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segunda-feira, 3 de julho de 2023

O Beijo Antes do Sono

 


O Beijo Antes do Sono, Fausto Cunha. Capa: Salvio Negreiros. 119 páginas. São Paulo: Artenova, 1974.

 

Fausto Cunha (1923-2004) foi uma figura importante da literatura brasileira, nas décadas de 1960 e 1970, e se estendermos sua contribuição à FC, também à década de 1980, aqui na figura de editor. Mais conhecido entre a comunidade de FCB como um dos principais autores da Primeira Onda, nomeada por ele de “Geração GRD”, transitou entre a crítica literária, a ficção e a edição, com talento e marcas próprias, a partir de uma perspectiva humanista e intimista. Aliás, uma tendência característica dos autores desse período.

Publicou de sua lavra quatro livros de FC, as coletâneas Noites Marcianas (1960) e O Dia da Nuvem (1980), a novela infanto-juvenil O Lobo do Espaço (1977) e este O Beijo Antes do Sono, seu único romance.

Num período contemporâneo, mas indefinido, duas amigas de infância vão passar alguns dias numa fazenda da família de uma delas. Ambas estão em crise com seus casamentos, mas aguardam a chegada dos maridos para breve. Brígida é mais bonita e expansiva, ainda que com períodos de certa confusão e melancolia. Débora, parece ser mais racional e prática, mas não resiste muito quando confrontada aos seus problemas, principalmente emocionais e sexuais. O que as duas compartilham de mais valioso é a intimidade, como se o verdadeiro casal fosse o delas. Apesar de terem personalidades distintas, compartilham sonhos e segredos, embora estejam ambas num momento incerto de suas vidas.

Neste livro estes dramas interiores são potencializados pelo contato com a força vital da natureza: as estrelas à noite, a terra, os animais domesticados, a água – com rios e chuvas –, as árvores, plantas e pássaros. O intimismo meio que se entremeia, em momentos inspirados da narrativa, com motivos e eventos da natureza.

Mas em meio a este contexto existencial e primal, há um elemento de desestabilização sobre a vida das duas: Phom. Um ser indefinido que surge, ora para Brígida – que parece ser sua preferida –, ora para Débora. O contato e relação dele com as duas é incerto e intenso e avança para o crescente erotismo e a consumação sexual. O estranho é que quando ele não está presente, ambas se entregam aos seus problemas conjugais e psicológicos como se Phom não existisse. Mas mesmo quando ele surge – voando, se materializando, quase sempre à noite –, soa como estranho, quase como inexplicável para aquela que não está a ter o contato com ele. Vira uma espécie de segredo oculto entre as duas. Mas quem seria Phom?

Um anjo, um ser sobrenatural da natureza, uma espécie de vampiro, um extraterrestre? Mas Phom não é uma criação totalmente nova do autor, pois é possível estabelecer conexão com ao menos dois contos que ele publicou na coletânea Noites Marcianas: “Chamavam-me de Monstro” e “61 Cygni”. No primeiro, temos o alienígena Blixt, um ser do planeta Ghrh, que se apossa e se transforma em qualquer outra forma material, orgânica ou inorgânica. E em “61 Cygni”, uma mulher solitária tem contato com uma criatura simbionte, semelhante a Blixt. Ora, os dois elementos estão presentes: o alienígena e uma mulher! Desta forma, Phom deveria ser uma extensão do desenvolvimento do conceito. Mas, infelizmente, Cunha não se interessa em esclarecer, ou ao menos explorar um pouco mais sobre o elemento que é, afinal, o condutor de maior interesse da narrativa. E em certo ponto dela, ocorre o que poderia ser chamado de uma ruptura, pois o comportamento de ambas se torna psicologicamente e fisicamente muito alterado. Passam a ter ideias insanas e assassinas, desejos sexuais insólitos e engordam demais. Muito provavelmente grávidas do ser misterioso?




O Beijo Antes do Sono foi adaptado ao cinema como Amor Voraz (1984), pelo prestigioso diretor Walter Hugo Khouri (1929-2003). Ele é conhecido por seus filmes existencialistas e intimistas, que procura desvendar mistérios e obsessões da psique humana, talvez principalmente a masculina, como no seu personagem infeliz e solitário Marcelo, que se sucede em vários filmes. Mas em Amor Voraz o foco são as nuances e as complexidades femininas, um gênero humano, diria, mais misterioso. Afinal, a mulher teria uma relação mais sutil com os âmagos da realidade, por ser capaz de gerar uma vida, podendo, assim, talvez ser mais afeita à capacidade de lutar pela sobrevivência e transmitir o amor. Enfim, estou a divagar, mas é que tudo isso fica mais evidente no filme do que no livro. Neste, após a tal da ruptura a história perde mesmo seu rumo, com uma parte final em que os eventos perdem inteligibilidade, concluindo com uma estranha discussão teológica descolada do que parecia ser a proposta inicial da obra.

Mas talvez o mais curioso é que não o romance, mas o filme é claramente identificado com a FC, pois a personagem, interpretada por Vera Fisher – que seria a Brígida –, se comunica com Phom por telepatia, e fica a saber que ele vem de um planeta distante muitos anos-luz da Terra, e que ele germinou sob a água, após milhares de anos. Adquiriu a forma humana e deve voltar ao seu lar – numa viagem de luz – para comunicar se o nosso planeta é adequado à vida deles. Ora, há mesmo semelhanças aqui com outros filmes de FC como, por exemplo, ET, o Extraterrestre (1982) e Star Man: O Homem das Estrelas (1984). Ora, é irônico que um autor de FC escreve uma obra que insinua, mas não assume ser do gênero, e um diretor que nunca teve ligação alguma com ele, produz uma obra do tipo. E bem interessante.

O Beijo Antes do Sono, ganhou uma edição em Portugal, pela editora Bertrand, em 1976, mas, de fato, quase nunca é lembrado entre aqueles poucos que leem e pesquisam sobre a nossa FC. De Fausto Cunha se fala principalmente de As Noites Marcianas, de fato seu melhor livro. É um romance interessante, embora não desenvolva plenamente as potencialidades temáticas que seriam afeitas ao gênero, tornando-se desequilibrado em seu final. Mesmo assim, vale a pena ser conhecido.

