quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

André Carneiro (1922-2014)

É sempre difícil dizer adeus a um amigo e, mais ainda, quando esse amigo é mestre justamente no tipo de arte que escolhemos para estudar e amar.
André Carneiro é, sem dúvida nenhuma, o mais importante nome brasileiro no que se refere à ficção científica. Autor de textos sofisticados e perturbadores, de abordagens raras e estilo sempre inovador, Carneiro não evitava temas polêmicos, pelo contrário, os perseguia com afinco. Tanto em prosa, na qual é o autor mais lembrado pelos leitores dentro e fora do País – especialmente pela novela "A escuridão" –, mas também em verso, sendo um dos poucos poetas brasileiros que não teve receio de versejar ficção científica. Carneiro também se destacou na elaboração de estudos sobre o gênero, com seu obrigatório ensaio Introdução ao estudo da 'science fiction', publicado em 1967 que, ainda hoje, é importante fonte de referência acadêmica.
André Granja Carneiro nasceu 9 de maio de 1922 em Atibaia, cidade do interior paulista. Formou-se em jornalismo e foi fundador do importante jornal literário Tentativa, publicado entre 1949 e 1951, um dos mais completos registros do grupo de poetas que ficou conhecido como Geração 45, do qual o próprio Carneiro faz parte.
Seu primeiro livro foi a antologia poética Ângulo & face, publicada em 1949. O envolvimento com a literatura especulativa iniciou-se na Antologia brasileira de ficção científica, organizada pelo editor Gumercindo Rocha Dorea em 1961, com o conto "O começo do fim". No mesmo ano teve publicado, pelo mesmo editor, o conto "A organização do Dr. Labuzze", na antologia Histórias do acontecerá. Seu primeiro livro solo no gênero viria a ser Diário da nave perdida, coletânea publicada em 1963 pela editora Edart, na qual aparece pela primeira vez o famoso conto "A escuridão". Também a sua segunda coletânea, O homem que adivinhava, foi publicada pela Edart, em 1966.
Carneiro participou ativamente do lendário Simpósio de Ficção Científica, realizado no Rio de Janeiro em 1969, no qual cumpriu a função de chair-man a convite de José Sanz, organizador geral do evento.
Por iniciativa do tradutor e agente literário Leo Barrow que "A escuridão" foi publicado no mercado norte-americano, assim como mais de duas dezenas de outros textos. A primeira publicação em inglês de "The darkness" foi na antologia Best SF 1972, organizada por Harry Harrison e Brian Aldiss. Mais tarde, este o outros textos de Carneiro seriam publicados em diversas outras línguas, tornando-se a obra da fc brasileira mais conhecida no exterior.
Carneiro tinha muitos interesses além da literatura. Foi artista plástico, fotógrafo, cineasta e dedicou muita atenção a arte do hipnotismo, assunto sobre o qual também escreveu diversos livros. Sendo um intelectual em plena atividade, foi perseguido pelas forças militares do golpe de 1964. Carneiro gostava de contar sobre a sala secreta que tinha em sua chácara, de sua participação em grupos de guerrilha e da operação que roubou o famoso "cofre do Adhemar". Apesar da militância, nunca foi preso, mas as experiências que viveu serviram de combustível poderoso para sua ficção.
Uma das temas mais recorrentes da obra de André Carneiro é o feminismo e a revolução sexual. Muitos de seus trabalhos curtos tratam desse tema em maior ou menor grau, mas foi na ficção longa que Carneiro ousou mais, em seus romances Piscina livre (1980) e Amorquia (1991).
Por causa de problemas de saúde, Carneiro transferiu-se para Curitiba em 1999, para ficar próximo a seus filhos, Maurício e Henrique. Mesmo assim, continuou ativo, realizando diversas oficinas literárias e contribuindo para a formação de um núcleo de autores de fc&f na capital paranaense. Um problema progressivo nos olhos dificultou ainda mais a vida de André Carneiro mas, mesmo com menos de dez por cento da visão, continuou a escrever contos e poemas. São dessa fase a coletânea de contos Confissões do inexplicável e a coletânea poética Quânticos da incerteza, ambas de 2007. Seu último livro publicado foi André Carneiro: Fotografias achadas, perdidas e construídas (2009), mas o autor deixou prontas pelo menos uma coletânea de contos inéditos e uma coletânea de crônicas que, talvez, ainda sejam, editadas.
André Carneiro nos deixou no dia 4 de novembro de 2014, aos 92 anos, vitimado por problemas cardiorrespiratórios. Seu corpo foi cremado e as cinzas depositadas ao pé de uma árvore.

Os livros do mestre
Ângulo & face. São Paulo: Edart, 1949. Poesia.
Diário da nave perdida. São Paulo: Edart, 1963. Contos.
Espaçopleno. São Paulo: Clube de Poesia, 1963. Poesia.
O homem que adivinhava. São Paulo: Edart, 1966. Contos.
O mundo misterioso do hipnotismo. São Paulo: Edart, 1963. Não-ficção.
Introdução ao estudo da 'science fiction'. São Paulo: Conselho Estadual de Cultura, 1967. Não-ficção.
Manual de hipnose. São Paulo: Editora Resenha Universitária, 1978. Não-ficção.
Piscina livre. São Paulo: Editora Moderna, 1980. Romance.
Pássaros florescem. São Paulo: Editora Scipione, 1988. Poesia.
Amorquia. São Paulo: Editora Aleph, 1991. Romance.
A máquina de Hyerônimus e outras histórias. São Carlos: Universidade Federal de São Carlos, 1997. Contos.
Sem memória. São Bernardo do Campo: Edições Hiperespaço, 2005.
Confissões do inexplicável. São Paulo: Editora Devir, 2007. Contos.
Quânticos da incerteza. Atibaia: Redijo, 2007. Poesia.
André Carneiro: Fotografias achadas, perdidas e construídas. São Paulo: Pantemporâneo, 2009.

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