quinta-feira, 30 de julho de 2015

Planeta dos Macacos (Planet of the Apes, EUA, 2001)


Introdução (Agosto de 2015): Esse artigo sobre o filme “Planeta dos Macacos” (2001), de Tim Burton, foi originalmente publicado na edição impressa 54 (Setembro de 2001) do fanzine “Juvenatrix”, e depois na edição impressa do fanzine “Astaroth” 64 (Agosto de 2015), em seu retorno após 7 anos de hibernação. Esse filme não é exatamente uma refilmagem do original de 1968, com Charlton Heston, assim como citei no texto na época em que escrevi em 2001. É na verdade uma releitura com a visão de Tim Burton para a saga “ape”, com os tradicionais elementos sombrios característicos das obras do cineasta. Mas, o filme dividiu opiniões, tanto que a grande quantidade de desaprovações dos fãs inibiu continuações, apesar do gancho para produção de sequências. Eu particularmente gostei, preferindo aceitar as diferenças em relação aos filmes originais, e considerando como mais uma contribuição para esse fascinante universo ficcional.

(Atenção: o texto contém “spoilers”).

O cinema de ficção científica é responsável por algumas das maiores bilheterias de todos os tempos, com seus filmes sempre liderando o topo das produções mais assistidas e rentáveis em termos financeiros. São desse fascinante gênero artístico as maiores séries e sagas da história com um número infindável e cada vez mais crescente de fãs espalhados pelo mundo inteiro, como pode-se comprovar pela popularidade das marcas ou franquias de “Guerra nas Estrelas” (Star Wars) e “Jornada nas Estrelas” (Star Trek).
Além dessas super potências do cinema fantástico de entretenimento, destaca-se também a famosa saga “Ape” iniciada em 1968 por “O Planeta dos Macacos” (Planet of the Apes), dirigido por Franklin J. Schaffner e estrelado por Charlton Heston, Kim Hunter e Roddy McDowall, e que teve mais quatro continuações nas telas grandes além de duas séries de TV (uma em desenho animado) e um vasto universo de quadrinhos e “merchandise” de todos os tipos, entre brinquedos, camisas, máscaras, bonecos, discos, revistas, livros e uma infinidade de artefatos de “memorabilia”.
“O Planeta dos Macacos” firmou-se como um dos principais clássicos da ficção científica mundial e foi um dos precursores da fórmula muito conhecida atualmente de criar inúmeras sequências para a história original. A partir do final dos anos 70 do século passado isso tornou-se muito comum, principalmente nos filmes de horror, como pode-se notar em enormes cinesséries como “Sexta-Feira 13” (dez filmes), “A Hora do Pesadelo” (sete capítulos) ou “Halloween” (oito partes), citando alguns poucos exemplos.
Após o sucesso do original de 1968, “O Planeta dos Macacos” gerou outras sequências nos anos imediatamente seguintes, com “De Volta ao Planeta dos Macacos” (Beneath the Planet of the Apes, 70), “A Fuga do Planeta dos Macacos” (Escape From the Planet of the Apes, 71), “A Conquista do Planeta dos Macacos” (Conquest of the Planet of the Apes, 72) e “A Batalha no Planeta dos Macacos” (Battle for the Planet of the Apes, 73). Além de uma série para a televisão com 14 episódios de 48 minutos cada, exibida em 1974, e um desenho animado com 14 capítulos de 28 minutos, que foi ao ar na mesma época. Tudo isso comprova e reforça a impressionante força comercial que a marca exerceu e ainda exerce sobre o público ao longo das últimas três décadas.   
Devido justamente a esse grande fascínio junto aos fãs ao redor do mundo, estava sendo aguardado com muita ansiedade um novo filme da saga, algo que trouxesse novamente à tona os personagens e todo o universo ficcional de “O Planeta dos Macacos”. Após uma longa espera de trinta e três anos, finalmente estreou nos cinemas americanos em 27 de julho de 2001 o tão esperado “remake” de “Planeta dos Macacos” (Planet of the Apes), entrando em cartaz no Brasil uma semana depois, em 3 de agosto.
Dessa vez, o novo filme tem a direção do competente Tim Burton (responsável pelo ótimo “A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça”, 99), que trouxe os “apes” de volta numa super produção que na verdade não é uma refilmagem ou sequência do original dos anos 60, e sim uma variação do mesmo argumento utilizado nesse primeiro filme da série, com interessantes diferenças e alternativas ficcionais, levando o público a refletir e viajar por novos horizontes, passando pelo clima sempre sombrio que é a marca característica do diretor.
Na nova versão de “Planeta dos Macacos”, Leo Davidson (Mark Wahlberg) é um astronauta americano em missão numa bela estação espacial chamada Oberon no ano de 2029. De forma insubordinada, ele parte para investigar os efeitos de uma estranha tempestade eletromagnética a bordo de uma pequena nave (mais parecida com um moderno helicóptero) e também para procurar seu chimpanzé de estimação que havia se perdido nessa mesma tempestade. Os macacos eram treinados para pilotar pequenas cápsulas espaciais de reconhecimento para não expor os humanos em perigo no desconhecido e o chimpanzé Péricles acaba sendo tragado por uma fenda temporal no espaço. Ao ir em direção à tempestade, o astronauta se perde também sendo sugado para seu interior e acaba aterrissando num planeta selvagem dominado por macacos ferozes e inteligentes.
Nesse mundo alternativo, diferentes classes de macacos são os seres dominantes enquanto os humanos são escravizados e tratados como criaturas inferiores, sujas e animais selvagens, invertendo a ordem social que conhecemos. Davidson primeiramente entra em contato com um grupo de humanos fugindo de uma caçada feita pelos macacos, formado pelo veterano Karubi (Kris Kristofferson) e sua bela filha Daena (Estella Warren). Uma vez sendo atacado por macacos caçadores e falantes e não entendendo nada, o astronauta e dezenas de outros humanos são capturados e vendidos a um comerciante (interpretado pelo divertido Paul Giamatti), que revende o grupo a uma chimpanzé simpatizante dos humanos, Ari (Helena Bonham Carter), filha de um poderoso senador e defensora dos direitos iguais entre os macacos e os humanos.
O grupo consegue escapar da cidade dos macacos auxiliado por Ari e um veterano ex-militar do exército símio, deposto desonestamente pelo temível General Thade (Tim Roth), um chimpanzé que odeia os humanos e defende violentamente o seu extermínio do planeta. Eles passam a ser perseguidos pelo exército símio liderado por Thade, muito respeitado por suas ações de guerra e seu escudeiro, o forte gorila Attar (Michael Clarke Duncan), ambos violentos guerreiros e ao mesmo tempo fiéis seguidores de seu Deus Semos, que segundo as escrituras foi o primeiro macaco de seu mundo.
A fuga leva o grupo de humanos para a temida “Zona Proibida”, um local escondido entre montanhas desérticas e que revela um amontoado de escombros e ruínas chamadas de CALIMA. Na verdade, descobre-se mais tarde que trata-se dos restos da estação espacial Oberon que ao procurar o astronauta perdido na tempestade eletromagnética, acabou também sendo tragada pela fenda espaço-temporal e caiu no planeta selvagem. E CALIMA, nome dado pelos macacos aos escombros, nada mais era que a junção das palavras CAUTION LIVE ANIMALS, inscrição da estação espacial semi apagada pelo tempo e que informava aos tripulantes uma atenção especial à área de treinamento dos macacos pilotos.
Posteriormente, ainda com a existência de energia na estação e vendo fitas gravadas, descobre-se que ao cair no planeta, a Oberon ficou sem comunicação externa e os macacos treinados, liderados por um de maior inteligência chamado Semos, passaram a se rebelarem e atacaram todos, tornando-se os habitantes dominantes na evolução do planeta, culminando na sociedade símia existente e nas escrituras religiosas que falavam do Deus Semos.
O astronauta Davidson, como o homem que veio das estrelas e que desafiou a superioridade dos macacos, acabou sendo o escolhido pelas diversas tribos de humanos para liderar uma revolta contra a tirania dos macacos. Ele representava o ideal da raça humana em busca de liberdade. Para enfrentá-los, estava a caminho todo um exército de ferozes gorilas soldados liderados pelo tirano General Thade e pelo gigante Attar, culminado numa batalha violenta pelo domínio do planeta.
Nesse momento, onde a força superior dos macacos é incontestável e a vitória sobre os humanos evidente, surge dos céus numa abertura da fenda temporal, a nave trazendo o chimpanzé Péricles, perdido na tempestade eletromagnética, e que é recebido como o Deus Semos pelos macacos guerreiros, paralisando as lutas. Porém, o General Thade, orientado anteriormente pelo pai no leito de morte (interpretado por Charlton Heston do original de 68), sobre a ameaça dos humanos de outro mundo, com seu egoísmo, irracionalidade e poder auto destrutivo, se rebela e parte para um confronto final com o astronauta Davidson.
O final, a exemplo do primeiro filme da série, é também no estilo “surpresa”.
Em 1968, o personagem vivido por Heston, o astronauta George Taylor, consegue escapar da tirania dos macacos e fugindo pela orla de uma praia da “Zona Proibida”, se defronta com as ruínas da famosa “Estátua da Liberdade” americana, descobrindo estar na realidade num futuro distante do próprio planeta Terra, destruído pela raça humana numa guerra nuclear. Sem dúvida, uma dos mais impressionantes, marcantes e inesquecíveis cenas do cinema de todos os tempos.
No novo filme “Ape”, Tim Burton também colocou seu final inesperado tumultuando de forma interessante e atrativa mais ainda as várias variações e alternativas desse fantástico universo ficcional de “Planeta dos Macacos”.    
Ansiosamente aguardado por muitos anos pelos fãs mais ardorosos da saga, como eu, “Planeta dos Macacos” (versão 2001) trouxe realmente algumas visões alternativas interessantes para a história já conhecida por nós desde os anos 70 do século passado, e certamente está contribuindo muito para o fortalecimento ainda maior desse fenômeno cinematográfico que é a saga “Ape”.
Tim Burton é um excelente cineasta, muito admirado pelos fãs, cujo talento foi responsável por pérolas do cinema fantástico moderno como “Edward Mãos de Tesoura” (90), “Ed Wood” (94), “O Estranho Mundo de Jack” e “Marte Ataca!” (ambos de 96) e “A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça” (99), entre outras obras primas. Ele, com sua visão gótica de um mundo obscuro, criou sua própria variação para o eterno conflito entre homens e macacos, que estão sempre invertendo suas posições de dominante e dominado a todo momento durante a saga.
Diretor americano nascido na California, ele conseguiu trabalhar em grandes e poderosos estúdios de cinema sem com isso ter que se submeter às imposições comerciais normais dos executivos do entretenimento. Ele é possuidor de um estilo próprio e inconfundível, acentuado pelo clima sombrio e gótico que imprime em suas obras, explorando o bizarro e o macabro em diferentes situações e temas, num exercício de imaginação incomum e fora dos padrões. Não é para menos que, em sua adolescência, Burton preferia ler livros de Edgar Allan Poe, assistir os nostálgicos filmes “B” de monstros na televisão e desenhar figuras góticas e sombrias, ao invés de levar uma vidinha comum e óbvia dos seus colegas da mesma idade.
Tanto que sua experiência profissional no mega estúdio Disney como desenhista foi um fracasso, pois ele não conseguia desenhar aqueles bichinhos comuns bonitinhos e infantis, e teve que sair rapidamente para expandir sua criação artística. A partir daí, passou a dirigir pequenos trabalhos até ser “descoberto” definitivamente com a comédia de humor negro “Os Fantasmas se Divertem” (Beetlejuice, 88) e logo depois com “Batman” (89), em sua visão gótica do famoso homem morcego dos quadrinhos.
Após o anúncio de Tim Burton para a direção do novo “Planeta dos Macacos” (outros diretores foram sondados na época), os fãs sentiram-se mais aliviados por saber que o projeto estaria em boas mãos, e que acrescentaria outras qualidades para a já consagrada saga símia, o que felizmente se concretizou na realidade.