Marcello Simão Branco


sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

O Jovem Frankenstein (Young Frankenstein, 1974)

“Das mais escuras trevas, uma súbita luz brilhou sobre mim. Tão brilhante e maravilhosa e ainda assim, tão simples. Trocar os pólos do positivo para o negativo e do negativo para o positivo. Eu acabo de descobrir o segredo de dar a vida. Não, é muito mais. Eu me tornei capaz de dar vida à qualquer matéria morta.” – Barão Victor Frankenstein


O famoso comediante Mel Brooks sempre gostou de satirizar o cinema fantástico em filmes divertidos como “S.O.S. – Tem Um Louco Solto no Espaço” (Spaceballs, 87), uma paródia de ficção científica principalmente à série “Star Wars”, ou “Drácula, Morto Mas Feliz” (Dracula: Dead and Loving It, 95), uma gozação aos filmes de vampirismo. Mas, inegavelmente, sua grande obra-prima foi produzida bem antes, em 1974, com “O Jovem Frankenstein” (Young Frankenstein), fotografado em preto e branco numa grande e muito honrada homenagem aos filmes de horror antigos dos anos 30 da “Universal”, especialmente os clássicos “Frankenstein” (31) e “A Noiva de Frankenstein” (35), inspirados no famoso livro de Mary Wollstonecraft Shelley. 
A história inicia com o jovem neurocirurgião Dr. Frederick Frankenstein (Gene Wilder) dando aulas nos Estados Unidos sobre o cérebro humano. Ele faz questão de pronunciar seu sobrenome de forma diferente para não haver nenhuma ligação com seu avô Victor Frankenstein, que foi conhecido por roubar cadáveres para utilizar em experiências de criação de vida artificial em seu imponente castelo gótico na Transilvânia, Romênia. Após uma demonstração prática sobre os estímulos nervosos com resultados hilariantes com o Sr. Hilltop (Liam Dunn) como cobaia, o Dr. Frankenstein recebe a visita de Gerhard Falkstein (Richard Haydn), que viajou da Europa especialmente para entregar o testamento de seu avô.
Frederick decide então ir até a Transilvânia conhecer o castelo de seus ancestrais, se despedindo de sua noiva Elizabeth (Madeline Kahn) na estação ferroviária, numa sequência super hilária com a preocupação exagerada da mulher em não manchar o batom dos lábios, despentear o cabelo ou amassar a roupa. Uma vez chegando em seu destino, o jovem Frankenstein encontra o corcunda Igor (Marty Feldman), que se apresenta como seu ajudante geral e guia para o castelo, além também da bela Inga (Teri Garr), que se tornaria sua assistente de laboratório.
Chegando ao castelo, eles são recebidos pela velha arrumadeira Frau Blucher (Cloris Leachman), que os aguardava com ansiedade e revela que tinha um caso amoroso com o falecido Barão Victor Frankenstein. Uma vez explorando os incontáveis e imensos aposentos do castelo, Frederick encontra o antigo laboratório do avô e também sua biblioteca particular de onde resgata um livro com as explicações de suas experiências em reanimar carne morta. Mudando de opinião e agora obcecado pela possibilidade de reativar o trabalho de seu avô, Frederick concentra seus esforços para dar vida a um cadáver de um criminoso enforcado, roubado de seu túmulo, gerando um monstro (Peter Boyle, que apareceu como um sinistro vilão em “Scooby-Doo 2: Monstros à Solta).
Como o cérebro implantado na criatura era “anormal”, o monstro foge e causa alguns tumultos nos arredores do castelo, despertando a ira dos aldeões, sob o comando do Inspetor de Polícia Kemp (Kenneth Mars), que decidem invadir o laboratório no momento em que o Dr. Frankenstein fazia uma experiência com sua criatura tentando compartilhar suas mentes.
"O Jovem Frankenstein” foi filmado em preto e branco com a intenção acertada de reconstruir aquele clima típico das produções antigas da “Universal”, em especial os filmes impagáveis da década de 30. E o diretor Mel Brooks conseguiu com êxito o objetivo, pois sua obra é uma grande homenagem com inteligência e muito bom humor aos primeiros anos do cinema de horror falado, sobretudo os filmes inspirados na clássica história “Frankenstein”, escrita em 1818 por Mary Shelley.
São muitos os momentos super divertidos ao longo de todo o filme, mas os destaques são uma cena hilária envolvendo o Dr. Frankenstein e o corcunda Igor desenterrando um caixão com um enorme cadáver num cemitério. Frankenstein, cansado pelo esforço em levantar o pesado caixão de sua cova cheia de terra, reclama da situação desfavorável em que se encontra. Já Igor, responde que não estava tão ruim, pois poderia ser pior, poderia estar chovendo. Mal terminou de falar, e trovões aparecem trazendo uma chuva forte. Logo em seguida, quando estão tentando levar o caixão para o castelo, são surpreendidos por um policial (Richard A. Roth), que decide conversar com eles, obrigando-os a terem que simular um cumprimento com um aperto de mão do cadáver.
Todas as cenas com o inspetor Kemp são muito engraçadas, principalmente quando ele decide falar de forma super rápida e incompreensível, e quando todos não entendem nada do que falou, ele repete pausadamente. Aliás, como ele tem o braço direito artificial feito de madeira, ele o utiliza para uma série de atividades fora do comum como atear fogo no dedo para acender um charuto, ou usar seu braço como uma espécie de tora de madeira para os aldeões arrombarem a porta do castelo do Dr. Frankenstein.
O corcunda Igor, com seus olhos esbugalhados, também é responsável por vários outros momentos de bom humor, principalmente quando ele trocava sua corcunda de lugar, ora estando no lado direito do ombro, ora no esquerdo, e sempre que era questionado sobre a corcunda, ele fingia não reconhecer que tinha uma anomalia física. Como quando num dos primeiros encontros com o Dr. Frankenstein, o médico lhe diz que é um ótimo cirurgião e que poderia operar a corcunda, porém sua existência foi logo negada por Igor.
Já a arrumadeira do castelo Frau Blucher, também não ficava muito atrás nas cenas engraçadas, pois o roteiro reservou especialmente para ela o desagradável fardo de ter que suportar um incômodo e estridente relinchar de cavalos toda as vezes em que o seu nome era pronunciado.
Abaixo seguem várias curiosidades sobre “O Jovem Frankenstein” e seus bastidores, e que valem a pena serem registradas.
Os cenários, principalmente o imponente castelo, são recriações muito próximas dos originais utilizados nos filmes da “Universal”, sendo que inclusive os instrumentos e todo o maquinário elétrico e equipamentos do laboratório do Dr. Frederick Frankenstein são exatamente os mesmos criados por Kenneth Strickfaden para os clássicos dos anos 30 (com um agradecimento especial nos créditos de abertura).
A cena onde o monstro está carregando Elizabeth desacordada à noite por uma sinistra floresta é uma referência e homenagem ao clássico “O Monstro da Lagoa Negra” (54), de Jack Arnold, que tem uma sequência similar envolvendo o monstro do título e a bela Kay, a mocinha interpretada por Julie Adams.
No início do filme, ouvem-se treze badaladas do relógio, algo difícil de perceber a não ser que se contem todas as batidas pacientemente. Aliás, também perto do início, um casal de passageiros num trem fala exatamente as mesmas palavras em inglês (quando simulam a passagem por uma estação em New York) e também em alemão (quando passam por uma estação na Transilvânia).
O estridente e ameaçador uivo do lobisomem que se ouve quando o Dr. Frankenstein, sua assistente Inga e o corcunda Igor estão chegando ao castelo numa carruagem, foi feito pelo próprio diretor Mel Brooks, que aliás também foi o autor de um grito imitando um gato sendo atingido por um dardo arremessado de forma errada pelo Dr. Frankenstein, quando tentava acertar um tabuleiro como alvo.
Quando o Dr. Frankenstein localiza a biblioteca particular de seu avô, Victor, num aposento secreto no imenso castelo, ele encontra um livro escrito por seu avô intitulado “How I Did It” (Como eu Fiz), que é uma brincadeira do roteiro ao mencionar a existência de um registro que revelava como Victor Frankenstein conseguiu reanimar carne morta, um fato que não está revelado no livro original de Mary Shelley.
Naquela cena onde o monstro encontra na floresta uma garotinha, Helga (Anne Beesley), numa referência à mesma sequência do filme de 1931 de James Whale, eles ficam jogando flores num lago, e no momento em que a menina diz não ter mais flores para jogar, perguntando o que poderia então ser arremessado na água (para quem conhece o filme da Universal sabe o que o monstro escolheu para jogar no lago, numa cena que chocou o público na época e que ficou censurado por muitos anos), a criatura faz uma expressão de deboche para a câmera.
Quando o monstro faz uma visita espontânea ao homem cego, e depois de não ter obtido sucesso com a sopa quente, vinho e um charuto oferecidos por ele, numa série antológica de trapalhadas totalmente hilariantes, o monstro decide fugir com raiva e em seu encalço o homem cego ainda lhe oferece um cafezinho (essa última parte foi improvisada pelo ator Gene Hackman, pois não estava no roteiro).
O primeiro cérebro escolhido para a criatura era de um tal de Hans Delbruck, que no filme era descrito como cientista e santo, homem de grande inteligência e ideal para fazer parte do monstro, e na realidade Delbruck era mesmo um historiador e professor alemão de grande relevância nas áreas de economia e política.  
Numa das cenas finais, Elizabeth utiliza um cabelo igual ao da noiva do monstro no filme de 1935, quando a atriz Elsa Lanchester tinha um penteado com enormes mechas brancas no cabelo, que foi inspirado em antigas esculturas da rainha egípcia “Nefertiti”.       

