quarta-feira, 27 de dezembro de 2023

Prêmio Litera 2023

Iniciativa do perfil  TT Literário, o Prêmio Litera ranqueia, em consulta popular através de formulários online, os favoritos do público nas categorias Protagonista literário, Casal literário, Amizade, Meme ou confusão literária, Hype literário, Sáfico, Merecia mais, Página de promoção, Book influencer, Lançamento independente, Capa, Ilustrador, Lançamento LGBTQIA+, Romance, Romance brasileiro, Fantasia, Fantasia brasileira, Ficção científica e Suspense/thriller brasileiro.  Algumas das categorias são exclusivas para trabalhos brasileiros, nas demais as produções estrangeiras e nacionais concorrem em igualdade de condições. A título de registro, transcrevemos aqui as dez primeiras posições das categorias que envolvem a ficção de gênero. São elas:
Ficção científica
1- 24h para correr, Marina S. Dutra
2- Aurora, Vitória Souza 
3- Marea infinitus, Lis Vilas Boas
4- Incompletos, Laís dos Passos
5- Anima: Ameaça virtual, Mariana Madelinn, Carol Vidal & Ricardo Santos
6- Vigilantes e o multiverso do caos, Denise Flaibam
7- As foices, Neal Shusterman
8- Uma galáxia multicor e os confins do universo, Becky Chambers
9-  A torre acima do véu, Roberta Spindler
10- Nós fazemos o mundo, de N. K Jemisin.
Fantasia
1- Marcada com sangue, Tracy Deon
2- A hospedeira do caos: Espelho d'água, Marcella Albuquerque
3- Caledrina Cefyr e a fonte perdida, Gabriela Costa
4- Tulipa Luz e os fantasmas do passado, Lolline Huntar'z
5- Os devaneios de Rory Agnes, Anne C. Freitas
6- Aurora dourada, Pamela Guerardi
7- Nilue, Thais Lopes
8- Entre beijos e flechas, Vanessa Freitas
9- Pequenas maldições: Criaturas nefastas, Caroline Carnevalle
10- Divinos rivais, Rebecca Ross.
Fantasia brasileira
1- O invasor de sonhos, Gricia Mendes
2- Até o amanhecer, Vanessa Freitas
3- Entre beijos e flexas, Vanessa Freitas
4- Prata manchada, Fernanda Redfield
5- Servante: Fogo e obediência, S. C. Deborah
6- Mensageiro do legado, Thainá Fernandez
7- Tulipa Luz e os fantasmas do passado, Lolline Huntar'z
8- Sangue de areia, Mari Lima
9- Aurora dourada, Pamela Gerardt
10- A sereia sem dons, Cristina Bomfim.
Thriller/suspense brasileiro 
1- Em quadrados, Ana Camarinha
2- A cópia, Gabby Meister
3- O mistério da casa incendidada, Rafael Weschenfelder
4- Trem de louco, Bruno de Deus
5- A outra Ana, Vinicius Oliveira Rocha
6- Xuxa preta, Alan de Sá
7- Acalanto, Auryo Jotha
8- O monstro dançante, Gabrielli Casseta
9- Medeia morta, Claudia Lemes
10- Má influência, Dan Rodriguez.
A organização do Prêmio Litera não informa os detallhes editoriais de cada título. 
Mais posições destas e de outras categorias podem ser garimpadas no perfil do prêmio, aqui.

terça-feira, 19 de dezembro de 2023

Naquela época tínhamos um gato/Os saltitantes seres da Lua, Olyveira Daemon

Naquela época tínhamos um gato/Os saltitantes seres da Lua
, Olyveira Daemon. 216 páginas. São Paulo: edição de autor, 2023. Publicado em ebook.

