Um
Clube com Quatro Décadas de Ficção Científica
Marcello
Simão Branco (sócio 83)
Quando R.C. Nascimento
propôs a criação de um clube de leitores de ficção científica em 1985, como um
anexo do seu valioso e hoje raro Quem é Quem na FC, Volume 1: A Coleção
Argonauta, não imaginaria, primeiro que o clube seria de fato formado,
depois que se manteria como a principal instituição do fandom brasileiro por
vários anos, e em terceiro que chegaria a completar quatro décadas de
existência, como acontece neste 15 de dezembro de 2025.
Há dez anos eu escrevi um
balanço mais detalhado e analítico da trajetória do clube e, em boa medida, ele se mantém – veja no terceiro texto aqui. Agora, ao apagar quarenta velinhas, o tom que quero
adotar é de um pouco mais de depoimento.
A começar pelo fato de
que o CLFC tem muito do que foi o Nascimento. Uma pessoa apaixonada por FC,
muito organizada e com grande liderança. O clube nasceu a partir de sua ideia,
e se desenvolveu, até pelo menos, o final do século XX, muito em função de seus
valores e objetivos para o que deveria ser um clube de leitores. Não fosse a
sua enorme capacidade de trabalho – principalmente quando presidente
(1985-1989) –, provavelmente o CLFC não teria sobrevivido, pois ele desenvolveu
uma atividade intensa, que não só estruturou um clube de fãs de FC, mas uma
instituição que organizou uma comunidade voltada para o gênero.
Ora, de saída foi
redigido um estatuto, os processos sucessórios sempre foram eletivos, se
estabeleceu atividades regulares, a principal delas, a reunião mensal dos
sócios, sempre na manhã do último sábado de cada mês na cidade de São Paulo –
que infelizmente foi descontinuada por causa da pandemia –, foi criado um órgão
oficial, rapidamente batizado por meio de uma enquete dos sócios de Somnium,
ainda hoje em atividade – para sua história, veja aqui –, além do Informativo
Mensal CLFC, mais voltado às notícias internas do clube, que vigorou por
alguns anos. Foi incentivada uma enorme rede de correspondências postais entre
os associados – sim isso existiu, uma troca de cartas vigorosa entre os membros.
Eu mesmo recebia e escrevia várias por semana. Tudo isso teve como consequência
trazer muita gente talentosa ao clube, alterando seu perfil inicial de uma
associação de leitores e colecionadores. Assim, surgiram novos leitores – como
eu –, fanzineiros, autores em atividade e iniciantes, ilustradores, editores,
tradutores etc. Eu mesmo me inspirei em parte no Somnium para criar meu
próprio fanzine, o Megalon em novembro de 1988, após ter me associado ao
clube em maio de 1987 – e cheguei inclusive a editar o próprio Somnium
entre 1995 e 1996.
Destes anos iniciais
lembro de alguns eventos marcantes e comemorativos, como a reunião histórica de
dezembro de 1987 em São Paulo – que eu já contei em outra ocasião, veja aqui
–, os almoços dos 5 anos (em 1990) e o de 15 anos (em 2000), com as presenças
de vários sócios, não só da capital paulista, mas também de outras cidades,
inclusive de outros estados. E sem esquecer das reuniões de finais de ano. Por
mais de vinte anos os sócios paulistas – pelo menos – confraternizaram com
animados almoços, talvez a maioria deles na belíssima residência de Alfredo Kepler,
ele que também presidiu o clube por mais de um mandato, entre 2003 e 2007.
Com o passar dos anos, o
CLFC foi alterando suas características num processo relacionado com as
próprias mudanças da FCB em geral. De início em ser um clube mais ativista em
divulgar a FC e organizar o fandom, para um mais voltado às iniciativas de
publicações e relações sociais mais distantes, porque realizadas principalmente
no ambiente online da internet. Esta última fase é a que marca a saída da
primeira geração que liderou o clube, para uma nova – que em parte conheceu o
clube depois – e voltada à outras conexões e interesses, em que o clube não é
mais o centro do fandom, mas apenas sua instituição mais tradicional.
O principal momento do
CLFC como líder da produção e reflexão sobre a FCB se deu entre 1985 a 2000.
Neste período publicou um dos principais fanzines, organizou projetos de
divulgação marcantes – como as Mostras de FC junto ao Sesi em SP –, conseguiu
divulgações na grande imprensa, principalmente a paulistana – por onde eu mesmo
conheci o clube, em 1986 –, estabeleceu consultorias e parcerias com editoras,
como a GRD, a Aleph e a Record –, ajudou na criação e organização de, pelo
menos, outro clube, o Trekker´s Club, sobre Jornada nas Estrelas, em
1989.