Desde o dia fatídico como lama fedorenta que arraste-se do mar e grita paras as estrelas. Eu sou o Homem. Nosso maior temor tem sido saber de nossa mortalidade. Mas esta noite, vamos fazer a ciência desafiar e enfrentar a terrível face da morte. Esta noite, vamos chegar até as nuvens. Nós vamos imitar o terremoto. Vamos comandar os trovões. E conhecer as profundezas da impenetrável natureza.”
discurso do Dr. Frederick Frankenstein, momentos antes da experiência em conceber vida à criatura

O Jovem Frankenstein (Young Frankenstein, Estados Unidos, 1974). 20th Century Fox. Preto e Branco. Duração: 106 minutos. Direção de Mel Brooks. Roteiro e história de Gene Wilder e Mel Brooks, inspirados em personagens da novela de Mary Wollstonecraft Shelley. Produção de Michael Gruskoff. Fotografia de Gerald Hirschfeld. Música de John Morris. Edição de John C. Howard. Direção de Arte de Dale Hennessy. Desenho de Produção de Dale Hennesy. Maquiagem de Ed Butterworth e William Tuttle. Efeitos Especiais de Hal Millar e Henry Millar Jr.. Elenco: Gene Wilder (Dr. Frederick Frankenstein), Peter Boyle (O Monstro), Marty Feldman (Igor), Madeline Kahn (Elizabeth), Cloris Leachman (Frau Blucher), Teri Garr (Inga), Kenneth Mars (Inspetor de polícia Hans Wilhelm Friederich Kemp), Richard Haydn (Gerhard Falkstein), Gene Hackman (Harold, o homem cego), Liam Dunn (Sr. Hilltop), Danny Goldman (Estudante de medicina), Oscar Beregi Jr., Arthur Malet, Monte Landis, Rusty Blitz.

(Juvenatrix - 30/12/04)

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

O Galeão Fantasma (El Buque Maldito / The Ghost Galleon, Espanha, 1974)


