“O filme que verão é baseado na tragédia que assolou um
grupo de cinco jovens, especialmente Sally Hardesty e seu irmão inválido
Franklin. Foi mais trágico devido ao fato de serem jovens. Mas, se eles tivessem
vivido muito, muito longas vidas, jamais teriam esperado ou desejado ter visto
a loucura e o macabro que viram naquele dia. Para eles, um passeio de carro num
verão à tarde tornou-se um pesadelo. Os acontecimentos daquele dia guiaram o
descobrimento de um dos mais bizarros crimes nos anais da história norte
americana, O Massacre da Serra Elétrica”.
Com essa introdução narrada por John Larroquette,
alertando o espectador dos terríveis eventos que viriam a seguir, tem início um
dos filmes mais insanos da história do cinema de horror. Não poderia ser melhor
ou mais apropriada a definição de perturbador
para “O Massacre da Serra Elétrica”, filme de baixo orçamento dirigido de forma
independente em 16 mm
por Tobe Hooper em 1974. Principalmente por evidenciar vários motivos
esclarecedores para a escolha de tal adjetivo. Basta citar algumas cenas
grotescas como um psicopata demente pendurar uma jovem viva e aterrorizada num
gancho como se fosse um animal a ser abatido num matadouro; ou a violência crua
do assassinato de um jovem através do golpe de uma pesada marreta em sua
cabeça, com seu corpo se debatendo em horríveis espasmos do sistema nervoso,
seguindo o mesmo método brutal com que se abate um boi ou porco; ou ainda o
momento em que outro jovem paraplégico em uma cadeira de rodas é surpreendido
pelo maníaco e retalhado através da ação devastadora, sangrenta e altamente
dolorosa de uma moto-serra.
É verdade que cenas como essas, ou muito piores
ainda, foram exploradas à exaustão em uma infinidade de filmes produzidos
posteriormente, tendo o auxílio do crescente desenvolvimento dos efeitos
especiais que conseguiram simular situações muito próximas da realidade,
obtendo-se verdadeiros espetáculos “splatter” de carnificinas. Porém, duas
questões devem ser expostas e analisadas. Primeiro, é o fato de “O Massacre da
Serra Elétrica” ter sido produzido no distante ano de 1974, numa época com
menos violência no cinema (tanto que o filme chocou fortemente o público e sua
exibição permaneceu proibida por vários anos em muitos países, inclusive o
Brasil). Segundo, porque o verdadeiro horror é justamente aquele onde não há o
exagero de se mostrar sangue e vísceras explicitamente, funcionando muito
melhor em situações sugeridas, intensificando o medo no espectador. E o filme
mostra uma violência grotesca sem no entanto apelar para a exibição de sangue
em excesso, investindo mais na incrível insanidade de uma família depravada
canibal, desprovida de humanidade.
A história é sobre um grupo de cinco jovens, sendo
dois casais formados por Sally Hardesty (Marilyn Burns) e seu namorado Jerry
(Allen Danziger), e Pam (Teri McMinn) e Kirk (William Vail), além do irmão inválido
de Sally, Franklin Hardesty (Paul A. Partain). Eles decidem fazer uma visita à
antiga casa, agora abandonada, onde Sally e Franklin viveram a infância, numa
pequena cidade do interior do Texas. E também eles queriam verificar no
cemitério local se não havia violação do túmulo de seus ancestrais, pois haviam
recebido notícias sobre saqueamentos e profanações das tumbas. Eles embarcam
numa van e percorrem uma estrada onde dão carona a um misterioso homem,
“Hitchhiker” (Edwin Neal), que mostra-se perigoso e imprevisível. Porém, o pior
ainda estava por vir quando são surpreendidos e atacados por uma família sádica
de necrófilos formada, além de “Hitchhiker” (Caronista), também por seus dois
irmãos, “Old Man” (Jim Siedow), um gourmet lunático e “Leatherface” ou “Rosto
de Couro” (Gunnar Hansen), um gigante deficiente mental que usa uma máscara
formada por retalhos de pele humana retirados de suas vítimas. Eles ainda
mantém vivo seu avô “Grandfather” (John Duggan), um velho meio zumbi e
inofensivo, que é alimentado com sangue humano.
