quinta-feira, 25 de novembro de 2021

Os Sete Dedos da Morte


 Os Sete Dedos da Morte (The Jewel of Seven Stars), de Bram Stoker. Tradução: Stefania A. Lago. Capa: Anderson Junqueira. 261 páginas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2021. Lançamento original em 1903.

 

Quando este romance foi publicado Bram Stoker (1847-1912) já era um escritor reconhecido no Reino Unido, após seu sucesso com Drácula (1897). Em Os Sete Dedos da Morte, o autor prossegue em sua linha de explorar o horror sobrenatural num teor culturalista, diria não ocidental. Pois se em Drácula, o contexto em que surge o protagonista é a pouco conhecida Europa Oriental, neste toda a história é trabalhada a partir da perspectiva da cultura e mitologia do Egito antigo.

Sim, estamos diante de um livro sobre a múmia. Mas não se trata de uma história sobre a monstruosidade em si, mas sim dos possíveis efeitos do conhecimento e seus poderes ocultos a partir dela. Nesse sentido, se em Drácula o foco se concentra mais nas ações do protagonista – um estranho que desestabiliza a sociedade londrina do fim do século XIX – em Os Sete Dedos da Morte, o enredo se desenvolve através dos mistérios em torno da cultura egípcia.

O arqueólogo Abel Trelawny é encontrado ferido e inconsciente por sua filha dentro do seu quarto. Abalada, ela chama a polícia londrina e Malcom Ross, um advogado que ela conhecera recentemente e que se revelara seu amigo. Trelawny tem ferimentos nas mãos e na cabeça e jaz deitado no chão perto de um cofre. Em princípio, a história se move em torno deste mistério e várias hipóteses de investigação são postuladas para se descobrir o que poderia ter acontecido.

Narrado em primeira pessoa por Ross, temos uma perspectiva externa ao drama do pai e sua filha, Margaret Trelawny que, como logo deixa claro o personagem, está apaixonado por ela, daí seu verdadeiro interesse em ajudá-la, embora ela ainda não saiba disso. Ross praticamente muda para a casa dos Trelawny e se envolve completamente em seu duplo objetivo: descobrir o que aconteceu com o arqueólogo e, principalmente, conquistar Margaret.

O romance começa a adquirir uma conotação mais interessante quando, mesmo sob vigília de Ross, Margaret e outras pessoas, o evento se repete. Todos ficam inconscientes e quando despertam, o arqueólogo é visto no chão e cheio de machucados. A partir deste momento, a polícia e os demais passam a associar o mistério à atividade de Trelawny. Ou seja, de algum modo, haveria uma influência de pessoas ou elementos sobrenaturais no desencadeamento do evento. A casa toda, de estilo gótico, está cheia de peças trazidas do Egito: enfeites, pedras, ornamentos, um cofre, e as múmias de uma mão, de um gato e, descobre-se depois, um sarcófago contendo, simplesmente, a múmia da rainha Tera, que havia governado há cinco mil anos.

Contudo, a história assume diretamente seu caráter de horror ou fantástico quando Abel Trelawny desperta do seu coma que, vem a se saber foi, de fato, provocado, por suas experiências relacionadas à Tera. Pois ele e seu parceiro, o também arqueólogo Corbeck, estiveram várias vezes no Egito, e de lá trouxeram todas as peças que faziam da residência um autêntico museu. Segundo o que eles descobriram, a múmia teria um plano para reviver e, de alguma forma, eles teriam interferido. De qualquer forma, ao modo dos dois pesquisadores, a intenção era a mesma: testar a possibilidade de ressuscitar a rainha Tera e, com isso, eventualmente, descobrir segredos perdidos que poderiam trazer novos conhecimentos – ou ameaças, mas valia correr o risco – para a humanidade.