Também trouxe de volta ao
convívio personalidades da Primeira Onda, como Rubens Teixeira Scavone
(1925-2007), André Carneiro (1922-2014), e Gumercindo Rocha Dorea (1924-2021) –
estes dois últimos muito presentes nestes anos. André organizou concorridas
oficinas literárias e voltou a publicar livros, e Gumercindo, de tão animado,
relançou em novos moldes sua clássica coleção de FC, agora com novos autores, a
maioria talentos do próprio clube. Além disso, ele foi até presidente, de 1993
a 1997. Assim, nestes primeiros quinze anos o CLFC tornou possível uma maior
divulgação do gênero, e o desenvolvimento de muitos talentos, como escritores,
ilustradores e editores, alguns dos quais seguiram carreiras no ambiente
profissional com relativo êxito e reconhecimento.
Como uma espécie de
última etapa desta fase e passagem para a próxima, foi criado o Argos em 2000,
que se tornou a mais longeva premiação da FCB, mantendo a tradição de premiação
do fandom, iniciada com o saudoso e influente Prêmio Nova (1987-1996), criado
por Roberto de Sousa Causo. Outra iniciativa que se tornou tradicional foi a
lista de discussão do clube na internet, através de servidores de e-mails. Na
época uma grande novidade que trouxe alguns anos de intensos e polêmicos
debates, depois reduziu as atividades embora, de forma surpreendente, ainda se
mantenha como o principal veículo de comunicação dos associados, mesmo com o
surgimento de várias outras tecnologias de interação virtual criadas deste
então.
Interessante também que a
entrada no século XXI marcou a transferência das principais decisões de São
Paulo para o Rio de Janeiro, num processo, na verdade, iniciado um pouco antes
quando Gerson Lodi-Ribeiro foi presidente, de 1999 a 2003. Pois de 2007 a
setembro de 2025, tivemos quatro dirigentes da capital carioca, embora, agora
em seus 40 anos, o clube esteja sob a direção de Sidemar Vicente de Castro,
baseado em Catanduva, interior de São Paulo.
A se lamentar apenas que
as atividades presenciais tenham diminuído de maneira drástica, sem nenhuma
atividade presencial regular, seja em São Paulo, Rio ou outra cidade. Não
porque houve a mudança de cidade, mas porque surgiram novos hábitos entre
muitos dos sócios mais novos, mais vinculados às redes sociais e com pouco
convívio com os sócios mais antigos. E parte destes, por sua vez, acabaram por
se afastar do clube e da própria comunidade da FC.
Neste particular quero
chamar a atenção para os amigos com quem convivi mais de perto e que
infelizmente já nos deixaram. Pessoas de quem só posso ter saudade, a começar
pelo Nascimento, uma referência na minha trajetória na FC, o colecionador
obsessivo Caio Luiz Cardoso Sampaio, os já citados André Carneiro e Gumercindo
Rocha Dorea – este com quem tive o privilégio de conviver por anos e até
frequentar sua casa, lotada de livros –, o fã de Kurt Vonnegut Jr. e Jornada
nas Estrelas Christiano de Mello Nunes – que morreu precocemente –, o
Ayrton Santos Miranda, camarada e dono da maior biblioteca de FC que já vi, o
editor Douglas Quinta Reis, um idealista e parceiro de muitos projetos e, mais
recentemente, o Fritz Peter Bendinelli e o Sérgio Roberto Lins da Costa, entre
os primeiros sócios que conheci no clube e dos maiores leitores de FC que já vi.
Também poderia lembrar de companheiros que se afastaram do clube e do fandom,
mas espero que possa revê-los ainda e superar, com alguns deles, desgastes até
naturais num convívio de vários anos.
Enfim, neste século XXI,
como disse, o CLFC mudou muito em relação às suas características e importância
de seus primeiros anos, mas, na medida do possível, tem procurado manter os
valores principais estabelecidos desde sua fundação: apoiar e promover a FC
brasileira, abrir espaço para novos talentos e permitir um elo de comunicação e
intercâmbio de ideias e projetos entre todos os que amam a FC. Enquanto tudo
isso estiver em pauta o CLFC justificará mais décadas de vida e se manterá
relevante para o futuro da nossa FC.

Excelente, Marcello! É sempre bom relembrar nosso convívio e trajetória.
ResponderExcluirTexto maravilhoso, Marcello. Bela rememoração daqueles anos de glória.
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