sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

O problema dos três corpos, Cixin Liu

O problema dos três corpos (三体), Cixin Liu. 316 páginas. Tradução de Leonardo Alves da edição em inglês The three-body problem. Editora Companhia das Letras, selo Suma das Letras, São Paulo, 2016.

Histórias de contato estão entre as mais praticadas dentro do gênero da ficção científica. Algumas delas são muito criativas quanto aos problemas inerentes da troca de informação entre raça humana e alienígenas, em que quase sempre o que é dito por um não é bem compreendido pelo outro, gerando muitos desentendimentos. Mas, em algum momento, o diálogo se estabelece e as coisas se acertam. A não ser naqueles casos – bastante frequentes diga se de passagem – em que uma das partes quer destruir a outra. Aí temos uma história de invasão, que também é um tema muito explorado pelo gênero.
Sabe-se que toda a história de invasão ou de contato, remete-se à comunicação entre os próprios seres humanos, em que as barreiras linguísticas, culturais e econômicas geram situações de opressão incontornáveis para a parte tecnologicamente mais fraca do diálogo. E é muito difícil escapar dessa interpretação, mesmo que o autor diga que não se trata de uma metáfora. Inclusive no caso de O problema dos três corpos, romance do escritor chinês Cixin Liu, vencedor do prêmio Hugo de melhor romance em 2015. O Hugo é o mais importante prêmio da fc internacional, promovido pelo fandom norte-americano e votado durante suas convenções anuais. Foi o primeiro romance de um autor não anglófono a obter o mérito, mas ele não veio por acaso: Cixin Liu já tinha o reconhecimento de seus conterrâneos, visto ter ganhado oito vezes o Galaxy Award, o mais importante prêmio chinês do gênero.
A história inicia durante os conflitos da Revolução Cultural. As primeiras cenas são chocantes e relatam o assassinato de um acadêmico por seus próprios alunos, diante da filha que assiste a tudo sem poder intervir. Essa estudante, chamada Ye Wenjie, será protagonista de um cabo de guerra entre a humanidade e uma raça alienígena, mas ela ainda não sabe disso. Por hora, é apenas uma jovem solitária e traumatizada, também perseguida pelo governo chinês. Às portas da execução, recebe a oferta de ser poupada em troca de  trabalhar num programa ultra-secreto do governo, cujo objetivo é buscar o contato com alguma civilização extraterrestre. Ela aceita, apesar de saber que será prisioneira num laboratório remoto, chamado Base da Costa Vermelha, e que talvez nunca mais saia de lá.
Anos depois, em nossos dias, cientistas destacados em suas áreas começam a desaparecer em todo o mundo, causando estagnação no avanço da ciência. Alguns deles chegaram a se suicidar depois de concluir que a ciência é inútil. O pesquisador chinês Wang Miao, especializado em nanotecnologia, é assediado por um grupo de homens do governo que pretende recrutá-lo para algo que eles chamam de "guerra", embora não exista nenhuma guerra sendo travada no momento e ninguém fale claramente a respeito.
Entre o grupo está o detetive de polícia Shi Quiang, que passa a ser a sombra de Miao pois desconfia que ele pode ser uma futura vítima. A suspeita recai sobre um  grupo de fiéis de uma religião integralista que se une em torno de um sofisticado jogo de imersão total online chamado "O problema dos três corpos", no qual filósofos do passado da Terra que vivem num mundo que orbita um sistema de três sóis, tentam desenvolver uma teoria que preveja, com exatidão, os drásticos fenômenos climáticos que assolam o planeta, de forma a permitir que a civilização se proteja antecipadamente dos cataclismos mortais que a abatem periodicamente. Nessas circunstâncias, a civilização desaparece e o jogo acaba, para retornar em outro momento da história quando for feito novo login.
Quando Miao passa a enxergar no fundo dos olhos uma aterrorizante contagem regressiva que mais ninguém vê, busca ajuda com uma envelhecida Ye Wenjie, e acaba por se envolver com o estranho jogo. Com a cientista anciã, fica sabendo o que aconteceu na Base da Costa Vermelha, bem como o significado do problema dos três corpos – que ele ajuda a solucionar – e como tudo isso se relaciona com as mortes dos cientistas e a iminente invasão alienígena na Terra.
Cixin Liu é engenheiro, chinês de nascença, e ainda reside na China onde desenvolve uma bem sucedida carreira como escritor de ficção científica, gênero do qual se declara fã desde a juventude.
Diz o autor no posfácio que fecha a edição: "não uso minha ficção como um modo mascarado de criticar a realidade do presente. Acho que o maior atrativo da ficção científica é a criação de diversos mundos imaginários fora da realidade". Contudo, é impossível não ver em O problema dos três corpos uma série de metáforas muito bem assetadas. Sinal de que, como sempre me pareceu correto pensar, as obras têm pretensões próprias que nem sempre são compatíveis com as de seus autores. O leitor experiente também vai perceber uma série de homenagens sutis que o autor faz à importantes obras da ficção científica. Fica a dica para quem quiser se divertir identificando cada uma delas.
O problema dos três corpos funciona muito bem como obra única, mas trata de uma trilogia, cujo título geral em inglês é Remembrance of Earth’s past. Além do primeiro volume, originalmente publicado em 2007, as sequências são A floresta sombria (The dark forest, 2008) publicado em 2017 no Brasil pela mesma editora, e Death's end (2010), que foi anunciado para ser publicado aqui em 2018, mas foi adiado.
Cesar Silva

Regresso à Vida


Regresso à Vida (Recalled to Life), Robert Silverberg. Tradução de José Lourenço Galego. Publicações Europa-América, coleção Ficção Científica no. 29, 1982, 176 páginas. Lançamento original em 1958.

Quando Silverberg escreveu este romance ele estava no auge de sua produtividade. Os anos 1950 foram o de maior quantidade de textos escritos e publicados, principalmente contos, e de aventuras espaciais, embora já estivesse latente, também, sua versatilidade em abordar diferentes temas dentro da ficção científica.
Talvez por isso e também para atenuar sua imagem de escritor de contos curtos, rápidos e sem grande mérito literário, ele escolheu um tema mais difícil, procurando uma abordagem mais realista, conforme ele explica na introdução:
“Tinha a intenção de que este livro tivesse a textura de um romance linear, com um conteúdo nada extraordinário, à exceção da grande hipótese que o faria entrar para o campo da ficção científica e que seria a espinha dorsal de todo o enredo: e se a morte pudesse tornar-se um processo reversível? Queria explorar as consequências sociais de uma descoberta assombrosa; e queria explorar essas consequências não no terreno asséptico de um universo de ficção científica, mas num mundo pouco diferente, nas suas reações fundamentais, do que conhecemos agora.”
Mesmo que história tenha sido primeira publicada em duas edições da revista Infinity Science Fiction, em junho e agosto de 1958, ela enfrentou dificuldades em ser aceita posteriormente para o formato de livro. Pois, de acordo com Silverberg, os editores a achavam “muito séria” e com riscos de “deprimir os leitores”.
Contudo, não é um romance mainstream. Afinal estamos diante da possibilidade de ressurreição após a morte. O que aconteceria se a ciência descobrisse uma maneira de reviver os que morreram? Já parou para pensar nisso? Afinal a morte é dada como uma coisa inevitável e definitiva. E de certa forma somos mesmos condicionados a acreditar e, mais que isso, aceitar este fato.
Mas no campo das hipóteses que só uma ficção especulativa como a científica pode oferecer, o livro nos apresenta esta possibilidade e discute suas consequências, principalmente do ponto de vista social, político e religioso.
Estamos em 2033 e a história é contada a partir de James Harker, advogado que tenta retomar sua carreira, após uma experiência frustrante como governador do estado de Nova York. Isso porque ele tentou implementar algumas reformas políticas que acabaram custando sua reeleição e mesmo sua permanência na vida pública.
Ele é procurado por um representante do misterioso Laboratório Beller para ser o seu conselheiro jurídico e porta-voz. Utilizando a herança deixada por um multimilionário, o laboratório usou o dinheiro para realizar pesquisas que pudessem, finalmente, vencer a morte.
Uma equipe de médicos e cientistas desenvolveu uma tecnologia capaz de reviver pessoas que tenham morrido há até vinte e quatro horas, e com o corpo em bom estado de conservação e sem grandes traumas nos órgãos internos. Não havia a chance de ressuscitação em casos mais complicados, como câncer em estágio avançado e acidentes que danificassem gravemente o corpo.
Contrariado e descrente a princípio Harker testemunha a ressuscitação de cães e, posteriormente, de um ser humano, e aceita o emprego. É uma chance de servir a uma causa importante e se redimir politicamente perante a opinião pública.
 Mas o tema está longe de ser recebido com entusiasmo. Vários setores da sociedade veem com descrença e heresia a possibilidade de reviver alguém que morreu. Primeiramente há a dúvida de que tal procedimento seja possível, a seguir se ele deve realmente ser realizado, pois não seria dado aos homens interferir num desígnio divino, de haver criado o homem como um ser mortal. Adicionalmente, se a pessoa morre a alma sai do corpo, mas se ele revive, estaria sem a sua alma, sendo não mais que um espectro, um zumbi, indigno de conviver novamente com os vivos.
No fundo tais reações estão no campo da religião e suas diferentes crenças e dogmas, semelhantes a outras descobertas revolucionárias da ciência, como a de que a Terra é uma esfera, de que não somos o centro do universo e de que fazemos parte de um processo evolutivo dos seres vivos do nosso planeta. Mas concordo que o tema da ressurreição seria ainda mais controverso.
Estas dúvidas também estão com Harker, mas assumidas principalmente como uma dor interior intensa, já que ele perdera sua filha Eva, alguns anos atrás. Teria sido possível salvá-la do afogamento, mas a tecnologia chegou tarde demais.
Então também por este motivo pessoal Harker tem interesse que a descoberta seja aceita e legalmente regularizada. Mas enfrenta batalhas, antes de tudo, internas, no interior do próprio laboratório, pois dois de seus integrantes divulgam a notícia antes que a técnica estivesse totalmente segura, causando, além da negação de ordem moral e religiosa, também outra de caráter prático. Isso porque de cada seis pessoas revividas uma recuperou suas funções fisiológicas, mas não as do cérebro.
A história envereda por uma batalha política pela luta ao reconhecimento e legalidade do procedimento, em torno dos dois partidos políticos nos Estados Unidos do século XXI: o Partido Nacional-Liberal e o Partido Conservador. Como se vê sucessores dos Democratas e Republicanos, que teriam sido dissolvidos numa crise política no início dos anos 1990.
Ao situar o assunto num recorte mais político-partidário, ao que parece, Silverberg está refletindo, ainda que de maneira indireta e implícita, sobre as opções e valores dos dois maiores partidos norte-americanos, numa fase de grandes contestações e mudanças em seu país: os direitos civis das mulheres e os direitos políticos dos negros, sobre o aborto, drogas liberdade sexual, meio-ambiente. Mas creio que nada chegaria perto do que aconteceria se a possibilidade de ressuscitar a vida fosse possível.
Entre o final dos anos 1960 e início dos 1970 Silverberg estava novamente em uma fase de grande criatividade, mas desta vez com contos, novelas e romances de enorme ousadia temática e qualidade literária. Para citar alguns exemplos: o conto “Passageiros” (“Passengers”, 1967), a novela “Asas da Noite (“Nigthwings”, 1968) e o romance Uma Pequena Morte (Dying Inside, 1971). Nesse contexto imaginou relançar Regresso à Vida, mas após receber o sinal verde para enviar o original a uma editora percebeu outra possível razão para que a história tivesse sido rejeita por algumas editoras no início dos anos 1960: estava mal escrita e com várias cenas melodramáticas. Assim, pela primeira vez em sua carreira, Silverberg reescreveu o livro inteiro, mantendo-o como um texto relativamente curto (é pouco mais do que uma novela), mas bastante centrado sobre as discussões a respeito do tema principal. E é esta a versão, de 1971, que foi traduzida e publicada em língua portuguesa. Ao leitor que porventura procure pelo livro, atenção. Saiu uma outra edição em Portugal com o título de Regresso à Vida, mas trata-se da tradução de outra obra do Silverberg, o romance To Live Again (1969), publicado pela Galeria Panorama, em sua Colecção Antecipação no. 47.
Não li a versão original de Recalled to Life, mas pode-se perceber que estamos diante de um texto fluente e com boa densidade dramática, embora pudesse, já que o reescreveu, ter avançado mais em sua estrutura – com a introdução de mais personagens e outras linhas narrativas, como, por exemplo, de como seria a nova vida de um ressuscitado. Em todo caso, a boa recepção desta nova versão o incentivou a publicar a novela premiada com o Nebula de 1975 “Born with the Dead” (1973), que ele mesmo considera uma espécie de continuação desta sua primeira investida no tema da ressurreição.

