segunda-feira, 15 de dezembro de 2025

40 Anos do CLFC

 



Um Clube com Quatro Décadas de Ficção Científica

 

Marcello Simão Branco (sócio 83)

 

    Quando R.C. Nascimento propôs a criação de um clube de leitores de ficção científica em 1985, como um anexo do seu valioso e hoje raro Quem é Quem na FC, Volume 1: A Coleção Argonauta, não imaginaria, primeiro que o clube seria de fato formado, depois que se manteria como a principal instituição do fandom brasileiro por vários anos, e em terceiro que chegaria a completar quatro décadas de existência, como acontece neste 15 de dezembro de 2025.

    Há dez anos eu escrevi um balanço mais detalhado e analítico da trajetória do clube e, em boa medida, ele se mantém  veja no terceiro texto aqui. Agora, ao apagar quarenta velinhas, o tom que quero adotar é de um pouco mais de depoimento.

    A começar pelo fato de que o CLFC tem muito do que foi o Nascimento. Uma pessoa apaixonada por FC, muito organizada e com grande liderança. O clube nasceu a partir de sua ideia, e se desenvolveu, até pelo menos, o final do século XX, muito em função de seus valores e objetivos para o que deveria ser um clube de leitores. Não fosse a sua enorme capacidade de trabalho – principalmente quando presidente (1985-1989) –, provavelmente o CLFC não teria sobrevivido, pois ele desenvolveu uma atividade intensa, que não só estruturou um clube de fãs de FC, mas uma instituição que organizou uma comunidade voltada para o gênero.

    Ora, de saída foi redigido um estatuto, os processos sucessórios sempre foram eletivos, se estabeleceu atividades regulares, a principal delas, a reunião mensal dos sócios, sempre na manhã do último sábado de cada mês na cidade de São Paulo – que infelizmente foi descontinuada por causa da pandemia –, foi criado um órgão oficial, rapidamente batizado por meio de uma enquete dos sócios de Somnium, ainda hoje em atividade – para sua história, veja aqui –, além do Informativo Mensal CLFC, mais voltado às notícias internas do clube, que vigorou por alguns anos. Foi incentivada uma enorme rede de correspondências postais entre os associados – sim isso existiu, uma troca de cartas vigorosa entre os membros. Eu mesmo recebia e escrevia várias por semana. Tudo isso teve como consequência trazer muita gente talentosa ao clube, alterando seu perfil inicial de uma associação de leitores e colecionadores. Assim, surgiram novos leitores – como eu –, fanzineiros, autores em atividade e iniciantes, ilustradores, editores, tradutores etc. Eu mesmo me inspirei em parte no Somnium para criar meu próprio fanzine, o Megalon em novembro de 1988, após ter me associado ao clube em maio de 1987 – e cheguei inclusive a editar o próprio Somnium entre 1995 e 1996.

    Destes anos iniciais lembro de alguns eventos marcantes e comemorativos, como a reunião histórica de dezembro de 1987 em São Paulo – que eu já contei em outra ocasião, veja aqui –, os almoços dos 5 anos (em 1990) e o de 15 anos (em 2000), com as presenças de vários sócios, não só da capital paulista, mas também de outras cidades, inclusive de outros estados. E sem esquecer das reuniões de finais de ano. Por mais de vinte anos os sócios paulistas – pelo menos – confraternizaram com animados almoços, talvez a maioria deles na belíssima residência de Alfredo Kepler, ele que também presidiu o clube por mais de um mandato, entre 2003 e 2007.

    Com o passar dos anos, o CLFC foi alterando suas características num processo relacionado com as próprias mudanças da FCB em geral. De início em ser um clube mais ativista em divulgar a FC e organizar o fandom, para um mais voltado às iniciativas de publicações e relações sociais mais distantes, porque realizadas principalmente no ambiente online da internet. Esta última fase é a que marca a saída da primeira geração que liderou o clube, para uma nova – que em parte conheceu o clube depois – e voltada à outras conexões e interesses, em que o clube não é mais o centro do fandom, mas apenas sua instituição mais tradicional.

    O principal momento do CLFC como líder da produção e reflexão sobre a FCB se deu entre 1985 a 2000. Neste período publicou um dos principais fanzines, organizou projetos de divulgação marcantes – como as Mostras de FC junto ao Sesi em SP –, conseguiu divulgações na grande imprensa, principalmente a paulistana – por onde eu mesmo conheci o clube, em 1986 –, estabeleceu consultorias e parcerias com editoras, como a GRD, a Aleph e a Record –, ajudou na criação e organização de, pelo menos, outro clube, o Trekker´s Club, sobre Jornada nas Estrelas, em 1989.