O diretor e roteirista espanhol Amando de Ossorio (1918 / 2001) ficou eternizado na história do cinema de horror bagaceiro pela realização de quatro filmes sobre mortos-vivos cegos, que eram antigos cavaleiros templários satanistas. A quadrilogia é composta por “A Noite do Terror Cego” (La Noche del Terror Ciego / The Night of the Blind Terror, 1972), “O Retorno dos Mortos-Vivos” (El Ataque de los Muertos Sin Ojos / The Return of the Evil Dead, 1973), “O Galeão Fantasma” (El Buque Maldito / The Ghost Galleon, 1974) e “A Noite das Gaivotas” (La Noche de las Gaviotas / Night of the Seagulls, 1975). E, apesar de todos fazerem parte do mesmo universo ficcional, os filmes são independentes entre si.  
Em “O Galeão Fantasma”, o terceiro filme da série, a modelo Noemi (Bárbara Rey) está procurando sua amiga desaparecida Kathy (Blanca Estrada), e descobre com a fotógrafa Lillian (Maria Perschy) que ela está numa lancha em alto mar, junto com outra modelo, Lorena (Margarita Merino). Elas estão participando de uma ousada campanha de publicidade dos iates do empresário Howard Tucker (Jack Taylor). A ideia planejada seria um resgate no meio do oceano, despertando a atenção da mídia para a resistência dos barcos de Tucker, que garantiram a segurança delas até o salvamento. Porém, o plano sai de controle quando a lancha das moças encontra um antigo galeão holandês do século XVI navegando errante envolto numa névoa fantasmagórica. Elas sobem à bordo e encontram um cenário desolado e sem tripulantes.
Em paralelo, um grupo parte secretamente para resgatar as modelos, após conseguirem um contato por rádio onde elas reportaram o encontro com o navio fantasma. A equipe é formada pelas mulheres Noemi e Lillian, junto com Tucker, acompanhado do capanga Sergio (Manuel de Blas) e do cientista Prof. Gruber (Carlos Lemos), um estudioso do misterioso galeão, que nunca é detectado por radar ou instrumentos de navegação, mas que é assunto lendário em casos de desaparecimento de pequenos barcos. Eles descobrem o segredo do misterioso navio fantasma, por um preço que pode custar suas vidas.
Os zumbis são originários de uma ordem blasfema de cavaleiros templários que realizavam cultos satânicos, e que conseguiram dominar a morte por magia, transformando-se em criaturas esqueléticas vestindo capas surradas com capuzes sinistros. Em “O Galeão Fantasma”, o roteiro de Amando de Ossorio é bem forçado e inverossímil na forma como as vítimas encontram o navio sobrenatural, com a premissa de uma inconvincente campanha de marketing para promover o lançamento de barcos. E tem algumas cenas bagaceiras exageradas como o naufrágio do galeão sobrenatural num incêndio tosco. A narrativa também é lenta e cansativa em alguns momentos. Mas, em compensação, temos uma ideia interessante sobre um navio que vaga sem rumo por uma região quente em outra dimensão (com direito até para uma citação de homenagem para a cultuada “Zona do Crepúsculo” ou “Além da Imaginação”, no Brasil). Com seus tripulantes sendo esqueletos mortos-vivos que saem de seus caixões em busca do sangue dos intrusos de seu território. Além de várias cenas de perseguições (e uma em especial acompanhada de uma morte bem violenta), evidenciando uma constante atmosfera sombria e claustrofóbica, que somente os filmes antigos conseguiam realizar, mesmo com efeitos precários, sem a artificialidade da computação gráfica do cinema moderno. Um destaque que merece registro é a cena onde os mortos sem olhos emergem do mar, invadindo uma praia e contribuindo para um desfecho depressivo memorável. 
(Juvenatrix – 07/12/15)

domingo, 8 de novembro de 2015

O Massacre da Serra Elétrica (The Texas Chainsaw Massacre, EUA, 1974)


O filme que verão é baseado na tragédia que assolou um grupo de cinco jovens, especialmente Sally Hardesty e seu irmão inválido Franklin. Foi mais trágico devido ao fato de serem jovens. Mas, se eles tivessem vivido muito, muito longas vidas, jamais teriam esperado ou desejado ter visto a loucura e o macabro que viram naquele dia. Para eles, um passeio de carro num verão à tarde tornou-se um pesadelo. Os acontecimentos daquele dia guiaram o descobrimento de um dos mais bizarros crimes nos anais da história norte americana, O Massacre da Serra Elétrica”.

           Com essa introdução narrada por John Larroquette, alertando o espectador dos terríveis eventos que viriam a seguir, tem início um dos filmes mais insanos da história do cinema de horror. Não poderia ser melhor ou mais apropriada a definição de perturbador para “O Massacre da Serra Elétrica”, filme de baixo orçamento dirigido de forma independente em 16 mm por Tobe Hooper em 1974. Principalmente por evidenciar vários motivos esclarecedores para a escolha de tal adjetivo. Basta citar algumas cenas grotescas como um psicopata demente pendurar uma jovem viva e aterrorizada num gancho como se fosse um animal a ser abatido num matadouro; ou a violência crua do assassinato de um jovem através do golpe de uma pesada marreta em sua cabeça, com seu corpo se debatendo em horríveis espasmos do sistema nervoso, seguindo o mesmo método brutal com que se abate um boi ou porco; ou ainda o momento em que outro jovem paraplégico em uma cadeira de rodas é surpreendido pelo maníaco e retalhado através da ação devastadora, sangrenta e altamente dolorosa de uma moto-serra.

            É verdade que cenas como essas, ou muito piores ainda, foram exploradas à exaustão em uma infinidade de filmes produzidos posteriormente, tendo o auxílio do crescente desenvolvimento dos efeitos especiais que conseguiram simular situações muito próximas da realidade, obtendo-se verdadeiros espetáculos “splatter” de carnificinas. Porém, duas questões devem ser expostas e analisadas. Primeiro, é o fato de “O Massacre da Serra Elétrica” ter sido produzido no distante ano de 1974, numa época com menos violência no cinema (tanto que o filme chocou fortemente o público e sua exibição permaneceu proibida por vários anos em muitos países, inclusive o Brasil). Segundo, porque o verdadeiro horror é justamente aquele onde não há o exagero de se mostrar sangue e vísceras explicitamente, funcionando muito melhor em situações sugeridas, intensificando o medo no espectador. E o filme mostra uma violência grotesca sem no entanto apelar para a exibição de sangue em excesso, investindo mais na incrível insanidade de uma família depravada canibal, desprovida de humanidade.

           A história é sobre um grupo de cinco jovens, sendo dois casais formados por Sally Hardesty (Marilyn Burns) e seu namorado Jerry (Allen Danziger), e Pam (Teri McMinn) e Kirk (William Vail), além do irmão inválido de Sally, Franklin Hardesty (Paul A. Partain). Eles decidem fazer uma visita à antiga casa, agora abandonada, onde Sally e Franklin viveram a infância, numa pequena cidade do interior do Texas. E também eles queriam verificar no cemitério local se não havia violação do túmulo de seus ancestrais, pois haviam recebido notícias sobre saqueamentos e profanações das tumbas. Eles embarcam numa van e percorrem uma estrada onde dão carona a um misterioso homem, “Hitchhiker” (Edwin Neal), que mostra-se perigoso e imprevisível. Porém, o pior ainda estava por vir quando são surpreendidos e atacados por uma família sádica de necrófilos formada, além de “Hitchhiker” (Caronista), também por seus dois irmãos, “Old Man” (Jim Siedow), um gourmet lunático e “Leatherface” ou “Rosto de Couro” (Gunnar Hansen), um gigante deficiente mental que usa uma máscara formada por retalhos de pele humana retirados de suas vítimas. Eles ainda mantém vivo seu avô “Grandfather” (John Duggan), um velho meio zumbi e inofensivo, que é alimentado com sangue humano.