Afinal, quem é Olyveira Daemon? 
Não há mistério. Trata-se da personalidade pós-lobotômica do ser fragmentário antigamente conhecido por Nelson de Oliveira, escritor mainstream, ou quase isso, que logrou ganhar o Prêmio Fundação Cultural da Bahia por sua primeira coletânea, Os saltitantes seres da Lua, publicada em 1997. E, como se não fosse suficiente, abiscoitou também o importante Prêmio Casas de Las Américas em 1998 pela coletânea Naquela época tínhamos um gato (escrita antes, publicada depois), ambas reunidas agora em uma única edição, "parcialmente revisada", como diz o próprio Olyveira na página de rosto da nova edição. 
Quando ganhei uma cópia deste livro, o autor mandou jogar fora as edições anteriores. Talvez as revisões não tenham sido tão parciais assim. De qualquer forma, foi uma ótima iniciativa recuperar essas duas publicações que estavam esgotadas e eram difíceis de encontrar. Embora eu me recorde de ter lido Naquela época tínhamos um gato por volta de dez anos atrás, todos os contos, de ambos os títulos, me pareceram tão fresquinhos como se tivessem sido escritos agorinha mesmo. 
Lembro que, na primeira leitura, já havia ali o indisfarçável experimentalismo com estilos de discurso e linguagem, que me causou mais estranhamento do que os enredos propriamente ditos. Desta vez, os experimentos estão ainda mais acentuados e levam o leitor desavisado ao quase desespero cognitivo. Sobrevivi porque já esperava por isso mas, mesmo assim, a leitura desta reedição é uma experiência estética incomum. 
Olyveira Daemon não dá trégua ao leitor. De um texto em que todas as letras "i" são substituídas por "y" e as "c" por "k", segue-se outro escrito em portunhol, e outro no qual os pontos finais são trocados por barras verticais, sinais de parágrafo (§) e outros grafismos, ou em que as letras "o" viram círculos pretos, ou certas palavras são substituídas por falsos cognatos muito marotos, ou os nomes dos personagens antecedem suas falas como em um roteiro de teatro, e assim por diante. Quanto mais avança a leitura, mais profundas as ousadias. 
Mas não só de experimentos de linguagem vive o heterônimo de Nelson de Oliveira. As histórias também são arrojadas, indo do realismo naturalista de "Éramos todos bandoleiros", e ">Os insetos , o silêncio", passando pelo absurdismo de "Kadáver kauteloso eskondido num baú" e "Encanador", pela fantasia de "A vysão vermelha de Vyctor, ao vento", pelo humor escrachado de "Qüiprocó na Sé", até pela ficção científica de "The body snatchers". Alguns são curtinhos, praticamente vinhetas de duas ou três páginas, outros são robustos, ocupando dezenas delas, formando uma seleta de trinta contos no total. Em alguns intervalos entre os contos, surgem comentários espirituosos do autor, chamados de "Notas-anedotas" que ajudam a contextualizar os textos quanto às propostas do autor. O volume é completado por um prefácio assinado pelo jornalista e também escritor André Cáceres.
A coletânea é empolgante quanto as perspectivas que propõe para a estética literária, especialmente com relação a ficção fantástica que tem na suspensão da descrença um fundamento considerado incontornável e que é extemamente vulnerável ao mais leve experimentalismo na linguagem. 
Olyveira Daemon prova que a fcf brasileira engatinha no que se refere a ousadia formal, mas temo que os autores do gênero talvez não comprem a ideia com facilidade. Um dia, quem sabe? 
Enquanto isso, festejamos o fato de existir um Olyveira Daemon para sacudir os protocolos embolorados da velha pulp fiction.
Cesar Silva

sexta-feira, 15 de dezembro de 2023

Prêmio Argos 2023

O Prêmio Argos de Literatura Fantástica, criado em 2000, é promovido anualmente pelo Clube de Leitores de Ficção Científica e reconhece os melhores trabalhos em romance, antologia e história curta de ficção científica, fantasia e horror escritos em língua portuguesa publicados no ano anterior. 
Em 2023, o método de escolha dos vencedores mudou, sendo realizado um primeiro turno de votação exclusiva entre os membros do Clube que indicam cinco finalistas em cada categoria, depois votados publicamente através de formulários digitais na internet.
Os vencedores em 2023 são:
Romance: Estação das moscas, Cirilo Lemos, coleção Dragão Negro, Draco;
Demais finalistas: Baluartes: Terra sombria, Clinton Davisson, Avec; Bem mal me quer, Hache Pueyo, Dame Blanche; O fantasma de Cora, Fernanda Castro, Gutenberg; Paradoxo de Theséus, Alexey Dodsworth, Draco.
Antologia: Os Pilares de Melkart, Ana Lúcia Merege, Draco;
Demais  finalistas: A study in ugliness e outras histórias, Hache Pueyo, Lethe Press; Fator Morus, Lu Evans, org., Nebula; Mafaverna: Democracia, Jana Bianchi e Diogo Ramos, orgs., NDI; Outros Brasis da ficção a vapor, Davenir Viganon, Caligo.
Conto:  Jogo do destino, Ana Lúcia Merege, Draco;
Demais  finalistas: Fica com Mi-go esta noite, Carlos Relva, do autor; O renascer dos deuses, Oghan N'thanda, do autor; "Planeta Quilombo", G .G. Diniz, Mafagafo 5; Sankofa, Juliane Vicente, da autora.
Parabéns aos ganhadores!