O diretor Tobe
Hooper teve seu nome eternamente associado ao filme, que aliás, foi seu
primeiro trabalho no gênero horror. Nascido em 1943 em Austin, Texas, sua carreira a partir de
então foi marcada pela instabilidade, alternando entre filmes ótimos e interessantes e
também medíocres e descartáveis. Seu nome é muito lembrado por dirigir o
divertido “Poltergeist, o Fenômeno” em 1982, escrito e produzido pelo popular
Steven Spielberg, e outros filmes importantes em sua filmografia de destaque são
“Eaten Alive” (1976), “Salem’s Lot” (1979), “Pague Para Entrar, Reze Para Sair”
(The Funhouse, 1981) e “Força Sinistra” (Lifeforce, 1985). E o mais incrível é
que Hooper dirigiu “O Massacre da Serra Elétrica 2” em 1986 e conseguiu
“destruir” toda a essência e atmosfera de um horror perturbador que ele próprio
criou e que envolveu o filme de 1974, fazendo agora uma mistura de horror
explícito, sangue em profusão e vísceras expostas, com elementos de comédia num
resultado insatisfatório, onde prevalece apenas um bom trabalho com os efeitos
especiais.
Com roteiro
escrito pela dupla Tobe Hooper e Kim Henkel, “O Massacre da Serra Elétrica”
teve inspiração no famoso “serial killer” Ed Gein para criar a família canibal
e principalmente o psicopata demente “Leatherface”. Gein foi um assassino que
aterrorizou a pequena cidade de Plainfield, Winsconsin, durante a década de
1950, matando várias pessoas brutalmente e utilizando suas peles e ossos para
uma coleção particular de objetos bizarros. Outros filmes também utilizaram o
caso do conhecido psicopata para compor parte de seus argumentos como o
clássico “Psicose” (1960), dirigido pelo mestre do suspense Alfred Hitchcock,
além de “Deranged” (1974), e o moderno “O Silêncio dos Inocentes” (1991), de
Jonathan Demme e com Anthony Hopkins. Ainda teve outro filme baseado
inteiramente na vida do assassino intitulado “Ed Gein”, lançado em 2001.
O elenco é
formado por nomes desconhecidos e a maioria não teve continuidade notória em
suas carreiras, acabando por ficarem eternizados no gênero por seus
envolvimentos com o “O Massacre da Serra Elétrica”. O grandalhão ator Gunnar
Hansen nasceu em Reykjavik, Islândia, em 1956, e ficou para sempre como o
primeiro e original “Leatherface”. Marilyn Burns também nasceu em 1956, só que
é americana de Cleveland, Ohio. Chamada por Hooper, participou também de “Eaten
Alive” e da produção para a TV “Helter Skelter” (1976), baseado na vida do
assassino Charles Manson. Ela teve também uma pequena ponta como uma homenagem
em “O Retorno do Massacre da Serra Elétrica”, quarta parte da série, filmada em
1994. Curiosamente, tanto Marilyn Burns quanto seu colega de elenco Edwin Neal
(que interpretou “Hitchhiker”) estiveram também juntos num filme obscuro
lançado em 1985 chamado “Future-Kill”, dirigido por Ronald W. Moore, e cuja
história mostra os confrontos mortais entre grupos rivais de rebeldes numa
cidade futurista tomada pela anarquia.
Comparado com
dezenas de outras boas produções realizadas posteriormente, o filme de Tobe
Hooper realmente tem um ritmo mais lento, com menos ação e principalmente pouca
exibição gratuita de “sangue”. Mas “O Massacre da Serra Elétrica” é o filme que
introduziu no cinema o psicopata “Leatherface”, o qual está figurando agora na
galeria dos imortais monstros modernos ao lado de Michael Myers (“Halloween”),
Jason Voorhees (“Sexta-Feira 13” )
e Freddy Krueger (“A Hora do Pesadelo”), e o filme inegavelmente possui cenas perturbadoras, de uma violência crua e
brutal.
Vários são os
destaques dessa preciosidade do cinema fantástico. A abertura com uma seqüência
de flashes macabros destacando pedaços de cadáveres decompostos e profanados
num cemitério. O desfecho com “Leatherface” furioso dançando como um verdadeiro
maníaco, fazendo acrobacias com sua feroz moto-serra rasgando o ar em
movimentos bruscos. E principalmente a perseguição insana onde “Leatherface” corre à noite numa floresta atrás da
jovem Sally Hardesty com sua moto-serra zunindo e sedento para destroçar o
corpo da mulher. A cena demora tanto tempo, em vários intermináveis minutos,
que praticamente nos obriga a torcer para que ela seja logo capturada e termine
assim a agonia e tortura no espectador de tanta correria e gritos alucinados de
puro desespero. É totalmente compreensível que a personagem corra por sua vida
e grite de forma selvagem, pois afinal ela está sendo perseguida por um demente
que pretende esquartejar seu corpo e fazê-la sentir a terrível dor de uma serra
cortando sua carne e músculos, jorrando seu sangue em profusão para todos os
lados, numa morte torturante e coberta de um grau tão elevado de violência que
torna-se difícil imaginar a intensidade da dor.