O diretor Tobe Hooper teve seu nome eternamente associado ao filme, que aliás, foi seu primeiro trabalho no gênero horror. Nascido em 1943 em Austin, Texas, sua carreira a partir de então foi marcada pela instabilidade, alternando entre filmes ótimos e interessantes e também medíocres e descartáveis. Seu nome é muito lembrado por dirigir o divertido “Poltergeist, o Fenômeno” em 1982, escrito e produzido pelo popular Steven Spielberg, e outros filmes importantes em sua filmografia de destaque são “Eaten Alive” (1976), “Salem’s Lot” (1979), “Pague Para Entrar, Reze Para Sair” (The Funhouse, 1981) e “Força Sinistra” (Lifeforce, 1985). E o mais incrível é que Hooper dirigiu “O Massacre da Serra Elétrica 2” em 1986 e conseguiu “destruir” toda a essência e atmosfera de um horror perturbador que ele próprio criou e que envolveu o filme de 1974, fazendo agora uma mistura de horror explícito, sangue em profusão e vísceras expostas, com elementos de comédia num resultado insatisfatório, onde prevalece apenas um bom trabalho com os efeitos especiais.

Com roteiro escrito pela dupla Tobe Hooper e Kim Henkel, “O Massacre da Serra Elétrica” teve inspiração no famoso “serial killer” Ed Gein para criar a família canibal e principalmente o psicopata demente “Leatherface”. Gein foi um assassino que aterrorizou a pequena cidade de Plainfield, Winsconsin, durante a década de 1950, matando várias pessoas brutalmente e utilizando suas peles e ossos para uma coleção particular de objetos bizarros. Outros filmes também utilizaram o caso do conhecido psicopata para compor parte de seus argumentos como o clássico “Psicose” (1960), dirigido pelo mestre do suspense Alfred Hitchcock, além de “Deranged” (1974), e o moderno “O Silêncio dos Inocentes” (1991), de Jonathan Demme e com Anthony Hopkins. Ainda teve outro filme baseado inteiramente na vida do assassino intitulado “Ed Gein”, lançado em 2001.

O elenco é formado por nomes desconhecidos e a maioria não teve continuidade notória em suas carreiras, acabando por ficarem eternizados no gênero por seus envolvimentos com o “O Massacre da Serra Elétrica”. O grandalhão ator Gunnar Hansen nasceu em Reykjavik, Islândia, em 1956, e ficou para sempre como o primeiro e original “Leatherface”. Marilyn Burns também nasceu em 1956, só que é americana de Cleveland, Ohio. Chamada por Hooper, participou também de “Eaten Alive” e da produção para a TV “Helter Skelter” (1976), baseado na vida do assassino Charles Manson. Ela teve também uma pequena ponta como uma homenagem em “O Retorno do Massacre da Serra Elétrica”, quarta parte da série, filmada em 1994. Curiosamente, tanto Marilyn Burns quanto seu colega de elenco Edwin Neal (que interpretou “Hitchhiker”) estiveram também juntos num filme obscuro lançado em 1985 chamado “Future-Kill”, dirigido por Ronald W. Moore, e cuja história mostra os confrontos mortais entre grupos rivais de rebeldes numa cidade futurista tomada pela anarquia.

Comparado com dezenas de outras boas produções realizadas posteriormente, o filme de Tobe Hooper realmente tem um ritmo mais lento, com menos ação e principalmente pouca exibição gratuita de “sangue”. Mas “O Massacre da Serra Elétrica” é o filme que introduziu no cinema o psicopata “Leatherface”, o qual está figurando agora na galeria dos imortais monstros modernos ao lado de Michael Myers (“Halloween”), Jason Voorhees (“Sexta-Feira 13”) e Freddy Krueger (“A Hora do Pesadelo”), e o filme inegavelmente possui cenas perturbadoras, de uma violência crua e brutal.

Vários são os destaques dessa preciosidade do cinema fantástico. A abertura com uma seqüência de flashes macabros destacando pedaços de cadáveres decompostos e profanados num cemitério. O desfecho com “Leatherface” furioso dançando como um verdadeiro maníaco, fazendo acrobacias com sua feroz moto-serra rasgando o ar em movimentos bruscos. E principalmente a perseguição insana onde “Leatherface” corre à noite numa floresta atrás da jovem Sally Hardesty com sua moto-serra zunindo e sedento para destroçar o corpo da mulher. A cena demora tanto tempo, em vários intermináveis minutos, que praticamente nos obriga a torcer para que ela seja logo capturada e termine assim a agonia e tortura no espectador de tanta correria e gritos alucinados de puro desespero. É totalmente compreensível que a personagem corra por sua vida e grite de forma selvagem, pois afinal ela está sendo perseguida por um demente que pretende esquartejar seu corpo e fazê-la sentir a terrível dor de uma serra cortando sua carne e músculos, jorrando seu sangue em profusão para todos os lados, numa morte torturante e coberta de um grau tão elevado de violência que torna-se difícil imaginar a intensidade da dor.

“O Massacre da Serra Elétrica” foi lançado em DVD no Brasil com preço popular e distribuição em banca de jornais, encartado na revista “DVD News” número 38 (Abril de 2003), da “Editora NBO”, e é interessante notar que a revista não fez nenhum comentário sobre o filme, sem publicar algum artigo ou qualquer citação mínima, mostrando um evidente descaso com o filme. O material extra do DVD inclui “cenas não aproveitadas”, “trailer de cinema”, “erros de filmagens”, “notas de produção”, “galerias de fotos”, “posters promocionais”, “sinopse” e “biografias do elenco”, porém tudo muito superficial e sem grandes atrativos.
Em vídeo VHS, o filme original foi lançado duas vezes no Brasil, a primeira pela “Europa Home Vídeo” e depois pela “Reserva Especial Vídeo”, e ambas as versões são raridades atualmente.

Passou-se doze anos e esse grande clássico do cinema de horror inevitavelmente deu origem a uma franquia composta por vários filmes descartáveis e desnecessários, imensamente inferiores ao precursor da série. Foram mais três continuações, “O Massacre da Serra Elétrica 2” (1986), também de Tobe Hooper, “Leatherface: O Massacre da Serra Elétrica 3” (1990), de Jeff Burr, e “O Retorno do Massacre da Serra Elétrica” (1994), de Kim Henkel, um dos roteiristas do filme original. Todos os três foram lançados em vídeo VHS no Brasil.

Em 1988 foi produzido um filme bizarro lançado aqui no Brasil em vídeo VHS pela “AB Vídeo” com o nome de “O Massacre da Serra Elétrica 3” (Hollywood Chainsaw Hookers), de Fred Olen Ray, com o ator que interpretou o “Leatherface” no original, Gunnar Hansen. Porém, o filme nada tem a ver com o clássico de Hooper e teve o título nacional escolhido de forma totalmente equivocada, confundindo os fãs brasileiros e demonstrando o péssimo tratamento que os filmes de horror recebem ao chegar no país, numa incompetência que incomoda.