domingo, 3 de dezembro de 2023

Depois da Bomba

 Depois da Bomba (Dr. Bloodmoney, or How we Got Along after the Bomb), Philip K. Dick. Tradução: Eurico Fonseca. Capa: A. Pedro. 248 páginas. Lisboa: Edição Livros do Brasil, Coleção Argonauta, n. 309, sem data. Lançamento original em 1965.

 


O título do romance faz referência ao dr. Bruno Bluthgeld, cientista alemão que trabalha para o Exército dos EUA, e que se traduz como bloodmoney em inglês. Pois é da ação e consequência desse personagem que a trama se desenrola. No passado, presente e futuro. Isso porque em 1972, Bluthgeld esteve à frente de um teste nuclear realizado na atmosfera que redundou num fracasso catastrófico: uma enorme onda radioativa se espalhou pelos EUA, trazendo morte e doenças a milhares de pessoas.

Em 1981 Bluthgeld procura viver de forma anônima em São Francisco, com o rosto envolto numa máscara que esconde cicatrizes e com uma paranoia cada vez mais doentia, por se corroer pelo mal que causou e pelo qual é odiado pela maioria das pessoas. Ele procura ajuda de um psicanalista, o Dr. Stokstill, que trabalha em frente a uma loja de venda e conserto de aparelhos de TV. Onde está o afro-americano Stuart McConchie e também, mais recentemente, Hoppy Harrington, um deficiente que não tem braços e pernas – decorrente de sua mãe ter ingerido talidomida em sua gravidez –, mas que é muito inteligente e se move com uma espécie de cadeira mecânica altamente sofisticada.

Dick expõe, inicialmente, o contexto por meio desses personagens para, de súbito, jogar o leitor no holocausto nuclear. Sim, os EUA sofrem um ataque maciço, provavelmente da União Soviética, e tem o país praticamente destruído. A cidade onde os três vivem é destruída, e o restante da história se passa no que restou da Califórnia, onde alguns agrupamentos urbanos sobreviveram de forma precária – sem eletricidade, água, combustível e pouca comida –, e no interior foram criadas algumas comunidades relativamente autônomas e isoladas umas das outras, com suas próprias leis e formas de organização do poder.

Sete anos depois, em 1988, reencontramos Bluthgeld, Harrington e McConchie. O primeiro isolado num sítio onde cria ovelhas, o segundo integrado à comunidade de West Marin e o terceiro vivendo de bicos na pequena cidade de Berkeley. A eles somos apresentados a outros personagens, não menos que memoráveis em sua estranheza e humanidade como, por exemplo, a menina Edie Keller, que, devido a uma mutação genética provocada pelo ataque nuclear, leva em seu ventre o feto do irmão Bill, numa aliança siamesa, e no qual ele se comunica telepaticamente com ela, e com os mortos; e o astronauta Walter Dangerfield, que vive numa nave em órbita sozinho, já que no mesmo dia que partiria para Marte com sua esposa, foi surpreendido pelo ataque nuclear. Após a morte dela, virou uma espécie de disc jóquei, se comunicando com as comunidades na superfície por meio de transmissões radiofônicas, onde veicula músicas e leituras de romances.

