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segunda-feira, 2 de setembro de 2024

Demónio

 



Demónio (Demon), John Varley. Volumes 1 e 2. Tradução: Sophie Penberthy Vinga. Capas: autorias não identificadas. 200 e 245 páginas, respectivamente. Publicações Europa-América, coleção Ficção Científica nos. 118 e 119, 1986. Lançamento original em 1984.

 

Neste romance que conclui a Trilogia de Gaia, formada além de Demónio, por Titã (1979) ler resenha aqui -, e Feiticeira (1980) - resenha aqui -, os eventos são retomados 20 anos depois de a feiticeira Cirocco Jones – que originalmente havia sido a capitã da nave terrestre Ringmaster –, haver se insurgido contra uma das versões da deusa governante do mundo artificial, Gaia, para tentar recuperar a viabilidade de um mundo com risco de destruição.

Mas a divindade ressurge e agora de forma totalmente over: uma Marilyn Monroe de 15 metros de altura – imagine isso! –, procurando dominar pela sedução e um poder sobre-humano. Pois nessa nova encarnação, Gaia se esquivou de qualquer limite ou bom-senso, voltada totalmente para sua megalomania em que procura transformar seu próprio mundo num estúdio de cinema. Ela vê e revê compulsivamente filmes e mais filmes norte-americanos, num festival de cinema ininterrupto e itinerante no interior de uma fortaleza chamada Pandemonium, onde também existe um exército poderoso a seu dispor.

Com isso, reencontramos Cirocco, a heroína que pensava ter dado cabo das loucuras e crueldades de Gaia, mas que é chamada novamente à ação para liderar uma nova e mais dramática resistência aos caprichos e arbítrios da governante da roda artificial que orbita Saturno. Cirocco é acompanhada nesta nova missão por alguns dos seus mais fiéis companheiros, como os formidáveis titânides, seres centauróides criados por Gaia e postos sob a responsabilidade de sua reprodução a cargo de Cirocco. O que se tornou um encargo pesado demais para ela, numa espécie de maldição lançada por Gaia por ela a ter desafiado. Além dos titãnides, velhos parceiros, como Chris e Robin, além de novos com destaque, como Nova, filha de Robin e Conal, que se torna uma espécie de guarda particular de Cirocco. Mas para além da resistência em si, está em jogo a sobrevivência dos titânidades como espécie e a chance de libertação de Cirocco: descobre-se que o pequeno Adam, o caçula de Robin tem o poder necessário para garantir a sobrevivência dos titânidades. Mas não só: eis que ressurge também a antiga tripulante e amante de Cirocco, Gaby Plauget, com misteriosas aparições aparentemente sobrenaturais para pessoas determinadas, principalmente, é claro, Cirocco, onde ela passa informações valiosas sobre os passos de Gaia e como derrotá-la. Como se verá, o próprio destino da trilogia estará conectado não só ao embate entre Cirocco e Gaia, mas também ao que representará Gaby neste contexto.

Em sua loucura, ou verdadeira intenção de poder desmedido, a deusa governante de Titã fomenta uma guerra nuclear na Terra. Assim de amiga da humanidade torna-se a sua maior inimiga. Os humanos sobreviventes, desesperados, emigram para o mundo dela, tornando-se explorados de todas as maneiras. Passam a sobreviver na maior metrópole de Titã, Bellinzona, onde reina o caos e a violência. Dividida em guetos, e sem lei definida, toda a sorte de injustiças e iniquidades são cometidas, num autêntico embrutecimento da condição humana. A ponto de bebês serem comercializados e carne humana ser vendida no mercado central da cidade.

Pois este lugar se tornará estratégico para a causa da resistência, quando é literalmente invadido e resgatado do caos estimulado por Gaia. Cirocco, com uma força expedicionária de dezenas de titãnides assume o poder, e restaura a lei, a ordem e um mínimo de decência e humanidade. Por trás dessa ação está a intenção de formar um poderoso Exército de centenas de milhares de homens para marchar em direção ao Pandemônio e derrotar definitivamente Gaia e libertar o pequeno Adam, raptado pela divindade.

Alguns aspectos, em particular, chamam a atenção neste livro: primeiro a ausência da nomeação do mundo como Titã. Neste terceiro livro se menciona Gaia, como a deusa e como o próprio mundo, como este fosse uma extensão da divindade. Me pareceu confuso, mas certamente Gaia aprovaria. Em segundo lugar, Varley desenvolve alguns temas candentes como paralelos ao contexto principal, mas os larga meio que pelo caminho, como se fossem pontas soltas. Exemplos temos em relacionamentos promissores, mas sem continuidades, e principalmente o pós-holocausto nuclear terrestre que tornaria a história ainda mais dramática se fosse mais integrado à trama geral. Teria pensado o autor em desenvolvê-los posteriormente, como novos episódios, transformando a trilogia numa série? Só ele mesmo poderia responder, mas o fato é que ficaram pelo caminho no prosseguimento de sua obra. E me incomodou a vinculação cultural de Gaia à cultura cinematográfica norte-americana, como se representasse toda a Terra. Todas as citações e referências são de estúdios, filmes e artistas do seu próprio país, num chauvinismo que destoa do contexto que se mostrou tão arrojado em outras áreas, como a da liberdade de comportamento, sexual, principalmente, como poucas vezes visto na FC.




