Foi num
sábado, 12 de dezembro de 1987. Aconteceu na capital paulista a reunião
comemorativa dos dois anos do Clube de Leitores de Ficção Científica (CLFC).
Mas foi mais do que uma reunião. Foi uma verdadeira mini-convenção. A começar
por sua duração. Ao contrário das reuniões mensais que aconteciam no período da
manhã, a partir das nove horas, esta se estendeu até o fim da tarde, devido às
muitas atividades programadas.
Na foto: André Carneiro e Jorge Luiz Calife
Em seus
primórdios o CLFC paulista organizava suas reuniões mensais no último sábado de
cada mês no mezanino da Livraria Paisagem, situada numa galeria da Avenida São
Luís, Centro de São Paulo. O Benedito Máximo era o proprietário da livraria e sócio
do clube, e importava todas as coleções portuguesas do gênero na época, como a
Argonauta, Europa-América e Caminho, que abasteciam as coleções de FC dos fãs
brasileiros, carentes de livros de FC publicados em nosso país. Neste local as
reuniões duraram até o início dos anos 1990, quando a crise econômica levou a
livraria à falência. Migrou depois para a sede do sindicato dos engenheiros
rodoviários, no bairro do Bom Retiro, por iniciativa do sócio Ivan Carlos
Regina. E vale lembrar que esta tradição de encontros mensais no fim do mês
resiste até hoje. Só que numa pizzaria da família do sócio Humberto Fimiani.
Embora o CLFC
já tivesse realizado uma bem sucedida Mostra de FC no prestigiado Sesc Pompéia
em 1986, cuja intenção era divulgar o gênero para o público em geral, a reunião
de dezembro de 1987 pode ser considerada como a primeira convenção do gênero
realizada em São Paulo desde o renascimento da comunidade brasileira de FC no
início dos anos 1980.
E não só pela
duração do evento, mas principalmente por reunir de forma significativa as
comunidades de São Paulo e do Rio de Janeiro. Sim, os cariocas vieram em grande
número ao evento. É uma estimativa, mas vieram pelo menos umas 20 pessoas.
Somadas às 30 de São Paulo, o evento somou cerca de 50 fãs ao longo do dia. Foi
certamente o encontro mais importante do CLFC desde sua fundação até então, e
dos mais importantes também pelo que aconteceu.
Era um lindo
sábado de sol, e antes mesmo das nove da manhã muitos fãs, especialmente os do
Rio que haviam viajado de madrugada, se juntavam à porta de entrada da
livraria. Foi organizada toda uma programação de atividades que, infelizmente,
eu não tenho como narrar já que este evento não recebeu qualquer notícia ou
reportagem nos fanzines da época, nem no do próprio clube, o Somnium.
Em todo caso
lembro que após os cumprimentos e abertura do evento, houve uma palestra sobre
um autor de FC, como era praxe na época. A memória pode estar errada, mas creio
que o fã carioca José dos Santos Fernandes falou sobre a obra de Poul Anderson.
Depois, lá
pelo fim da manhã houve uma pausa para o almoço, mas antes vários dos fãs
paulistas e cariocas percorreram as ruas do Centro à procura de sebos. Foi
nesta andança que pude conhecer vários dos fãs do Rio, se não estiver enganado,
o Braulio Tavares, Fábio Fernandes, Gerson Lodi-Ribeiro, José dos Santos
Fernandes, Miguel Carqueija, Rubenildo Piton de Barros, Sérgio Fonseca de
Castro, entre outros. Os de São Paulo eu já conhecia há alguns meses, pois esta
era a minha quarta reunião mensal, após me associar em maio, e ir à minha
primeira reunião em setembro, onde conheci o Cesar Silva, R.C. Nascimento,
Roberto de Sousa Causo, Luis Marcos da Fonseca, Ivo Luiz Heinz, Ivan Carlos
Regina, Sérgio Roberto Lins da Costa, Fritz Peter Bendinelli, Caio Luiz Cardoso
Sampaio, Maria Angela Calazans Bussolotti, e muitos outros que vieram depois.
Presenças ilustres
Após o almoço
as atividades se intensificaram e contaram com a presença especial de três
personagens importantes da FC no país: os escritores André Carneiro e Jorge
Luiz Calife, e o editor Gumercindo Rocha Dorea. Lembro que cada um deles
proferiu uma breve palestra sobre sua trajetória na FC brasileira. O Gumercindo
rememorando sobre suas coleções de livros dos anos 1960 e os autores que
revelou, e André e o Calife narrando suas trajetórias e preferências temáticas dentro
do gênero – o primeiro com uma FC mais humanista e introspectiva, e o segundo
com uma mais tecnológica, com forte apelo à exploração espacial. Um soft e outro hard. Os três receberam grande atenção da audiência que lotou a
livraria, respondendo várias perguntas e autografando seus livros.
O fandom
paulista já convivia com o André e o Gumercindo desde pouco depois da fundação
do clube em dezembro de 1985, mas a vinda do Calife foi uma novidade, ainda
mais porque, ele nunca foi de conviver com os fãs. Já para o fandom carioca,
alguns conheciam o Calife, mas muitos tiveram o primeiro contato pessoal com
duas personalidades históricas da FC brasileira dos anos 1960, o Gumercindo e o
André.
Nova Geração
Em setembro de
1987 havia estreado nos EUA a nova série Jornada
nas Estrelas: A Nova Geração (Star
Trek: The Next Generation), e numa correspondência com o Calife ele me
disse que havia recebido de um amigo dos EUA uma cópia VHS do episódio piloto
“Encontro em Longínqua” (“Encounter at Fairpoint”). Também ativo no fandom da
série, pedi a ele que me trouxesse uma cópia. Contei para os trekkers a novidade, e uma dezena deles
apareceu na reunião só para pegar a fita que o Calife havia me passado. No fim
das contas fiquei na reunião, e só depois fui ver o episódio que reconstruiu a
franquia do seriado.
Foi um dia
realmente ímpar para mim e que fortaleceu de forma definitiva meus laços com a FC.
Conheci gente interessante e aprendi muito sobre a história do gênero no país. Além
disso, levei para casa alguns livros, como o presenteado pelo José dos Santos
Fernandes, a coletânea Outros Contos do
País de Outubro, do Ray Bradbury – de uma das coleções do GRD –, e comprei
dois: a ótima antologia Science Fiction:
Autores Selecionados e o romance Irmão
Assassino, do Fred Saberhagen, Coleção Argonauta no. 201, que alguém me
disse que era “muito bom”. E também adquiri alguns fanzines. Enfim, saí de lá
com a cabeça cheia de ideias para projetos, e talvez tenha sido neste dia que
nasceu a ideia de editar um fanzine. Pois cerca de um ano depois surgia, em
parceria com o amigo Renato Rosatti, o Megalon.
Como disse
antes, lamento apenas que um evento tão rico e único como este não tenha
recebido qualquer documentação. Mas muitos dos fãs que lá estiveram – hoje na casa
dos 50 ou 60 anos – poderão se lembrar de outros detalhes. Um dia de pura
ficção científica como poucas vezes vivi depois.
– Marcello Simão Branco
Marcello, não estive nesse evento, infelizmente.
ResponderExcluirJá ouvi falar dele aqui no Rio, nos tempos em que a Velha Guarda ainda se reunia.
Se eu houvesse comparecido, teria escrito uma crônica a respeito.
Pois é, Gerson, a memória nos trai com o tempo. Grato pela correção. Abraço.
ExcluirTenho uma foto desse evento. Vou usá-la para ilustrar o artigo.
ResponderExcluirPuxa, que legal!
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