– Marcello Simão Branco

sábado, 1 de dezembro de 2018

"Names", novela de Dalton Almeida


Names: Uma história policial sci-fi, Dalton L. C. de Almeida. Dragonfly Editorial, S.Paulo, 2016. Prefácio de L. H. Hoffmann (editor). Capa: Victor Caigue.

Muito original esta novela que estrutura um mundo futuro complexo e bem diferente do nosso, na verdade um mundo espacial e onde as paixões humanas continuam poderosas e impiedosas. Imensas naves espaciais atravessam o Cosmos, representando o conjunto de nações e continentes; um policial, Lucca Costa, da nave latina, investiga um crime que apresenta conotações peculiares. A Latina é uma das super-naves da Frota Real de colonização extra-solar. Sim, este futuro é monárquico, como aliás muitos mundos imaginados pela ficção científica.
A novela é hábil e instigante, porém admite alguns questionamentos. Por exemplo, por que o uso da expressão “sci-fi” — um estrangeirismo de pouco trânsito no Brasil — no subtítulo? E por que o próprio título da obra é “Names” e não “Nomes”? É um detalhe interessante que o nome que a pessoa usa, ou que deixa de usar, é algo de extraordinária importância na trama. Idem os meandros da política, onde nem tudo é o que parece, e onde a liberdade é posta em xeque por sutis manobras. Isso fica evidente quando Lucca e seus companheiros de investigação se vêem impotentes para dar solução definitiva ao caso.
É aos poucos que a gente toma gosto pela trama, que acaba num gancho excitante para uma possível continuação.
Miguel Carqueija, Rio de Janeiro, 12 de julho de 2018.

domingo, 25 de novembro de 2018

O Chicote e o Corpo (The Whip and the Body, Itália / França, 1963)



Lançado em DVD no Brasil pela “Versátil”, na coleção “Obras Primas do Terror – Volume 1”, “O Chicote e o Corpo” (The Whip and the Body) é um filme de horror gótico dirigido pelo especialista italiano Mario Bava e com Christopher Lee como vilão.
Curto, com apenas 78 minutos de duração, a história é ambientada na Europa do século XIX, num castelo à beira do mar, de propriedade do Conde Vladimir Menliff (Gustavo De Nardo, creditado como Dean Ardow). Lá vivem também seu filho Cristiano (Tony Kendall), prestes a se casar com a noiva Nevenka (Daliah Lavi), além de Katia (Evelyn Stewart, creditada como Isli Oberon) e os empregados Giorgia (Harriet Medin, creditada como Harriet White) e Losat (Luciano Pigozzi, creditado como Alan Collins). O ambiente fica bastante tenso com a chegada de Kurt Menliff (Christopher Lee), outro filho do conde, que já teve um relacionamento conturbado com Nevenka e foi o responsável pelo suicídio de Tanya, a filha da empregada Giorgia, após outro romance mal resolvido.
Kurt é recebido com hostilidade pela família, com conflitos constantes e sentimentos de desconfiança e ódio. Depois que ele é assassinado misteriosamente, como num plano de vingança, as tensões no castelo se intensificam ainda mais e Nevenka passa a sofrer terrivelmente com alucinações e ataques do fantasma perturbado de Kurt, que retorna da tumba para assombrar o castelo.
O cineasta Mario Bava (1914 / 1980), de clássicos como “A Maldição do Demônio” (1960), “As Três Máscaras do Terror” (1963) e “O Planeta dos Vampiros” (1965), entre outros, é considerado um mestre italiano do Horror gótico. Em “O Chicote e o Corpo” temos a tradicional ambientação sombria de um castelo imponente no alto de uma montanha beirando o mar. Com o barulho constante de fortes ventanias e ondas se chocando contra as rochas, contribuindo ainda mais para uma atmosfera sinistra que perdura o tempo todo pelos aposentos e becos escuros do castelo, com suas passagens secretas e armaduras medievais decorativas. Vozes, sombras, o horror à espreita, mortes, perseguições, loucura, todos esses elementos juntos para fazer do castelo um palco de pesadelos num horror gótico de gelar a alma dos vivos.
Christopher Lee (1922 / 2015), com seu currículo de quase 300 filmes, está imponente como sempre, no papel de um vilão que chicoteia uma mulher e assombra o castelo da família em busca de vingança contra seus detratores.

Eu te assusto? Você gostava de mim antes. Você sempre gostou de violência. Você não mudou nada. Você não mudou e nunca mudará.” – Kurt para Nevenka    

(Juvenatrix – 25/11/18)

segunda-feira, 19 de novembro de 2018

O Vampiro da Noite (Horror of Dracula, Inglaterra, 1958)