Porém, ao seu lado, auxiliando na garantia de sucesso do projeto, estão os efeitos especiais a cargo da famosa ILM (Industrial Light and Magic) e o maquiador Rick Baker, um dos melhores profissionais dessa área no mundo cinematográfico atual. Baker é o responsável por premiados trabalhos com o cobiçado Oscar em “Um Lobisomem Americano em Londres” (81) e mais recentemente com “Homens de Preto” (97) e “O Grinch” (2000). Ele especializou-se em filmes fantásticos contribuindo significativamente para a realidade dos diversos monstros do cinema.
Curiosamente, ele assinou o trabalho de maquiagem de um obscuro e super interessante filme “B” de 1978, “O Incrível Homem que Derreteu”, uma verdadeira pérola rara de baixo orçamento que fala de um astronauta que ao retornar de uma missão espacial, traz um vírus alienígena que o faz derreter literalmente, de forma crescente e vagarosa, transformando-o num psicopata monstruoso. Os efeitos são excelentes já mostrando a competência profissional de Rick Baker em início de carreira.
Outra curiosidade é o fato do próprio Baker ter uma pequena participação em “Planeta dos Macacos”, na pele de um idoso macaco, uma ponta que certamente foi uma homenagem ao maquiador.
A concepção da complexa maquiagem dos vários tipos de macacos, entre chimpanzés, orangotangos e gorilas, é impressionante tornando os atores humanos em verdadeiros e reais animais símios, em sessões demoradas e cansativas na preparação das máscaras. O trabalho de Baker foi fundamental para a seriedade dos personagens “apes”, garantindo liberdade para a atuação com as diferentes expressões faciais, mantendo o mesmo nível (cada um em seu tempo) do também excelente trabalho de John Chambers que foi o responsável pela maquiagem dos “apes” dos anos 70.
O elenco principal é formado pelos atores Mark Wahlberg, Tim Roth, Helena Bonham Carter, Michael Clarke Duncan, Estella Warren e Kris Kristofferson.
Wahlberg é a astronauta Leo Davidson, homem rebelde e cansado da burocracia militar, que acidentalmente é enviado pelas estrelas chegando a um planeta selvagem dominado por macacos inteligentes, tornando-se rapidamente o líder de uma revolta humana por liberdade. Entre seus principais filmes estão “O Medo” (96), “Boogie Nights” (97), “Três Reis” (99) e “Mar em Fúria” (2000).
Roth é o malévolo e violento General Thade, chimpanzé temido por sua agressividade em batalhas e líder tirano de um exército pronto para exterminar a raça humana do planeta dos macacos. Ator inglês de Londres, entre seus principais filmes estão dois trabalhos com o talentoso diretor Quentin Tarantino, “Cães de Aluguel” (92) e “Pulp Fiction” (94).
Carter é a chimpanzé aristocrática Ari, simpatizante e defensora dos direitos da raça humana, que acredita num planeta habitado pacificamente por homens e macacos. Atriz inglesa de Londres, seus principais filmes incluem “Frankenstein” (94), de Kenneth Branagh e “Clube da Luta” (99), com Brad Pitt.
Duncan é o forte soldado gorila Attar, representante do primitivismo símio em suas ações pautadas apenas pela disciplina militar num típico “nascido para matar”. Dono de alta patente no exército dos macacos, abaixo apenas do General Thade, Attar é temido por sua truculência em combate e respeitado por sua imponente fé em Semos, o Deus símio. Seu principal filme foi o horror “À Espera de Um Milagre” (99), com o premiado Tom Hanks, em história baseada em livro de Stephen King. 
Warren é Daena, uma bela e jovem mulher à procura de liberdade para si e sua família, sonhando com um mundo livre e sem a opressão dos macacos. Com a chegada do astronauta Davidson, veio também a inspiração para lutar por seus ideais. Atriz canadense de Ontario, foi campeã de natação e nado sincronizado em seu país, e seus principais filmes incluem “Alta Velocidade” e “Perfume” (ambos de 2001).
Kristofferson é o veterano Karubi, pai de Daena, que também é um velho guerreiro pela liberdade e um dos primeiros humanos a entrarem em contato com o astronauta Davidson em sua chegada ao planeta dos macacos. Sua coragem e bravura foram provados ao se sacrificar para o sucesso da fuga do grupo de humanos que iriam liderar a revolta contra o poder dominante símio. Ator veterano, entre sua filmografia fazem parte “Nasce uma Estrela” (76), “Cowboy” (78) e mais recentemente os dois filmes da série “Blade – O Caçador de Vampiros” (1998 e 2002), com Wesley Snipes.
Numa forma clara de homenagem, dois atores que participaram do filme original de 1968, o talentoso e premiado Charlton Heston e Linda Harrison, tiveram atuações nessa nova versão de “Planeta dos Macacos”. Harrison foi Nova no original, uma bela humana muda que foge com o astronauta George Taylor para a Zona Proibida à procura de explicações para suas dúvidas. No novo filme, ela aparece super rapidamente como uma humana capturada numa caçada e que é transportada numa carroça. A carreira de Linda Harrison não decolou tornando-se uma atriz praticamente esquecida pelos grandes estúdios e quase que somente lembrada pelos fãs “apes”. Já Heston, ator de grande prestígio em sua premiada carreira, interpretou o “homem que veio das estrelas” Taylor no original, num personagem marcante para toda a saga. Ele foi merecidamente homenageado por Tim Burton fazendo um pequeno, mas memorável e principalmente nostálgico papel de um chimpanzé à beira da morte, nada menos que o pai do tirano General Thade, que orienta seu filho nos últimos momentos de vida, alertando-o do real perigo e da ameaça humana para o futuro da sociedade símia por causa da chegada do astronauta Davidson ao planeta dos macacos. Ele revela um segredo à Thade e o entrega uma mini-metralhadora humana que guardava secretamente, fruto de experiências vividas no passado em situação semelhante, e que informa ao filho a capacidade militar e destrutiva da humanidade.
Um detalhe super curioso nesse diálogo são as últimas palavras do velho personagem moribundo de Heston ao seu filho, utilizando frases muito similares que seu personagem George Taylor disse no final impressionante do original de 1968, quando deparou-se surpreso com as ruínas da “Estátua da Liberdade”, esclarecendo a verdade do planeta em que estava, a própria Terra destruída pela raça humana numa guerra nuclear. “Malditos sejam! Que sejam todos condenados ao inferno!” foram suas últimas palavras ao General Thade, se referindo aos humanos, raça auto-destrutiva e ameaçadora. Heston certamente mereceu essa homenagem.
Aliás, Tim Burton frequentemente homenageia os grandes astros em seus filmes. Em “Edward Mãos de Tesoura” (90), o imortal ator Vincent Price interpreta um excêntrico cientista que cria o personagem título do filme. Foi uma bela homenagem a um dos maiores atores de horror de todos os tempos, que faleceu poucos anos depois, em 1993.
Em “A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça” (99) foi um show de homenagens a dois grandes atores do passado, Christopher Lee e Martin Landau. Ambos tiveram papéis muito rápidos, porém inesquecíveis para os fãs. Landau (mais conhecido pela série de TV “Espaço 1999”) morreu logo no início sendo decapitado pelo “cavaleiro sem cabeça”, e Lee, o eterno Drácula do cinema, principalmente por suas atuações nas produções inglesas da “Hammer” e “Amicus” dos anos 50, 60 e 70, fez o rápido papel de um juiz num tribunal. Justas homenagens para dois grandes nomes do cinema fantástico.
Esse “remake” de “Planeta dos Macacos” traz algumas diferenças significativas em relação ao que já se conhece da saga “Ape” através dos filmes para cinema e televisão, e quadrinhos.
Os macacos dos anos 70 eram mais pacíficos e até parecidos com os humanos em suas atitudes. Existiam os chimpanzés que representavam os cientistas e estudiosos da classe social, e que defendiam a procura da verdade e da paz. Tinham os orangotangos que possuíam os cargos mais importantes na sociedade, ocupando a política e as altas patentes culturais, porém eram macacos que escondiam a verdade preferindo viver na mentira e ilusão para seus cidadãos. Isso fica claro na atuação de três autoridades símias no julgamento do astronauta Taylor, não querendo ouvir, ver e falar com o acusado, representando aquela famosa simbologia dos macacos com as mãos nos ouvidos, olhos e bocas, se escondendo da verdade. E tinham os gorilas, animais ferozes e primitivos, treinados para os combates em guerras, e para os quais a solução de todos os problemas estava na ação da violência.   
Já os macacos da versão de 2001 são extremamente mais ágeis e ferozes, mais parecidos com a realidade desses animais, que apesar de serem mais inteligentes que os outros, nunca deixaram de ser selvagens. O filme de Burton traz macacos super violentos e assustadores, que rosnam o tempo todo de forma ameaçadora, e que saltam e correm com uma agilidade impressionante, fazendo os macacos dos anos 70 parecerem bichinhos de estimação em relação ao comportamento de seus colegas modernos. Assim como, a postura dos novos macacos também é bem mais semelhante à realidade, onde os atores tiveram um forte treinamento sobre a forma de caminhar dos símios e suas atitudes características.
A cena do beijo entre o astronauta Taylor e a chimpanzé cientista Dra. Zira (interpretada por Kim Hunter, atriz falecida em setembro de 2002) no original de 1968, quando ele se despedia dela rumo à Zona Proibida, também foi repetida de forma similar no novo filme de 2001, onde o herói Davidson dá um discreto beijo na chimpanzé Ari, enquanto se despedia para voltar novamente ao espaço e tentar retornar ao seu mundo e tempo. Boatos gerados na internet relatam que originalmente estava prevista uma cena de sexo entre eles, e que fora retirada na edição final por decisão dos executivos do estúdio, visando os possíveis prejuízos financeiros com a censura para menores de idade, porém essas informações foram desmentidas depois pelo próprio diretor Tim Burton e pelo produtor Richard Darryl Zanuck, nas diversas entrevistas que concederam para os meios de comunicação.
Um fato curioso foi a reação de indignação de um gorila que acompanhava o grupo de humanos fugitivos quando era chamado de “monkey” pelo astronauta Davidson. Para o primata, ele deveria ser chamado de “ape”, que era uma classe mais superior e acima dos primitivos “monkeys”, que por sua vez estavam acima dos “humanos”. Ficou claro a existência do orgulho racial até entre os macacos. Para o argumento existe uma diferença entre ambas as palavras, mas para nós brasileiros, a tradução delas significa o mesmo: macaco.
Existia certa desconfiança para os fãs que o “remake” de “Planeta dos Macacos” pudesse estragar ou pelo menos tirar um pouco o brilho da famosa série “Ape”, principalmente depois do fracasso com a bomba da refilmagem de “Perdidos no Espaço” (Lost in Space, 1998), baseada na antiga série de TV dos anos 60, criada pelo genial Irwin Allen. O novo filme acabou com os personagens e a magia nostálgica das despretenciosas histórias da família Robinson, que em missão espacial à bordo da nave Júpiter 2 em direção de Alpha Centauri, perde-se no espaço após uma sabotagem militar no curso de navegação. O divertido e atrapalhado Dr. Smith, o memorável robô e todos os outros personagens eram inesquecíveis para quem acompanhou a série na televisão durante os anos 70. A refilmagem introduziu música eletrônica na trilha sonora (que ficou ridícula), e estragou os personagens principalmente do Dr. Smith e da jovem Penny, que mais parecia uma garota  acéfala, além do robô altamente tecnológico e sem nenhum charme.
Mas, felizmente esse novo “Planeta dos Macacos” é um dos melhores filmes de ficção científica dos últimos anos. Tem Tim Burton, Rick Baker e muitos macacos, perpetuando com honra a já consagrada saga “Ape”, como confirmaram as enormes bilheterias no mundo inteiro, e impulsionando novamente todo um mercado em volta desse fascinante tema. (Juvenatrix - RR - Agosto/2001)

