segunda-feira, 30 de março de 2020

O Ciclo do Pavor (Kill Baby... Kill!, Itália, 1966)


“Só uma moeda no coração pode dar paz àqueles que foram mortos de forma violenta.”

O cinema gótico italiano, assim como os filmes da produtora inglesa “Hammer”, garantiu seu lugar de destaque de forma significativa na história do Horror. “O Ciclo do Pavor” (Operazione Paura / Kill Baby... Kill!, 1966) é mais uma dessas preciosidades de valor inestimável para os apreciadores do estilo. O filme tem direção do mestre Mario Bava (1914 / 1980), um dos grandes nomes cultuados do cinema fantástico, especialmente pelas obras-primas do horror gótico como “Os Vampiros” (1957), “A Maldição do Demônio” (1960), “As Três Máscaras do Terror”, “O Chicote e o Corpo” (ambos de 1963), entre outros.
O médico legista Dr. Paul Eswai (Giacomo Rossi-Stuart) vai até um distante vilarejo chamado Karmingam para realizar a autópsia de uma jovem mulher, Irena Hollander (Mirella Panfili), que morreu de forma violenta e misteriosa. Ao chegar, logo é avisado pelo cocheiro da carruagem que o transportou que o local é maldito, e também é mal recebido pelos aldeões supersticiosos, percebendo que no vilarejo impera o medo e reina a morte.
As investigações do óbito suspeito são lideradas pelo Inspetor da polícia Kruger (Piero Lulli), que recebe o apoio, mesmo que meio contrariado, do burgomestre local Sr. Karl (Max Lawrence, pseudônimo de Luciano Catenacci).   
O Dr. Eswai recebe a ajuda de uma estudante de medicina também recém chegada, Monica Schuftan (Erika Blanc), que tem uma história familiar misteriosa com a pequena cidade. E também recebe o apoio de uma estranha feiticeira, Ruth (Fabienne Dali), que parece conhecer os enigmas obscuros que rondam as ruas do vilarejo amaldiçoado, e a relação com a Villa Graps, uma mansão tétrica e decadente onde vive reclusa a Baronesa Graps (Giana Vivaldi), que tinha uma filha, Melissa (curiosamente interpretado por um menino, Valerio Valei, em seu único trabalho no cinema), que morreu num acidente trágico enforcada há vinte anos, com seu espírito atormentado vagando em busca de vingança.  
O Horror Gótico é um dos subgêneros mais fascinantes do cinema fantástico. Esse filme de Mario Bava tem uma atmosfera sinistra constante de gelar a espinha, um clima pesado, sombrio e depressivo com o vilarejo amaldiçoado, os aldeões supersticiosos e péssimos anfitriões, o cemitério envolto em névoa espessa, as casas frias de pedra, a mansão macabra com aposentos enormes cheios de teias de aranha, a escada em espiral hipnotizante, a cripta com túmulos gelados, os gemidos agonizantes povoando a mente com tormentos e fantasmagorias.    
“O Ciclo do Pavor” teve uma versão americana reduzida, que recebeu o título “Curse of the Living Dead”, e outra mais completa para distribuição em vídeo com o nome mal escolhido “Kill Baby... Kill! (não é só no Brasil que muitos títulos são péssimos).
Para a satisfação dos colecionadores e apreciadores do Horror Gótico, foi lançado em DVD no Brasil pela “Versátil”, na coleção “Obras-Primas do Terror – Volume 2”. Como material extra temos um valioso depoimento do diretor e roteirista italiano Luigi Cozzi, sobre uma entrevista que ele fez com Mario Bava quando ainda era bem jovem e jornalista a serviço da lendária revista americana “Famous Monsters of Filmland”, do editor Forrest J. Ackerman (1916 / 2008). Cozzi relatou várias curiosidades interessantes.
As filmagens externas foram feitas em apenas seis noites e o total com as cenas de estúdio totalizou doze dias. Bava revelou que não gostava de excesso de sangue e a exposição de monstros aterrorizantes nos filmes, e que preferia um horror mais sugerido, optando por não mostrar o monstro, obtendo um resultado melhor.
O diretor italiano não era reconhecido na época em seu próprio país, mas era admirado nos Estados Unidos, justificando o interesse pela entrevista, num exemplo similar com o nosso José Mojica Marins (“Zé do Caixão”), que recebeu o nome “Coffin Joe” nos Estados Unidos, onde seus filmes eram cultuados, e que felizmente depois (antes tarde do que nunca) foi reconhecido no Brasil como um merecido “mestre do Horror”.
“O Ciclo do Pavor” teve muitas dificuldades na distribuição, pois a produtora responsável pelo filme faliu antes do lançamento. Cozzi disse que conseguiu ver o filme num cinema pequeno e que ficou em cartaz por pouco tempo. Felizmente foi reconhecido mais tarde como “obra-prima” e respeitado como um filme de horror gótico que deve ser reverenciado eternamente.