No final da década de 50 do século passado, o cinema de Horror enfrentava uma crise com perdas de audiência para a televisão. Nessa época, a produtora inglesa “Hammer”, sob a liderança dos executivos Michael Carreras e Anthony Hinds, decidiu revitalizar o gênero trazendo novamente às telas do cinema os famosos monstros consagrados pelo estúdio americano “Universal” com seus filmes em fotografia em preto e branco. Dessa forma, os famosos ícones populares do Horror voltaram, e novos filmes foram produzidos com “Drácula”, “Criatura de Frankenstein”, “Múmia”, “Fantasma da Ópera”, “Lobisomem”, e outros. Porém, dessa vez com fotografia em cores e destacando o vermelho do sangue, surgindo clássicos absolutos do Horror gótico como “A Maldição de Frankenstein” (1957) e “O Vampiro da Noite” (1958), lançando atores que se transformaram em lendas do gênero como Christopher Lee e Peter Cushing. Além de diretores que se tornaram nomes conhecidos como Terence Fisher, o principal cineasta do estúdio, e roteiristas como Jimmy Sangster.
A história é baseada no famoso livro de Bram Stoker, mas nesse caso com alguma liberdade de criação artística e alterações que não prejudicaram. Jonathan Harker (John Van Eyssen) vai trabalhar como bibliotecário no castelo do Conde Drácula (Christopher Lee), numa cidadezinha alemã, para supostamente catalogar os livros de seu acervo. Ele tem um encontro tenso tanto com seu anfitrião quanto com uma vampira escravizada (Valerie Gaunt). Drácula conhece a noiva de Harker através de uma foto, Lucy Holmwood (Carol Marsh), e fica obcecado por ela, decidindo viajar para a Inglaterra a sua procura. Lá, conhece também seu irmão Arthur (Michael Gough) e a esposa Mina (Melissa Stribling), que se transforma em mais uma de suas vítimas vampirizadas. Para combatê-lo, surge o Prof. Van Helsing (Peter Cushing), estudioso de vampirismo e que tenta salvar Lucy das garras do “vampiro da noite”.    
Como infelizmente uma infinidade de filmes com vampiros contribuíram para desqualificar a mitologia tradicional dessas criaturas da noite, é extremamente louvável que a “Hammer” e seu clássico “O Vampiro da Noite” tenha respeitado alguns dos elementos típicos do vampirismo, como aversão ao sol, ao cheiro do alho, ao crucifixo como símbolo religioso do bem contra o mal, e a evidência da tão temida estaca de madeira cravada no coração como ato de destruição de um vampiro.
Ao contrário do igualmente clássico de Tod Browning lançado em 1931, com fotografia em preto e branco e Bela Lugosi interpretando magistralmente Drácula, e que tinha interpretações teatrais do elenco e uma narrativa mais pausada, o filme de 1958 da “Hammer” tem mais ação e cenas com violência e sangue. Como quando Drácula agride uma vampira escravizada em seu castelo, jogando-a brutalmente no chão, além dos vários momentos onde o sangue escorre das vítimas do conde vampiro.
Christopher Lee (1922 / 2015) aparece e fala pouco, mas todas as suas cenas são sinistras e marcantes. Com sua atuação como Drácula nesse e em vários outros filmes, tanto da “Hammer” como de outras produtoras, ele registrou para sempre seu nome na história do cinema de Horror e vampirismo. Seu parceiro de muitos filmes, Peter Cushing (1913 / 1994), também se tornou outro ícone do Horror e é muito lembrado pelas diversas performances como Van Helsing, o eterno inimigo de Drácula. O confronto final entre eles em “O Vampiro da Noite” é antológico.
Aliás, esse filme inaugurou uma série da “Hammer” com Drácula e foi seguido por “As Noivas do Vampiro” (The Brides of Dracula, 1960, esse sem Christopher Lee e com David Peel interpretando um descendente de Drácula), “Drácula, o Príncipe das Trevas” (Dracula, Prince of Darkness, 1965), “Drácula, O Perfil do Diabo” (Dracula Has Risen From the Grave, 1968), “O Sangue de Drácula” (Taste the Blood of Dracula, 1970), “O Conde Drácula” (Scars of Dracula, 1970), “Drácula no Mundo da Mini Saia” (Dracula AD 1972), “Os Ritos Satânicos de Drácula” (The Satanic Rites of Dracula, 1973), e “A Lenda dos Sete Vampiros” (The Legend of the 7 Golden Vampires, 1974, esse também sem Christopher Lee, e com John Forbes-Robertson em seu lugar).
(Juvenatrix – 19/11/18)

sexta-feira, 16 de novembro de 2018

FCF&H brasileira essencial em 2017

Como fiz com outros anos, relacionarei a seguir os títulos de livros de autores brasileiros de fantasia, ficção científica e terror que se destacaram entre os lançamentos de 2017. Cabe, antes de iniciar, dar alguns esclarecimentos sobre o método empregado.
Em primeiro lugar, a lista segue padrões pessoais de relevância, ou seja, trata-se de um recorte pessoal e absolutamente arbitrário. Dentro dessa premissa inicial, optei por evitar sequências, uma vez que toda sequência está necessariamente vinculada a uma publicação de um ano anterior, mas algumas vezes isso é incontornável. Também desconsidero republicações e reedições porque obviamente não são inéditas. E finalmente, só me interessam aqui os autores que escrevem em português e publicam no Brasil. Ou seja, livros publicados fora do país, mesmo que de autores brasileiros, assim como livros de autores estrangeiros traduzidos aqui não entram nesta lista. Confesso que senti vontade de não considerar os ebooks mas, devido a significância de alguns títulos, essa premissa não foi observada. Não há hierarquia de preferência e os títulos estão apresentados em ordem alfabética dentro de sua classificação.

Iniciando pelos romances e, dentro deles, pelo gênero fantasia, destaco cinco títulos. Aimó: Uma viagem pelo mundo dos orixás (Companhia das Letras), de Reginaldo Prandi, é uma obra superlativa e surpreende que o autor não tenha sido percebido há mais tempo. Conta a história da alma desmemoriada de uma menina que busca por recuperar sua história no mundo dos orixás para, dessa forma, ter a oportunidade de reviver. O que mais impressiona é a clareza do autor em apresentar o panteão africano - a mitologia mais viva do mundo moderno - e contextualizar a doutrina do candomblé.
Raphael Draccon sempre fará parte das listas de essenciais quando tiver um novo livro publicado, e ele sempre tem. Trata-se de um dos maiores vendedores de livros de fantasia no Brasil, que conta com uma legião de admiradores. Ainda não parece ter alcançado a estatura da influência de André Vianco - outro nome sempre presente nestas listas -, mas também é bastante respeitado pelos seus pares e leitores. Em O coletor de espíritos (Rocco), um psicólogo retorna ao seu antigo vilarejo para enfrentar os fantasmas da juventude.
Ordem vermelha: Os filhos da degradação, de Felipe Castilho (Intrínseca), foi lançado com pompa e circunstância edição 2016 da Comic Con Experience, em São Paulo, numa campanha de marketing nunca antes vista na literatura fantástica brasileira. Trata-se de uma fantasia medieval maniqueísta inspirada no modelo tolkeniano, em que um grupo de paladinos enfrentam a potestade maligna dque domina uma cidadela.
Sherlock e os aventureiros, de André Cordenonsi (Avec), é uma história na linha "juventude de Sherlock Holmes", um tipo de fanfic muito praticado em todo mundo, que até já teve uma versão para o cinema nos anos 1980. Nesta história, o lendário detetive une-se a conhecidas personalidades de fato e de ficção para salvar o mundo de conspirações sinistras.
Cordenonsi também aparece, ao lado de Enéias Tavares e Nikelen Witter, no romance escrito a seis mãos Alcova da morte: Um caso da Agência de Detetives Guanabara Real (Avec), em que um grupo de investigadores  – que são avatares dos próprios autores – se envolve numa aventura ao molde steampunk durante a inauguração da estátua do Corcovado. Alguns poderiam dizer que este título deveria estar entre os livros de fc, mas como a história extrapola bastante o gênero, fica melhor mesmo como fantasia.


E por falar em fc, a lista continua agora nesse gênero, com Anacrônicos, de Luiz Bras (@Link), noveleta publicada em volume independente que conta como o fim do mundo chega através do surgimento inesperado de milhões de réplicas de todas as pessoas que já viveram, incapacitando a continuidade da vida como a conhecemos.
Dunya, o primeiro ebook desta relação, tem autoria de Tibor Moricz (em edição do próprio autor) é um romance de ficção espacial sobre um grupo de colonos num planeta inóspito habitado por uma raça hostil. Apesar de ser um enredo já bastante explorado, Moricz é um dos melhores autores da Terceira Onda da fc brasileira e seus textos sempre merecem a atenção dos leitores.
Extemporâneo é o novo romance de Alexey Dodsworth (Presságio), um dos nomes favoritos entre os votantes do Prêmio Argos, que já lhe tributaram comendas em 2015 e 2017. Neste romance, o protagonista salta, aparentemente sem controle, de uma realidade a outra, experimentando vidas de todos os tipos. O tema também não é original, mas é preciso reconhecer a importância de Dodsworth no cenário atual da fc brasileira.
Eric Novello, um dos autores da Terceira Onda mais elogiados pelos leitores, publicou em 2017 seu primeiro título pela prestigiosa editora Companhia das Letras. Trata-se do romance Ninguém nasce herói, jornada adolescente numa São Paulo alternativa dominada pelo ódio, intolerância e integralismo religioso.
Gerson Lodi-Ribeiro é um nome reconhecido dentro do fandom, ativo desde os anos 1980 tanto como autor como organizador de antologias. Seu romance Octopusgarden (Draco) também se passa no espaço sideral, em um planeta aquático habitados por octópodes que recebe a visita de uma nave com golfinhos inteligentes terrestres, e a interação das espécies não vai ser muito pacífica.


No gênero do horror, finalmente chegou ao mercado O mistério de Deus, de Roberto de Sousa Causo (Devir), uma história que une carros envenenados, boxe e demônios assolando Sumaré, pequena cidade do interior de São Paulo onde o autor passou toda a sua juventude, o que garante descrições naturalistas que contrastam vividamente com o sobrenatural.
Neve negra, de Santiago Nazarian (Companhia das Letras) conta a história de um artista plástico que se depara com o insólito quando, depois de longa ausência, retorna sua residência na serra catarinense numa rara noite de nevasca.
Também pela Companhia das Letras, recebemos Noite dentro da noite, de Joca Reiners Terron, relato perturbador que observa o Brasil a partir de um garoto que sofreu um acidente grave e tem de tomar medicamentos que nublam a percepção da realidade, ou talvez não.
André Vianco aparece aqui com o romance Penumbra (LeYa), que conta a história de uma menina que desperta numa dimensão sombria onde encontra uma velha senhora que será sua nêmesis e também sua única amiga.
Antônio Xerxenesky trouxe o romance As perguntas, publicado pela Companhia das Letras. Conta sobre uma especialista em ocultismo que se envolve na investigação de um crime que vai abalar sua confiança e convicções.
Quero lembrar agora alguns títulos entre antologias e coletâneas porque, além da produção de ficção curta ser tradição brasileira, é geralmente nas seletas que florescem novos autores. Dessa forma, destacarei quatro títulos em cada gênero.