Curiosidade: O filme foi exibido pela primeira vez na televisão aberta em 02/08/04 (Segunda-Feira), pela TV Globo, na sessão “Tela Quente”, às 22:00 horas. 

Planeta dos Macacos (Planet of the Apes, Estados Unidos, 2001). 20th Century Fox / The Zanuck Company. Duração: 100 minutos. Direção de Tim Burton. Produção de Ralph Winter e Richard Darryl Zanuck. Roteiro de William Broyles Jr., Lawrence Konner, Mark Rosenthal e Charles Wicker, baseado em livro do francês Pierre Boulle. Fotografia de Phillippe Rousselot. Música de Danny Elfman. Edição de Chris Lebenzon. Efeitos Especiais de Ken Pepiot. Som de Petur Hliddal. Direção de Elenco de Denise Chamian. Desenho de Produção de Rick Heinrichs. Direção de Arte de John Dexter. Decoração de Cenários de Rosemary Brandenburg. Figurinos de Colleen Atwood.  Assistência de Direção de Andy Armstrong e Katterli Frauenfelder. Maquiagem de Rick Baker, Brigitte Bugayong, Gabriel De Cunto, Toni G, Teressa Hill, Jamie Kelman, Patricia Miller, Denise Paulson, Alex Proctor e Robin Slater. Elenco:  Mark Whalberg, Tim Roth, Helena Bonham Carter, Michael Clarke Duncan, Kris Kristofferson, Estella Warren, Paul Giamatti, Cary-Hiroyuki Tagawa, Erick Avari, Luke Eberl, Evan Dexter Parke, Freda Foh Shen, David Warner, Glenn Shadix, Lisa Marie, Charlton Heston, Rick Baker, Emmy Collins, Linda Harrison, Eric Lichtenberg, Anne Ramsay. 

sábado, 25 de julho de 2015

O Último Livro, Zoran Zivkovic

O Último Livro (Poslednja Knjiga), Zoran Zivkovic. Tradução de João Cruz. 235 páginas. São Paulo: Editora Octavo, 2012.