(Juvenatrix – 30/03/20)


sexta-feira, 27 de março de 2020

A Ilha dos Homens-Peixe (Island of the Fishmen, Itália, 1979)


Utilizando como inspiração a história do livro “A Ilha do Dr. Moreau”, escrito em 1896 por H. G. Wells, sobre um “cientista louco” que realiza experiências genéticas misturando animais e homens, o diretor italiano Sergio Martino lançou em 1979 a aventura com elementos de horror e ficção científica “A Ilha dos Homens-Peixe” (Island of the Fishmen). Trata-se de uma divertida preciosidade dos antigos filmes bagaceiros com elementos fantásticos, que muitos apreciadores do estilo se lembrarão pelas exaustivas reprises na televisão.
Ambientado em 1891 na região do Mar do Caribe, temos um grupo de náufragos de um navio francês de prisioneiros tentando se salvar à bordo de um bote que acaba se chocando contra os rochedos de uma ilha. Somente alguns poucos conseguem sobreviver e se reúnem para explorar a região em busca de comida e abrigo. Enfrentando os perigos de uma ilha vulcânica como as águas venenosas de um lago ou ainda armadilhas mortais como um buraco com lanças pontiagudas, o médico Tenente Claude de Ross (Claudio Cassinelli) e dois prisioneiros, José (Franco Iavarone) e Peter (Roberto Posse), encontram um casarão e o improvável morador da ilha, Edmond Rackham (Richard Johnson). Ele comanda com austeridade um grupo de nativos praticantes de vodu, através de sua líder sacerdotisa Shakira (Beryl Cunningham), e mantém sob seu domínio uma jovem mulher, Amanda (Barbara Bach).
O médico náufrago inevitavelmente fica intrigado com a bela mulher vivendo numa ilha remota fora dos mapas e com seu misterioso anfitrião, que revela estar longe da civilização há quinze anos. Além também com as estranhas criaturas anfíbias, mistura de homens e peixes, que ele não sabe ao certo se fazem parte de um pesadelo ou realidade.
As coisas se complicam ainda mais depois que seus companheiros náufragos desaparecem misteriosamente e o médico descobre a existência de um laboratório bem equipado, comandado por um veterano biólogo, Prof. Ernest Marvin (Joseph Cotten), que está doente e realiza experiências proibidas como o típico “cientista louco” que dedica seu trabalho para o bem da humanidade.
“A Ilha dos Homens-Peixe” é uma daquelas divertidas tranqueiras italianas com história aproveitando ideias recicladas, já vistas em filmes como “A Ilha do Dr. Moreau”, lançado apenas dois anos antes em 1977, sobre o cientista recluso responsável por criaturas híbridas de homens e animais, ou “O Monstro da Lagoa Negra” (1954), na apresentação de seres anfíbios mutantes, mistos de homens e peixes. Nele encontramos todos aqueles elementos que caracterizam o cinema fantástico bagaceiro, destacando principalmente os efeitos toscos com os monstros do título, muito mais divertidos com suas fantasias de borracha, garras afiadas e expressões estáticas, quando comparados com a artificialidade da computação gráfica dos filmes atuais.
Curiosamente, o filme teve uma versão americana lançada pelo produtor Roger Corman, acrescentando um prólogo e novo título, “Screamers”, com a participação de atores conhecidos dos filmes de poucos recursos como Cameron Mitchell e Mel Ferrer. Teve também uma continuação picareta em 1995, uma produção para a TV também dirigida por Sergio Martino chamada “La regina degli uomini pesce”, que basicamente é uma colagem com cenas reutilizadas do filme anterior e também de “2019: After the Fall of New York” (1983).
       
