sexta-feira, 31 de março de 2017

A Maldição dos Espíritos (Spirits, EUA, 1990)


A frase acima é uma junção de duas taglines originais promocionais do filme “A Maldição dos Espíritos” (Spirits, 1990), lançado no mercado brasileiro de vídeo VHS pela “Carat Home Video”. A direção é do veterano Fred Olen Ray, dono de um currículo imenso repleto de bagaceiras, e o elenco é liderado por Erik Estrada, da cultuada série de TV “CHiPs” (1977 / 1983), e por Robert Quarry, conhecido por vários filmes preciosos de horror como “Conde Yorga, Vampiro” (1970), “A Câmara de Horrores do Abominável Dr. Phibes” (1972) e “A Casa do Terror” (1974).   
A história é manjada e já vista várias vezes em outros filmes. Um grupo de estudiosos de fenômenos paranormais vai investigar uma casa assombrada que tem um passado sinistro de mortes violentas. A equipe de investigação é formada pelo cientista Dr. Richard Wicks (Robert Quarry), a psicóloga descrente Beth Armstead (Kathrin Middleton), a médium sensitiva Amy Goldwin (Brinke Stevens, veterana atriz com carreira de mais de 150 créditos de tranqueiras diversas), e pelo membro da “Sociedade de Preservação Histórica” Harry Matthias (Oliver Darrow). O objetivo do grupo é obter provas da existência de espíritos (daí o título original), de vida após a morte, baseando-se em relatos sobre atividades psíquicas misteriosas no local e que resultaram em assassinatos.
A casa existe desde 1901 e seu morador original foi um expatriado francês místico e ocultista, que realizava rituais satânicos com sacrifícios de jovens virgens. Enquanto eles enfrentam a ira dos espíritos malignos que assombram a casa, um padre católico, Anthony Vicci (Erik Estrada), está atormentado pela perda da fé e por ter cometido pecados com uma bela mulher que viveu na casa maldita, sendo constantemente perturbado com visitas de demônios femininos, obrigando-o a se juntar ao grupo de investigadores para tentar combater o mal que habita a casa.
Primeiramente, não dá para deixar de citar a escolha do nome nacional do filme, apelando para o manjado “Maldição” no título, somando-se às dezenas de outros filmes que também tem essa palavra clichê em seus nomes, numa falta de criatividade imensa dos responsáveis por essa tarefa, os preguiçosos distribuidores dos filmes de horror que chegam ao Brasil.
“A Maldição dos Espíritos” é certamente um filme datado, nos remetendo imediatamente para os anos 80 e início de 90. Uma época sem a artificialidade da moderna computação gráfica, tanto que os efeitos das pessoas possuídas pelos espíritos malignos e demônios são tão toscos que divertem pela precariedade, com os atores maquiados e transformados em monstros. O filme tem um diretor de cinema bagaceiro, um nome associado ao gênero, e tem um elenco de atores cultuados pelos apreciadores de filmes de orçamentos menores. Apesar de que parece bem apelativa a exploração do nome de Erik Estrada, inclusive com um dos cartazes do filme estampando seu rosto, sendo que na verdade ele nem aparece tanto em cena, com o foco de boa parte das atenções para o grupo de estudiosos da casa assombrada.
O roteiro é um grande clichê, já explorado à exaustão pelo cinema de horror, onde podemos citar apenas por curiosidade os clássicos “Desafio ao Além” (The Haunting, 1963) e “A Casa da Noite Eterna” (The Legend of Hell House, 1973), com histórias muito similares, também apresentando um grupo de pesquisadores que investiga as atividades sobrenaturais de uma casa com fama de maligna.
Depois dessa breve análise, o que podemos dizer é que o filme é indicado para quem aprecia bagaceiras oitentistas e se diverte com efeitos toscos, histórias rasas, clichês comuns e atores com imagens associadas às produções de orçamentos reduzidos.
(Juvenatrix –26/03/17)