Com a grande quantidade de títulos lançados no Brasil não chega a ser uma total surpresa o lançamento de Zoran Zivkovic entre nós. Autor de grande prestígio dentro e fora das fronteiras do fantástico – comparado até a Jorge Luis Borges – teve o seu romance O Último Livro publicado pela pequena editora Octavo em 2012.
Natural de Belgrado, capital da Sérvia (antiga Iugoslávia), Zivkovic, de 67 anos, é autor de cerca de 30 livros, 20 deles de ficção, e tem uma sólida formação literária que, talvez, dê algum respaldo ao refinamento literário de sua obra. Doutor em Teoria Literária pela Universidade de Belgrado leciona escrita criativa nesta universidade. Foi um dos poucos autores de língua não inglesa a ser premiado com o prestigioso World Fantasy Award, em 2003, com a coletânea Biblioteca.[1]
Biblioteca foi publicada em Portugal em 2005 pela pequena editora Cavalo de Ferro. Composta por seis contos leva o fantástico a dimensões desconcertantes e surpreendentes. O livro expande a premissa de Borges, em seu conto “Biblioteca de Babel”. Zvikovic aprofunda o tema da biblioteca, com histórias sobre uma biblioteca virtual, uma particular, uma mínima, uma noturna, uma infernal e uma requintada. Um sujeito racional e, claro, amante de livros, é surpreendido por eventos inexplicáveis entre o absurdismo e o fantástico mais aberto e enigmático. O livro foi traduzido diretamente do sérvio e o texto é fluente e direto, sem firulas, indo direto ao âmago do tema e o explorando a fundo, como a ampliar a sensação de desconcerto e perplexidade que compartilhamos com os personagens.
Estas características narrativas também são vistas em O Último Livro, romance no qual o autor novamente faz uma reflexão em torno do livro e da literatura. Mas o alvo agora é a relação nem um pouco casual (ou racional) que podemos estabelecer entre o autor, seus personagens e o leitor. No ato de escrever uma obra o autor cria um universo que a partir da leitura de alguém passa a não ser só mais dele, mas também do leitor, através da sua interpretação subjetiva, poderíamos dizer de sua fruição particular da obra e seus personagens. E geralmente diferente a do autor quando escreveu uma história e criou seus personagens.
De forma hábil e agradável Zivkovic trabalha estes temas no contexto aparente de um romance policial. Ocorre um terrível e inusitado acontecimento na livraria Papyrus. Seus clientes começam a morrer quando abrem um determinado livro. Mas ninguém sabe que livro é este. Um inspetor amante da literatura assume o caso e ao lado da dona da livraria enredam-se numa trama cada vez mais insólita que inclui também a polícia secreta do país onde os eventos ocorrem. Embora Zivkovic em momento nenhum fale da Sérvia, é óbvio que inclui no livro este componente crítico de um país que vive num Estado quase policial, herança do regime autoritário que o grassou, quando ainda se chamava Iugoslávia durante a segunda metade do século XX.
Se fosse apenas um bom thriller policial eu leria o livro, mas não o resenharia para o Anuário. Mas o investigador Dejan Lukic sente um dèja vu a partir do momento que entra na Papyrus e começa a investigar o caso. A cada passo e nova situação, parece que já a vivenciou antes, de tal forma que quase chega a intuir de forma antecipada o que ocorrerá a seguir.
Lukic e Vera Gravilovic, a dona da livraria, se envolvem emocionalmente, mas isso é bem dosado e não interfere no plano principal do enredo. Chega a fortalecer os meios à disposição para tentar compreender os efeitos do tal último livro e impedir novas mortes. Pois ambos descobrem que o último livro é cultuado por uma seita secreta que realiza cerimônias fechadas em torno do conteúdo da obra. Mas todas as pessoas que morreram ao tomar contato com o livro tiveram uma experiência em comum, única, banal, mas fatal para suas vidas.  Pode parecer, à primeira vista uma releitura pós-moderna do romance O Nome da Rosa (1980), de Umberto Eco, e este livro é inclusive citado na trama. Mas a ênfase de O Último Livro é bem diferente.[2]
Zivkovic imprime um ritmo ágil e tenso à história, e com a fluência de sua prosa a torna um autêntico page turner difícil de largar. Em termos literários percebe-se a elegância de um texto limpo, a serviço do desenvolvimento do enredo, sem gorduras e sequências desnecessárias, tão comum em autores mais próximos dos best-sellers. Isso torna O Último Livro uma experiência instigante, ainda que tenha apreciado mais Biblioteca, por causa da exploração diversa de uma premissa, além de seu competente poder de síntese na forma curta.
A conclusão do romance é surpreendente e não é o caso de revelar aqui. Digo apenas que vai de encontro à reflexão inicial proposta pelo autor, do diálogo entre autor, personagens e leitor. E encaminha o livro para o terreno do absurdo, melhor dizendo, para a seara do fantástico, não no sentido mais óbvio, mas provocando no leitor uma sensação de desconcerto semelhante ao sentido pelo casal de investigadores quando descobrem afinal o que é o último livro e seus mistérios.
Espero que O Último Livro seja apenas o primeiro deste importante autor sérvio a ser publicado no Brasil. Seu talento narrativo e suas visões incomuns de aspectos da realidade tornam a leitura uma experiência rica e inovadora para o leitor, além de contribuir para a ampliação das fronteiras do gênero fantástico. Um autor contemporâneo essencial.

Marcello Simão Branco




[1] Já em 2009 ele foi o “autor convidado de honra” da Convenção Mundial de Fantasia (World Fantasy Convention).
[2] Lembrei também do livro imaginário de H.P. Lovecraft, O Necronomicon, no sentido de ser um livro maldito e cultuado. Mas, de novo, os desdobramentos de O Último Livro o levam para um caminho próprio e singular.

quarta-feira, 22 de julho de 2015

FCdoB – Ficção Científica Brasileira: Panorama 2006/2007

FCdoB – Ficção Científica Brasileira: Panorama 2006/2007, Fernando Murillo Bettencourt & Maria S. Cavalcante, orgs. 228 páginas. Editora Corifeu, Rio de Janeiro, 2008.

Antologia montada a partir de um concurso de contos promovido pela BHB – Eventos Culturais. Realizado pela internet entre 2006 e 2007, o concurso recebeu quase 200 trabalhos, que foram julgados por uma comissão formada pela doutora em direitos humanos Cristina Amich Elias, pela pedagoga Sônia Regina Malardé, e pelos escritores Alexis Bernardo de Lemos e Ivan Carlos Regina. Foram escolhidos 27 contos, cujo prêmio era justamente fazer parte do volume, que propõe ser um recorte da ficção científica praticada no Brasil naquele período. O livro tem prefácio da brasilianista Elisabeth Ginway e apresentação das orelhas assinada por Marcello Simão Branco.
FCdoB repete a estratégia das antologias do saudoso Clube de Ficção Científica Antares que, na década de 1980, revelou alguns dos melhores autores da fc&f brasileira. O livro apresenta uma leva de autores novos, todos com textos bastante curtos – entre 750 e 6000 palavras. A seguir, resumo e comentários sobre os 27 contos que formam o volume:
“Nos pântanos de Hansu”, Aguinaldo Inácio Peres. Piratas aproveitam a ingenuidade dos autóctones de um planeta alienígena para roubar deles uma matéria-prima valiosa.
“Solidão”, Alexandre Sant’Ana. Num tempo em que a clonagem humana é prosaica, mulher abandonada executa um plano mirabolante para recuperar a confiança de seu homem. Ideia razoável com desfecho eficiente.
“Sete dias”, Alexandre Santos Lobão. Universitário registra suas memórias recentes na tentativa de entender o que está acontecendo com seus colegas que começaram a manifestar habilidades que levarão ao fim do mundo.
“Sociedade Kabuki”, Alexandre Veloso de Abreu. Numa sociedade em que todos vivem nus e usam máscaras, uma prostituta tem um dia ruim.
“Planetas obliterados”, Alex de Sousa. Em tom de crônica histórica, conta como uma máquina automática tripulada por golfinhos causa um desastre ecológico num planeta florestal.
“Julieta do quarto livro”, Carlos Abreu. Excêntrico escritor de ficção científica é abordado por uma jornalista interessada em debater o quarto romance de sua série que, entretanto, nunca foi escrito. Texto muito divertido, com um leve toque metalinguístico.
“Alberto 2.0”, Cristiano Tavares. Um chefe de família decide submeter-se a uma cirurgia de implantes que lhe devolverão a empregabilidade perdida, mas que também vão destruir seu casamento. Boa ideia que guarda bem-vindos vínculos com a realidade.
“Assassinando o tempo”, Cristina Lasaitis. Cientista brasileira confirma a teoria da sua vida num acelerador de partículas construído em pleno sertão nordestino. A melhor virtude do conto é o contraste proposto entre o agreste e o ambiente futurista do acelerador.
“O visitante”, Daniel Brasil. Pesquisadores universitários inventam a máquina do tempo e, por acidente, trazem Ludwig van Beethoven para o presente.
“Connectville”, Davi Menossi Gonzáles. Morador de uma pacata cidade interiorana narra a instalação de uma estranha estrutura nos arredores de sua casa e como ela foi destruída pelo ataque de um disco voador. Um relato intrigante na tradição ufológica que caracteriza a ficção científica brasileira.
“Crepúsculo escarlate”, Denis Winston Brum. Explorador solitário em Marte tem contato imediato com alienígenas diáfanos, evoluídos e benevolentes.
“Os ovos”, Dóris Fleury. Cientista cinquentona entra em crise existencial depois de passar anos chocando ovos alienígenas. No saite A Escrevinhadora podem ser lidos outros de seus contos. Uma das melhores revelações dos últimos anos, embora não tenha seguido adiante no gênero.
“Super homem”, Edmundo Pacheco. Viajante espacial movido pela expectativa de ser o primeiro a pisar num mundo de outra galáxia, chega ao seu objetivo apenas para descobrir que, enquanto viajava, a humanidade desenvolveu-se ao ponto de lá chegar antes dele.
“O ato de Bangladesh”, Felipe Tazzo. Um coletor de lixo apresenta seus problemas, seus companheiros de trabalho e sua família, construindo um intrigante recorte de uma sociedade futurista. A história é simples porém extremamente bem redigida. Os personagens vívidos e interessantes têm potencial e merecem ser retomados numa obra de mais fôlego. O melhor trabalho da antologia.
“Mar negro”, Gabriel Boz. Depois que uma praga desconhecida e implacável devastou a vida no planeta, o último homem sobre a Terra cumpre o derradeiro desejo de sua recém-falecida esposa levando o cadáver para a beira do mar. Ao longo do caminho, um mundo devastado e, na praia, um encontro inesperado. Gabriel Boz, um dos editores do extinto fanzine Scarium, mostra um texto correto e feliz na escolha do tema, que sempre rende boas histórias.
“Mente S/A”, Augusto Guimarães. Jovem que passou por um tratamento de correção de personalidade tem problemas para se adaptar à nova estrutura mental. A ideia dialoga com o clássico da ficção científica A laranja mecânica, de Antony Burgess.
“Crimideia”, Gustavo Benitez Ribeiro. Pessoas recém-falecidas têm suas personalidades gravadas numa máquina, de forma que continuem a conversar com os vivos. A opinião pública é manipulada pelos políticos para aprovar o uso da máquina nos processos jurídicos, visto que as vítimas de assassinato podem apontar os criminosos.
“A biblioteca de Titã”, Joana Belarmino. Mulher passa algumas semanas na lua de Saturno, pesquisando uma biblioteca que tem todos os livros do universo. Sem qualquer conflito, o conto é apenas uma justa homenagem a Jorge Luiz Borges.
“Como se fosse essa noite a última vez”, João Paulo Vaz. Um homem tenta uma última noite de prazer com sua fogosa amante, sabendo que, no dia seguinte, perderá o seu implante peniano de alta tecnologia. Uma boa discussão sobre o sexismo exacerbado de nossos tempos.
“O bloco”, Jurandir Araguaia. Moradores de uma pequena cidade interiorana surpreendem-se com um bloco de pedra que surgiu repentinamente na praça principal. Um leve toque no objeto torna as pessoas felizes e isso transforma a cidade. Trabalho claro e despretensioso, forte em simbolismos.
“Caieiro e Alberta”, Leandro Malósi. Casal que joga sexo virtual pela internet decide se encontrar pessoalmente para dar números finais ao placar.
“A idade do lobo”, Leandro Carrion. Num futuro em que as mulheres foram quase extintas por uma doença incurável, um jovem jornalista, que sonha ser selecionado para reprodutor, envolve-se com um grupo terrorista que lhe dá um harém.
“O casal mais discreto de Malibu”, Leonardo Siviotti. O conto tem dois tempos distintos: a princípio, um casal conversa amenidades durante o café da manhã; depois, o narrador explica o resto da história.
“Memórias roubadas”, Maria Helena Bandeira. Preso num manicômio, jovem hacker que roubou as memórias de um figurão passa por uma egotrip durante uma entrevista terapêutica. Narrativa sincopada, com trechos da entrevista misturadas às memórias roubadas.
“Depois do homem”, Maria Teresa. Uma civilização de mutantes sucede o homem no domínio da Terra, mas sua sociedade sofre dos mesmos erros e vícios de seus antecessores. Em meio a intrigas, os pesquisadores descobrem nas ruínas da civilização humana as pistas da sua própria existência.
“Mãos grandes”, Paulo Virgílio D'Auria. Num futuro escravocrata no qual os trabalhadores especializados são projetados geneticamente, uma enfermeira apaixonada desafia a sociedade para viver uma história de amor.
“Lembranças”, Valentim S. Pereira. Um homem submete-se a experiência de mapeamento de memória e, por uma falha no procedimento, perde-se entre muitas identidades armazenadas em seu cérebro.
O resultado geral de FCdoB é irregular, natural nesse tipo de dinâmica editorial. A maior parte dos trabalhos não ousa ir além do já visto, o que confirma o pouco tráfego destes novos autores na ficção científica. A ausência dos nomes mais destacados da fc&f nacional (exceção apenas da experiente Maria Helena Bandeira) também é sintomática, refletindo o desinteresse destes pelas promoções do fandom. Uma seleção mais rigorosa, com menos contos, teria resultado numa antologia mais significativa no panorama fc&f brasileira. Apesar disso, percebe-se bom potencial nesta nova geração de autores forjados na fornalha virtual da internet.
— Cesar Silva