Mas este conjunto singular de personagens se situa num contexto pós-apocalíptico, por vezes crível e por vezes estranho, embora não inteiramente impossível. Isso porque nesse novo mundo, os efeitos radioativos possibilitaram a emergência de inteligência e capacidade de comunicação com os humanos por parte de cães e gatos, além de ratos com inacreditáveis capacidades musicais e matemáticas. Além disso, várias pessoas apresentam diferentes tipos de mutações e deficiências. Contudo, os sobreviventes permaneceram na superfície da Terra, pelo menos após vários viverem nos primeiros anos em espaços subterrâneos, como fez McConchie.

Dick procura mostrar não propriamente uma tentativa de reconstrução social, mas sobretudo de sobrevivência e adaptação a este novo mundo. Com isso, passa a centrar a narrativa principalmente na comunidade de West Marin, para onde converge os personagens já citados e outros que lá vivem. Mas nem todos realmente se adaptam a esta nova realidade. Ao invés, e de forma gradativa, se deterioram psicologicamente, tornando-se uma ameaça para os demais.




O dr. Bluthgeld é paranoico e acha que vai ser descoberto e assassinado, principalmente por qualquer pessoa nova que apareça em West Marin. Um professor chega a ser executado pela comunidade quando se descobre que pretendia realmente matá-lo. Mas ele, de fato, passa a imaginar que provocou o próprio holocausto e precisa provocar outro para uma nova “purificação” da humanidade. Louco ou não, o fato é que seus poderes imaginários passam a ter alguma espécie de realidade, quando tempestades terríveis se abatem sobre West Marin. Isso provoca a reação de Hoppy Harrington, um sujeito tão habilidoso manualmente, a despeito – ou por causa – de sua debilidade, quanto ressentido pelas humilhações do passado. Com crescente influência e megalomania imagina-se como a salvação de uma possível nova danação.

Um sentimento que vai se tornando cada vez mais nítido com o avançar da leitura é de irrealidade. Como se fossemos colocados dentro de um sonho que, aparentemente, não é nosso, mas que não conseguimos nos desvencilhar. Como bem apontou David Pringle, no livro Science Fiction: The 100 Best Novels (1985) – que incluiu este romance de Dick –, é como se o leitor sonhasse o sonho de outro, e dentro do seu contexto particular, se tornasse crível, mesmo com situações cada vez mais inverossímeis.

Dick apresentou dois títulos iniciais para Depois da Bomba: In Earth´s Diurnal Course e A Terran Odissey, mas acabou por concordar com a sugestão do prestigioso editor Donald Wollheim (1914-1990), numa alusão ao filme de sucesso da época, Doutor Fantástico (Dr. Strangelove or: How I Learned to StopWorrying and Love the Bomb; 1964), de Stanley Kubrick. E embora não seja intencional, pode ser visto como uma instigante especulação sobre as consequências de um mundo devastado pela guerra insanamente desejada pelo general louco interpretado por George C. Scott.

É a contribuição de Dick ao tema do pós-apocalipse nuclear, talvez o mais abordado pela FC durante a segunda metade do século XX, dado o grau de pesadelo próximo que se instaurou não só nos EUA, mas, em todo o mundo. Dick o faz à sua maneira, expondo principalmente, a desesperança e perturbação das pessoas, com efeitos também físicos sobre muitos deles. Vários personagens são mesmo passíveis de certa comiseração, num futuro que perdeu o sentido e, no qual, inclusive, o suicídio não provoque mais tanta perplexidade ou repúdio.

Depois da Bomba foi finalista do Prêmio Nebula em 1965, escrito no período tematicamente mais maduro de Philip K. Dick, a década de 1960, ao lado de outros romances tão misteriosos quanto fascinantes como, por exemplo, O Homem do Castelo Alto (The Man in the High Castle; 1962), Os Três Estigmas de Palmer Eldritch (The Three Stigmata of Palmer Eldritch; 1965), O Caçador de Androides (Do Androids Dream of Electric Sheep; 1968) e Ubik (Ubik; 1969). Ora, todos eles foram publicados no Brasil, menos Depois da Bomba – que recebeu, inclusive uma segunda edição em Portugal, pela coleção Antecipação número 3, com o título de Os Sobreviventes –, numa ausência que chega a ser espantosa, dada sua relevância para a FC e para o conjunto da obra do autor.

Marcello Simão Branco