagou Zé Peroba, olhando para o Bicudo.

            — É claro que não, seu idiota! Vamos é pegar aquele calhorda! Afinal temos a obrigação de “pagá-lo” pelo excelente serviço!

            — E o que vamos fazer com isso? — perguntou Arquibaldo. O Capitão Barbosa foi taxativo:

            — Arquibaldo, decididamente eu não quero um mangá pela metade! Pode ficar com a minha parte!

            Entregou a metade do mangá para o outro. Este, menos perfeccionista, entregou as duas metades ao Bicudo.

            — Bicudo, guarde na sua mochila, eu pego na nave! Ainda bem que eu tenho durex! Agora, Barbosa, me ajude! Vamos nós dois atrás daquele safado e dar uma sova nele!

            — É claro, amigo! Se é que vamos conseguir encontrá-lo, ele leva grande vantagem!

            — Não importa, amigo! Vamos tentar pelo menos!

            — Esperem aí! — gritou a aflita Arlete, enquanto Júlia ligava para os paramédicos. — O mangá precisa ser pago!

            — Acha mesmo — escandiu Arquibaldo — que eu vou pagar por uma revista partida ao meio a machado? Passem bem!

            — Acho melhor irmos atrás deles, você e eu — disse Bicudo a Peroba. — Aquele maluco está armado de machadinha!

            — Preferia não ir, mas você tem razão. Não posso deixar que o meu capitão seja fatiado, por mais idiota que ele seja!

            — Vocês dois sabem qual é o pior nisso tudo? — gemeu a Arlete.

            — Não, o que? — disseram eles em uníssono.

            — Muito simples. Tenho certeza que este nosso desacordado patrão quando acordar vai descontar o mangá do nosso ordenado!

            — Que já é uma miséria — completou a Júlia.

            — Vamos rachar a despesa — disse Peroba, incapaz de resistir ao choro de duas garotas. — Bicudo, você dá a sua parte?

            Eles rapidamente pagaram e Arlete agradeceu mas ainda perguntou:

            — Mas e a mesa?

            Os dois se entreolharam.

            — Ah, não! — disse o Bicudo. — Ninguém vai levar a mesa! Vocês se entendem com o Isolino!

            Bicudo e Peroba saíram correndo, tentando encontrar os capitães.

            — Numa coisa pelo menos o malucão estava certo — lembrou Zé Peroba.

            — Em que?

            — Ora! Que os dois iam sair daqui como amigos!

 

NOTA – Chama-se “curva de argumento” uma figura literária que consiste numa súbita e radical mudança de rumo numa história, com o surgimento imprevisto de um novo fato ou personagem, como neste caso, com a inusitada aparição do Doutor Mexilhão. Ele tem sua própria série e esta é a primeira vez que interage com o Capitão Barbosa.

 

Rio de Janeiro, 13 de março a 3 de abril de 2020.

 

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quinta-feira, 13 de outubro de 2022

Atentado em Itaipu

Atentado em Itaipu, de Martins de Oliveira. Capa: Cirton Genaro. 183 páginas. São Paulo: Alfa-Omega, coleção Biblioteca Alfa-Omega de Cultura Universal – Serie 2ª. – Volume 30. Lançado originalmente em 1983.


Os romances de ficção política com uma vertente de ação e aventura não se constituem numa prática habitual na literatura brasileira. Em sua maioria, costumam ter por características principais a reflexão e a crítica às mazelas do país, em termos históricos ou conjunturais. Assim, por meio da indicação do escritor Roberto de Sousa Causo, cheguei a este Atentado em Itaipu, de Martins de Oliveira. Desde já, um romance eletrizante de conspirações e planos mirabolantes, daqueles difíceis de largar a leitura. Mas não só: situado no contexto político da época, o período final da ditadura militar brasileira.

No início dos anos 1980 o país vivia os últimos eventos da abertura, processo político iniciado em 1974 pelo presidente Ernesto Geisel, com o objetivo de reduzir a repressão, controlar os órgãos de informação – eufemismo para os setores do governo que prenderam, torturaram e mataram –, e encaminhar o país para um processo “lento, gradual e seguro” de recondução dos civis à administração do Brasil. Olhando em retrospectiva, o processo foi tortuoso, mas bem sucedido do ponto de vista dos governantes, numa transição política regada a muitos pactos e negociações, que colocou um civil da oposição no poder, Tancredo Neves e depois de sua morte inesperada, José Sarney – e impediu qualquer punição aos militares.

Mas, como sabemos, nem todos desejavam que a ‘revolução’ de 1964 tivesse este desfecho. Tanto principalmente à direita – com militares radicais –, como à esquerda – com militantes e grupelhos revolucionários –, os objetivos eram outros: a retomada do autoritarismo mais ideológico e repressivo por um lado, e uma última tentativa de tomada de poder para instaurar no país um governo socialista, por outro. Assim, no plano político, um dos principais méritos do romance é mostrar como o processo de liberalização do regime autoritário embora, como dito, tenha sido exitoso do ponto de vista dos seus proponentes, foi inseguro e sujeito a retrocessos que poderiam ter levado o país a um outro rumo, longe da democracia finalmente conseguida – basta lembrar da tentativa de bomba no RioCentro, em 1981, felizmente mal sucedida. Pois é neste contexto que o livro explora a premissa assustadora anunciada em seu título. Um plano para explodir a maior usina hidrelétrica do mundo, provocando uma guerra com a Argentina e, com o caos instalado, permitir à esquerda revolucionária uma tentativa decisiva de chegar ao poder.