quarta-feira, 15 de julho de 2015

Glória Sombria, Roberto de Sousa Causo

Glória Sombria, Roberto de Sousa Causo. Ilustrações da capa e internas: Vagner Vargas. 168 páginas. São Paulo: Devir Livraria, 2013.

As histórias da série “Lição do Matador” vem sendo publicadas desde 2007, quando Jonas Peregrino apareceu nas páginas do fanzine Scarium.[1] De lá para cá mais três histórias foram publicadas, mas só agora em 2013 surge o romance Glória Sombria.[2]
Trata-se da primeira aventura do Capitão Jonas Peregrino, no qual é contado como ele, de um discreto posto como oficial júnior na Patrulha Colonial é recrutado para comandar uma força de elite secreta, os Jaguares, sob a liderança do Almirante Túlio Ferreira.
Peregrino é escolhido a dedo por Ferreira por suas comprovadas – mas nem sempre reconhecidas – habilidades nas chamadas operações especiais, missões militares extremamente arriscadas que exigem grande coragem e criatividade em batalha.
A missão de Peregrino é formar e treinar uma tropa especial de ataque, para resgatar os mukbukmabaksai, alienígenas de um planeta duplo ameaçado de extermínio pelos tadais, esta uma civilização alienígena belicosa e militarmente poderosa, envolta em mistério por atacar com naves- robôs e jamais ter mostrado o rosto.
Em Glória Sombria estamos no século XXV com a humanidade profundamente envolvida na expansão da Via Láctea. São quatro as Zonas de Expansão, mas é na região conhecida como a Esfera, a maior e a mais rica, que as histórias da série se passam.
Apesar de conviverem pacificamente com algumas espécies alienígenas, a humanidade continua politicamente dividida, entre a América Latina, os Norte-Americanos, os Asiáticos e os Euro-Russos. Nesse sentido, Causo problematiza um dos clichês comuns das histórias do sub-gênero space opera, o futuro de consenso, onde temos um governo mundial que pacifica a humanidade e se expande pelo universo. A referência pop mais conhecida é a da série de TV Jornada nas Estrelas (Star Trek).
Se aparentemente o maior desafio militar e econômico para a humanidade é o surgimento dos tadais, pois não se sabe a extensão do poderio militar e tecnológico desta civilização alienígena, e nem ao menos se ela é biológica ou remanescente de uma antiga civilização, Glória Sombria mostra que na verdade os inimigos mais insidiosos estão entre os próprios humanos.
Para além da rivalidade política entre os povos, Peregrino se vê envolto numa complexa teia de conflitos e disputas entre os próprios políticos e militares latino-americanos, por mais poder e influência. No princípio hesitante, o soldado adere aos objetos militares de Ferreira, que procura restaurar um espírito mais combativo e ético dentro da corporação, mais envolta nas politicagens internas e numa certa acomodação no cumprimento dos objetivos militares.
Boa parte da história se passa, portanto, no desenrolar destas intrigas, mas sem perder de vista o principal: a preparação para a missão que Peregrino deverá liderar para salvar os mukbukmabaksai do extermínio dos tadais. Nesse sentido, o romance é preciso no que se propõe, não derivando para temas paralelos que poderiam ser interessantes, mas secundários à trama principal. Como, por exemplo, um maior detalhamento dos povos alienígenas mostrados na história – mesmo nas outras histórias eles são muito superficiais –, uma maior reflexão sobre o que seriam os tadais, uma contextualização mais caprichada de como se deu a expansão humana pela galáxia e porque e como a humanidade manteve-se forte, mesmo dividida internamente. No fundo, são temas possíveis de serem elaborados em histórias futuras e uma série espacial como esta se presta mesmo à priorização da ação, e a abordagem destes temas secundários de forma escalonada, ao estilo de uma “História do Futuro”.[3] E na verdade, Causo se inspirou num universo ficcional deste tipo, a alemã Perry Rhodan, a maior e mais longa série da história da ficção científica que, inclusive, é lida por Peregrino durante a história, em seus momentos de folga.




Como parte bem-sucedida desta narrativa mais objetiva, pode-se ler quaisquer das histórias da série de maneira salteada, e um dos méritos de Glória Sombria é a força de um texto enxuto e que prende a atenção, com um personagem carismático e eticamente impecável, e um contexto político à beira de um abismo – externo (os tadais) e interno (as disputas políticas fratricidas entre a humanidade). Vale mencionar também a sólida pesquisa, tanto de aspectos militares, como de conceitos de física e astronomia, devidamente aplicados no contexto mais livre da ficção científica.
A série “As Lições do Matador” lida com temas caros e familiares ao autor e isso ajuda a reforçar uma sensação de verossimilhança e realismo, além do grande conhecimento dos lugares-comuns e tradições da ficção científica, o que faz com que as histórias não tenham a preocupação de mostrarem algo novo ou original. Tudo soa natural, seguro, na construção do universo ficcional e desenvolvimento dos personagens. Isso não é pouco, ainda mais no cenário de uma ficção científica brasileira que sempre (e ainda hoje) procura emular apenas os clássicos consagrados do gênero em língua inglesa.
Glória Sombria é um romance curto, pouco maior do que uma novela, e de sua aparentemente despretensão mostra que é possível problematizar os conceitos do gênero, no caso, da space opera militar, e inserir novos pontos de vista, mais relacionados com a posição brasileira – ou latino-americana – dentro do contexto literário e político internacional.
Fico na viva expectativa de que o novo livro com Jonas Peregrino, Mestre das Marés, nos traga mais aventuras vibrantes deste exemplo brasileiro de uma rica e provocativa visão multicultural da prática da ficção científica, típica deste século XXI.

– Marcello Simão Branco


[1] Com o conto “Batalhas na Memória”, no número 19, maio de 2007.
[2] As outras histórias são: “Descida no Maelstrom”, noveleta publicada na antologia Futuro Presente (2009), “Trunfo de Campanha”, noveleta publicada na antologia Assembleia Estelar: Histórias de Ficção Científica Política (2011) e a noveleta “A Alma de um Mundo”, publicada na antologia Space Opera II: Jornadas pelo Hiperespaço em uma Galáxia Não Muito Distante (2012).
[3] Em certo sentido, é possível encontrar já bons detalhamentos destas questões no site criado especialmente para promover a série, Galaxis: Conflito e Intriga no Século XXV: www.galaxis.aquart.com.br.

Areia nos dentes, Antônio Xerxenesky

Areia nos dentes, Antônio Xerxenesky. 144 páginas. Não Editora, Porto Alegre, 2008.

