Atentado
em Itaipu, de Martins de Oliveira. Capa: Cirton Genaro. 183
páginas. São Paulo: Alfa-Omega, coleção Biblioteca Alfa-Omega de Cultura
Universal – Serie 2ª. – Volume 30. Lançado originalmente em 1983.
Os romances de ficção
política com uma vertente de ação e aventura não se constituem numa prática
habitual na literatura brasileira. Em sua maioria, costumam ter por
características principais a reflexão e a crítica às mazelas do país, em termos
históricos ou conjunturais. Assim, por meio da indicação do escritor Roberto de
Sousa Causo, cheguei a este Atentado em
Itaipu, de Martins de Oliveira. Desde já, um romance eletrizante de
conspirações e planos mirabolantes, daqueles difíceis de largar a leitura. Mas
não só: situado no contexto político da época, o período final da ditadura
militar brasileira.
No início dos anos 1980 o
país vivia os últimos eventos da abertura, processo político iniciado em 1974
pelo presidente Ernesto Geisel, com o objetivo de reduzir a repressão,
controlar os órgãos de informação – eufemismo para os setores do governo que
prenderam, torturaram e mataram –, e encaminhar o país para um processo “lento,
gradual e seguro” de recondução dos civis à administração do Brasil. Olhando em
retrospectiva, o processo foi tortuoso, mas bem sucedido do ponto de vista dos governantes,
numa transição política regada a muitos pactos e negociações, que colocou um
civil da oposição no poder, Tancredo Neves e depois de sua morte inesperada,
José Sarney – e impediu qualquer punição aos militares.
Mas, como sabemos, nem
todos desejavam que a ‘revolução’ de 1964 tivesse este desfecho. Tanto
principalmente à direita – com militares radicais –, como à esquerda – com
militantes e grupelhos revolucionários –, os objetivos eram outros: a retomada
do autoritarismo mais ideológico e repressivo por um lado, e uma última
tentativa de tomada de poder para instaurar no país um governo socialista, por
outro. Assim, no plano político, um dos principais méritos do romance é mostrar
como o processo de liberalização do regime autoritário embora, como dito, tenha
sido exitoso do ponto de vista dos seus proponentes, foi inseguro e sujeito a
retrocessos que poderiam ter levado o país a um outro rumo, longe da democracia
finalmente conseguida – basta lembrar da tentativa de bomba no RioCentro, em
1981, felizmente mal sucedida. Pois é neste contexto que o livro explora a
premissa assustadora anunciada em seu título. Um plano para explodir a maior
usina hidrelétrica do mundo, provocando uma guerra com a Argentina e, com o
caos instalado, permitir à esquerda revolucionária uma tentativa decisiva de
chegar ao poder.
A usina de Itaipu é
atualmente a segunda maior do mundo, atrás apenas da Três Gargantas, da China.
Mas até 2012 foi a maior do planeta. E os números deixam claro porque: A
barragem principal tem 1234 metros de cumprimento, produz cerca de 14 milhões
de megawatts, com um volume aproximado de 30 bilhões de metros cúbicos de água,
altura máxima de 196 metros, com uma área de 1460 quilômetros quadrados, e 18
turbinas em seu total. Eivado de muita controvérsia desde o seu projeto e
realização – entre 1975 e 1982 – quase virou um contencioso militar grave com a
Argentina. Inicialmente o país platino queria fazer parte do projeto; depois de
negada sua participação, realizada apenas entre Brasil e Paraguai, os
argentinos ameaçaram retaliar militarmente, dentro do contexto bélico da época,
já que também eles viviam sob ditadura militar. Pois, de fato, se abertas as
comportas parte importante do território do país seria inundado, com
consequências graves até Buenos Aires. Na visão bélica e paranoica dos anos
1970, Itaipu não era apenas uma hidrelétrica que geraria energia para todo o
Paraguai e mais da metade do Brasil, poderia ser, no limite, uma arma estratégica
poderosíssima. Esta não é a única abordagem deste tema, pois lembramos do conto
“A Pedra que Canta” (1991), de Henrique Flory, no qual a usina é usada como
arma após a invasão argentina à região sul do Brasil, com as catastróficas
consequências esperadas.