E como os executivos da indústria de cinema americano, incluindo os roteiristas de plantão, estão com uma incrível escassez de ideias (ou melhor, uma vergonhosa falta de vontade de criação), no final de 2003 foi lançada nos Estados Unidos uma refilmagem do filme de 1974 (no Brasil, somente chegou aos nossos cinemas no final de Fevereiro de 2005, e que teve uma continuação lançada em 2006 diretamente no mercado de vídeo, sendo na verdade uma pré-seqüência, apresentando eventos anteriores, dirigida por Jonathan Liebesman). A nova versão de “O Massacre da Serra Elétrica” tem direção de Marcus Nispel, roteiro de Scott Kosar e traz no elenco a bela Jessica Biel como a mocinha que grita histericamente, e Andrew Bryniarski no papel do psicopata “Leatherface” (cujo personagem, depois de Gunnar Hansen, passou a ser maltratado por Bill Johnson, R. A. Mihailoff e Robert Jacks nos filmes seguintes).

Depois, em 2013, ainda veio mais um filme, dessa vez aproveitando a popularidade das exibições em 3D, “O Massacre da Serra Elétrica 3D – A Lenda Continua” (Texas Chainsaw 3D), com a história se iniciando com uma continuação exata de onde termina o clássico dos anos 70. Após a família canibal de “Leatherface” ser dizimada num incêndio criminoso, as ações passam para muitos anos à frente onde uma garota, Heather Miller (Alexandra Daddario), recebe uma notificação informando que herdou uma casa numa região rural no Texas. Ela parte então para lá acompanhada de alguns amigos, não imaginando os horrores que a aguardavam obrigando-a a lutar pela vida. Tem sangue e cenas violentas, mas, é só isso, pois o roteiro é ruim e cheio de falhas, não conseguindo estabelecer aquele clima sombrio tão evidente no filme original.

                A franquia em torno de “O Massacre da Serra Elétrica” ainda inclui um vídeo game lançado em 1983 e dois documentários produzidos diretamente para o vídeo. “The Texas Chainsaw Massacre: A Family Portrait” (1988) foi dirigido e escrito por Brad Shellady, trazendo depoimentos dos atores do filme original, entre eles Gunnar Hansen, Edwin Neal, John Duggan e Jim Siedow, além da presença do famoso colecionador Forrest J. Ackerman, editor da revista “Famous Monsters of Filmland”. E o documentário inglês com cenas de bastidores “The Texas Chainsaw Massacre: The Shocking Truth” (2000), com direção e roteiro de David Gregory, narração de Matthew Bell e com a participação de vários nomes envolvidos com os filmes como Tobe Hooper, Kim Henkel, Marilyn Burns, Gunnar Hansen, Paul A. Partain e Edwin Neal.

Algumas informações interessantes e que servem como curiosidade em torno de “O Massacre da Serra Elétrica” são por exemplo o valor do orçamento do filme ser de apenas US$ 140 mil (e atualmente essa cifra é inexpressiva, com os valores girando em torno de dezenas de milhões de dólares). O mais incrível é ainda o faturamento obtido nas bilheterias, algo como US$ 40 milhões, ou seja, quase trezentas vezes o valor investido, comprovando seu inegável sucesso e alta lucratividade. As filmagens ocorreram em “Austin”, uma pequena cidade do Texas onde nasceu o diretor Tobe Hooper. A atriz Marilyn Burns foi uma das primeiras e mais autênticas “scream queen” do cinema, gritando histericamente a maior parte do tempo, fugindo da lâmina cortante de uma moto-serra. O cineasta Hooper foi muito convincente ao filmar as expressões faciais do mais puro horror da personagem Sally, focalizando um perturbador enquadramento de seus olhos desesperados e de sua boca escancarada gritando por socorro. Esse recurso foi muito utilizado em vários filmes seguintes, sempre obtendo bons resultados. O psicopata “Leatherface” aparece pela primeira vez no filme apenas após 35 minutos, e imediatamente ele coloca sua marreta e moto-serra em ação, protagonizando um tormento que seguiria até o fim do filme. Imaginem se ele aparece desde o início... No primeiro filme da franquia ele é claramente um retardado mental, que parece agir por impulso e descontrole matando sem plena consciência do que está fazendo, quase como uma vítima do próprio ambiente depravado em que vive. Porém, nos filmes seguintes o psicopata mudou suas características tornando-se um “serial killer” consciente e que planeja suas ações assassinas. O personagem “Old Man” da família canibal, recebeu o nome de “Cook” (Cozinheiro) na continuação de 1986, e foi interpretado pelo mesmo ator Jim Siedow nos dois filmes. Aliás, nessa mesma sequência a família de insanos recebeu mais um membro, “Chop Top” (Bill Moseley), o irmão gêmeo de “Hitchhiker” que estava num sanatório, e os efeitos de maquiagem ficaram a cargo do especialista Tom Savini, largamente conhecido por seus trabalhos em filmes como “Sexta-Feira 13” (1980) e “Dia dos Mortos” (1985).

Um último detalhe que merece registro é um grande equívoco cometido pelos responsáveis em nomear os filmes que chegam ao Brasil. O correto e ideal seria traduzir o original para algo como “O Massacre da Moto-Serra no Texas”, pois o instrumento utilizado por “Leatherface” para retalhar suas vítimas parece ser uma moto-serra movida por combustível líquido e não elétrica como sugere o título nacional escolhido. E curiosamente o nome original estava previsto para ser “Leatherface” ou “Headcheese”, e somente perto do lançamento do filme é que foi escolhido o título definitivo de “The Texas Chainsaw Massacre”. Quando eu assisti pela primeira vez em 1987, através daquelas chamadas fitas de vídeo “alternativas” que infestavam as locadoras ainda carentes de lançamentos oficiais no mercado brasileiro, o nome que foi dado ao filme foi “Chacina e Massacre no Texas”.

Enfim, um filme indispensável que costuma freqüentar qualquer lista de “TOP 10” promovida por especialistas e fãs do cinema de horror, e certamente o filme se destaca na minha lista pessoal de preferências.