(Juvenatrix – 27/03/20)




quarta-feira, 25 de março de 2020

A Invasão das Aranhas Gigantes (The Giant Spider Invasion, 1975)


Pensando no sub-gênero dentro do cinema fantástico bagaceiro que explora o ataque ou invasão de insetos ou aracnídeos, gigantes ou não, as aranhas estão entre aqueles que mais são escolhidos pelos roteiristas para aparecer nos filmes, rivalizando com as formigas. Em 1975, o diretor e produtor Bill Rebane, responsável por diversas tranqueiras no currículo, lançou “A Invasão das Aranhas Gigantes” (The Giant Spider Invasion), uma preciosidade dos “filmes ruins” que era reprisada à exaustão na televisão nos bons e saudosos tempos onde os canais exibiam tralhas divertidas de horror e ficção científica.
Um meteoro cai próximo de uma pequena cidade americana no Estado do Wisconsin, causando panes mecânicas nos carros e fazendo os rádios pararem de funcionar. Da pequena cratera aberta no chão pela queda surgem diversas pedras redondas com diamantes em seu interior, e quando abertas liberam aranhas peludas alienígenas parecidas com as nossas tarântulas. Elas inicialmente atacam as vacas de uma fazenda e ao aumentar seus tamanhos de forma descomunal, invadem a cidade colecionando vítimas pelo caminho.
Um cientista da NASA, Dr. Vance (Steve Brodie), se desloca de Houston, Texas, até a região da queda da bola de fogo do espaço para investigar junto com os esforços de outra cientista local, Dra. Jenny Langer (Barbara Hale). Eles descobrem um buraco negro responsável pela vinda das aranhas de outra dimensão. Depois que uma aranha gigante com quinze metros causa um rastro de destruição por onde passa, a dupla de cientistas tenta encontrar um meio de anular o buraco negro, fechando a porta do inferno, e destruir a criatura aracnídea extraterrestre, contando com a ajuda do xerife local, Jeff Jones (Alan Hale).
“A Invasão das Aranhas Gigantes” é um daqueles filmes divertidos pela ruindade geral, desde a produção paupérrima ao roteiro típico do horror bagaceiro, passando pelos efeitos extremamente toscos da aranha gigante, lembrando um carro alegórico fuleiro de carnaval (na verdade, um bicho de pelúcia enorme montado sobre um fusca). Já no caso das aranhas de tamanho normal foram usadas criaturas de oito pernas reais passeando pelos cenários e sobre os atores, algo que o grande cineasta brasileiro José Mojica Marins já fazia muitos anos antes, como no clássico “À Meia-Noite Levarei Sua Alma” (1963).
É verdade que o monstro aparece pouco em cena, seja destruindo uma casa, atacando um carro ou perseguindo pessoas desesperadas pela cidade, e a primeira cena só vem com quase 50 minutos de filme. Mas, é inegável a diversão garantida com a aranha colossal espalhando o caos por onde anda.
Devido às dificuldades orçamentárias da produção, o roteiro tratou de gastar muito tempo com enrolação na história, seja na investigação dos cientistas ou com os habitantes de uma cidadezinha não acostumada com movimentações na rotina simples. Mas, a espera pelas cenas da aranha imensa é recompensada com momentos hilariantes para os apreciadores de tosquices. Existem também várias cenas noturnas (filmadas na luz do dia) que ficaram muita escurecidas, algo bem apropriado para os realizadores esconderem os defeitos do monstro.
A história mistura um tom de seriedade com elementos cômicos inseridos por Robert Easton, um dos roteiristas e que também atuou como o fazendeiro Kester que encontrou as pedras espaciais com as aranhas. E tem o xerife bonachão apenas acostumado em resolver problemas comuns de uma pequena cidade do interior americano, e que passa a maior parte do tempo em seu escritório lendo o livro “Flying Saucers Want You” (Os Discos Voadores Querem Você) e atendendo chamadas no telefone.
Curiosamente, tem uma piada referenciando o filme “Tubarão”, o clássico de Steven Spielberg lançado no mesmo ano de 1975, onde um comentário hilário do xerife sobre a aranha gigante revela que numa comparação, “o tubarão é um peixinho dourado”.  
       
(Juvenatrix – 25/03/20)





Deuses renascidos, Sylvain Neuvel

Deuses renascidos: Livro 2 dos Arquivos Têmis (Waking gods), Sylvain Neuvel, 392 páginas. Tradução de Mateus Duque Erthal. Editora Companhia das Letras, selo Suma, São Paulo, 2017.