    Também trouxe de volta ao convívio personalidades da Primeira Onda, como Rubens Teixeira Scavone (1925-2007), André Carneiro (1922-2014), e Gumercindo Rocha Dorea (1924-2021) – estes dois últimos muito presentes nestes anos. André organizou concorridas oficinas literárias e voltou a publicar livros, e Gumercindo, de tão animado, relançou em novos moldes sua clássica coleção de FC, agora com novos autores, a maioria talentos do próprio clube. Além disso, ele foi até presidente, de 1993 a 1997. Assim, nestes primeiros quinze anos o CLFC tornou possível uma maior divulgação do gênero, e o desenvolvimento de muitos talentos, como escritores, ilustradores e editores, alguns dos quais seguiram carreiras no ambiente profissional com relativo êxito e reconhecimento.

    Como uma espécie de última etapa desta fase e passagem para a próxima, foi criado o Argos em 2000, que se tornou a mais longeva premiação da FCB, mantendo a tradição de premiação do fandom, iniciada com o saudoso e influente Prêmio Nova (1987-1996), criado por Roberto de Sousa Causo. Outra iniciativa que se tornou tradicional foi a lista de discussão do clube na internet, através de servidores de e-mails. Na época uma grande novidade que trouxe alguns anos de intensos e polêmicos debates, depois reduziu as atividades embora, de forma surpreendente, ainda se mantenha como o principal veículo de comunicação dos associados, mesmo com o surgimento de várias outras tecnologias de interação virtual criadas deste então.

    Interessante também que a entrada no século XXI marcou a transferência das principais decisões de São Paulo para o Rio de Janeiro, num processo, na verdade, iniciado um pouco antes quando Gerson Lodi-Ribeiro foi presidente, de 1999 a 2003. Pois de 2007 a setembro de 2025, tivemos quatro dirigentes da capital carioca, embora, agora em seus 40 anos, o clube esteja sob a direção de Sidemar Vicente de Castro, baseado em Catanduva, interior de São Paulo.

    A se lamentar apenas que as atividades presenciais tenham diminuído de maneira drástica, sem nenhuma atividade presencial regular, seja em São Paulo, Rio ou outra cidade. Não porque houve a mudança de cidade, mas porque surgiram novos hábitos entre muitos dos sócios mais novos, mais vinculados às redes sociais e com pouco convívio com os sócios mais antigos. E parte destes, por sua vez, acabaram por se afastar do clube e da própria comunidade da FC.

    Neste particular quero chamar a atenção para os amigos com quem convivi mais de perto e que infelizmente já nos deixaram. Pessoas de quem só posso ter saudade, a começar pelo Nascimento, uma referência na minha trajetória na FC, o colecionador obsessivo Caio Luiz Cardoso Sampaio, os já citados André Carneiro e Gumercindo Rocha Dorea – este com quem tive o privilégio de conviver por anos e até frequentar sua casa, lotada de livros –, o fã de Kurt Vonnegut Jr. e Jornada nas Estrelas Christiano de Mello Nunes – que morreu precocemente –, o Ayrton Santos Miranda, camarada e dono da maior biblioteca de FC que já vi, o editor Douglas Quinta Reis, um idealista e parceiro de muitos projetos e, mais recentemente, o Fritz Peter Bendinelli e o Sérgio Roberto Lins da Costa, entre os primeiros sócios que conheci no clube e dos maiores leitores de FC que já vi. Também poderia lembrar de companheiros que se afastaram do clube e do fandom, mas espero que possa revê-los ainda e superar, com alguns deles, desgastes até naturais num convívio de vários anos.

    Enfim, neste século XXI, como disse, o CLFC mudou muito em relação às suas características e importância de seus primeiros anos, mas, na medida do possível, tem procurado manter os valores principais estabelecidos desde sua fundação: apoiar e promover a FC brasileira, abrir espaço para novos talentos e permitir um elo de comunicação e intercâmbio de ideias e projetos entre todos os que amam a FC. Enquanto tudo isso estiver em pauta o CLFC justificará mais décadas de vida e se manterá relevante para o futuro da nossa FC.


2 comentários:

  1. Excelente, Marcello! É sempre bom relembrar nosso convívio e trajetória.

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  2. Texto maravilhoso, Marcello. Bela rememoração daqueles anos de glória.

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