sexta-feira, 17 de março de 2017

Uma Introdução aos Prêmios de Ficção Científica e Fantasia

Marcello Simão Branco

Quem disse que é só o cinema americano que tem o seu Oscar? Se a festa maior do cinema acontece no último domingo de fevereiro, a da ficção científica dos Estados Unidos acontece no primeiro domingo de setembro, com a entrega do Hugo. Assim como a Sétima Arte, a Arte do Amanhã também tem vários prêmios de diferentes matizes.
Se no cinema americano o Oscar foi instituído em um momento decisivo, em 1928, com o surgimento dos filmes falados, com relação à ficção científica americana deu-se um fenômeno semelhante.
Era o início dos anos 1950, e o gênero começava a ganhar ares industriais, passando do ambiente dos pulp magazines (revistas baratas vendidas em bancas de jornais e supermercados), para a das grandes editoras, que começavam a publicar regularmente os primeiros livros de ficção científica, aproveitando os autores mais populares dos anos 1940, na chamada Golden Age: Isaac Asimov (1920-1992), A.E. Van Vogt (1912-2000), Robert Heinlein (1907-1988) e Frederik Pohl (1919-2013).
É nesse clima de expansão comercial que surgem os primeiros prêmios voltados à ficção científica. O primeiro deles foi o International Fantasy Award (IFA), criado na Inglaterra, por um grupo de fãs e escritores em 1951. Escolhiam os vencedores alguns nomes importantes da ficção científica britânica. A primeira obra vencedora foi o romance Só a Terra Permanece (Earth Abides), do escritor americano George R. Stewart (1895-1980), um clássico.
Mas o IFA acabou superado por aquele que viria a ser o prêmio mais popular da ficção científica em todo o mundo, o Hugo. Ele foi criado em 1953 pelo fã Hal Linch e apresentado na Convenção Mundial de Ficção Científica daquele ano, na Filadélfia. O primeiro vencedor é outra obra clássica da ficção científica, O Homem Demolido (The Demolished Man), de Alfred Bester (1913-1987). A partir de 1955 na WorldCon realizada em Cleveland até o prêmio a ser entregue este ano em San José (California), o Hugo vem sendo entregue todos os anos aos melhores e mais populares da ficção científica em língua inglesa.
A exemplo do Oscar, o Hugo - com o troféu ao lado -, é entregue em várias categorias, tais como romance, novela, conto, filme, editor, ilustrador etc., refletindo mais tendências populares do que propriamente critérios artísticos. Também como o principal prêmio do cinema, seu nome deriva de uma homenagem carinhosa. Só que ao contrário do Oscar, que ninguém sabe realmente quem foi, o Hugo lembra a figura do editor Hugo Gernsback (1884-1967). Ele foi o sujeito que publicou a primeira revista dedicada inteiramente à ficção científica em todo o mundo, Amazing Stories, a partir de 1926 e também cunhou o termo “science fiction”.
Os vencedores em cada categoria são escolhidos por eleição dos fãs, votando tanto aqueles que comparecem às WorldCons, tanto aqueles que mandam seus votos por correspondência. A partir do ano 2000 passou a ser aceito votos enviados pela Internet. Nos últimos anos o Hugo tem enfrentado polêmicas relacionadas a grupos ou escritores que dizem representar minorias e, por se sentirem prejudicados, adotam ações de lobby ou sabotagem para prejudicar o prêmio. Mesmo assim ele segue inabalável como o mais representativo do campo da FC.

Escritores
Se o Hugo é o prêmio dos fãs, surge em 1965 um prêmio mais rigoroso quanto à escolha dos vencedores. É o Prêmio Nebula, criado pela Science Fiction and Fantasy Writers of America (SFFWA), uma associação de escritores norte-americanos. Votam no Nebula apenas os autores associados e as categorias são apenas literárias: Melhor romance, novela, noveleta, conto e, mais recentemente, roteiros de cinema e televisão. O primeiro vencedor do Nebula, foi um dos clássicos absolutos da ficção científica, Duna, de Frank Herbert (1920-1986), que também conquistou o Hugo no mesmo ano.
A partir de 1974 o Nebula passou a ser entregue também a um escritor com destacada carreira e influência dentro da ficção científica, o chamado Grande Mestre, rebatizado posteriormente como Damon Knight Memorial Grand Master, em homenagem ao escritor e crítico Damon Knight (1922-2002), também agraciado com o título em 2002. O primeiro homenageado foi Robert Heinlein (1907-1988). Arthur C. Clarke (1917-2008), Isaac Asimov e Ray Bradbury (1920-2012) também já ganharam. No total 33 autores já foram lembrados, e em 2017 o prêmio será entregue para Jane Yolen, autora ainda inédita no Brasil.  

Não demorou muito para a indústria editorial americana explorar o filão dos autores e obras vencedores do Hugo e Nebula. Livros que vencem estes prêmios têm edições extras, seus autores são mais bem pagos, editam-se várias antologias com os contos vencedores de ambos os prêmios. E, de mais a mais, não deixa de ser um critério objetivo de qualidade para o leitor na hora de escolher que livro de ficção científica levar para casa.
Sendo a sociedade americana extremamente competitiva e diversificada, não demorou em surgir outros prêmios, de características mais específicas. Entre eles, podemos citar, o World Fantasy Award, um equivalente do Hugo para o gênero fantasia; dois prêmios que levam o nome de John W. Campbell, Jr (1910-1961), o mais influente editor da história da FC dos EUA: o John Campbell Award, entregue ao autor revelação do ano, e o John Campbell Memorial Award, para o melhor romance de FC do ano nos EUA, agraciado pela Kansas Science Fiction and Fantasy Society; o prêmio entregue pela principal revista sobre ficção científica no mundo, a Locus, que leva o seu nome; além de dois prêmios britânicos tradicionais, entregue por associações de fãs e escritores: British Science Fiction e o British Fantasy.
E sem esquecer de citar os prêmios que recebem nomes de escritores consagrados, como Philip K. Dick, Arthur C. Clarke e Theodore Sturgeon. O primeiro para o melhor romance em formato pocket (bolso) publicado anualmente nos Estados Unidos; o segundo para o melhor romance publicado na Grã-Bretanha; e o terceiro para o melhor conto norte-americano do ano.