Na fantasia, é necessário conhecer o Dicionário de línguas imaginárias, de Olavo Amaral (Companhia das Letras), em que o autor reúne textos de sua própria autoria, todos de um viés metalinguístico que se desdobra nos diversos subgêneros especulativos, sempre tendo como base a comunicação ou a falta dela.
Giulia Moon, que também é uma personalidade obrigatória entre o essencial, aparece desta vez ao lado de Walter Tierno como organizadora da antologia Fantásticas: Contos de fantasia protagonizado por mulheres (Giz), que como diz o título, pretende dar maior presença feminina à literatura do gênero, proposta que por si só é digna de nota.
O já citado Tibor Moricz aparece mais uma vez nesta relação com a coletânea Filamentos iridescentes, autopublicada em forma de ebook, que reúne alguns de seus melhores trabalhos na ficção curta, algo que realmente faltava na bibliografia do autor.
A mais destaca autora no último prêmio Argos, Ana Lucia Merege organizou este ano mais uma antologia sobre contos de fantasia medieval, Magos: Histórias de feiticeiros e mestres do oculto (Draco) que, ao lado de Excalibur e Medieval, forma um amplo painel do subgênero no país.


O espaço das antologias de ficção científica foi dominado por Luiz Bras, que organizou três dos quatro títulos lembrados aqui. Foram os volumes gêmeos de Hiperconexões, realidade expandida: Sangue & titânio e Carbono & Silício (Patuá), que são seletas de poemas, algo extremamente raro dentro do gênero no Brasil. Brás também publicou a coletânea pessoal A última árvore (Livros-Fantasma), ebook que reúne sua ficção curta mais recente. Pela qualidade de suas coletâneas anteriores, esta certamente é leitura obrigatória.
A quarta coletânea do gênero tem o singelo título de Memórias pós-humanas de Quincas Borba e outras histórias alternativas muito além do País do Futuroebook de Sid Castro publicado pelo autor, um veterano da Segunda Onda da fc brasileira que apresenta agora uma seleta autoral com textos interessantes de diversas propostas.


No gênero do horror, destacam-se a coletânea Comboio de espectros, de Duda Falcão (Argonautas/Avec), autor que tem se estabelecido junto ao fandom a partir de trabalhos nesse gênero, especialmente contos, que seguem um estilo gótico clássico, com uma pitada de humor, negro é claro. Camila Fernandes, autora da Terceira Onda que estava ausente há algum tempo, retornou em 2017 com a coletânea Contos sombrios (Dandelion), num estilo mais intimista. Raphael Draccon, cujo romance já foi citado no início deste artigo, contribui também no horror, ao lado da esposa Carolina Munhóz e dos escritores Frini Georgakopoulos e Rafael Montes para compor a antologia Criaturas e criadores: Histórias para noites de terror (Record), com releituras de histórias clássicas do gênero. E, ainda, Crimes fantásticos, organizada por Cesar Alcázar e Duda Falcão (Argonautas), antologia que tem o mérito suplementar de recuperar a arte de R. F. Lucchetti, um dos grandes mestres do horror brasileiro.

Para fechar esta lista, três títulos de não ficção que são obrigatórios para aqueles que querem ter uma visão mais apurada da literatura fantástica no Brasil: A a Z: Dicas para escritores, do veterano da Segunda Onda, tradutor e acadêmico Fabio Fernandes, um ebook autoeditado com orientações divertidas para novos autores de gênero, mas que também são úteis para os leitores; A fantástica jornada do escritor no Brasil, reveladora pesquisa de Kátia Regina Souza (Metamorfose) apoiada em uma série de entrevistas com personalidades da ficção fantástica brasileira, e Fantástico e seus arredores: Figurações do insólito, compêndio acadêmico editado em forma de ebook pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, organizado por Maria Zilda da Cunha e Ligia Menna, com artigos sobre a literatura brasileira e sua relação com o fantástico.
Pinçamos aqui trinta títulos importantes publicados ao longo de 2017 (quinze romances, doze coletâneas e três não ficção) que devem ser observados com carinho tanto pelos leitores como pelos estudiosos dos gêneros fantásticos no Brasil. Como foi dito no início, por ser uma seleção arbitrária, decerto que permite recortes alternativos dentro da relação total de lançamentos no ano que integralizou 235 títulos. Essa relação pode ser conferida no Almanaque da Arte Fantástica Brasileira: Lançamentos literários de ficção científica, fantasia e horror no Brasil em 2017, que pode ser encontrada para leitura online e download aqui e aqui. Assim, cada um poderá fazer sua própria lista de essenciais.
Cesar Silva

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Uma Sombra Passou por Aqui/O Homem Ilustrado


Uma Sombra Passou por Aqui (The Illustrated Man), Ray Bradbury. Tradução de Ruy Jungmann. Rio de Janeiro: Editora Record, sem data, 222 páginas. Lançamento original em 1951.

Não é incomum nos dias de hoje ver uma pessoa com tatuagens por todo o corpo. Expressão de identidade, afirmação ou contestação de valores, culto a um herói ou ídolo, por estilo artístico ou estético, as motivações são variadas. Mas nem sempre foi assim e, em certos círculos sociais mais conservadores, ainda é visto com certa desconfiança ou preconceito.
Mas como deixa claro o protagonista de Uma Sombra Passou por Aqui, ele não tem tatuagens convencionais pelo corpo, mas sim ilustrações de pele. Mais elaboradas, artísticas e, sobretudo, fantásticas.
A primeira edição brasileira de The Illustrated Man saiu no país inspirada pela adaptação cinematográfica da obra, lançada em 1969, com direção de Jack Smight, e estrelada por Rod Steiger e Claire Bloom. Outras duas surgiram em 1976 pela Edibolso, uma com o mesmo título de Uma Sombra Passou por Aqui e, curiosamente, outra chamada de Recordações do Futuro. Embora não sejam ruins, os títulos nacionais perdem em termos de informação e estranhamento em relação ao original. Coisa que não ocorreu em Portugal, nas três vezes em que foi publicado por lá. Pois tanto as edições número 18 da Coleção Argonauta (1955), sua nova coleção Gigante (1999), como o da Publicações Europa-América (2004) receberam o título de O Homem Ilustrado.
O livro reúne a primeira seleta de histórias curtas do autor, no ano de 1951, e apresenta 18 contos independentes – já previamente publicados na década anterior em revistas populares –, mas interligados de maneira engenhosa pela figura do homem ilustrado, já que cada uma das histórias retrata uma das ilustrações, que ganham vida quando vistas por outra pessoa.
Mas como o homem ilustrado ficou assim? Já no Prólogo ele mesmo explica a um viajante que o encontra casualmente, que foi uma mulher que fez os desenhos em seu corpo. Uma mulher madura, linda e de personalidade hipnótica, nos seus dizeres uma feiticeira que teria vindo do futuro. Que o seduziu, ilustrou-o todo e, subitamente, desapareceu, o deixando com uma espécie de dádiva visual e maldição. Isso porque ele passou a ser visto com um misto de curiosa admiração e mau-agouro, pois através da contemplação das imagens uma pessoa pode vislumbrar, além de histórias incríveis, o seu próprio futuro e até mesmo a sua morte. Virou uma aberração que vaga de lugar em lugar trabalhando em circos e espetáculos teatrais, mas por pouco tempo, pois logo é dispensado após o fascínio ser substituído pela incompreensão e medo.
Assim, cada um dos contos representa uma das ilustrações. De certa forma elas representariam uma espécie de segredo oculto, janelas para outras experiências não formalizadas pela superficialidade dos nossos sentidos. Outros mundos ou universos, só acessíveis para os suficientemente curiosos e abertos a novas experiências. No caso quem as vive é o viajante. É curioso que esta obra se insinua como de fantasia ou mesmo horror, mas se desenvolve como de ficção científica. Isso porque o tema comum na maior parte das histórias é o contraste entre os valores humanos e o desenvolvimento de novas tecnologias e modos de vida, suas transformações sociais e psicológicas. Quase todas com um desfecho triste e pessimista. Afinal, não foi Ray Bradbury quem disse que uma das principais funções da ficção científica não é antecipar o futuro mas, se possível, evitar seus caminhos possíveis?
Pais e filhos que não conseguem se comunicar (“A Estepe Africana”, “Zero Hora”), astronautas que sofrem um acidente trágico no espaço (“Caleidoscópio” – precursor do filme Gravidade [Gravity, 2013]?), sobre o fim do mundo (“A Estrada” e “A Última Noite”), da ausência sentida de um astronauta (“O Foguetista”), um casal que viaja no tempo para fugir de uma guerra (“A Raposa e a Floresta”), do envolvimento emocional com andróides (“Marionetes S.A.”), o sentimento de abandono de colonos espaciais (“A Grande Chuva” – em Vênus –, e “O Visitante” – em Marte).
Outro aspecto interessante da coletânea é sua apresentação, pela primeira vez, de temas que seriam recorrentes e mais elaborados em obras posteriores. A começar pelo homem ilustrado, que reaparece numa nova versão no romance de fantasia sombria Algo Sinistro Vem por Aí (Something Wicked this way Comes, 1962), no qual as ilustrações móveis, do agora chamado Senhor Dark, representam as almas das vítimas pecaminosas de um carnaval misterioso. Bradbury não deixa claro no romance se é o mesmo personagem de um livro para o outro, mas não é insensato imaginar que sim.
Alguns contos exploram também a presença humana em Marte, como “O Visitante”, “O Outro Pé”, “A Betoneira”, “Os Ígneos Balões” – este último republicado no romance fix-up As Crônicas Marcianas (The Martian Chronicles, 1950). O tema da exploração espacial em vários matizes: “A Grande Chuva” – relato impressionante de uma tempestade eterna em Vênus, que enlouquece os astronautas – “O Homem” – sobre a chegada dos terráqueos a um planeta habitado, mas que tratam os visitantes com total indiferença, pois estavam, naquele momento, na presença D´ele –, “Uma Noite e uma Manhã Comuns”, “A Cidade”, além dos já citados “Caleidoscópio” e “O Foguetista”.