No primeiro volume da série Arquivos TêmisGigantes adormecidos, publicado em 2016 pela Companhia das Letras e comentado aqui, vimos como um colosso de metal em forma de mulher foi montado a partir de partes pré-fabricadas enterradas há milênios em diversas regiões distantes da Terra. Reunidas por um departamento secreto do governo norte-americano a montagem foi supervisionada pela acadêmica Rose Franklin, uma especialista no artefato que em sua infância havia achado uma das mãos da gigante. Uma vez montada, a máquina revelou ser algo de origem extraterrestre, cuja pilotagem exigia duas pessoas com habilidades e genética especiais, além de características físicas um tanto perturbadoras. As dificuldades na anatomia, bem como em compreender a linguagem e os controles da máquina, resultaram na operacionalidade parcial do artefato que, mesmo assim, se tornou a mais poderosa arma de guerra do planeta, capaz de sozinha destruir um exército bem armado antes de sequer ser arranhada. Sua simples existência lança a humanidade num dilema, pois quem detiver o controle do robô gigante, mandará no mundo. O problema é que as pessoas por trás do robô, incluindo seus esforçados pilotos, são pessoas cheias de defeitos e paixões, e tudo nem sempre sai como se espera.  Quando Rose morre num acidente, parece que as coisas podem perder completamente o controle, mas ocorre o impensável: Rose retorna ressuscitada, mas numa "versão reiniciada" que não entende muito bem tudo o que está acontecendo. Quem a ressuscitou, como e por que são alguns dos mistérios que vamos tentar entender na leitura de Deuses renascidos.
Mas a história da robô – que ganhou o simpático nome de Têmis – e do apaixonado casal que o comanda, a piloto militar Kara Resnick e o linguista Vincent Couture, não se resume às paranoias de Rose. Acontece que apareceu um segundo robô na Terra, surgido do nada em pleno centro de Londres, um monstro ainda maior que Têmis, desta vez na forma masculina. Ninguém sabe de onde veio nem se há alguém dentro dele, pois desde que apareceu não se moveu um só milímetro. A organização que controla Têmis decide levá-la até o monstro que parece ter vindo do mesmo lugar que ela, mas o exército britânico decide não esperar e, de olho na possibilidade  de ter seu próprio robô, empreende um ataque ao gigante antes que Têmis tenha a chance de confrontá-lo. O resultado é catastrófico: ao sentir-se ameaçado, o robô entra em ação e simplesmente pulveriza as forças de ataque, atingindo uma grande área habitada da cidade no processo. O confronto dos dois monstros de metal é inevitável, e tudo parece indicar que Têmis não terá a menor chance. Para complicar, Kara descobre que a cientista psicopata Alyssa Papantoniou, que a submeteu a experiências dolorosas no primeiro romance, obteve sucesso ao fecundar um óvulo retirado dela, e em algum lugar na América, ela tem uma filha que está agora com dez anos e corre o risco de ser sequestrada por espiões de países interessados em deter uma possível piloto para a Têmis. E como tragédia pouca é bobagem, surgem outros treze robôs similares nas mais populosas cidades mundo, e cada um deles passa a atacá-las com um gás mortal que devasta as populações em segundos. Mesmo com Têmis completamente operacional já seria praticamente impossível enfrentar tantos adversários mas, justamente nessa hora, Têmis desaparece dos radares e tudo leva a crer que é chegado o fim da humanidade. Há uma saída, contudo, porque os alienígenas não querem de fato destruir a humanidade. Mas, para obter o direito de sobreviver, será necessário entender a psicologia alienígena e dar-lhes a única resposta adequada possível.
É nesse cenário apocalíptico que se desenrola a sequência da aventura de ficção científica escrita pelo canadense Sylvain Neuvel, que está subdividida em quatro partes: "Parentes e amigos", "Tudo em família", "Unha e carne" e "Parente próximo". O autor sustenta o mesmo modelo narrativo adotado no primeiro volume, contando a história através de memorandos, artigos de jornal, transcrições de entrevistas, relatórios de missões e outros documentos que, tal como uma colagem, montam aos bocadinhos a imagem final dessa tragédia de proporções planetárias. Cada documento tem seu próprio espaço e tempo, com personagens surgindo e desaparecendo, de forma que nem mesmo os nossos queridos protagonistas estão completamente fora de perigo, e o autor tem ampla liberdade para ser muito cruel.
Como estamos no segundo volume de uma prometida série de três, embora algumas coisas até sejam definidas, mais uma vez não há uma conclusão satisfatória ao enredo. O terceiro e último volume, Only human, foi publicado nos EUA em 2018 e desde então a editora brasileira tem adiado sua publicação aqui. Outra série da Suma, Remembrance of Earth’s past do escritor chinês Cixin Liu, teve seu terceiro volume publicado apenas em ebook. Talvez seja esse o destino da trilogia de Neuvel, se tivermos sorte. Ou não.
Cesar Silva

domingo, 22 de março de 2020

O Ataque das Criaturas Bestiais (Attack of the Beast Creatures, 1985)


