terça-feira, 17 de novembro de 2015

A fantástica viagem imaginária de Augusto Emílio Zaluar, Edgar Indalecio Smaniotto

A fantástica viagem imaginária de Augusto Emílio Zaluar: Ensaio sobre a representação do outro na antropologia e na ficção científica brasileira, Edgar Indalecio Smaniotto. 196 páginas. Editora Corifeu, Rio de Janeiro, 2007.

Um dos filões editoriais que tem sido atacado com entusiasmo pelos fãs brasileiros de ficção científica e fantasia é o dos estudos acadêmicos. Há até pouco tempo, contavam-se nos dedos de uma única mão os livros de não-ficção disponíveis em língua portuguesa sobre o gênero.
Os títulos históricos, publicados ao longo do século 20, geralmente tratavam da produção estrangeira, sendo que o mais importante texto sobre a ficção científica produzida no Brasil foi, por muito tempo, o prefácio escrito por Fausto Cunha para a edição brasileira de No mundo da ficção científica (Science fiction reader's guide), de L. David Allen (Summus Editorial, SD).
Em 2007, os leitores interessados nesse tipo de literatura puderam compartilhar das conclusões de A fantástica viagem imaginária de Augusto Emílio Zaluar, publicado pela Editora Corifeu, dissertação de mestrado de Edgar Indalecio Smaniotto sobre a vida e a obra do escritor luso-brasileiro Augusto Emílio Zaluar que, em 1875, teve publicado em dois volumes o romance O Doutor Benignus, obra considerada como um dos primeiros exemplos da ficção científica brasileira. A dissertação foi defendida no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UNESP de Marília, orientada pela Professora Doutora Christina de Rezende Rubim, que também assina o prefácio do volume.
Smaniotto é um jovem professor que atua no ensino fundamental da cidade de Marília, onde nasceu e reside. Também é colaborador frequente das publicações do fandom brasileiro, geralmente com textos de análise literária.
O trabalho está dividido em seis partes principais. As duas primeiras são “Augusto Emílio Zaluar: Esboço de uma trajetória” e “Entre o relato de viagem e a moderna antropologia”, e dizem mais respeito ao homem Zaluar, sua biografia e sua participação da vida político-cultural na capital do Império Brasileiro. Neles, sabemos que Zaluar nasceu em Lisboa em 1826 e não completou os estudos em medicina para dedicar-se ao ofício de escrever, principalmente na área jornalística. Porém, como não havia possibilidade de se sustentar exclusivamente da escrita em seu país natal, em 1850 Zaluar migrou para o Brasil e aqui se estabeleceu como jornalista. Seus interesses nas ciências, especialmente na antropologia, o levaram a se dedicar aos estudos sobre o homem brasileiro e o seu lugar no mundo. Zaluar acompanhava atentamente os trabalhos das missões científicas no Brasil e isso fica claro na leitura de O Doutor Benignus, pois Zaluar faz questão de citar cada um dos seus inspiradores, inaugurando junto com o gênero uma mania que está cada vez mais em destaque entre os autores brasileiros de ficção científica e fantasia. O conhecimento de Zaluar a respeito do trabalho de campo dos antropólogos está retratado no romance na figura de William River, personagem sequestrado por uma tribo de índios caiapós na Ilha do Bananal, destino final da expedição de Benignus.
Na terceira parte, “A origem do homem: monogenismo e poligenismo”, descobrimos que Zaluar compartilhava da teoria de que o homem teria se originado na América – especialmente no Brasil – e que tinha confiança que mais cedo ou mais tarde essa teoria seria confirmada. Por isso seu personagem em O Doutor Benignus vai encontrar um crânio humano fossilizado, preservado numa providencial caverna no planalto central.
Até aqui, a leitura da dissertação de Smaniotto é conquistada a duras penas. O texto é truncado e repleto de citações e notas de rodapé, algumas bastante longas. Embora o tema não seja enfadonho, não parece ao leitor que se trata de um trabalho sobre ficção fantástica pois o que se falou esteve principalmente associado à pessoa de Zaluar. Entretanto, na segunda metade, o texto ganha contornos pungentes na medida em que Smaniotto aborda os temas que levaram os estudiosos a classificarem o romance de Zaluar com ficção científica de fato.
A teoria da habitabilidade dos mundos é o tema  da quarta parte do estudo, “Seres imaginários do espaço”. Aqui aparece a fascinação de Zaluar pelas teorias do cientista francês Camille Flammarion sobre a habitabilidade dos outros planetas dos Sistema Solar, e até mesmo do Sol e das estrelas, misturando ciência com doutrinas espiritualistas numa real antecipação do que viria a ser a popular ideia dos discos voadores, muitas décadas depois. Mas o trecho em que Benignus trava contato com um habitante do Sol – um ser feito de luz e energia radiante – acontece durante um sonho do sábio, depois de adormecer sobre os restos calcinados de um meteorito recém-precipitado. É curioso notar que a expedição de Benignus foi proposta principalmente para comprovar que o Sol seria habitado, e Zaluar argumenta que seu personagem teria essa certeza apenas por observar as manchas do Sol por seu telescópio. Sendo essas manchas, na interpretação do autor, fenômenos similares ao olho de um furacão, na sua lógica, a superfície do Sol seria fria e, portanto, habitada. Simples assim. Comprovada a habitabilidade do Sol, fica também comprovada a habitabilidade de qualquer outro astro.
A ficção de Zaluar frente a seus contemporâneos Júlio Verne e H. G. Wells é tema em “Estabelecendo comparações: o Doutor Benignus diante do romance científico europeu”. Nesta parte encontra-se o melhor do estudo para o leitor interessado em ficção científica. Smaniotto faz um relato rápido sobre a influência explícita de Júlio Verne na prosa de Zaluar, especialmente quando este insere um balão na sua história, a moda de Cinco semanas em balão, de Verne. Smaniotto observa ali a antecipação da dirigibilidade dos balões, tecnologia que só seria conquistada no início do século 20 por Alberto Santos Dumont. Apesar de ser uma interpretação romântica e uma forma de dar a Zaluar um arremedo da autoridade verniana, é um exagero. Zaluar definitivamente não deu dirigibilidade alguma ao seu balão em O Doutor Benignus, que só chegou aonde chegou – e no momento mais que oportuno diga-se de passagem – por conta de uma tempestade que o carregou na direção certa. Pelo menos neste caso, Zaluar não antecipou nada.
Mas as melhores sacadas de Smaniotto estão nas comparações com Wells, especialmente na análise das diferenças culturais na representação do alienígena. Para Wells, o alienígena é um agressor, uma força de ocupação que humilha a arrogância britânica, enquanto que para Zaluar o alienígena é um ser espiritualmente evoluído que traz uma mensagem pacífica e edificante, e reconhece a promessa de um futuro glorioso para o país.
Smaniotto prepara o fechamento de seu trabalho na sexta e última parte, intitulada “A formação de um mito cultural: o alienígena na literatura brasileira”. Aqui, Smaniotto cita principalmente Ficção científica brasileira: Mitos culturais e nacionalidade no país do futuro, da brasilianista Elisabeth Ginway (Devir, 2005) e Ficção científica, fantasia e horror no Brasil: 1875 a 1950, de Roberto de Sousa Causo (UFMG, 2003), como referências para concluir que o mito do alienígena é uma característica da ficção científica brasileira, na medida em que valida todos os demais componentes da mítica nacional, colocando O Doutor Benignus numa posição de importância para as letras e especialmente para os estudiosos da ficção científica no Brasil.
Cesar Silva

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