Especialmente contundente é o conto “Os Expatriados”, que mostra um futuro em que livros de horror foram banidos da Terra. Os autores destes livros vivem uma espécie de exílio pós-morte em Marte. Pois embora mortos, eles ainda se importam com o destino de suas obras, especialmente quando um foguete chega à Marte com os últimos exemplares restantes, para serem destruídos. Em desespero, Poe, Bierce, Machen, Hodgson, Lovecraft e outros tentam se unir para evitar o que seria o definitivo desaparecimento de todos. A morte suprema do esquecimento. Pode-se dizer que é um precursor eficiente do clássico Fahrenheit 451 (1953).
Mesmo escritas nos anos 1940 as histórias têm um bom desenvolvimento de enredos e personagens, muito à parte do que se fazia na maioria das obras da ficção científica norte-americana da Golden Age. Esta abordagem crítica, psicologicamente madura e de elevado padrão literário, permitiram a Bradbury a, rapidamente, sair do ambiente do fandom e receber um reconhecimento mais geral, embora ele nunca tenha deixado de ser visto como um dos mais celebrados autores de FC e fantasia. Tanto é que The Illustrated Man foi finalista de um prêmio do gênero, o International Fantasy Award, em 1952, precursor do Prêmio Hugo.
Em comparação com o filme de 1969 é interessante observar que a presença do homem ilustrado é intercalada em cada uma das histórias, permitindo um sentido de equilíbrio maior, situação ausente do livro, em que as histórias, apresentadas na sequência sem esta intermediação, por vezes, parecem independentes demais. Ou seja, há certa perda de equilíbrio da proposta temática, mesmo com o desfecho da convivência do homem ilustrado e do viajante no epílogo da obra. Por uma questão de tempo e custos apenas três contos foram adaptados para o cinema: “A Estepe Africana”, “A Grande Chuva” e “A Última Noite”. Talvez fosse possível produzir uma minissérie onde mais contos fossem adaptados.
Embora as histórias apresentem assuntos diferentes, mas por vezes, como vimos, alocados em alguns temas comuns –, o clima geral é de melancolia e com desfechos fatalistas e infelizes. Uma exceção é o conto final “O Foguete”. Numa época em que os passeios espaciais são rotineiros para os ricos, um pai sem tantos recursos elabora uma fantasia tocante para satisfazer o desejo da mulher e dos filhos. Uma perola.
O Homem Ilustrado é uma obra de imaginação desconcertante, certamente inesquecível. Merecia ser relançada aqui no Brasil, pois a última vez que apareceu nas livrarias foi há pouco mais de quarenta anos.
– Marcello Simão Branco

quinta-feira, 1 de novembro de 2018

As melhores histórias brasileiras de horror

Este é um convite oficial para o lançamento do livro que ajudei a organizar, As melhores histórias brasileiras de horror, publicado pela Devir Livraria.
As melhores histórias brasileiras de horror tem a intenção de mostrar o quão rica e assustadora é esta trajetória, com uma seleção caprichada que vai de 1870 a 2014, ou seja, cobre 144 anos, quase toda a trajetória independente da vida nacional. Procuramos escolher histórias representativas, em especial as que abordam mais de perto a cultura brasileira, além de se destacar pela qualidade literária. Nesse sentido o conjunto dos autores selecionados é demonstrativo do interesse de parte dos melhores autores brasileiros, de diferentes épocas: Machado de Assis, Aluísio Azevedo, Inglês de Sousa, Afonso Arinos, João do Rio, Gastão Cruls, Thomaz Lopes, Tabajara Ruas, Braulio Tavares, Márcia Kupstas, Roberto de Sousa Causo, Júlio Emílio Braz, Carlos Orsi, M. Deabreu, Walter Martins e Gustavo Faraon.
Um mosaico do que a ficção de horror brasileira já fez de mais interessante em cada época, permitindo uma experiência de leitura rica e diversificada. Aparecerão temas como canibalismo, feitiçarias e misticismos, catalepsia, erotismo sobrenatural, fantasmas e assombrações, fim dos tempos, epidemia, rituais pagãos, pactos e possessões, paranoias e conspirações. Um variado leque para despertar a imaginação e deixar os sentidos alertas. Pois o horror poderá estar à espreita em cada linha, em cada página. E certamente em todas as histórias.
Ficaremos felizes com a sua presença.

sábado, 20 de outubro de 2018

O essencial de 2016 - Autores brasileiros

Apesar da crise, 2016 foi um ano favorável para a ficção especulativa brasileira. Não na quantidade, que está em queda livre, mas pelo menos a qualidade do material publicado tem se sustentado, o que aumenta o desempenho médio da produção nacional.  Também observamos o esboço de um núcleo semi-profissionalizado no segmento, com a presença recorrente de determinados autores com novos livros nas livrarias, o surgimento de periódicos sérios, inclusive de natureza acadêmica. Ainda que não necessariamente proveitosos do ponto de vista financeiro,  é importante a conquista desses espaços, que acenam com um futuro alvissareiro a longo prazo, especialmente quando esta crise passar – e ela vai passar.
No que se refere a ficção nacional, os romances ocupam a linha de frente, com treze títulos inéditos e uma republicação importante. Como tem sido a tendência, o gênero da fantasia continua a ser o mais praticado e no qual os autores parecem se sentir mais a vontade. Dois contumazes best-sellers aparecem aqui, ambos pela Editora Rocco: André Vianco, com Dartana, pelo selo Fábrica 231, uma história dark fantasy no ambiente medieval, e Carolina Munhóz, com Por um toque de sorte, segundo volume da série Trindade Leprechaum, pelo selo Fantástica, uma história contemporânea que, assim como Vianco, se desenvolve em torno de mitologias europeias.
Flávia Muniz também é uma autora que podemos classificar como best-seller. Embora seu nome não seja tão lembrado quanto os dois autores acima citados, Flávia está em ação desde os anos 1980 e seu livro Os noturnos é muito bem sucedido comercialmente. A autora publicou em 2016 o romance O manto escarlate, pela editora SESI-SP, que também envereda pela dark fantasy medieval.
Entre os estreantes, há três ótimos destaques. Santiago Santos, autor do saite de microcontos Flash Fiction, publicou seu primeiro romance, Na eternidade sempre é domingo, pela editora Carlini & Cantato, romance fix-up formado por várias narrativas independentes em forma de relato de viagem pelos Andes boliviano e peruano.
Alex Mandarino publicou O caminho do Louco, primeira parte da série Guerras do Tarot, pela editora Avec, ágil aventura de fantasia urbana com toques de mistério. E Caio Alexandre Bezarrias, com Shimandur: A cidade da chuva, pela editora Devir Livraria, fantasia passada na metrópole paulistana assolada por uma chuva interminável.
Antes de passar adiante, convém destacar aqui um livro de estremo valor, que precisa estar nesta relação, apesar de ter autor, em tese, estrangeiro. Trata-se do texano Christopher Kastensmidt, americano radicado no Brasil que aqui tem desenvolvido sua carreira como escritor, privilegiando uma ficção de caráter brasilianista que poucos autores nacionais ombreiam. Depois de publicar vários contos em antologias, Kastensmidt lanço em 2016, pela Devir Livraria, o romance fix-up de fantasia A Bandeira do Elefante e da Arara, que compila todos os dez contos do ciclo das aventuras de Gerard e Oludara, um holandês e outro africano, enfrentando seres mitológicos ao longo de uma ampla peregrinação pelo território do Brasil colonial.
A ficção científica tem se recuperado nos últimos anos, depois de um período de estagnação em que pouco se publicou no gênero. Os representantes de 2016 também são pesos pesados do segmento: Alexey Dodsworth, que em 2015 foi reconhecido pelos fãs com o prêmio Argos, lançou O esplendor, pela editora Draco, história cósmica sobre um planeta de luz eterna que é agitado quando surge um menino que pode dormir e sonhar.
Mustafá Ali Kanso, que é também um nome reconhecido no fandom, publicou O mesmo Sol que rompe os céus, pela editora Fragmentos, com uma história sobre o encontro de dois personagens com experiências bizarras.
Luiz Brás – reconhecido em alguns círculos como o multipremiado Nelson de Oliveira – tem mantido uma forte produção de fc&f nos últimos anos e, em 2016, apresentou aos leitores Não chore, pela editora Patuá, uma ficção anarquista que discute o sistema prisional. Pela mesma editora, Oliveira republicou o esgotado Subsolo infinito, originalmente publicado em 2000, uma perturbadora fantasia urbana sobre a identidade.
O horror é um ambiente razoavelmente assentado no mercado, sempre com uma produção equilibrada e estável. Rosana Rios é uma dama da literatura especulativa nacional, com dezenas de títulos publicados ao longo de sua produtiva carreira iniciada em 1988. Em 2016, lançou Olhos de lobo, pela editora Farol Literário, com uma história que mistura licantropia e nazistas no Rio Grande do Sul.
Pedro Cesarino, reconhecido pesquisador acadêmico da cultura dos povos nativos, vencedor do Jabuti com sua tese de doutorado Oniska: Poética do xamanismo da Amazônia, estreou em 2016 na ficção com Rio acima, pela editora Companhia das Letras, que aproveita sua experiência no tema para contar uma história de terror nas selvas do Xingu, na linha Coração das trevas, de Joseph Conrad.
Também a Companhia das Letras publicou Jantar secreto, de Raphael Montes, uma história de terror urbano deste autor que tem sido muito comentado nos últimos anos por sua ficção de aspectos sombrios.
Coletâneas e antologias representam um papel importante no ambiente da fc&f nacional. Como há poucas revistas publicando ficção, esse modelo editorial, que reúne num mesmo livro textos curtos de diversos autores e estilos, tem sido a sustentação do exercício criativo e revelado muitos autores de qualidade, sem esquecer que é na ficção curta que os autores brasileiros geralmente têm os melhores resultados.
Como em quase tudo, 2016 testemunhou uma forte queda no número de antologias e coletâneas publicadas no país, mas ainda assim é preciso reconhecer o esforço dos editores em investir no formato.
Entre as coletâneas – livros que reúnem textos de um único autor –, o destaque vai para O teorema das letras, título póstumo de André Carneiro (1922-2014), o mais bem sucedido autor brasileiro de ficção científica, que traz cinco contos inéditos que representam a intensa criatividade de Carneiro, mesmo no fim da vida.
No gênero do horror, o ótimo Carlos Orsi apresentou Mistérios do mal, pela editora Draco, que traz contos que unem mitologias e cosmologias típicas da weird fiction, amalgamadas a cenários e personagens brasileiros, como é característico em sua obra.
Também é no horror sobrenatural que se apresenta o escritor gaúcho Duda Falcão, com a coletânea Treze, pela editora Avec (publicada com data de 2015), não por acaso com treze contos ao estilo pulp fiction, com muito sangue, monstros, bruxas e demônios.
Entre as antologias – livros que publicam trabalhos de autores diferentes – os destaques da fantasia são Estranha Bahia, organizada Alec Silva, Ricardo Santos e Rochett Tavares para a editora EX!, com sete contos cujo fio condutor é, como já diz o título, o estado da Bahia.
E também Medieval: Contos de uma era fantástica, organizada por Ana Lúcia Merege e Eduardo Kasse para a editora Draco, com nove textos de autores bem avaliados, todos obviamente num cenário medieval, uma espécie de segundo volume a antologia Excalibur, dos mesmos organizadores e editora, publicada em 2013.
A antologia essencial na ficção científica em 2016 é Dinossauros, organizada por Gerson Lodi-Ribeiro para a editora Draco, um tema recorrente em antologias nacionais e estrangeiras, mas que traz 16 histórias inéditas de autores experientes e conhecidos no fandom.
Fechando esta seleção, a antologia Contos de terror, organizada por Camilo Prado para a editora Nephelibata, com 15 textos curtos, quase todos em domínio público, numa seleta de histórias tenebrosas de viés realista, por autores clássicos da literatura brasileira que pode surpreender os leitores menos avisados, num modelo que tem recebido razoável atenção dos antologistas nos últimos anos.
Cesar Silva