Quando li a sinopse de divulgação de Areia nos dentes, fiquei empolgado. Não é comum que um autor brasileiro se arrisque a escrever faroeste e, ainda mais raro, que o misture com horror, pois a chance de sair algo muito errado é grande. Ainda mais por ser o primeiro romance de Antônio Xerxenesky, escritor portoalegrense que estreara apenas dois anos antes com a coletânea de contos Entre (Editora Movimento, 2006). O que me dava segurança quanto ao seu potencial era que, pouco antes, havia lido a antologia Ficção de polpa volume 1 (Editora Fósforo, 2007), da qual o autor faz parte com o bom conto “O desvio”, no qual um casal viaja num automóvel em alta velocidade assustando-se mutuamente.
Areia nos dentes conta a história de duas famílias rivais – os Ramírez e os Marlowes – que se enfrentam cotidianamente no pequeno vilarejo de Mavrak, (corruptela de Maverick) perdido no deserto norte-americano. Os motivos da rixa perderam-se no tempo, mas os sobreviventes continuam a se odiar com todas as forças. O jovem Martín, por ordem de Miguel Ramírez, seu pai, invade sorrateiramente a residência dos Marlowes na intenção de descobrir o que seus desafetos estão fazendo em segredo no porão, mas um tiro perdido o assusta e ele foge sem descobrir nada. No dia seguinte, Martín é encontrado morto e ninguém sabe quem foi o assassino, embora as suspeitas do velho Miguel recaiam, obviamente, nos odiados Marlowes. Ele então incumbe Juan, seu filho mais novo, a vingar o irmão assassinado mas, antes que isso aconteça, um delegado chega a Mavrak para apurar os fatos, aplicar a lei e impedir um banho de sangue naquele lugar esquecido.
Juan Ramirez estudou na cidade grande e não é exatamente um pistoleiro, e a pressão de seu pai parece não ser suficiente para convencê-lo a agir. O que vai motivá-lo é a desconfiança em relação a preferência que sua namorada secreta, a linda Vienna Marlowe, parece demonstrar por Samuel, um de seus próprios primos. Sem coragem para enfrentar Samuel de arma em punho, ele busca pela ajuda de um velho xamã que usa um poderoso feitiço herdado dos antigos astecas para levantar os mortos dos túmulos. No clímax da história, finalmente veremos o duelo entre os jovens Ramírez e Marlowe e o destino sanguinolento de Mavrak.
Xerxenesky, entretanto, não conta apenas essa história; intercala a narrativa épica – que, em alguns momentos, parece ter sido inspirada nos mais escandalosos westerns spaguetti já filmados – com o esforço do solitário Juan Ramírez que, na cidade do México dos dias de hoje, tenta registrar um memorial de sua família, especialmente do antepassado de quem herdou o nome. A princípio datilografando numa velha máquina, depois num computador que não quer funcionar direito, o Juan Ramírez moderno constrói uma história que é muito mais invenção do que realidade.
Articulando o trabalho de memorialista improvisado com a sua narrativa fantástica, o romance ganha aspectos metalinguísticos interessantes, com o que colaboram alguns experimentos concretistas que ilustram a diagramação do volume. A narrativa é ágil e divertida, ainda que nada confiável: o faroeste de Xerxenesky/Ramírez soa tão falso quanto as fachadas cenográficas dos filmes que o inspiram.
Como ficção, o trabalho de Xerxenesky não tem muita profundidade. A história é pueril, de um clima falso e afetado. Apesar da recheada de ação, não emociona e não transmite nem o maravilhamento que se espera de um épico nem o estranhamento que se espera de uma história de horror. Mas, ainda assim, Areia nos dentes é uma jogada de mestre, pois não há como acusar Xerxenesky de pecar nesse aspecto. Afinal, é Juan Ramírez o verdadeiro autor do romance e ele não é um escritor, além de estar sempre bêbado e empenhado em tornar a história de sua família em algo espetacular, mesmo que para isso tenha que mentir um pouquinho.
O maior mérito de Areia nos dentes está no experimentalismo gráfico. Por exemplo, numa certa altura o autor usa uma diagramação de roteiro de teatro, com fontes diferenciadas do corpo do texto, como se fosse um diálogo ensaiado. Noutra, contrapõe duas colunas simultâneas, sendo que na primeira a ação é praticada por Juan Ramírez e na segunda, por Samuel Marlowe. E quando o computador dá defeito, o texto transforma-se em sinais ilegíveis. Apesar de não contribuírem em nada para a construção do clima de ficção – ao contrário, prejudicam-no enormemente – estes experimentos gráficos são muito divertidos.
Dessa forma, Areia nos dentes, ainda que seja um faroeste de horror rasgado com tudo o que tem direito, acaba não sendo nem faroeste nem ficção de horror, mas uma peça de experimentalismo que pouco tem a ver com a literatura fantástica. Mesmo assim, não decepciona e vale a pena ser lido.
— Cesar Silva

terça-feira, 7 de julho de 2015

Amor vampiro

Amor vampiro, Ednei Procópio, org. Giz Editorial, São Paulo, data oficial 2007 (efetivamente 2008).