O Massacre da Serra Elétrica (The Texas Chainsaw Massacre, Estados Unidos, 1974). Vortex. Duração: 82 minutos. Direção de Tobe Hooper. Roteiro de Kin Henkel e Tobe Hooper. Produção de Kim Henkel, Tobe Hooper, Jay Parsley, Lou Peraino e Richard Saenz. Fotografia de Daniel Pearl. Música de Wayne Bell e Tobe Hooper. Direção de Arte de Robert A. Burns. Edição de Larry Carroll e Sallye Richardson. Elenco: Marilyn Burns (Sally Hardesty), Allen Danziger (Jerry), Paul A. Partain (Franklin Hardesty), William Vail (Kirk), Teri McMinn (Pam), Edwin Neal (Hitchhicker), Jim Siedow (Old Man), Gunnar Hansen (Leatherface), John Duggan (Grandfather), Robert Courtin, William Creamer, John Henry Faulk, Jerry Green, Ed Guinn, Joe Bill Hogan, Perry Lorenz, John Larroquette (narrador da introdução).

(Juvenatrix - 23/12/2005)

quinta-feira, 5 de março de 2015

The Bat People (1974)


Também conhecido como “It Lives by Night” ou pelo título nacional “Morcegos Humanos” (conforme informação do blog “Cine Space Monster”), de download de filmes bagaceiros, “The Bat People” está situado dentro do sub-gênero conhecido como “Man Into Monster” ou “Homem Transformado em Monstro”, um segmento extremamente divertido do cinema tranqueira de Horror e Ficção Científica, justamente pelas situações absurdas, roteiros distantes de qualquer tipo de lógica e produções toscas ao extremo.
Um casal formado pelo médico Dr. John Beck (Stewart Moss) e sua bela esposa Cathy (Marianne McAndrew), que curiosamente são casados também na vida real, está tentando fazer uma segunda lua de mel. Numa visita turística pelo interior de uma caverna, o homem é acidentalmente mordido por um morcego infectado pela raiva. Uma vez hospitalizado e tomando fortes medicamentos para o tratamento da doença, supervisionado pelo colega médico Dr. Kipling (Paul Carr), ele começa a ter ataques de fúria descontrolada e agir de modo estranho, transformando-se aos poucos num monstro assassino com características de morcego. As várias mortes misteriosas e violentas de pessoas próximas ao Dr. John despertam a atenção da investigação policial do Sargento Ward (Michael Pataki). O xerife fica em seu encalço o tempo inteiro, enquanto o médico doente luta desesperadamente contra as crises de loucura e metamorfose emocional, física e mental, se aproximando cada vez mais de um animal conhecido pelo sentimento de medo e repugnância que desperta nos humanos.
Bagaceira obscura dos anos 70 do século passado que traz como maior curiosidade o fato de ser um dos primeiros trabalhos de maquiagem do cultuado técnico em efeitos especiais Stan Winston (falecido em 2008). Ele foi o responsável pela concepção do homem transformado em morcego, provavelmente se inspirando nos macacos criados por John Chambers na saga “O Planeta dos Macacos”, iniciada em 1968. Numa espécie de homenagem ao próprio Winston, em determinado momento do filme, o transtornado Dr. John Beck invade o hospital e se identifica falsamente como Dr. Winston, para conseguir localizar uma bolsa de sangue e matar sua sede de morcego.
No elenco, conseguimos reconhecer os rostos de atores com presença regular em diversas séries de TV do período como Paul Carr, ou filmes igualmente bagaceiros e divertidos como “O Túmulo do Vampiro” (72), “Zoltan – o Cão Vampiro de Drácula” (78) e “Os Mortos-Vivos” (81), como Michael Pataki.
Entre os destaques podemos citar as cenas com dezenas de morcegos reais nos pesadelos e alucinações do protagonista amaldiçoado na transformação de monstro, mas em compensação negativa, temos a horrível trilha sonora escolhida nos momentos de perseguições e ataques do assassino, totalmente deslocada eliminando a tensão de forma patética.
Vale lembrar que o cinema bagaceiro de Horror e FC possui uma galeria imensa de produções tranqueiras de “humanos transformados em monstros”, utilizando a mistura com animais, insetos e até plantas, que é bem difícil catalogar. Alguns exemplos são “A Mosca da Cabeça Branca” (58), “O Jacaré Humano” (59), “A Mulher Vespa” (60), “A Serpente” (66), “O Homem Cobra” (73), “Estranhas Mutações” (73) e “A Ilha do Dr. Moreau” (77, e com várias outras versões). E mais recentemente tivemos diversas produções da produtora picareta “Nu Image” como “MosquitoMan” e “Sharkman” (ambos de 2005), entre outras.       
(Juvenatrix - 27/01/15)

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Fazenda Modelo: Novela pecuária, Chico Buarque

Fazenda Modelo: Novela pecuária, Chico Buarque. 140 páginas. Editora Civilização Brasileira. Rio de Janeiro, 1974.