domingo, 14 de outubro de 2018

Drácula (Dracula, EUA, 1931)



Em 1897, o escritor irlandês Bram Stoker presenteou o mundo com seu livro de horror gótico “Drácula”, que conta a história do famoso conde vampiro que deixa seu castelo na Transilvânia (Romênia) e vai para a Inglaterra, onde compra alguns imóveis e se alimenta do sangue de suas vítimas.
Em 1931, os fãs do cinema de horror e vampirismo são novamente presenteados com o clássico “Drácula”, produção com fotografia em preto e branco, direção de Tod Browning, o mesmo de “Monstros” (Freaks, 1932), e com o ator húngaro Bela Lugosi encarnando magistralmente o conde vampiro.
O advogado Reinfield (Dwight Frye) está a caminho da Transilvânia com o objetivo de entregar para o Conde Drácula em seu castelo no alto de uma montanha, alguns documentos referentes à locação de uma velha abadia em Londres. Quando chega ao vilarejo próximo do castelo, ele é alertado pelos aldeões supersticiosos que é “Noite de Walpurgis”, e que os vampiros saem de seis caixões para se transformar em lobos e morcegos, vagando à noite em busca de sangue dos vivos.
Desconsiderando os avisos, ele é levado até o castelo numa carruagem conduzida por um cocheiro sinistro. Ao entrar na imponente construção de pedra, se depara com aposentos enormes repletos de poeira e teias de aranhas, numa atmosfera sinistra de gelar a alma. Depois, é recepcionado pelo misterioso anfitrião Conde Drácula e acertam os detalhes burocráticos do aluguel da abadia inglesa.
Depois de transformar Reinfield em seu servo através de controle hipnótico, tornando-o um louco comedor de moscas e aranhas, eles vão para Londres num navio que chega ao destino com seus tripulantes misteriosamente mortos. Ao se apossar da abadia de Carfax, que fica ao lado de um sanatório dirigido pelo Dr. Seward (Herbert Bunston), o conde vampiro instaura o horror alimentando-se do sangue de suas vítimas. Ele também conhece os novos vizinhos, as belas jovens Lucy (Frances Dade) e Mina (Helen Chandler), além de John Harker (David Manners) e o temível Prof. Van Helsing (Edward Van Sloan), que se tornaria seu inimigo mortal.
A versão americana de 1931 para “Drácula” é curta, com apenas 75 minutos de duração. Tem produção com orçamento reduzido e as características daqueles primeiros filmes sonoros que foram concebidos naquela distante época, com interpretações exageradamente teatrais do elenco, num ritmo narrativo lento e com efeitos toscos na criação dos morcegos. Porém, a história cativante do conde vampiro assustou de forma decisiva as plateias do período e marcou para sempre o cinema de horror gótico, popularizando o mito do vampirismo em uma infinidade de filmes posteriores.
O roteiro apresentou com respeito algumas das características tradicionais dos vampiros e que se tornariam eternizadas no imaginário popular, como o fato deles não terem reflexo em espelhos, não tolerarem símbolos religiosos como crucifixos, não gostarem de sol, não suportarem uma erva conhecida como acônito, dormirem em caixões com terra de seu local de origem, e serem criaturas imortais, porém que poderiam ser destruídos com uma estaca de madeira cravada no coração.
O filme é altamente recomendado para os apreciadores do vampirismo e do cinema gótico de horror, seja pela atmosfera sombria do castelo na Transilvânia ou da abadia abandonada em Londres, e pela interpretação convincente de Bela Lugosi, tornando o Conde Drácula um vilão ameaçador, povoando os pesadelos dos espectadores da época e registrando para sempre seu nome na galeria de astros do Horror. Ele é reconhecido como o principal Drácula do cinema, ao lado do ícone Christopher Lee, que fez o vampiro em vários filmes da cultuada produtora inglesa “Hammer”.
 
“Tem coisas bem piores à espera do Homem que a morte” – Conde Drácula
  
(Juvenatrix – 14/10/18)


segunda-feira, 1 de outubro de 2018

O Problema dos Três Corpos


O Problema dos Três Corpos (The Three-Body Problem, a partir de um original chinês), Cixin Liu. São Paulo: Suma de Letras, 2016, 316 páginas. Tradução de Leonardo Alves. Capa de Rodrigo Maroja.