Como se percebe o livro trabalha o confronto entre a cultura ocidental – mostrada como mais “civilizada” – e uma cultura oriental, no momento decadente e subjugada, mas, que no passado teria experimentado um desenvolvimento e esplendor ainda não atingido pelos europeus. A história mostra o fascínio dos personagens diante de um desconhecido que pode trazer poder e destruição. No fundo, mais uma vez, estamos diante, da crença de que em momentos longínquos e controversos a humanidade teria tido conhecimentos que, por razões misteriosas, se perderam. Assim, os europeus estariam na missão de reconstruir estes saberes e, desta forma, haveria uma justificativa para explorar a fundo seus mistérios. Nem que com isso, violassem e destruíssem as instalações de culturas antigas, no caso em questão, a dos egípcios.

Claro que é preciso levar em consideração o contexto histórico, mas não deixa de incomodar o desplante com que Trelawny e Corbeck furtam descaradamente os templos sagrados dos egípcios, como se tivessem algum direito sobre isso. Não só violam a câmara funerária de uma antiga governante, mas a levam embora para Londres! E para uma residência particular! Tudo isso, mostrado com a maior naturalidade, revela a postura imperialista dos britânicos naquele período histórico. No contexto contemporâneo seria impensável e injustificável ações como as realizadas durante a narrativa.

Para realizar a experiência, aos dois arqueólogos se unem Malcom Ross, Margareth e o doutor Winchester, que havia cuidado de Abel, numa casa afastada na região litorânea da Cornualha. A esta altura, também, a narrativa quase se equilibra entre o objetivo fantástico da missão e a paixão do advogado, cada vez mais preocupado com a transformação na personalidade de sua amada: de uma mulher tímida e insegura, para uma entusiasmada pelo mistério da missão, e ora carinhosa, ora distante. Pois como se percebe, há uma estranha e cada vez mais evidente coincidência entre a suposta personalidade de Tera e a da filha do arqueólogo.

Para além da ação competente, há no romance descrições profundas e contextualizadas do conhecimento da arqueologia da época sobre o Egito antigo. Pode-se dizer, talvez, que Stoker era um apaixonado pelas culturas orientais, e pesquisou bastante, o que traz um grau de realismo e verossimilhança que chega a impressionar. Mas sem tirar o viés fantástico da trama que tem o seu desfecho após uma longa preparação de todos.

De saída, talvez o leitor tenha estranhado que o título nacional guarda pouca relação com o original: de A Joia das Sete Estrelas se chamou Os Sete Dedos da Morte. Mas ambos são válidos. No primeiro se valorizou o rubi que daria poderes ao renascimento da múmia, e no segundo ao estranho fato de que a rainha tinha sete dedos em uma de suas mãos – justamente a decepada e separada do corpo. Talvez a intenção tenha sido a de sugerir um romance mais voltado ao horror. Mas ao ler a história, embora seja um texto do gênero, ele segue uma linha fantástica, até óbvia por abordar eventos sobrenaturais a partir de uma cultura misteriosa.

Os Sete Dedos da Morte têm dois finais diferentes. Na edição original de 1903 há um capítulo a mais do que a versão de 1912, esta que foi traduzida aqui no Brasil. Houve certa polêmica na época pelo fato de Stoker ter relançado a obra com um final menos chocante ao leitor médio. De fato, o final da história se revela pacífico para os participantes da experiência, embora deixe no ar uma interessante ambiguidade com relação à nova personalidade assumida por Margareth Trelawny e o destino da rainha Tera.

Todas estas possibilidades foram, de qualquer forma, trabalhadas nas várias adaptações audiovisuais da obra. Entre outras, talvez a melhor tenha sido a primeira: Sangue no Sarcófago da Múmia, da produtora inglesa Hammer, em 1971. Outras que vale a pena conhecer são: O Despertar (1980), A Tumba (1986) e A Lenda da Múmia de Bram Stoker (1998). Programas de TV e de rádio também a adaptaram, mostrando que a obra é uma das principais referências no subgênero da múmia.

