quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Voos e sinos e misteriosos destinos, Emma Trevayne

Voos e sinos e misteriosos destinos (Flights an chimes and mysterious times), Emma Trevayne. 306 páginas. Ilustrações e capa de Glenn Thomas. Tradução de Álvaro Hattnher. Editora Companhia das Letras, selo Seguinte. São Paulo, 2014.

Posso dizer que este é um livro que me pegou pela capa. Quando a vi, sabia que tinha que lê-lo. A sinopse, divulgada pela Seguinte – um dos selos da editora Companhia das Letras, responsável pela publicação – contando uma interessante trama steampunk infantojuvenil, deu ainda mais certeza. E não me arrependi.
Com tradução de Álvaro Hattnher, Voos e sinos e misteriosos destinos (no original, Flights an chimes and mysterious times), da escritora norte americana Emma Trevayne, conta, em 306 páginas, a história de Jack Foster, garotinho mimado da alta classe londrina vitoriana que, ao mesmo tempo em que tem a vida controlada por uma governanta severa, vive distante de seu pai, um industrial ocupadíssimo de quem certamente herdará a fábrica quando adulto, e também da mãe, que passa os dias em recepções e jantares luxuosos às quais Jack não tem acesso. Entediado, ele espiona uma dessas reuniões e fica fascinado pelos truques de Lorcan Havelock, um estranho mágico que lá se apresentou.
Jack tem um talento natural para construir engenhocas a partir de peças de relógios e, acreditando que pode aprender alguns bons truques com aquele mágico, ele o segue, assim que surge a oportunidade, para tentar uma aproximação. Jack segue o homem por uma passagem mágica na base do Big Ben, mas perde-se na escuridão e, quando finalmente consegue sair, se depara com uma visão familiar mas, ao mesmo tenho, diferente. O ar está poluído por uma densa fumaça oleosa, todas as pessoas têm estranhos implantes metálicos e, para onde se olhe, há fadinhas mecânicas, constituídas de engrenagens e cordas minúsculas e finíssimas, fazendo estripulias com os transeuntes.
Assustado e arrependido de sua ousadia, Jack tenta voltar para casa, mas descobre que ela não está mais no lugar onde devia. Ele tenta falar com uma menina que ele encontra num parque, mas ela está paralisada, e só começa a falar depois que ele aciona uma chave em forma de borboleta que ela tem no pescoço. A menina mecânica se chama Beth, e conta a Jack que eles estão em Londinium, capital do grande Império das Nuvens, governado pela linda, imortal e poderosa Senhora, de quem ela mesma já foi um dia o brinquedo favorito. Beth conduz Jack para a casa de seu pai, o Dr. Cataplasma, mecânico genial que a construiu e a considera sua criação mais perfeita. Cataplasma recebe Jack bem, mas se preocupa depois que o menino conta que chegou a Londinium seguindo Lorcan Havelock. Ele sabe que se Jack não voltar urgentemente ao seu próprio mundo, todos ficarão na mira do malicioso Lorcan, que não é um mágico, mas sim o general de todos os exércitos de Londinium e está ansioso para mover uma guerra contra as colônias britânicas separatistas.
Enquanto Cataplasma pensa num modo de levar Jack de volta para seu mundo de origem, Lorcan é severamente pressionado pela Senhora, que exige um jovem perfeito para ser seu filho de carne e osso que é, obviamente, Jack. No passado, Lorcan também foi o amado filho perfeito da Senhora, mas ela se desinteressou dele depois que ficou mais velho. Lorcan tem ciúmes de Jack, mas não lhe resta outra opção a não ser cumprir a ordem da soberana. Sabedor que Jack o seguiu e está escondido em Londinium, decide executar alguns cidadãos em praça pública, fazendo disso uma enorme propaganda de forma a convencer o menino a se entregar para ele. E o plano funciona a perfeição.
Sentindo-se culpado pela morte dos inocentes cidadãos de Londinium, Jack se entrega para Lorcan e, finalmente, é levado à presença da Senhora, que o recebe com toda pompa e circunstância, que irrita ainda mais o enciumado Lorcan.
O que vai acontecer daí em diante é uma montanha russa de acontecimentos dramáticos, que envolvem as maquinações de Lorcan para se livrar de Jack, voltar às graças da Senhora e, finalmente, receber dela a autorização para atacar as colônias. Por seu lado, o inocente Jack vai sofrer, no corpo e na mente, os efeitos dos planos maquiavélicos de Lorcan mas, com a ajuda de alguns amigos e a utilização de seus raros talentos, ele pode vir a ser a chave para a redenção desse mundo poluído à beira de uma guerra, e das tragédias de sua própria vida infeliz.
Embora seja americana, Emma Trevayne escolheu o cenário londrino para caracterizar o modelo steampunk da história de Jack, que soa como uma releitura modernizada de Alice no País da Maravilhas. Contudo, a falta de um envolvimento emocional com a cidade deixa a narrativa menos expressiva do que poderia ser. Sendo Londres uma personagem tão importante à história quanto Jack e Lorcan, era de se esperar maior detalhamento desse cenário, o que autores britânicos nativos, como Neil Gaiman por exemplo, sabem fazer muito bem. Mas isso não interfere no enredo, que é dinâmico e envolvente, numa narrativa que se lê com prazer e rapidez.
O livro traz belas ilustrações de Glenn Thomas, de contrastes fortes que, em alguns momentos, lembram xilogravuras, embora não o sejam. Thomas também é autor da ilustração da capa que me chamou a atenção, realizada no mesmo estilo sombrio das ilustrações internas, mas em cores e com algumas colagens que remetem ao estilo do ilustrador inglês Dave McKean.
Para quem gosta e deseja desfrutar de uma boa aventura, Voos e sinos e misteriosos destinos é uma opção interessante. Também pode ser uma excelente introdução ao gênero da ficção científica para os leitores que vêm da fantasia que, neste momento, tem muito mais público. Contudo, leitores maduros que saibam apreciar as muitas qualidades dos textos infantojuvenis também não vão se decepcionar com esta movimentada aventura que guarda para eles algumas boas surpresas.
— Cesar Silva

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