sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

O Eternauta, Héctor Oesterheld & Solano López

O Eternauta (El Eternauta), Héctor Oesterheld & Solano López. 360 páginas. Editora Martins Fontes, Rio de Janeiro, 2012.

Em meados dos anos 1980, chegou às minha mãos uma curiosa coleção de quadrinhos argentinos intitulada El Eternauta, antecipando o formato das minisséries que fariam furor entre os leitores brasileiros alguns anos depois. Eu havia aprendido a apreciar o quadrinho argentino através da leitura de algumas edições originais de revista Skorpio; sabia que era extremamente sofisticado e tinha um estilo narrativo próprio, muito dramático e melancólico. Mas havia algo de diferente naquela história em especial.
Não era a qualidade técnica que me impressionava. Ainda que fosse um trabalho artisticamente irretocável, essa característica é comum a todos os quadrinhos publicados na Argentina. Também não foi a boa história de ficção científica, pois naquele tempo eu já era um leitor experiente no gênero e histórias de invasão não eram novidade.
O que realmente me cativou logo nas primeiras páginas da obra foi o vigor da cultura portenha que transbordava em cada quadrinho. Eu estava compartilhando ali o ponto de vista de um típico morador do subúrbio de Buenos Aires. Sem nunca ter saído do Brasil, por algumas horas eu me tornara um argentino, e isso foi uma epifania.
Anos antes do escritor Ivan Carlos Regina publicar o seu "Manifesto Antropofágico da Ficção Científica Brasileira" (1988), que propunha a deglutição da produção angloamericana para gerar uma FC tipicamente brasileira, O Eternauta já me mostrara que, da mesma forma que havia um modo argentino de tratar a FC, deveria haver também um jeito brasileiro de abordar o gênero. Mas como? Desde então, essa tem sido uma das minhas maiores buscas.
Por isso, é com alegria que eu comemoro a publicação de O Eternauta finalmente em sua versão brasileira.
Originalmente publicada em capítulos entre 1957 e 1959 na revista Hora Cero SemanalO Eternauta é a obra máxima do escritor e roteirista Héctor Germán Oesterheld (1919-197?), que se tornou um mito depois que desapareceu nas mãos da ditadura argentina. Também é o ponto culminante da carreira de Francisco Solano López (1928-2011), ilustrador prolífico que, mesmo depois da morte de Oesterheld, deu sequência à saga, tendo completado uma última parte dela pouco antes de seu falecimento, no ano passado.
O Eternauta trata de um homem perdido nas dobras do espaçotempo, que surge repentinamente diante de um roteirista de quadrinhos e começa a contar a ele a sua história. A narrativa inicia quando ele, sua família e alguns amigos, presos numa casa nos arredores de Buenos Aires, esforçaram-se para resistir a uma pesada nevasca tóxica, que se revela um dispositivo de limpeza de terreno aplicado ao planeta por uma força de invasão alienígena.
A primeira parte da história é sensacional e lembra o clássico A noite dos mortos-vivos (1968), longa independente do diretor norteamericano George Romero, no qual um pequeno grupo de pessoas comuns tenta sobreviver ao apocalipse zumbi preso em uma casarão.
Mais adiante, a história muda de dinâmica e assume o enredo de um drama militar de resistência, com os sobreviventes tentando fazer frente à poderosa a aparentemente invencível força invasora. Tudo isso em meio ao cenário portenho muito bem retratado por Solano López. Alguns historiadores pensam que um dos motivos do desaparecimento de Oesterheld foi justamente essa história, que sugeria através da fabulação da ficção científica, a luta armada contra a ditadura.
O Eternauta é uma obra obrigatória pra todos que admiram a arte dos quadrinhos e da ficção científica, e não é arriscado dizer que não será publicado em 2012 no Brasil um trabalho de maior importância que este. O álbum tem 360 páginas, custa R$69,80 e é uma publicação da Editora Martins Fontes.
— Cesar Silva

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