A fórmula básica do cinema fantástico bagaceiro é bem simples, basta unir os elementos “produção paupérrima”, “roteiro óbvio e clichê”, “elenco amador” e “efeitos toscos”. O filme americano “O Ataque das Criaturas Bestiais” (Attack of the Beast Creatures, 1985) tem tudo isso e consegue o mais importante para os apreciadores das tranqueiras de horror: “divertir” (mesmo que se for apenas poucos momentos e esquecidos logo depois).
Um navio de cruzeiro afunda em algum lugar do Atlântico Norte em Maio de 1920, e um pequeno grupo de náufragos consegue se salvar num bote, ficando à deriva no oceano. Com sorte, eles logo encontram uma ilha e tentam manter-se vivos até a chegada de algum resgate. Ao procurar água e comida pela floresta, eles são surpreendidos por bizarrices que desafiam a sobrevivência, desde um lago com águas corrosivas que derretem o rosto de um deles, até os ataques constantes, seja de noite ou de dia, de pequenas criaturas bestiais que querem provar o sabor das carnes dos invasores de seu território.
O filme está disponível no “Youtube” com legendas em português e é daqueles que poucas pessoas fazem de tudo, característica das produções com pouco dinheiro e muito idealismo para conseguir os resultados, mesmo que sejam de qualidade menor. A direção é de Michael Stanley, que também participa da produção, e o roteiro é de Robert A. Hutton, que também assina a edição e fotografia. 
Claro que para conseguir a metragem necessária, existem muitos momentos de enrolação, com o grupo de náufragos fazendo longas caminhadas pela floresta da ilha, contribuindo para o tédio do espectador, Mas, em compensação, e o que realmente interessa no filme, os ataques da tribo de criaturas do título são muitos e sempre divertidos. Os pigmeus veneram algum tipo de divindade representada por uma estátua. Eles têm longos cabelos pretos, grandes olhos brancos e dentes afiados, e saltam contra suas vítimas mordendo violentamente suas carnes e provando o sangue. 
Eles ficam observando no alto das árvores, correndo agilmente pelas matas, emitindo grunhidos bizarros e atacando em grupos, não dando descanso para os sobreviventes do navio afundado, que por sua vez fogem desesperados e lutam o tempo todo pela vida, mas obviamente poucos conseguirão ter sucesso nesse desafio.
A história é muito simples, definida em poucas palavras, “grupo de náufragos é atacado por criaturas carnívoras numa ilha”. O elenco é inexpressivo e os atores só fizeram esse filme. Os efeitos dos monstrinhos são extremamente toscos e patéticos, bonecos estáticos grudados nos atores, que gritam como se estivessem sendo devorados.
Para quem aprecia tranqueiras com elementos de horror, a diversão é garantida.

       (Juvenatrix – 22/03/20)


sábado, 14 de março de 2020

O Mundo dos Draags


O Mundo dos Draags (Oms em Série), Stefan Wul. Tradução de Mário Henrique Leiria. Capa de Lima de Freitas. 155 páginas. Lisboa: Edição Livros do Brasil, Coleção Argonauta, no. 64, 1961. Lançado originalmente em 1957.