Os anos 1970 foram uma espécie de interregno entre as duas principais gerações de escritores brasileiros que se dedicaram aos gêneros fantásticos e, mais especificamente, à ficção científica. Até 1969, tivemos uma boa quantidade de livros escritos pelos autores da chamada Primeira Onda da ficção científica brasileira, carinhosamente conhecida como Geração GRD, ainda que nem todos tenham realmente surgido sob a égide da legendária editora GRD: André Carneiro, Fausto Cunha, Dinah Silveira de Queiroz, Rubens Teixeira Scavone, Jeronymo Monteiro, Rachel de Queiroz, Nilson Martello, Guido Wilmar Sassi, Antonio Olinto, Levy Menezes e muitos outros. Muitos destes não construíram suas obras exclusivamente na fc&c, e no mainstream conquistaram reconhecimento de público e crítica, emprestando prestígio ao fantástico brasileiro.
A Segunda Onda de autores ensaiou seus primeiros passos a partir de 1982 no Boletim Antares, publicado pelo Clube de Ficção Científica Antares de Porto Alegre: Simone Saueressig, Gerson Lodi-Ribeiro, Miguel Carqueija, Jorge Luiz Calife e Roberto de Sousa Causo foram os nomes dessa turma que se firmaram nas páginas de fanzines e boletins de clubes de fãs, unindo-se a outros tantos, tais como José dos Santos Fernandes, Ivan Carlos Regina, Carlos Orsi Martinho, José Carlos Neves, Braulio Tavares, Finisia Fideli, Fabio Fernandes, Roberto Schima e muitos outros.
Entretanto, nesses dez ou doze anos de intervalo, a fc&f brasileira não foi abandonada totalmente. Apesar dos especialistas terem reduzido sua presença editorial durante os piores anos da ditadura militar, outros escritores não necessariamente identificados com o gênero perceberam na literatura de fantasia uma ótima maneira de contornar as redes da censura e dizer o que pensavam a respeito daquele período tenebroso, uma vez que os órgãos de comunicação de massa eram bem mais vigiados do que os livros.
Chico Buarque de Holanda era então um compositor de sucesso, respeitado e prestigiado tanto pela elite intelectual quanto pelo povão, no Brasil e no exterior. Sua poesia de sentidos múltiplos agradava pela qualidade da composição e pela identificação imediata com o jeito brasileiro, somada a musicalidade criativa, belos arranjos e harmonias. Chico Buarque fazia então o que alguns classificavam como "música de protesto", embora sua responsabilidade artística não permitisse que o panfletarismo simplório dominasse o conteúdo criativo, como acontecia com outros compositores menos brilhantes.
Em 1974, no auge da repressão política, a editora carioca Civilização Brasileira, que já publicava o fantasista goiano José J. Veiga, levou às livrarias a primeira novela de Chico Buarque, Fazenda Modelo: Novela pecuária.
Trata-se de um texto obviamente alegórico, tal como também são suas poesias, que conta a ascensão e a queda de um projeto econômico e social dirigido por tecnocratas e financiado pelo capital estrangeiro.
A Fazenda Modelo era, a princípio, uma propriedade rural que, embora de grandes dimensões, não diferia em nada de qualquer outra propriedade agropecuária, com a boiada solta no pasto descuidado, sem nenhuma tecnologia ou acompanhamento técnico. A vida dos bois e vacas não era fácil, mas era tranquila e sem percalços. As rezes nasciam naturalmente, alguns meses depois de coitos igualmente naturais, a comida vinha diretamente do chão inculto, os carrapatos e as doenças eram um grande incômodo mas, enfim, não é assim em toda parte?
Então Juvenal, o bom boi, elegante e educado filho da pátria, é elevado a posição de conselheiro-mor da Fazenda Modelo e aos poucos implanta nela o milagre econômico que vai tirar a boiada do atoleiro e arremessá-la para o futuro glorioso. Assessorado por técnicos especialistas importados (todos curiosamente tendo o nome iniciados pela letra "K") Juvenal elege Abá como o semental-mor da Fazenda Modelo: boi forte e viril, apaixonado pela vaca Aurora, que viria ser a matriz criadora mais importante do projeto. Abá é isolado da vacada em um galpão absolutamente limpo e somente durante os períodos propícios de cobertura são trazidas as vacas para que ele as emprenhe. Alucinado de desejo por Aurora, que é a primeira vaca a entrar no touril, Abá vai trepando em cada uma das vacas que vem depois e garante dessa forma o sucesso da primeira geração de bezerros cientificamente selecionados da Fazenda.
Com o bom desempenho da vacada nas exposições, o sêmen de Abá torna-se o ouro branco de exportação da Fazenda Modelo, que passa a usar um processo eletrônico, sem contato físico, para colher o líquido de Abá, sendo as vacas  fertilizadas artificialmente.
Enquanto a Fazenda Modelo cresce e se desenvolve, com a instalação de fábricas de todos os tipos, estádios de primeiro mundo, monumentos a Juvenal, praças e fontes grandiosas, a vacada vai ficando cada vez mais triste. A poluição começa a envenenar a boiada mais simples, as reprodutoras entram em depressão pelo desaparecimento inexplicável de seus filhos, parando de aleitar e de emprenhar, e até Abá, viciado no aparelho de coleta de sêmen, envelhece precocemente. Lubino, seu sucessor, é apressadamente escolhido entre os touros da primeira geração. Mas Lubino não estava ainda preparado e a tragédia vai se abater sobre a Fazenda Modelo e seu grande projeto de desenvolvimento.
É interessante deixar-se levar pela fantasia de Chico Buarque, que modula a humanização/bovinização dos personagens conforme as circunstâncias dramáticas exigem.
Está claro que esta novela é uma alegoria da situação política brasileira em 1974, não muito disfarçada pelo cenário da Fazenda Modelo. Frases e atos de Juvenal têm paralelos óbvios na realidade histórica, e muitos leitores experientes na fc anglo-americana podem achar a leitura um tanto ingênua e previsível.
Mas Fazenda Modelo exemplifica uma das mais imediatas missões da arte e da literatura, qual seja, levar o leitor a refletir sobre a sua realidade objetiva. Nesse aspecto, é amplamente bem sucedida, pois a mensagem é clara e a leitura é facilitada por um texto que fala muito bem ao leitor comum que, em tese, é o seu público alvo. Contudo, Fazenda Modelo preserva os ideais do Modernismo e utiliza uma redação elaborada repleta de estruturas literárias criativas e coloquialismos intraduzíveis, que agradam também ao leitor sofisticado.
Ainda mais significativo é o fato de Fazenda Modelo ter aparecido em pleno cenário dos fatos que motivaram a sua composição. Não há dúvida que Chico Buarque e a editora Civilização Brasileira correram riscos sérios ao ousar sua publicação. Pode ser que Buarque tenha se escudado em sua fama maiúscula ou no auto-exílio que cumpriu no exterior. Mesmo assim, é espantoso que assim tenha sido.
Geralmente, espera-se que um autor literário demonstre alguma coragem para atacar os seus alvos e que, eventualmente, ponha a cabeça para fora da trincheira e dispare um tiro na direção deles. Isso já é suficiente para dar significado à obra para além do entretenimento frívolo e descartável ou do formalismo acadêmico, principalmente no caso da fc, tida como um gênero alheio à realidade. Ainda que possamos pinçar uns tantos bons exemplos, entre eles o próprio Fazenda Modelo, no que se refere a fc&f brasileira percebe-se que o preconceito justifica-se, infelizmente.
Apesar da tendência natural e quase inevitável da fc&f para o simbolismo, a caricatura e a alegoria, os autores brasileiros sempre demonstraram interesse especial pelo entretenimento do gênero, evitando a discussão de problemas contemporâneos em seus trabalhos. Investem na elaboração de utopias e conceitos tecnológicos fantásticos, lançando suas histórias em tempos distantes no passado ou no futuro, com protagonistas mitológicos, mecânicos ou alienígenas, de forma a fugir o mais possível do problemas do presente e dos mistérios da alma humana, alienando-se já no ato da composição da obra que, desse modo, distancia-se do leitor que não se identifica com ela quando publicada.
Um e outro ainda demonstram, eventualmente, coragem suficiente para dar aquela olhadela acima da trincheira, mas a grande maioria satisfaz-se em sentar num canto retirado, jogar baralho e apostar cigarros. Para eles a batalha, a realidade, sequer existe.
Exatamente por isso, Fazenda Modelo é leitura importante num gênero que ainda carece de uma profunda discussão existencial no País.
Cesar Silva