Antologia com contos de dark fantasy organizada pelo próprio editor da Giz Editorial, reunindo alguns dos mais ativos autores brasileiros que têm nos contos com vampiros o seu principal trabalho. O expediente informa 2007 como a data de publicação, mas só foi efetivamente publicado no início de 2008.
O livro é elegante, com uma belíssima capa assinada por Amauri Modesto de Oliveira, ótimas produção gráfica, diagramação e revisão. Em suma, uma edição que faria história em qualquer época em que fosse publicada, exceto hoje, uma vez que o mercado está saturado de livros com histórias de vampiros, inclusive dos próprios autores. É lamentável que assim seja, porque o livro apresenta um projeto editorial consistente e os autores publicados têm experiência.
Adriano Siqueira é editor do bem sucedido saite de horror Adorável Noite, que ajudou a catalisar o gênero no Brasil. André Vianco é um dos maiores fenômenos da literatura fantástica brasileira, com muitos livros publicados, entre eles o bestseller Os sete (2001), bem recebido também pela crítica. Martha Argel podemos dizer que é uma veterana no fandom, presente desde a década de 1990 quando praticava ficção científica, até identificar-se com os vampiros e desenvolver alguns dos bons livros no tema, como o romance Relações de sangue (2002), a antologia O vampiro de cada um (2003) e o excelente O vampiro da Mata Atlântica (2009), entre outros. J. Modesto é autor do romance Trevas: Eles estão por toda parte (2006). Nelson Magrini tem em seu currículo os livros Anjo, a face do mal (2004) e Relâmpagos de sangue (2006). Regina Drummond é a mais experiente de todos, com um trabalho importante e premiado como escritora, editora e incentivadora da leitura. Giulia Moon, por sua vez, é uma das mais interessantes autoras brasileiras de vampiros, com vários livros publicados, entre eles Vampiros no espelho & Outros seres obscuros (2004), A Dama-Morcega (2006) e a série de romances com a vampira Kaori, que já conta com três volumes.
Dessa forma, era de se esperar que os contos publicados fossem trabalhos destacados no gênero e na bibliografia dos autores, aproveitando a ousadia que o título da antologia sugere, uma vez que os vampiros já são, em sua dimensão mítica, seres deformados. Mas como se poderá perceber pela resenha a seguir, não houve muita variação e quase todas as histórias versam sobre relações entre homens e vampiras com as mais previsíveis conotações. Nenhum outro tipo de amor parece fazer parte do ideário vampírico, seja por parte do monstro seja por parte das suas vítimas, pelo menos na opinião do organizador da antologia, uma vez que alguns dos autores já mostraram visões mais interessantes nesse mesmo tema em outras oportunidades. Apesar disso, o conjunto soa harmonioso, sem que nenhum dos trabalhos publicados se destaque entre os demais.
Não parece haver um padrão na ordem dos autores, mas cada um deles forma um caderno particular, isolados entre si por uma folha decorada com grafismos e um pequeno currículo.
Adriano Siqueira abre a antologia, com três trabalhos muito curtos. O primeiro deles é “O outro lado do espelho”, com apenas três páginas é o mais breve da antologia e faz o trabalho de um diapasão para o que virá em seguida. Numa ambientação algo gótica, um vampiro satisfaz o desejo de uma bruxa que insiste ser vampirizada. Em “O dia dos vampiros”, um jovem sem sorte troca de lugar no espaço e no tempo com um vampiro que ia ser imolado séculos atrás. Enquanto o jovem azarado é sacrificado em seu lugar, o vampiro acompanha sua namorada a uma festa dedicada aos vampiros. O conto assume ser uma homenagem a 13 de agosto, o Dia do Vampiro, quando a comunidade brasileira de fãs festeja o seu objeto de desejo. O terceiro conto é “A grande chance”, no qual um adolescente apaixonado pela garota mais bonita da escola espera pela chance de se declarar. Mas ela está envolvida com um vampiro e o destino do jovem é tornar-se o prato principal da noite.
O caderno seguinte apresenta o conto “A canção de Maria”, de André Vianco. O experiente autor ousa instalar sua narrativa na Palestina dos tempos de Jesus Cristo, quando um lenhador judeu abriga em sua casa uma jovem mãe que lhe pede ajuda. Porém a mulher morre e deixa sua criança com o homem, que decide cuidar dela sozinho. Mas o fantasma da mãe parece rondar a casa com a intenção de levar também a criança, que fica cada vez mais fraca e doente. Assustado e cada vez mais desesperado, o homem abandona suas convicções religiosas e busca na feitiçaria uma forma de proteger o bebê e a si mesmo. É o conto mais diferente do livro, com uma vampira não usual e uma relação de amor triangular entre o lenhador, a jovem mãe e o bebê. Mas o conto não está bem ambientado e a Palestina romana de Vianco não soa realista. O judeu não pratica sua religião e talvez nem o seja de fato, mas ao buscar ajuda com o Nazareno, sem sucesso, dá a impressão de que fosse. A imagem burocrática que Vianco pinta de Jesus que, na sua opinião, seria agenciado por João Batista, é historicamente inconsistente e enfraquece o conto. Os resultados seriam melhores se Vianco tivesse plantado seu drama de horror diretamente na Europa medieval, com a qual se identifica mais plenamente. Apesar disso, é o melhor trabalho do livro.
A seguir, Martha Argel apresenta o conto mais longo do volume, “A flor do mal”, uma noveleta com 40 páginas, ambientada na Florença do tempo dos Médicis. Uma vampira, ao voltar de sua caçada noturna, é surpreendida por um homem em busca de vingança pela morte de um parente, mas os instintos da monstra a alertam a tempo de evitar qualquer dano, e o atacante acaba escravizado pela vampira. Surge um romance entre os dois e, mais tarde, a vampira acaba transformando seu amante numa criatura semelhante a ela. Há bons momentos no conto – especialmente os mais apimentados, que a autora domina muito bem – e a ambientação florentina é eficiente, mas faltou algo mais à história, pois os dramas emocionais dos dois vampiros não são convincentes.
J. Modesto conta duas histórias. Em “Amante notívago” um vampiro se aproveita de uma dama da nobreza enquanto seu marido não está no castelo. Este, vindo não se sabe de onde, esfalfa-se para chegar a tempo de salvar sua esposa das garras do monstro. O confronto favorece ao homem que, depois de destruir a criatura do mal, deita-se ao lado da esposa desacordada. Quando o cansaço o faz dormitar, a dama finalmente revela sua nova natureza. Em “O anjo e a vampira”, uma senhora idosa fala a seu neto adolescente sobre a paixão entre dois seres de naturezas incompatíveis. Apaixonados, anjo e vampira procuram uma bruxa que conspurca a santidade do anjo para que o casal possa satisfazer sua luxúria em segurança. Modesto é o autor menos experiente do grupo, mas suas histórias não destoam do conjunto.
“Isabella” é a contribuição de Nelson Magrini, que conta como um nerd obcecado por uma vampira arma um esquema para que ela o note e se apaixone por ele. Usando de lógica supostamente científica, o rapaz argumenta que a vampira é mais humana do que pensa e, finalmente, consegue convencê-la a se entregar a sua paixão. O texto tem problemas com repetições de palavras e aliterações, e nas primeiras páginas há uma adjetivação tão exagerada que chega a incomodar. Mas passado esse mal início, a narrativa flui melhor.
Regina Drummond participa com “A velha, o jovem e o casarão”, a aventura de um adolescente que, maltratado pela madrasta, foge de casa. Sem ter para onde ir, observa como uma velha senhora desaparece num trecho desmoronado do muro que cerca um velho casarão aparentemente abandonado, e resolve segui-la. Uma vez nos domínios do imóvel, é envolvido por energias nefastas que o impedem de se afastar. Depois de passar uma noite no casarão, finalmente se encontra com a velha, que o recebe com amabilidade. Dessa forma, o jovem decide permanecer para explorar melhor as dependências do velho solar, o que vai revelar ser um grande erro. A história, se não é original, é muito bem contada, tem um nível de estranhamento delicioso e faz uma bela homenagem aos velhos casarões assombrados. A referência ao amor vampiro é transversal e só vai materializar-se no trecho final da história, mesmo assim é preciso a participação interpretativa do leitor. A apresentação de Regina Drummond impressiona, é uma autora muito experiente, com uma sólida carreira dedicada à literatura infanto-juvenil, e é estranho que com tanto prestígio não tenha uma bibliografia mais consistente no fantástico. Certamente não é por causa de seu texto, que é irrepreensível, assim como sua criatividade, que faz de seu conto um dos melhores trechos da antologia. Talvez sua carreira literária já estabelecida seja um dificultador junto aos seus editores, e sua presença nesta coletânea inaugure uma linha alternativa de sua obra. Espero que a autora tenha a oportunidade de nos apresentar, num futuro breve, mais trabalhos voltados para o fantástico, com ou sem vampiros, pois é uma excelente escritora.
“Dragões tatuados”, de Giulia Moon, fecha a antologia com uma história que se passa no bairro da Liberdade, na capital paulista. Um rapaz tem por profissão observar e catalogar vampiros em nome de alguma organização que não é explicitada na história. Sempre muito discreto e cuidadoso, catalogou centenas dessas criaturas amaldiçoadas, mas desta vez alguma coisa não deu certo, pois ele acorda na cama de sua suíte no hotel sem lembrar dos eventos da noite anterior e com duas pequenas perfurações em seu pescoço. Na busca por respostas, ele vai se envolver com uma mulher fatal que tem por hobby tatuar dragões em suas vítimas. Giulia tem um ótimo domínio do texto e a história envolve o leitor mas, depois de tantas histórias de paixão entre homens jovens e vampiras sedutoras, acaba por ser mais um pouco do mesmo.
Fica a certeza que o organizador perdeu a chance de construir uma antologia realmente representativa do tema escolhido, pois alguns dos autores selecionados já publicaram histórias melhores nessa premissa. Quando os textos se aproximam de uma narrativa pornográfica, um pouco mais de ousadia poderia ter elevado a experiência do leitor a algo realmente emocionante – uma vez que assustadora não é – mas os contos são comedidos, juvenis, e fica a impressão de um moralismo excessivo, que não consegue pensar num amor vampiro para além do heterossexual. Uma visão mais criativa e ousada ficou assim para uma outra oportunidade.
De qualquer forma, o livro entretem e o editor nos informou que o volume teve aceitação muito boa pelos livreiros, provavelmente animados com o nome de André Vianco entre os autores, além da excelente apresentação gráfica.
— Cesar Silva

domingo, 5 de julho de 2015

Chupacabra (Chupacabra vs. The Alamo, Canadá, 2013)


O canal de TV a cabo “SyFy” é voltado para filmes de ficção científica e horror. Seu slogan é “SyFy – Imagine Mais”. Mas, o ideal seria algo como “Imagine filmes ruins e no SyFy eles são piores ainda”. É o cinema fantástico bagaceiro do século XXI, com histórias fracas, elenco inexpressivo, CGI vagabundo, produção tosca, e tudo com uma roupagem moderna. Se essas tranqueiras serão cultuadas no futuro, somente o tempo dirá, mas o que certamente podemos dizer agora, é que são filmes péssimos e o espectador precisará ser muito paciente e pouco exigente para tentar conseguir alguma diversão, mesmo que em pequenas e logo esquecíveis doses.
Dirigido por Terry Ingram, “Chupacabra” tem a curiosidade da presença na liderança do elenco do veterano Erik Estrada, o policial rodoviário Frank Poncherello da série de TV “CHiPs” (1977 / 1983), que foi exibida à exaustão na televisão brasileira. O ator faz o papel do policial da divisão de narcóticos, agente Carlos Seguin, na pequena cidade americana de San Antonio, no Estado do Texas, divisa com o México. Inclusive, provavelmente servindo de homenagem ao ator e à série de TV, temos várias cenas gratuitas com ele dirigindo uma bela e imponente moto, com direito até a uma acrobacia saltando sobre um canteiro de obras.
Junto com a nova parceira, Tracy Taylor (Julian Benson), ele recebe a missão de investigar as mortes misteriosas e de forma sangrenta de um grupo de traficantes de drogas. Descobrindo mais tarde que a responsabilidade dos assassinatos é de um bando imenso de “chupacabras”, uma lenda urbana que virou realidade, animais mutantes e nômades, misto de cachorros e coiotes, que invadem a cidade à procura de comida, encontrando nos seres humanos a carne e o sangue para saciarem sua fome. A dupla de policiais forma uma improvável aliança com um grupo de arruaceiros rebeldes, e fortemente armados, partem para o combate contra a invasão da horda de “chupacabras” que já fizeram dezenas de vítimas. Culminando num confronto decisivo dentro do histórico Forte Álamo (daí o título original), que no passado teve importância relevante na guerra entre Estados Unidos e México pela posse do Texas.
A invasão de uma pequena cidade por animais enfurecidos ou criaturas sobrenaturais é a já conhecida e largamente explorada premissa básica do filme. Dentro desse clichê, ainda temos um elenco patético, com exceção talvez para a nostalgia da presença de Erik Estrada, somado com uma história despreocupada com lógica ou coerência, e efeitos tão vagabundos de computação gráfica que obviamente não convencem. São “chupacabras” aparecendo por todos os lados, sendo abatidos por tiros, e atacando os humanos como cachorros raivosos. É verdade que tem bastante sangue, com mortes violentas, mas com uma artificialidade que não funciona. Ainda tem os comentários patéticos no meio do caos e o desfecho previsível onde facilmente sabemos quem serão os sobreviventes e os vitoriosos da batalha. Mais um filme descartável exibido pelo canal “SyFy”, que deveria “imaginar” que seus espectadores gostariam de ver filmes melhores.     
(Juvenatrix – 05/07/15)

quarta-feira, 1 de julho de 2015

Trilogia Padrões de Contato, Jorge Luiz Calife

Trilogia Padrões de Contato, Jorge Luiz Calife. 648 páginas, capa de Vargner Vargas. Devir Livraria, São Paulo, 2009.