Este é o quarto romance do autor publicado na célebre coleção Fleuve Noir nos anos 1950 e, mais uma vez, temos como pano de fundo uma ameaça ao destino da humanidade. Tal situação já havia sido tratada em Regresso a Zero (Retour à “0”) (1956) e Pré-História do Futuro (Niourk) (1957), respectivamente, seu primeiro e terceiro romance. Em Regresso a Zero através de um confronto catastrófico entre a velha Terra e o emergente poder de uma Lua rebelde habitada por criminosos. Já no segundo o reerguimento da humanidade após um apocalipse nuclear que dizimou quase toda a civilização.
Agora com O Mundo dos Draags a humanidade encontra-se em xeque, numa posição inferior e indigna. Somos apresentados ao mundo de Ygam onde a espécie dominante chamada draags escraviza os humanos – chamados de oms – não como serviçais, mas pior que isso, como animais de estimação, considerados como estúpidos e pouco inteligentes. Será esse nosso possível destino no caso de um contato com uma espécie alienígena tecnologicamente mais avançada, belicosa e, eventualmente, mais inteligente? Realmente me incomodou ver nossa espécie sendo humilhada, numa relação paternal e opressiva. E num certo sentido talvez possamos dizer que este livro despretensioso de Wul tenha influenciado o bem mais reconhecido O Planeta dos Macacos (La Planète de Singe) (1963), do também francês Pierre Boulle (1912-1994), embora não com uma dominação alienígena, mas de uma espécie de nosso próprio planeta.
Os draags invadiram a Terra em nosso futuro, mas já distante da época em que se passa a história. Levaram para seu planeta seres humanos, considerados como passivos e resignados. Havíamos chegado a uma condição de bem-estar material consolidado que, gradativamente, nos teria deixado fracos para lutar, acostumados com muitos anos sem rivalidades ou problemas sérios a resolver.
O início da história nos mostra a vida de um om domesticado, cuidado com carinho, mas subjugado apenas como estimação para famílias e, principalmente, crianças. Os draags têm a aparência semelhante à de sapos enormes, cerca de cinco vezes a altura de um om adulto. Depois de séculos de escravidão, por meio da fuga de um jovem om, Wul nos conta a lenta saga de resistência que emergirá entre os oms, que sem os donos, vivem em pequenos grupos nos esgotos, parques, lugares ermos da grande metrópole de Ygam.
Através da liderança de Terr – mostrado no início da história – os oms organizam-se crescentemente, unindo-se em coletivos cada vez maiores e mais articulados. Um dos meios para que eles readquirissem o gosto pelo conhecimento era através de fones de ouvido, usados para alfabetizar as crianças draags, que eles roubavam.
Contudo, apesar dos alertas seguidos de Singh, um dos mais prestigiados cientistas draags, de que os oms não deviam ser subestimados, pois estavam readquirindo sua inteligência e capacidade de rebeldia, os draags só o levaram a sério quando era muito tarde. Isso porque os oms, por causa da escravidão e conforto lhes imposta pelos draags, recuperaram seu desejo por liberdade, novamente lutando por sua sobrevivência para se organizar como seres autônomos e dotados de razão.
Sendo Ygam um planeta enorme em comparação com a Terra – com uma superfície distribuída por cinco continentes, três deles artificiais, construídos pela tecnologia draag, os oms conseguem se refugiar num velho porto abandonado e organizar-se numa sociedade. Assim, eles constroem três navios e navegam em direção a um dos dois continentes naturais, pouco habitados pelos draags.
Como já deve antever o leitor presume-se um confronto entre as duas civilizações, agora praticamente invertendo a situação: os conquistadores draags acomodados e sem disposição para a luta e os oms renascidos em sua busca por dignidade e liberdade. Podemos dizer que estamos diante de uma metáfora sobre racismo, numa crítica ao imperialismo europeu – e francês em particular – com relação aos povos conquistados pela força militar e discriminados por uma suposta – e na verdade absurda – superioridade cultural.
Mas Wul não problematiza questões como estas, escreve como que com um impulso natural e irresistível, dando a impressão – como já visto em outros de seus livros – de não planejar o enredo. Assim, a força da história repousa na fluência narrativa e na movimentação dos acontecimentos, sobressaindo o pleno entretenimento. Em todo caso, nota-se em O Mundo dos Draags um subtexto político mais presente do que nos livros anteriores.
Notável e instigante como os outros, é digno de registro que também foi publicado no Brasil como O Cativeiro Humano, pela Tridente Edições e Artes Gráficas, coleção FC no. 5, em 1970. Além disso recebeu também uma interessante adaptação ao cinema de animação em 1973, com o título de La Planète Seuvage (Fantastic Planet, em inglês), dirigido em tons psicodélicos e surrealistas bem à moda dos anos 1970 por René Laloux. Bem recebido pela crítica levou o Prêmio do Jurí do Festival de Cannes de 1973. Tive a sorte de conseguir uma cópia da versão em inglês, mas não foi lançado no mercado audiovisual no Brasil, embora seja possível assisti-lo na internet.
Em suma, O Mundo dos Draags é mais uma das aventuras pulps de Stefan Wul, embora aqui o tom de crítica social e subtexto político tenha um pouco mais de espaço do que seus três livros anteriores, de tonalidades mais fantásticas e delirantes.

Marcello Simão Branco