A usina de Itaipu é atualmente a segunda maior do mundo, atrás apenas da Três Gargantas, da China. Mas até 2012 foi a maior do planeta. E os números deixam claro porque: A barragem principal tem 1234 metros de cumprimento, produz cerca de 14 milhões de megawatts, com um volume aproximado de 30 bilhões de metros cúbicos de água, altura máxima de 196 metros, com uma área de 1460 quilômetros quadrados, e 18 turbinas em seu total. Eivado de muita controvérsia desde o seu projeto e realização – entre 1975 e 1982 – quase virou um contencioso militar grave com a Argentina. Inicialmente o país platino queria fazer parte do projeto; depois de negada sua participação, realizada apenas entre Brasil e Paraguai, os argentinos ameaçaram retaliar militarmente, dentro do contexto bélico da época, já que também eles viviam sob ditadura militar. Pois, de fato, se abertas as comportas parte importante do território do país seria inundado, com consequências graves até Buenos Aires. Na visão bélica e paranoica dos anos 1970, Itaipu não era apenas uma hidrelétrica que geraria energia para todo o Paraguai e mais da metade do Brasil, poderia ser, no limite, uma arma estratégica poderosíssima. Esta não é a única abordagem deste tema, pois lembramos do conto “A Pedra que Canta” (1991), de Henrique Flory, no qual a usina é usada como arma após a invasão argentina à região sul do Brasil, com as catastróficas consequências esperadas.

No romance de Oliveira, a trama política se divide, justamente, entre os setores marginalizados àquela altura, dos radicais de direita e de esquerda. Com a Lei de Anistia de 1979, voltaram ao Brasil vários exilados do regime autoritário, entre eles Waldimir Esteves, o Tocha, um terrorista internacionalmente conhecido, com ações executadas em várias guerrilhas mundo afora e com estreitos laços com o regime socialista cubano. Descrente da abertura, e do modelo de redemocratização ‘burguesa’ que se anunciava, ao voltar ao país não perde tempo e tenta reconstruir uma rede de militantes com objetivos subversivos. No mínimo para desgastar a ditadura, abrindo espaço para movimentos que possam, ao menos aproximar a esquerda do poder. De outro lado, um grupo radical dos linhas-duras militares, liderado pelo general Rubens Messias, cria o grupo Alfa: para conspirar com o objetivo de sabotar a abertura em curso, especialmente quando estava para ser votada uma emenda à Constituição que restauraria, para o mesmo ano, a eleição direta para presidente. Ao contrário do que aconteceu em nossa linha histórica, a emenda é aprovada, o que faz com que o governo entre em negociações para chegar a um candidato de oposição mais palatável aos seus interesses, o que incentiva uma ação ainda mais radical dos conspiradores da caserna: assassinar o presidente que teria traído os ideais da “revolução”.

Numa reunião com seus aliados, Tocha conhece um engenheiro que trabalha em Itaipu e que odeia os militares, porque estes o confundiram com seu irmão, e o torturaram barbaramente no início dos anos 1970. Ele, então, sugere o plano audacioso de dinamitar a usina, o que faz com que os olhos de Tocha brilhem: poderia ser um plano perfeito, ainda que de execução muito difícil, para permitir que a esquerda chegasse ao poder. Ele, então, planeja meticulosamente o atentado e consegue ajuda do regime de Fidel Castro, com financiamento e explosivos altamente sofisticados.

O leitor percebe que, pela ousadia e gravidade de ambos os planos conspiratórios, o interesse da leitura é garantido. Mas Martins de Oliveira, médico cardiologista e professor aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), tem uma prosa extremamente hábil para amarrar os planos de ambos os lados, e não só: o contexto político é extremamente condizente com o que ocorria na época. Desta forma, ações que, em tese, teriam muita chance de dar errado – como reconhecem os próprios personagens do livro –, ganha ares de verossimilhança e muito suspense.

Se no começo da resenha afirmei que não há uma tradição de romances de ficção política no Brasil, Martins de Oliveira é uma exceção. Antes de Atentado em Itaipu, ele estreou com Outono Vermelho, pela Globo de Porto Alegre, em 1966, mostrando o que poderia acontecer se os comunistas tivessem chegado ao poder no Brasil. Ora, isto é história alternativa! Pelo que sei, os poucos especialistas brasileiros neste subgênero não incluem esta obra. E outro romance de sua autoria explora a chegada ao Vaticano de um Papa marxista, em Os Vinte Dias de Outubro, da Record, em 1982. Outro exercício instigante de ficção especulativa política. Desnecessário dizer que ambos os livros devem ser conhecidos, ainda mais depois da leitura deste ótimo tecnothriller político que flerta com a ficção científica.

Pois no contexto do gênero, Atentado em Itaipu se situa ao lado de outros romances de ficção política especulativa dos anos 1980, que procuraram imaginar cenários possíveis para um Brasil pós-ditadura, no que eu chamei de ‘ficções da abertura’, no artigo “Ventos de Mudança: A Ficção Científica Brasileira e a Transição Democrática”, de 2013. Livros como A Invasão (1979), de José Antonio Severo; Não Verás País Nenhum (1982), de Ignácio de Loyola Brandão; A Ordem do Dia (1984), de Márcio Souza; Horizonte de Eventos (1984), de Jorge Luiz Calife; Silicone XXI (1985), de Alfredo Sirkis. Além destes, outro que descobri após a publicação do artigo é O Outro Lado do Protocolo (1985), de Paulo de Souza Ramos. Provavelmente deve haver alguns outros. O que só evidencia que a pesquisa sobre a presença de temas de FC no mainstream literário brasileiro continua a ser um campo a ser explorado, como neste ótimo Atentado em Itaipu.

Marcello Simão Branco