Padrões de contato faz parte do restrito conjunto de títulos seminais que são lembrados em primeiro lugar quando se fala em ficção científica brasileira. Da mesma forma o seu autor, o jornalista carioca Jorge Luiz Calife, que ganhou notoriedade quando o escritor britânico Arthur C. Clarke o citou em agradecimento no seu romance 2010: Uma odisseia no espaço II (1982). Calife era seu fã e correspondente, e sugerira num esboço os contornos gerais de uma continuação a 2001: Uma odisseia no espaço (1968), abrindo as comportas para uma série que Clarke julgava impossível. Seja como for, 2010 foi um grande sucesso editorial e cinematográfico, lançando o nome de Calife na grande imprensa. A então muito popular revista Manchete apressou-se em publicar o esboço que Calife enviara ao famoso escritor, nomeado de "2002". Logo, as editoras se interessaram pelo que aquele desconhecido jornalista tinha a dizer e, em 1985, Padrões de contato ganhou as livrarias pela editora Nova Fronteira.
No ano seguinte, pela mesma editora, veio a sequência, Horizonte de eventos. Articulados a um conjunto de circunstâncias, os dois romances inauguraram o que ficou conhecido como Segunda Onda de ficção científica brasileira, caracterizada pela formação de um grupo de fãs organizado, pela publicação de muitos fanzines, pelo desenvolvimento de uma consciência de corpo e pela busca de identidade para ficção científica nacional, que não existia até então.
Contudo, a maior importância de Padrões de contato/Horizonte de eventos é que se tratou da primeira ficção científica hard nacional, na qual os conceitos de astronomia e astronáutica foram tratados de forma precisa e rigorosa. A ficção científica brasileira tinha enfim o seu representante hard fiction e isso inspirou muita gente a seguir-lhe os passos.
Mas naqueles tempos de final de século, não era fácil publicar um livro e a maior parte da produção da Segunda Onda estava apoiada nos fanzines, com os quais Calife, mesmo depois de seus romances publicados, não se furtou em colaborar. Vários contos no mesmo universo do romance foram neles impressos. Em 1991, Calife ainda veria publicado um terceiro volume da série: Linha terminal, pela legendária editora GRD, com uma tiragem tão minúscula que, na prática, circulou apenas dentro dos muros do fandom.
Em 2009, próximo do momento em que Padrões de contato completaria 25 anos de publicação, a Devir Livraria reuniu os três romances em um único volume e recuperou para o público esta que é conhecida como a primeira trilogia da ficção científica brasileira, ainda que eu, particularmente, discorde do título. Afinal de contas, Calife não construiu uma trilogia, ele apenas publicou três livros, que podem ser mais se as editoras assim quiserem. Padrões de contato é, de fato, uma série aberta, um universo recorrente do autor que comporta, além desses três livros, uma boa quantidade de contos e noveletas publicadas ao longo dos anos em fanzines e antologias, incluindo ainda um quarto romance: Angela entre dois mundos, publicado em 2010 pela mesma editora.
A Devir fez um bom trabalho na compilação, que foi totalmente revisada e premiada com a belíssima capa de Vagner Vargas, que também executou ilustrações para a abertura interna de cada livro. O volume conta ainda com um prefácio do jornalista Marcello Simão Branco.
O primeiro livro, "Padrões de contato", está divido em quatro partes distintas. A primeira delas, intitulada "Estrela cadente (2426 AD)", narra o primeiro contato de um ser humano com a inteligência alienígena Tríade, na pessoa de Angela Duncan que, por isso, é agraciada com a juventude eterna. Desde então, Angela torna-se uma personalidade mundial numa Terra futura na qual a ciência respondeu a todas as dúvidas e acabou com todos os problemas da sociedade. Enquanto inteligências artificiais governam a civilização e grandes corporações lutam pelo domínio do espaço, a humanidade é sacudida pelas revelações apocalípticas de uma sonda alienígena vinda do espaço profundo.
Na segunda parte, "Luzes do abismo (2560 AD)", as inteligências artificiais foram literalmente para o espaço e uma geração pós-humana reforçada com todo tipo de upgrades biotecnológicos, pretende seguir o mesmo caminho. A imortal Angela vive numa estação instalada na atmosfera de Júpiter, onde os cientistas tentam contatar uma sociedade alienígena que ali reside.
Em "Fuga da eternidade (2701 AD)", a Tríade volta a Terra e absorve uma parte da humanidade que se preparara para isso voluntariamente. Sem mais nada de útil para fazer, um grupo de homens e mulheres requisitam uma espaçonave para também meter-se para sempre no espaço sideral.
"A filha dos deuses (3002 AD)" completa o livro. A bordo de uma espaçonave repleta de alienígenas em missão de pesquisa num buraco negro, Angela finalmente volta a se encontrar com a Tríade, que lhe revela o motivo de ter lhe dado vida, juventude e beleza eternas.
O segundo livro, "Horizonte de eventos", divide-se em três partes. A primeira, a melhor de toda a trilogia, é "Choque cultural", em que Angela Duncan e a também imortal jornalista Luciana Vilares viajam à bordo do mundo artificial Éden 6, a caminho do núcleo da galáxia. A certa altura encontram a Brasil, uma antiga espaçonave terrestre perdida. Lançada no século XXII, a Brasil usava uma tecnologia primitiva, viajando no espaço tridimensional em velocidades próximas à da luz, de modo que a tripulação só envelhecera duas décadas em oitocentos anos de viagem. A tripulação era formada por colonizadores brasileiros em busca de um planeta selvagem, mas um acidente no percurso os tirara da rota, levando ao poder uma guarnição de militares diretamente inspirados na nossa ditadura, que ali governavam com mão de ferro.
"Os dois lados do amanhã" é um típico período de interregno. Superados os problemas com a Brasil, Éden 6 segue sua jornada ao centro da galáxia, onde pretende encontrar-se com a Tríade. Dafne, neta de Angela e igualmente imortal, pesquisa alienígenas globulares e Luciana, na companhia de Fernando – um dos sobreviventes da Brasil – viajam à Terra para pesquisar as fichas dos náufragos, que deviam subexistir nos antigos registros preservados em velhíssimos bancos de memória.
"Horizonte de eventos" conclui este segundo livro. Lena, filha de Dafne, não herdou da mãe a dádiva da juventude eterna. Como todo o resto da humanidade, ela também vive no espaço sideral em constante trabalho de pesquisa científica. A expedição em que Lena participa a leva a expôr-se a uma desconhecida raça alienígena, os nictianos, que se revelam de natureza parasitária e invadem os corpos dela e de toda a equipe. Com a mente controlada pelos nictianos, Lena e seus companheiros atacam Éden 6, num mortal jogo de gato e rato em meio às estrelas do núcleo da galáxia.
"Linha terminal" fecha a trilogia retomando personagens e situações que haviam aparecido no primeiro livro e não tinham sido lembrados no segundo. Os pesquisadores descobrem uma antiga espaçonave terrestre orbitando um estranho planeta. Ali encontram evidencias da presença antiga dos djestares, civilização galáctica desaparecida que criou a Tríade. Enquanto isso, Angela Duncan, com recursos da Grande Comunidade Galáctica, passou as últimas décadas dedicada a construir uma enorme máquina do tempo, através da qual volta a época em que os djestares ainda existiam para descobrir uma forma de recuperar a saúde da Tríade, que está morrendo. Por acaso, a época em questão é justamente os anos 1980 e o local em que ela pretende encontrá-los é justamente o litoral do Rio de Janeiro.
A narrativa de Calife é equilibrada, com bons diálogos e ritmo agradável, sem vales profundos ou montanhas íngremes: o leitor passeia tranquilo e sem sobressaltos. Mas a reunião dos três romances tornou a leitura um fardo difícil de carregar. Primeiro, por causa do peso de suas quase 700 páginas que, se não estiver bem apoiado, em poucos minutos faz doer os braços mais musculosos. Depois, porque os romances foram escritos para serem lidos separadamente. Justapostos, tornam-se cansativos e redundantes. A falta de uma linha narrativa principal confunde o leitor que, quando chega ao meio do livro, já não se lembra mais do que aconteceu no início.
Irrita também a insistência do autor em convencer seus leitores da não existência de Deus, como obviamente ele mesmo acredita, pois o romance em si já seria suficientemente eloquente. Volta e meia, os alter-egos femininos do autor lascam um discurso antignóstico que beira o panfletário. A revisão bem poderia ter removido essas partes que, além de não fazerem falta nenhuma no enredo, empanam o brilho do que poderia ter sido uma perfeita peça de proselitismo ateu. Não que eu concorde necessariamente com a crença do autor mas, pelo menos o livro, como peça literária, teria subido alguns pontos na minha avaliação.
A falta de conflitos importantes e a fragilidade das personagens principais, todas muito parecidas, também enfadam o leitor que, na maior parte do tempo, depende unicamente das elaboradas descrições de imagens cósmicas para sustentar o interesse.
Quando Calife encontra um bom conflito para explorar, como é o caso do acidente de Angela nas nuvens de Júpiter (em Padrões de contato) e o conflito entre o mundo artificial Éden 6 e a totalitária Brasil (em Horizonte de eventos), o texto ganha fôlego e a leitura progride com vigor. Mas os problemas são rapidamente superados e o curso narrativo logo volta ao ritmo de cruzeiro, pacífico e preguiçoso.
Mas que não fiquem dúvidas: Jorge Luiz Calife e Padrões de contato merecem todas as homenagens que lhe cabem. Trata-se de uma obra pioneira em vários aspectos, com belíssimas e inspiradoras descrições de maravilhas do espaço profundo, coisa em que Calife é sem dúvida, imbatível.
— Cesar Silva