Até alguns anos os fãs brasileiros de ficção científica suspiravam de angústia ao lembrar que vários bons romances do gênero vencedores dos principais prêmios – os norte-americanos Hugo e Nebula –, não eram publicados no país. Era quase sempre mais do mesmo: a publicação de uma nova obra de um autor tradicional ou alguma republicação.
Uma boa novidade mudou o cenário nos últimos anos quando as editoras brasileiras passaram a prestar atenção às obras mais recentes, e mesmo de autores pouco conhecidos, e lançá-los por aqui. Livros de FC como Quem Teme a Morte? (Who Fears Death), da afro-americana Nnedi Okorafor (Geração Editorial, 2014), finalista do Nebula 2010; A Cidade e a Cidade (The City & the City), de China Miéville (Boitempo, 2015), vencedor do Hugo 2010; A Guerra do Velho (Old Man´s War), de John Scalzi (Aleph, 2016), finalista do Hugo 2006.
Mas nem mesmo neste contexto a publicação de O Problema dos Três Corpos, de Cixin Liu, deixa de ser uma boa surpresa. Isso porque trata-se, muito provavelmente, da primeira obra da FC chinesa lançada no Brasil e, mais importante, representa a primeira vitória no Prêmio Hugo de Melhor Romance para uma obra não escrita em inglês e de um autor não-anglófono, em 2015. Isso não é pouco e demonstra, em boa medida, como o fenômeno da internacionalização da ficção científica se ampliou neste século XXI, embora o centro hegemônico ainda permaneça com os norte-americanos. Lembro ainda o ótimo O Cromossomo Calcutá (The Calcutta Chromosome, 1995), do indiano Amitav Ghosh (Editora Ática, 1998), que também foi pioneiro ao vencer o prestigioso prêmio britânico Arthur C. Clarke Award 1997. São obras como estas que ampliam a leitura e a perspectiva do gênero para além da cultura anglo-americana. Mas independentemente disso, o fato é que O Problema dos Três Corpos vale por si mesmo. É um livro maiúsculo de ficção científica, desde já entre as de maior relevo no tema das histórias de contatos com civilizações extraterrestres.
Primeiro volume da trilogia Remembrance of Earth’s Past, a narrativa começa durante os caóticos e sinistros anos da Revolução Cultural na China, um processo de reorganização social que se seguiu à implantação revolucionária do regime socialista no país, no final dos anos 1940. Foi um movimento violento de perseguição, humilhação e eliminação dos formalmente escolarizados antes do socialismo. O objetivo era estabelecer uma nova doutrinação ideológica, totalmente anti-burguesa. E todos que, mesmo que remotamente, cultivassem hábitos e opiniões burguesas deveriam ser combatidos.
Uma jovem vê seu pai, professor de Física de uma universidade, ser brutalmente assassinado em público durante uma das cerimônias de humilhação. Perseguida, ela recebe uma nova chance para trabalhar numa remota estação de monitoramento de satélites. Mas nunca mais recuperou o gosto de viver e a fé na humanidade. Por meio de sua atuação ao longo de décadas, o autor desenvolve o romance. E numa estrutura em camadas, em que se sobrepõem e se agregam mais informações, deixando o leitor sempre na expectativa de que determinada sequência tenha o seu desenlace. Assim, o autor deixa ganchos que vão sendo preenchidos ao longo da narração, situada entre o final dos anos 1960 até os dias atuais, já numa China ainda formalmente socialista, embora mais integrada ao capitalismo globalizado – e seus valores burgueses.
O mistério que ronda o tal problema dos três corpos começa a ser revelado através de um videogame online que simula a vida no planeta Trissolaris. Iluminado por três estrelas, ele sofre de enorme instabilidade geológica e climática, a ponto de levar ao colapso periodicamente as civilizações que emergem, até o próximo ressurgimento centenas (ou até milhares) de anos depois. Em si, é pouco crível que tal situação pudesse acontecer, que vida inteligente socialmente organizada e com desenvolvimento tecnológico pudesse vicejar, quanto mais várias vezes. Mas o problema dos três corpos é também um teorema não resolvido pela física clássica. Equações e cálculos não conseguem chegar a um modelo de interação e equilíbrio gravitacional entre três esferas. Ou seja, seria intrinsecamente instável e imprevisível devido à mútua influência da força gravitacional, se entendi bem o que é discutido no livro. A resolução deste enigma poderia ajudar os habitantes do mundo de Trissolaris a encontrarem alguma viabilidade em sua sucessão trágica de eras, ora chamadas de Estáveis, ora de Caóticas. Tudo a depender da presença de uma ou mais estrelas no céu do planeta ao mesmo tempo.
Como disse, tudo no livro é revelado paulatinamente, o que, depois de certo tempo, torna-se um pouco cansativo e anticlimático, pois apenas no terço final do livro é que sabemos que o tal jogo nada tem de lúdico, pois é uma representação da vida dos alienígenas que orbitam, simplesmente, o sistema trinário de Alfa-Centauri, a estrela mais próxima da Terra, situada a meros 4,3 anos-luz.
Jogo nada inocente, porque tem por objetivo recrutar os melhores jogadores para a causa de uma seita, a Organização Trissolaris, que estabeleceu contato, por meio de ondas de rádio, com os extraterrestres e anseia por sua chegada para intervir nos assuntos humanos – ou até mesmo, eventualmente, exterminar a raça humana.
E por onde andava a jovem vítima da Revolução Cultural? Ye Wenjie tem um papel chave, pois foi ela quem enviou a primeira mensagem e recebeu a resposta dos trissolarianos. Passa a ser uma das lideranças da seita que traiu a humanidade. Talvez o autor tenha exagerado um pouco ao imaginar uma organização que se insurge contra o restante de seus semelhantes, formada por fanáticos místicos e ambientais de variados matizes, verdadeiros sociopatas. Mas, por outro lado, quem sabe o que realmente aconteceria se tal descoberta fosse feita por pessoas com esta índole amarga e fanática?
Os trissolarianos organizam uma expedição gigantesca com naves de gerações, pois viajam a um milionésimo da velocidade da luz, para invadir e fazer da Terra o seu novo lar, um verdadeiro paraíso, em comparação ao inferno onde vivem. Mas depois de descobrirem que os governos da Terra desmascararam a seita e descobriram seu objetivo, chegam à conclusão de que os 450 anos que levarão para chegar ao seu destino permitirá aos terráqueos desenvolver-se tecnologicamente para repeli-los. Assim, lançam mão de um engenhoso estratagema baseado na física de partículas para travar o desenvolvimento científico da humanidade. A discussão do conceito é fascinante, mas um pouco difícil para um leigo acompanhar. Certamente deverá deleitar leitores com formação em física.
O romance apresenta uma boa contextualização histórica da China contemporânea importante para a história, mas ela é, principalmente, uma FC hard e das boas. Procura basear-se no conhecimento científico conhecido hoje, e isso dá mais plausibilidade à especulação de como seria o mundo alienígena e seus habitantes, chegando mesmo a impressionar pelo seu grau de detalhismo. Isso sem falar do que poderíamos chamar de uma perspectiva não-ocidental para uma aventura de FC, ao mostrar dois momentos diferentes da sociedade e da cultura chinesa. Soa até estranho imaginar que os chineses façam o eventual contato, tão acostumados que estamos a pensar que esta primazia pertencerá a alguma nação rica do Ocidente. Mas por que não?
E como alerta Cixin Liu em seu ótimo posfácio, não é sensato imaginar que eventuais civilizações extraterrenas sejam, necessariamente, pacíficas. Por que elas assim seriam, se nós mesmos nunca fomos com outras culturas e povos aqui da Terra, com tantos casos de genocídio e escravização? Apenas porque teriam atingido um estágio científico tecnológico superior ao chegarem às estrelas? É um equívoco primário associar desenvolvimento da técnica com valores éticos e morais. Até porque eles são relativos, de uma sociedade para outra. Quanto mais dirá de civilizações não humanas.
O Problema dos Três Corpos é o primeiro de uma celebrada trilogia campeã de vendas na China. (Imagine o que deve ser isso, no país mais populoso do mundo!) O segundo volume acaba de sair no país, também pela Suma de Letras: A Floresta Sombria (The Dark Forest, 2008). A trilogia deverá ser completada, assim esperamos, com Death’s End (2010). Para quem gostar do primeiro, será certamente uma leitura obrigatória.

– Marcello Simão Branco

domingo, 23 de setembro de 2018

O essencial da literatura fantástica no Brasil em 2015

2015 foi o ano da crise. Não se falou em outra coisa ao longo do ano e praticamente todos os setores sentiram o impacto da desaceleração da economia brasileira. Apesar do forte componente político no processo, não se pode negar que realmente aconteceu uma mudança paradigmática pois, com a desvalorização do Real, importar ficou mais caro e a produção interna e exportação voltaram a ser as bolas da vez. Alguns setores até obtiveram crescimento justamente por conta dessa mudança de contornos, mas o mercado editorial de ficção especulativa não reagiu da mesma forma porque o interesse das grandes editoras que dominam o mercado ainda está nos textos de autores estrangeiros, especialmente aqueles que vêm associados a lançamentos cinematográficos, por isso a produção nacional segue desprezada, subsistindo em pequenas editoras de nicho e na publicação autoral.
Este artigo aborda o que de essencial a fc&f apresentou em 2015, e não foi pouco. Mas antes, cabe fazer uma importante observação sobre o que foi o maior diferencial do mercado nesse ano: as volta vigorosa das novelizações.
Nos anos 1990, houve um período em que mercado foi dominado pela publicação de novelizações – também conhecidas como tie-ins – principalmente ligadas aos seriados de televisão Star trek e X files, sucessos que então sustentavam grandes clubes de fãs no país. Não é exatamente o que aconteceu em 2015 porque o mercado está muito maior, as franquias mais variadas e com autores brasileiros aproveitando a onda. Além das sempre lembradas séries de tv, tivemos novelizações de cinema (Star wars), séries de quadrinhos (Marvel) e jogos eletrônicos, com destaque para a novelização Dois mundos um herói (Suma das Letras), assinada pelo youtuber Rezende Evil e inspirada no jogo eletrônico Minecraft, que foi o lançamento mais badalado e comercialmente bem sucedido da fantasia nacional em 2015.
A fantasia continuou como o gênero mais praticado pelo mercado, tomando mais da metade do total de lançamentos de literatura fantástica e é nela que se destacam os autores mais bem sucedidos, como Eduardo Spohr com o terceiro volume de série Filhos do Éden: Paraíso perdido (Verus), e Carolina Munhóz com Por um toque de ouro e O mundo das vozes silenciadas – este assinado em parceria com Sophia Abrahão –, ambos pela Rocco.
Dos autores mais identificados com o fandom, é preciso registrar a edição de Flores do jardim de Balaur, de Carlos Orsi, novela de fantasia heroica ao estilo weird originalmente publicada no fanzine Juvenatrix em 1999.
Felipe Castilho publicou o terceiro volume de sua série O legado folclórico: Ferro, água & escuridão (Gutenberg) que vale a pena conhecer, assim como o curioso Tijucamérica (Paralela), romance do cronista esportivo José Trajano, que envereda pelos caminhos do futebol.
A série Crônicas de Salicanda, de Pauline Alphen chegou ao terceiro volume com A aliança (L'alliance, Seguinte). Esta autora tem uma característica diferenciada: apesar de brasileira de nascimento, seus livros são traduzidos aqui pois foram originalmente publicados na França, onde ela reside há muitos anos.
Entre os autores estrangeiros, destacou-se o romance arturiano O gigante enterrado (The buried giant), do nipobritânico Kazuo Ishiguro, publicado pela Companhia das Letras. Ainda que parte de sua notoriedade tenha advindo da polêmica criada em torno de declarações pouco simpáticas do autor sobre o gênero da fantasia, o livro é excelente e merece a leitura. Quando a polêmica varreu as redes sociais, o multipremiado fantasista britânico Neil Gaiman foi um dos primeiros a sair em defesa de Ishiguro.