No romance de Oliveira, a
trama política se divide, justamente, entre os setores marginalizados àquela
altura, dos radicais de direita e de esquerda. Com a Lei de Anistia de 1979,
voltaram ao Brasil vários exilados do regime autoritário, entre eles Waldimir
Esteves, o Tocha, um terrorista internacionalmente conhecido, com ações
executadas em várias guerrilhas mundo afora e com estreitos laços com o regime
socialista cubano. Descrente da abertura, e do modelo de redemocratização
‘burguesa’ que se anunciava, ao voltar ao país não perde tempo e tenta
reconstruir uma rede de militantes com objetivos subversivos. No mínimo para
desgastar a ditadura, abrindo espaço para movimentos que possam, ao menos
aproximar a esquerda do poder. De outro lado, um grupo radical dos linhas-duras
militares, liderado pelo general Rubens Messias, cria o grupo Alfa: para
conspirar com o objetivo de sabotar a abertura em curso, especialmente quando
estava para ser votada uma emenda à Constituição que restauraria, para o mesmo
ano, a eleição direta para presidente. Ao contrário do que aconteceu em nossa linha
histórica, a emenda é aprovada, o que faz com que o governo entre em
negociações para chegar a um candidato de oposição mais palatável aos seus
interesses, o que incentiva uma ação ainda mais radical dos conspiradores da
caserna: assassinar o presidente que teria traído os ideais da “revolução”.
Numa reunião com seus
aliados, Tocha conhece um engenheiro que trabalha em Itaipu e que odeia os
militares, porque estes o confundiram com seu irmão, e o torturaram
barbaramente no início dos anos 1970. Ele, então, sugere o plano audacioso de
dinamitar a usina, o que faz com que os olhos de Tocha brilhem: poderia ser um
plano perfeito, ainda que de execução muito difícil, para permitir que a
esquerda chegasse ao poder. Ele, então, planeja meticulosamente o atentado e
consegue ajuda do regime de Fidel Castro, com financiamento e explosivos
altamente sofisticados.
O leitor percebe que,
pela ousadia e gravidade de ambos os planos conspiratórios, o interesse da
leitura é garantido. Mas Martins de Oliveira, médico cardiologista e professor
aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), tem uma prosa
extremamente hábil para amarrar os planos de ambos os lados, e não só: o
contexto político é extremamente condizente com o que ocorria na época. Desta
forma, ações que, em tese, teriam muita chance de dar errado – como reconhecem
os próprios personagens do livro –, ganha ares de verossimilhança e muito
suspense.
Se no começo da resenha
afirmei que não há uma tradição de romances de ficção política no Brasil,
Martins de Oliveira é uma exceção. Antes de Atentado
em Itaipu, ele estreou com Outono
Vermelho, pela Globo de Porto Alegre, em 1966, mostrando o que poderia
acontecer se os comunistas tivessem chegado ao poder no Brasil. Ora, isto é
história alternativa! Pelo que sei, os poucos especialistas brasileiros neste
subgênero não incluem esta obra. E outro romance de sua autoria explora a
chegada ao Vaticano de um Papa marxista, em Os
Vinte Dias de Outubro, da Record, em 1982. Outro exercício instigante de
ficção especulativa política. Desnecessário dizer que ambos os livros devem ser
conhecidos, ainda mais depois da leitura deste ótimo tecnothriller político que flerta com a ficção científica.
Pois no contexto do
gênero, Atentado em Itaipu se situa
ao lado de outros romances de ficção política especulativa dos anos 1980, que
procuraram imaginar cenários possíveis para um Brasil pós-ditadura, no que eu
chamei de ‘ficções da abertura’, no artigo “Ventos de Mudança: A Ficção
Científica Brasileira e a Transição Democrática”, de 2013. Livros como A Invasão
(1979), de José Antonio Severo; Não Verás
País Nenhum (1982), de Ignácio de Loyola Brandão; A Ordem do Dia (1984), de Márcio Souza; Horizonte de Eventos (1984), de Jorge Luiz Calife; Silicone XXI (1985), de Alfredo Sirkis.
Além destes, outro que descobri após a publicação do artigo é O Outro Lado do Protocolo (1985), de
Paulo de Souza Ramos. Provavelmente deve haver alguns outros. O que só
evidencia que a pesquisa sobre a presença de temas de FC no mainstream literário brasileiro continua
a ser um campo a ser explorado, como neste ótimo Atentado em Itaipu.
—Marcello Simão Branco
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