“O Massacre da
Serra Elétrica” foi lançado em DVD no Brasil com preço popular e distribuição
em banca de jornais, encartado na revista “DVD News” número 38 (Abril de 2003),
da “Editora NBO”, e é interessante notar que a revista não fez nenhum
comentário sobre o filme, sem publicar algum artigo ou qualquer citação mínima,
mostrando um evidente descaso com o filme. O material extra do DVD inclui “cenas
não aproveitadas”, “trailer de cinema”, “erros de filmagens”, “notas de
produção”, “galerias de fotos”, “posters promocionais”, “sinopse” e “biografias
do elenco”, porém tudo muito superficial e sem grandes atrativos.
Passou-se doze anos e esse
grande clássico do cinema de horror inevitavelmente deu origem a uma franquia
composta por vários filmes descartáveis e desnecessários, imensamente
inferiores ao precursor da série. Foram mais três continuações, “O Massacre da
Serra Elétrica 2”
(1986), também de Tobe Hooper, “Leatherface: O Massacre da Serra Elétrica 3” (1990), de Jeff Burr, e “O
Retorno do Massacre da Serra Elétrica” (1994), de Kim Henkel, um dos
roteiristas do filme original. Todos os três foram lançados em vídeo VHS no Brasil.
Em 1988 foi produzido um filme
bizarro lançado aqui no Brasil em
vídeo VHS pela “AB Vídeo” com o nome de “O Massacre da Serra
Elétrica 3”
(Hollywood Chainsaw Hookers), de Fred Olen Ray, com o ator que interpretou o
“Leatherface” no original, Gunnar Hansen. Porém, o filme nada tem a ver com o
clássico de Hooper e teve o título nacional escolhido de forma totalmente
equivocada, confundindo os fãs brasileiros e demonstrando o péssimo tratamento
que os filmes de horror recebem ao chegar no país, numa incompetência que
incomoda.
E como os executivos da
indústria de cinema americano, incluindo os roteiristas de plantão, estão com
uma incrível escassez de ideias (ou melhor, uma vergonhosa falta de vontade de
criação), no final de 2003 foi lançada nos Estados Unidos uma refilmagem do
filme de 1974 (no Brasil, somente chegou aos nossos cinemas no final de
Fevereiro de 2005, e que teve uma continuação lançada em 2006 diretamente no
mercado de vídeo, sendo na verdade uma pré-seqüência, apresentando eventos
anteriores, dirigida por Jonathan Liebesman). A nova versão de “O Massacre
da Serra Elétrica” tem direção de Marcus Nispel, roteiro de Scott Kosar e traz
no elenco a bela Jessica Biel como a mocinha que grita histericamente, e Andrew
Bryniarski no papel do psicopata “Leatherface” (cujo personagem, depois de
Gunnar Hansen, passou a ser maltratado por Bill Johnson, R. A. Mihailoff e
Robert Jacks nos filmes seguintes).
Depois, em
2013, ainda veio mais um filme, dessa vez aproveitando a popularidade das
exibições em 3D, “O Massacre da Serra Elétrica 3D – A Lenda Continua” (Texas
Chainsaw 3D), com a história se iniciando com uma continuação exata de onde
termina o clássico dos anos 70. Após a família canibal de “Leatherface” ser
dizimada num incêndio criminoso, as ações passam para muitos anos à frente onde
uma garota, Heather Miller (Alexandra Daddario), recebe uma notificação
informando que herdou uma casa numa região rural no Texas. Ela parte então para
lá acompanhada de alguns amigos, não imaginando os horrores que a aguardavam
obrigando-a a lutar pela vida. Tem sangue e cenas violentas, mas, é só isso,
pois o roteiro é ruim e cheio de falhas, não conseguindo estabelecer aquele
clima sombrio tão evidente no filme original.
A
franquia em torno de “O Massacre da Serra Elétrica” ainda inclui um vídeo game
lançado em 1983 e dois documentários produzidos diretamente para o vídeo. “The
Texas Chainsaw Massacre: A Family Portrait” (1988) foi dirigido e escrito por
Brad Shellady, trazendo depoimentos dos atores do filme original, entre eles
Gunnar Hansen, Edwin Neal, John Duggan e Jim Siedow, além da presença do famoso
colecionador Forrest J. Ackerman, editor da revista “Famous Monsters of
Filmland”. E o documentário inglês com cenas de bastidores “The Texas Chainsaw
Massacre: The Shocking Truth” (2000), com direção e roteiro de David Gregory,
narração de Matthew Bell e com a participação de vários nomes envolvidos com os
filmes como Tobe Hooper, Kim Henkel, Marilyn Burns, Gunnar Hansen, Paul A.
