Guerra
do Velho (Old Man´s War), John Scalzi. Tradução: Petê
Rissatti. Capa: Pedro Inoue. 368 páginas. São Paulo: Aleph, 2016. Lançamento
original em 2004.
Num futuro indefinido, a
humanidade finalmente chegou às estrelas e colonizou planetas pela galáxia. Mas
o que poderia representar um novo momento de glória, viu-se seriamente ameaçado
com a concorrência violenta de espécies alienígenas. Pois, elas também
disputavam a conquista e posse dos mesmos planetas disponíveis para a vida, já
que, constatou-se que eles não eram abundantes, na parte mutuamente colonizada
da Via-Láctea.
Como o leitor desta
resenha percebe, a premissa é das mais instigantes: estamos no espaço e
disputando-o com civilizações extraterrestres. Trata-se de um romance de FC de
tema padrão, mas na melhor tradição de guerra espacial, um dos mais populares e
praticados na história da FC, em especial da norte-americana. Colocando desta
maneira, talvez pudesse ser apenas mais um entre tantos que já foram
publicados. Mas há dois diferenciais. Primeiro, as particularidades do enredo e
depois, a maneira como é narrado.
Os soldados das Forças
Coloniais de Defesa (FCD), responsáveis por proteger os colonos, procurar novos
planetas e servir como linha militar de defesa contra as espécies alienígenas
inimigas, são todos formados por pessoas com 75 anos ou mais. Como o caso de
John Perry, um publicitário, que após perder a esposa resolve se alistar. Mas o
que realmente significa isso?
Os homens e mulheres
idosos que se alistam ganham uma extensão de sua vida, embora em condições
muito arriscadas, ao se tornarem soldados. Perry, assim como os outros e
outras, passam por um período breve, mas intenso de exames e treinamentos até
saberem o que de fato acontecerá com eles. Ninguém que se alista na Terra sabe.
A FCD nunca revelou como transformam velhos em soldados que a defendem. E eles
deixam o lar para sempre. Não podem voltar ou ter qualquer forma de contato.
Os novos soldados têm
suas consciências transferidas para um novo corpo. Não uma réplica do antigo,
mas um muito melhorado, jovem e com capacidades de força, velocidade e
resistência inimagináveis para um ser humano normal. Se tornam supersoldados,
com mecanismos internos de recuperação e regeneração em caso de acidentes ou
ferimentos graves.
Perry, em particular,
fica chocado com a situação, mas não há volta. Pois agora entendeu quando lhe
disseram que ele renasceria, literalmente, para uma nova vida. E é uma vida de
batalhas com várias espécies alienígenas, com diferentes graus de avanço
tecnológico e de agressividade.
Scalzi no coloca diante
de um futuro ao mesmo tempo promissor e sombrio. Promissor do ponto de vista do
que a medicina poderá ser capaz de realizar. Se não alcançando a imortalidade,
estendendo e aperfeiçoando a vida das pessoas a um nível fantástico. E sombrio,
porque, mostra que o universo é um lugar muito hostil e potencialmente
perigoso. E que, no limite, pode levar à extinção da raça humana. Isso porque
as disputas bélicas são fratricidas e praticadas rotineiramente com diferentes
espécies. John Perry se torna um soldado particularmente capaz e corajoso e, em
seguidas missões, é promovido até se tornar capitão. Mas sem evitar que sofra
muito, ao perder a maioria dos amigos desta nova vida.
Este romance vibrante de
FC se inspira claramente no controvertido clássico de Robert A. Heinlein, Tropas Estelares (Starship Troopers; 1959), no qual também o militarismo era não
apenas o primeiro plano da história, mas a própria razão da vida dos soldados,
numa guerra interminável com uma espécie inteligente extremamente agressiva.
Mas se não há em Scalzi o glamour da carreira militar e o pendor ideológico
reacionário de Heinlein, é de se questionar por que, afinal, o modus operandi
de todas as espécies alienígenas seja o mesmo, de violência como meio não só de
conquista, mas de vida, como uma cultura própria. E nisso os seres humanos
também estão incluídos.