E Gaiman também apareceu de forma importante em 2015, com dois livros: A bela e a adormecida (The sleeper and the spindle, Rocco) e A verdade é uma caverna nas Montanhas Negras (The truth is a cave in the Black Mountains, Intrínseca).
Como a fantasia não dá sinal de enfraquecimento e os títulos à mão já foram todos publicados, as editoras partiram em busca de obras e autores esquecidos que, de outra forma, talvez nunca desembarcassem aqui. É o caso de Diana Wynne Jones (1934-2011), autora de grande prestígio no exterior mas pouco publicada aqui. A edição de O vitral encantado (Enchanted glass) pela Record foi uma tímida tentativa em dar à autora de O castelo animado (Howl's moving castle) e Crestomanci (Chrestomanci) a atenção que lhe é devida. Outro nome importante lembrado em 2015 foi o escritor e ilustrador americano Dr. Seuss (1904-1991) com O desaparecimento do Lórax (The Lorax), pelo selo infantil da Companhia das Letras, um clássico do gênero. E também Chris Van Allsburg, com Jumanji, numa das derradeiras publicações da editora Cosac Naify, que anunciou no final do ano o encerramento de suas atividades. Vale ainda lembrar da publicação de Pequenos deuses (Small gods), do britânico Terry Pratchett (1948-2015), 13º volume da série Discworld, publicado pela Record no selo Bertrand Brasil.
Desde 2014, a ficção científica voltou a despertar interesse entre as editoras. A pequena Editora Draco, especializada no gênero, trouxe em 2015 alguns títulos que merecem a atenção, por autores historicamente ligados ao fandomE de extermínio, de Cirilo Lemos, Encruzilhada, de Lúcio Manfredi, e Estranhos no paraíso, de Gerson Lodi-Ribeiro, enquanto Roberto de Sousa Causo apareceu com a coletânea Shiroma: Matadora ciborgue, pela Devir Livraria. Outro nome conhecido no fandom, há anos ausente da atividade autoral, é Henrique Flory que, pela Editora Arte e Ciência, publicou O elo, sequência de Projeto evolução, romance dos anos 1990 também republicado agora.
Ventania brava, de Luis Bras (Sesi-SP), junto à história alternativa A segunda pátria, de Miguel Sanches Neto (Intrínseca), formaram o núcleo da fc nacional que melhor dialogou com o mainstream em 2015. Mas o livro brasileiro de fc mais comentado no ano foi Le Chevalier e a Exposição Universal, de A. Z. Cordenonsi (Avec), romance steampunk que mistura ficção com personagens reais numa aventura à moda de Sherlock Holmes.
Entre os estrangeiros, é preciso antes de mais nada registrar a presença intensiva da coleção alemã Perry Rhodan da editora SSPG, que lançou regularmente cerca de seis volumes digitais por mês ao longo de todo o ano. Trata-se da série mais longa da literatura, com mais de dois mil livros e ainda em publicação.
O escritor americano Jeff Vandermeer retornou à série Comando Sul com Autoridade (Authority), pela editora Intrínseca, que explora possibilidades aterradoras advindas do contato com uma vida alienígena com a qual a comunicação não é uma possibilidade.
O último policial (The last policeman), do também americano Ben H. Winters, pela editora Rocco, aproxima a literatura policial da ficção científica ao contar a história de um homem obcecado em desvendar um assassinato nos dias finais da humanidade no planeta Terra, prestes a sofrer o impacto de um meteoro gigante. Trata-se do primeiro de uma trilogia, cujo segundo volume Cidade dos últimos dias (Countdown city, Philip K. Dick Award 2014) foi lançado pela mesma editora logo nos primeiros dias de 2016.
A editora Aleph, que investe principalmente na republicação de grandes clássicos da fc e tem como carro-chefe o escritor americano William Gibson – autor do prestigiado Neuromancer, que a editora tem republicado seguidamente desde sua primeira edição em 1991 –, dele traduziu História zero (Zero history), terceiro volume da série Blue ant que, por ser ambientada no presente, nem sempre é considerada ficção científica, mas segue os protocolos especulativos do cyberpunk para discutir o impacto psicossocial da tecnologia moderna.
Outro importante representante do cyberpunk que desembarcou por aqui em 2015 foi Ian McDonald com o romance Brasyl, pela editora Saída de Emergência Brasil, numa história que une três realidades, uma delas na cidade do Rio de Janeiro.
O horror é historicamente um gênero de produção estável e sustentou seu espaço em 2015. André Vianco, o maior bestseller da fc&f nacional, estreou o selo autoral Calíope na editora Giz, com o inédito romance Estrela da manhã. Também vale conferir a coletânea O vilarejo, de Rapahel Montes (Suma das Letras), que tem sido bem avaliada no ambiente mainstream.
Apesar de sua tradição e importância como nascedouro de talentos, as antologias tiveram um momento discreto em 2015. Contudo, vale destacar Vampiros, estreia da coleção Sobrenatural (Avec), organizada pelo escritor Duda Falcão com contos de importantes nomes do gênero como Giulia Moon, Carlos Patati, Nazareth Fonseca, Lord A. e Simone Saueressig, entre outros. Contudo, a grande novidade de 2015 no horror nacional foi a volta do mestre R. F. Lucchetti, com dois títulos: O museu dos horrores (Corvo) e O Escorpião Escarlate: O roteiro original (Laços).
Entre os estrangeiros destacou-se outro mestre, Stephen King, com nada menos que três livros publicados no ano: a coletânea Escuridão total sem estrelas (Full dark, no stars), e os romances Joyland e Revival, todos pela Suma das Letras, hoje selo da Companhia das Letras.
Outro mestre do gênero que apareceu em 2015 foi Clive Barker, com a novela original Hellraiser: Renascido do inferno (The hellbound heart), pela Darkside.
A dama do horror, Anne Rice, retornou ao universo de Entrevista com o vampiro (Interview with the vampire) no novo romance As crônicas vampirescas: Príncipe Lestat (Prince Lestat), pela Rocco. Até mesmo George R. R. Martin não resistiu aos encantos vampíricos e apareceu nas livrarias com Sonho febril (Fevre dream) pela LeYa Brasil. O romance é de 1982, mas só chegou agora devido ao sucesso de Martin com livros de fantasia medieval.
Finalmente, mas não menos importante, foi a publicação da coletânea Solomon Kane: A saga completa, de Robert E. Howard (1906-1936) pela editora Generale, reunindo os nove contos escritos por Howard para o destemido puritano caçador de bruxas.
Diante deste quadro, a conclusão é que não há do que se lamentar. A publicação de fc&f resistiu bem aos humores do mercado, e a crise pode até ser benéfica para o setor, depurando o mercado dos evidentes excessos que em nada contribuem para o estabelecimento de uma fc&f sólida e relevante.
Ainda há muito que trilhar para tornar a ficção fantástica um espaço profissional ao exercício artístico, mas já é possível dizer, no que se refere aos aspectos conceituais, que a ficção fantástica brasileira está amadurecendo.

Livros citados:
Dois mundos, um herói, Rezende Evil (Suma das Letras)
Filhos do Éden: Paraíso perdido, Eduardo Spohr (Verus)
Por um toque de ouro, Carolina Munhóz (Rocco)
O mundo das vozes silenciadas, Carolina Munhóz e Sophia Abrahão (Rocco)
Flores do jardim de Balaur, Carlos Orsi (Draco)
O legado folclórico: Ferro, água & escuridão, Felipe Castilho (Gutenberg)
Tijucamérica, José Trajano (Paralela)
Crônicas de Salicanda: A aliança, Pauline Alphen (Seguinte)
O gigante enterrado, Kazuo Ishiguro (Companhia das Letras)
A bela e a adormecida, Neil Gaiman (Rocco)
A verdade é uma caverna nas Montanhas Negras, Neil Gaiman (Intrínseca)
O vitral encantado, Diana Wynne Jones (Record)
O desaparecimento do Lórax, Dr. Seuss (Companhia das Letras)
Jumanji, Chris Van Allsburg (Cosac Naify)
Pequenos deuses, Terry Pratchett (Bertrand Brasil)
E de extermínio, Cirilo Lemos (Draco)
Encruzilhada, Lúcio Manfredi (Draco)
Estranhos no paraíso, Gerson Lodi-Ribeiro (Draco)
Shiroma: Matadora ciborgue, Roberto de Sousa Causo (Devir)
O elo, Henrique Flory (Arte e Ciência)
Ventania brava, Luis Bras (Sesi-SP)
A segunda pátria, Miguel Sanches Neto (Intrínseca)
Le Chevalier e a Exposição Universal, A. Z. Cordenonsi (Avec)
Perry Rhodan (SSPG)
Autoridade, Jeff Vandermeer (Intrínseca)
O último policial, Ben H. Winters (Rocco)
História zero, William Gibson (Aleph)
Brasyl, Ian McDonald (Saída de Emergência Brasil)
Estrela da manhã, André Vianco (Giz)
O vilarejo, Rapahel Montes (Suma das Letras)
Vampiros, Duda Falcão, org. (Avec)
O museu dos horrores, R. F. Lucchetti (Corvo) e
O Escorpião Escarlate: O roteiro original, R. F. Lucchetti (Laços).
Escuridão total sem estrelas, Stephen King (Suma das Letras)
Joyland, Stephen King (Suma das Letras)
Revival, Stephen King (Suma das Letras)
Hellraiser: Renascido do inferno, Clive Barker (Darkside)
As crônicas vampirescas: Príncipe Lestat, Anne Rice (Rocco)
Sonho febril, George R. R. Martin (LeYa Brasil)
Solomon Kane: A saga completa, Robert E. Howard (Generale)