Cinema
Mas se estamos falando dos prêmios literários, é importante lembrar que existem também prêmios para o cinema de ficção científica, tal como o Saturno - com o troféu ao lado -, e o Avoriaz, este entregue no festival espanhol de cinema de mesmo nome. Mas a referência principal no cinema também é o Hugo. A categoria “Dramatic Presentation”, que representa séries de TV e filmes para o cinema é a mais concorrida e votada todos os anos.
Algumas obras seminais que mudaram o destino do gênero na TV e cinema ganharam o Hugo, tais como a série Além da Imaginação (por três anos), Jornada nas Estrelas (clássica, dois anos), 2001: Uma Odisséia no Espaço, Guerra nas Estrelas, Os Caçadores da Arca Perdida, Blade Runner, Truman Show e, no ano passado, Perdido em Marte, como longa-metragem, e um episódio da série Jessica Jones.
Mas não é só nos States e no Reino Unido que os prêmios de ficção científica proliferaram. Países como França, Austrália, Rússia, Itália, Espanha e Japão também entregam prêmios importantes no ambiente local de sua produção literária de ficção científica.

Brasil
Mas e nós? No Brasil, os prêmios de ficção científica também existem e vieram a refletir o desenvolvimento do gênero no fim dos anos 1980. Assim surgiu o Prêmio Nova, criado pelo fã e escritor Roberto de Sousa Causo em 1987. O objetivo foi homenagear os trabalhos de destaque em cada ano e incentivar a competição e o aprimoramento entre os escritores, editores e ilustradores de ficção científica no Brasil. Desta forma, o Nova mudava o número de categorias quase todos os anos e também o critério de votação, refletindo o que se produzia em termos de ficção científica brasileira. Embora restrito à comunidade de fãs, o Nova durou dez anos – até 1996 – é uma tradição em nossa história, além de ter legado um herdeiro nos dias atuais, o Prêmio Argos.
Entregue pelo Clube de Leitores de Ficção Científica (CLFC), entre 2000 e 2003, é escolhido pelo voto dos sócios foi o primeiro e único prêmio brasileiro de ficção científica, que remunerou os vencedores – em suas duas primeiras edições. Depois de ausente alguns anos retornou em 2012 e mantém-se ativo no momento.
Outros prêmios foram criados e descontinuados. Ainda nos anos 1990, o fanzine Megalon promoveu a entrega do Prêmio Tapìraì, entre 1992 e 1994, votado pelos leitores da publicação; também originário dos anos 1990, o Prêmio SBAF, da Sociedade Brasileira de Arte Fantástica, era concedido a uma pessoa em particular por serviços relevantes para o desenvolvimento da ficção científica no Brasil. Não era concedido  necessariamente todo ano, mas apenas quando seu júri entendia que alguém havia se destacado o suficiente. O último premiado foi o escritor Roberto de Sousa Causo, em 2003,  com seu livro Ficção Científica, Fantasia e Horror no Brasil (1875-1950). De certa forma, anda que não oficialmente, este prêmio foi substituído pela seção de entrevista “Personalidade do Ano”, do Anuário Brasileiro de Literatura Fantástica, edição coordenada por Marcello Simão Branco e Cesar Silva, publicado entre 2004 e 2013.
 Alguns outros prêmios foram extemporâneos como o Prêmio Fantasticon, entregue apenas em 2011, durante o simpósio literário de mesmo nome; o “Melhores do Ano”, em votação realizada apenas na internet, entregue em 2010; o Codex de Ouro, de caráter bianual, também apurado no ambiente da internet. Sua última premiação foi em 2015.
Se no Brasil os prêmios não tem repercussão comercial e nem chegam a incentivar a carreira dos vencedores, tem sim sua importância, no sentido de fazer um registro do melhor da produção do gênero entre nós, ao longo dos anos. Além de revelar as tendências temáticas premiadas no gosto do leitor brasileiro e estimular uma pequena, mas renhida competição em algumas categorias já tradicionais, como ficção curta e fanzine. É pouco? Em termos de mercado profissional, sem dúvida. Mas em termos de instituição de uma tradição e reconhecimento do trabalho entre os brasileiros que produzem ficção científica e gêneros afins, é um serviço vital e que deve ser mantido e aperfeiçoado, e ampliado com a criação de mais prêmios.