Este livro faz parte da “Coleção Mistério e Suspense”, da editora Nova Fronteira e tem sido vendida em bancas de jornais, onde eu comprei meu exemplar. Outros autores interessantes na coleção já publicados são Henry James (A Outra Volta do Parafuso), H.P. Lovecraft (O Sussurro nas Trevas), Joseph Conrad (O Coração das Trevas), Gaston Leroux (O Fantasma da Ópera), Robert Louis Stevenson (O Médico e o Monstro), H.G. Wells (O Homem Invisível), Mary Shelley (Frankenstein), e além de Os Sete Dedos da Morte, mais dois de Bram Stoker: Drácula (em dois volumes) e a coletânea O Hóspede de Drácula e Outros Contos Estranhos. Embora sejam todos livros já publicados anteriormente – talvez com a exceção da coletânea de Stoker – vale a pena ler, reler ou colecionar, a depender do grau de interesse de cada um. E adicionado pelo fato das edições terem uma diagramação muito bonita. A conferir se outros títulos serão lançados.

 

Marcello Simão Branco


quarta-feira, 3 de novembro de 2021

A Virgem e os Mortos (A Virgin Among the Living Dead, França, 1973)

 


“Gosto de noites escuras. Lembre-se, os abutres sobrevoam os locais de morte. Eu quase ouço o barulho de suas asas.”

 

O cineasta espanhol Jesús Franco (1930 / 2013) tem um currículo imenso como diretor e roteirista, principalmente de filmes bagaceiros de horror com qualidade questionável e orçamentos reduzidos. Vários deles em parceria com o ator suíço Howard Vernon, como “A Virgem e os Mortos” (A Virgin Among the Living Dead (França, 1973).

 

 A jovem Christina Benton (Christina von Blanc) recebe a notícia da morte misteriosa de seu pai, Ernesto (Paul Muller), que não conhecia pessoalmente, e vai para o sinistro e isolado castelo de sua família num local remoto para participar da leitura do testamento. Chegando lá, ela conhece seu tio Howard (Howard Vernon) e outros parentes como a tia (Rosa Palomar) e a bela Carmencé (a portuguesa Carmen Yazalde, creditada como Britt Nichols), além do tosco empregado Basilio (muito bem interpretado pelo diretor Jesús Franco), que fala com dificuldade e tem um comportamento estranho, e da jovem Linda, uma misteriosa garota cega (Linda Hastreiter). Christina sofre com pesadelos terríveis e mistura o tempo todo a realidade com devaneios onde mensagens de seu pai falecido, alertando-a dos perigos que rondam o castelo e a estranha família.

 

“A Virgem e os Mortos” é um título que já é “spoiler” ao revelar o drama da mocinha atormentada pelos mortos-vivos do castelo. É um daqueles filmes “exploitation” bagaceiros cujos cartazes promocionais chamativos despertam a curiosidade (é só ver a bela capa do DVD nacional), além de uma história com elementos interessantes envolvendo o mistério de uma família bizarra num castelo gótico com atmosfera onírica perturbadora. Só que o filme entrega um pouco menos do que se espera pelas boas premissas. O ritmo narrativo é algumas vezes excessivamente lento e a confusão constante entre realidade e pesadelo atrapalha o entendimento da história.

Por outro lado, temos uma boa dose de cenas de nudez das belas atrizes, especialmente Christina von Blanc, que é muito bonita, mas que teve uma carreira bem curta. E além do desfecho pessimista e carregado com uma atmosfera macabra, existe um desconfortável sentimento de morte e horror na maior parte do tempo, acentuado pelas boas atuações dos experientes atores Howard Vernon e Paul Muller, que interpretaram respectivamente o tio misterioso e o pai suicida da protagonista Christina.

Vale a pena registrar duas cenas em especial, que se destacam de forma convincente na construção de um clima de horror, ambas com o ator Paul Muller fazendo aparições fantasmagóricas ao se comunicar com a filha em suas visões. A primeira ocorre na floresta que cerca o castelo, onde ele com uma bizarra corda no pescoço se movimenta para trás como um cadáver flutuando em meio às árvores, e a outra cena é quando ele está sentado numa cadeira e é arrastado para a escuridão pela sinistra “Rainha da Noite” (Anne Libert), se ocultando no limbo das sombras.

 

O filme foi lançado em DVD no Brasil pela “Vinny Filmes” em Janeiro de 2012, na coleção “Clássicos do Terror”, sem material extra, numa versão reduzida com 75 minutos de duração. Existe outra versão com cenas adicionais dirigidas pelo francês Jean Rollin.

 

(Juvenatrix – 03/11/21)