Não há, de fato, base
racional, para acreditar que uma civilização extraterrestre seja pacífica, mas
por que todas seriam seu oposto? O que incomoda um pouco é que não é explorado
qualquer tentativa de meio-termo. No sentido de negociações diplomáticas ou
acordos comerciais que poderia estabelecer, se não um ambiente plenamente
seguro de paz, ao menos uma convivência mais amistosa e que pudesse convergir
para o desenvolvimento de interesses comuns que dissuadissem agressões
militares tão fáceis de acontecer. Ao que parece a Terra foi empurrada para um
contexto violento de conquista que já existia quando ela chegou ao espaço
profundo. E, então, para se defender teve de adotar as mesmas estratégias. Mas
isso não fica suficientemente claro na história.
Guerra
do Velho renovou o subgênero da guerra futura, quando quase
ninguém pensava isso ser possível, inaugurando o que se chamou de nova space
opera. Além de Heinlein é possível perceber também a influência de Joe Haldeman
com seu clássico Guerra Sem Fim (The Forever War; 1976), talvez o melhor
romance de FC já escrito neste segmento temático, e que, ao contrário de Tropas Estelares, é um libelo
anti-guerra, tomando o longo conflito dos EUA com o Vietnã como inspiração. É
que John Perry lembra Wiliam Mandella, de Guerra
Sem Fim. Também um sujeito meio desesperançado com as perspectivas de sua
vida e que se alista e ganha uma nova oportunidade, renovando seu interesse,
embora não glorificando a atividade militar em si. Adere a ele de forma
pragmática, porque é o que melhor estava à disposição. Ainda mais no caso de
Perry.
Outro aspecto
particularmente estranho em Guerra do
Velho é que todos os personagens são norte-americanos. Não faria mais
sentido que as milhares de naves de combate da Terra pelo espaço sideral fossem
tripuladas por soldados de todas as partes da planeta? Em algumas passagens é
citada a Guerra Subcontinental, ocorrida em nosso mundo, mas não se avança
muito no que poderia ser uma explicação para a provável manutenção da divisão
política interna com países. Mas, no contexto geral, este aspecto não chega a
incomodar numa aventura passada quase que inteiramente dentro de espaçonaves,
muito bem descritas pelo autor, assim como, em especial, os conhecimentos
médicos que permitiram a construção de novos seres, no qual eles mesmos são
levados a questionar o quanto ainda são humanos. Ainda mais entre aqueles de
uma unidade de elite, as Forças Especiais – apelidados de A Brigada Fantasma –,
criados já adultos a partir de DNAs de soldados mortos. Inclusive, porque Perry
descobrirá – ao ser salvo entre a vida e a morte após uma batalha – que uma
soldado, Jane Sagan, foi criada com esta tecnologia a partir da sequência
genética de sua finada esposa Kathy. De forma emocionante, Scalzi explora aqui
como o sentimento do amor é forte e pode ir além do que nos acostumamos a
pensar ou principalmente sentir.
John Scalzi tem uma
escrita limpa, diálogos ágeis, personagens carismáticos e bom humor. Sim, me
peguei gargalhando com algumas situações vividas pelos personagens. Ele sabe
tirar o peso de um cenário violento e com mortes sempre à mostra, tornando a
história não propriamente leve, mas fluente e interessante. Pois estas
qualidades de sua prosa, somadas às muitas inovações temáticas, tornaram Guerra do Velho um sucesso, premiado com
o John W. Campbell Memorial Award 2005 e finalista do Hugo de 2006. E, neste que
foi seu primeiro romance publicado, abriu as portas para a construção de um
amplo universo de histórias, principalmente com os romances As Brigadas Fantasma (The Ghost Brigades; 2006), A Última Colônia (The Last Colony; 2007) – ambos publicados pela Aleph –, Zoe´s
Tale (2008), The Human Division
(2013) e o mais recente The End of All
Things (2015).
Fica difícil não querer
ler suas demais histórias neste universo fascinante e perigoso, mas acho
improvável se deparar com o mesmo impacto deste romance inicial, primoroso, que
renovou o subgênero de guerra futura e se constitui como um dos melhores e mais
influentes livros de FC do século XXI até aqui.
—Marcello Simão Branco