Partain e Edwin Neal.
Algumas
informações interessantes e que servem como curiosidade em torno de “O Massacre
da Serra Elétrica” são por exemplo o valor do orçamento do filme ser de apenas
US$ 140 mil (e atualmente essa cifra é inexpressiva, com os valores girando em
torno de dezenas de milhões de dólares). O mais incrível é ainda o faturamento
obtido nas bilheterias, algo como US$ 40 milhões, ou seja, quase trezentas
vezes o valor investido, comprovando seu inegável sucesso e alta lucratividade.
As filmagens ocorreram em “Austin”, uma pequena cidade do Texas onde nasceu o
diretor Tobe Hooper. A atriz Marilyn Burns foi uma das primeiras e mais
autênticas “scream queen” do cinema, gritando histericamente a maior parte do
tempo, fugindo da lâmina cortante de uma moto-serra. O cineasta Hooper foi
muito convincente ao filmar as expressões faciais do mais puro horror da personagem
Sally, focalizando um perturbador enquadramento de seus olhos desesperados e de
sua boca escancarada gritando por socorro. Esse recurso foi muito utilizado em
vários filmes seguintes, sempre obtendo bons resultados. O psicopata
“Leatherface” aparece pela primeira vez no filme apenas após 35 minutos, e
imediatamente ele coloca sua marreta e moto-serra em ação, protagonizando um
tormento que seguiria até o fim do filme. Imaginem se ele aparece desde o
início... No primeiro filme da franquia ele é claramente um retardado mental,
que parece agir por impulso e descontrole matando sem plena consciência do que
está fazendo, quase como uma vítima do próprio ambiente depravado em que vive.
Porém, nos filmes seguintes o psicopata mudou suas características tornando-se
um “serial killer” consciente e que planeja suas ações assassinas. O personagem
“Old Man” da família canibal, recebeu o nome de “Cook” (Cozinheiro) na
continuação de 1986, e foi interpretado pelo mesmo ator Jim Siedow nos dois
filmes. Aliás, nessa mesma sequência a família de insanos recebeu mais um
membro, “Chop Top” (Bill Moseley), o irmão gêmeo de “Hitchhiker” que estava num
sanatório, e os efeitos de maquiagem ficaram a cargo do especialista Tom
Savini, largamente conhecido por seus trabalhos em filmes como “Sexta-Feira 13” (1980) e “Dia dos Mortos”
(1985).
Um último
detalhe que merece registro é um grande equívoco cometido pelos responsáveis em
nomear os filmes que chegam ao Brasil. O correto e ideal seria traduzir o
original para algo como “O Massacre da Moto-Serra no Texas”, pois o instrumento
utilizado por “Leatherface” para retalhar suas vítimas parece ser uma
moto-serra movida por combustível líquido e não elétrica como sugere o título
nacional escolhido. E curiosamente o nome original estava previsto para ser
“Leatherface” ou “Headcheese”, e somente perto do lançamento do filme é que foi
escolhido o título definitivo de “The Texas Chainsaw Massacre”. Quando eu
assisti pela primeira vez em 1987, através daquelas chamadas fitas de vídeo
“alternativas” que infestavam as locadoras ainda carentes de lançamentos
oficiais no mercado brasileiro, o nome que foi dado ao filme foi “Chacina e
Massacre no Texas”.
Enfim, um
filme indispensável que costuma freqüentar qualquer lista de “TOP 10” promovida por especialistas
e fãs do cinema de horror, e certamente o filme se destaca na minha lista
pessoal de preferências.
O Massacre da Serra
Elétrica (The Texas Chainsaw Massacre, Estados Unidos, 1974). Vortex. Duração:
82 minutos. Direção de Tobe Hooper. Roteiro de Kin Henkel e Tobe Hooper.
Produção de Kim Henkel, Tobe Hooper, Jay Parsley, Lou Peraino e Richard Saenz.
Fotografia de Daniel Pearl. Música de Wayne Bell e Tobe Hooper. Direção de Arte
de Robert A. Burns. Edição de
Larry Carroll e Sallye Richardson. Elenco: Marilyn Burns (Sally Hardesty),
Allen Danziger (Jerry), Paul A. Partain (Franklin Hardesty), William Vail
(Kirk), Teri McMinn (Pam), Edwin Neal (Hitchhicker), Jim Siedow (Old Man),
Gunnar Hansen (Leatherface), John Duggan (Grandfather), Robert Courtin, William
Creamer, John Henry Faulk, Jerry Green, Ed Guinn, Joe Bill Hogan, Perry Lorenz,
John Larroquette (narrador da introdução).
(Juvenatrix - 23/12/2005)
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