Como nota o leitor, Demónio – com acento circunflexo, pois foi assim que foi grafado na edição lusitana –, é uma história extremamente movimentada, a que oferece mais sequências de ação e conflitos em toda a trilogia. Mas, de certa forma, este plano maior do enredo se mostra muito previsível – ao contrário, principalmente de Feiticeira, talvez o mais surpreendente deles –, como se quase suas 400 e poucas páginas se justificassem para o inevitável embate final entre Cirocco e Gaia. Nesse sentido, os dramas pessoais, mais particulares, vistos nos dois primeiros livros, não recebem o mesmo tratamento dramático, tornando a conclusão da saga menos intimista, ainda que reserve um belo sentimento de libertação.

Em seu devido contexto, contudo, A Trilogia de Gaia se constitui numa das iniciativas de construção de mundo mais interessantes e complexas da ficção científica, que talvez não receba mais reconhecimento por não haver obtido a mesma continuidade de publicação e popularidade de obras semelhantes como, por exemplo, a portentosa série Duna (1965-1985), de Frank Herbert (1920-1986), levada ao cinema e depois à TV e que foi trabalhada pelo autor por 20 anos, enquanto Varley abordou o seu universo ficcional por apenas cinco. Em todo caso, é possível encontrar na internet sites e blogs de fãs apaixonados pela trilogia, a ponto de reproduzir mapas de Titã – o que senti falta num mundo descrito com tantas minúcias – e da própria estrutura da roda giratória. Sensacional.

Os três livros foram publicados em Portugal, na saudosa coleção FC Europa-América, mais ou menos nos mesmos anos dos lançamentos originais, e merecem ser lançados de forma inédita aqui no Brasil. Como nos últimos anos têm ocorrido uma certa recuperação do tempo perdido, com o lançamento de obras inéditas dos anos 1970 e 1980, se algum editor mais engajado estiver a ler esta resenha, considere seriamente a possibilidade de trazer ao nosso país estes três livros fascinantes.

Pois John Varley, seu criador, é um dos mais inteligentes e provocativos autores surgidos no cenário da FC nas últimas décadas do século passado, com um hábil equilíbrio entre a aventura e momentos de sense of wonder, rigor científico e ricas especulações sobre o destino da humanidade, a partir de uma visão mais aberta e contestadora dos valores tradicionais, em especial do mundo ocidental.

Marcello Simão Branco


quinta-feira, 1 de agosto de 2024

Feiticeira

 



Feiticeira (Wizard), John Varley. Volumes 1 e 2. Tradução: Maria Nóvoa. Capas: Tim White. 162 e 164 páginas, respectivamente. Publicações Europa-América, coleção Ficção Científica nos. 87 e 89, 1984 (vol.1) e 1985 (vol. 2). Lançamento original em 1980.

 

Este é o segundo romance da Trilogia de Gaia, iniciada com Titã (1979) - ver resenha aqui - livro que causou um grande impacto na FC norte-americana do final da década de 1970, pela verossimilhança da narrativa, rigor nos conceitos científicos, muita criatividade na construção de um mundo, e uma postura de comportamento dos personagens bastante ousada para os padrões do gênero até então – e mesmo hoje.

Pois Feiticeira além de não ficar atrás em tudo isso, explora com mais detalhes estes aspectos, em especial os relacionamentos entre os personagens e as consequências entre os poderes da deusa e seus súditos. A história ocorre em 2100, exatos 75 anos após a chegada dos humanos à estrutura de Titã, um mundo artificial criado e controlado por uma entidade viva, a Gaia, na órbita de Saturno. A protagonista da primeira história, a ex-capitã da nave Ringmaster Cirocco Jones foi nomeada por Gaia como a feiticeira, isto é, uma espécie de zeladora do mundo, com poderes especiais e responsável em torná-lo viável e harmonioso do ponto de vista do relacionamento com os chamados cérebros regionais, entidades criadas por Gaia responsáveis por cada região.

Encontramos Cirocco ainda jovem, como parte dos poderes concedidos por Gaia, para que ela exerça a função por muito tempo, mas submersa, por assim dizer, em crises existenciais, que dificultam o exercício de seus deveres. Também presente está Gaby Plauget, antiga astrônoma da Ringmaster e amante de Cirocco que, embora meio afastada dela, ainda exerce funções auxiliares importantes, ainda mais por causa da debilidade psicológica de Cirocco.

Titã – por meio de Gaia – estabelece relações diplomáticas com a Terra, inclusive com embaixada na Suíça e membro das Nações Unidas, e recebe milhares de humanos todos os anos, de forma temporária ou permanente. Nesse contexto, chega a Titã Chris e Robin, dois jovens com problemas neurológicos. Chris tem crises de ausência e amnésia temporária e Robin epilepsia. Ambos esperam ser curados de seus problemas através da intervenção de Gaia, que oferta essa possibilidade aos que a procuram. De certa forma, é uma contrapartida da entidade para que os humanos a respeitem e não se voltem, eventualmente, contra ela e seu mundo. Mas para que os enfermos possam ser curados têm de provar seu “heroísmo”, através de atos ou realizações que recebam a aprovação da deusa. Para esta, no fundo, tudo se trata de jogos: na criação de espécies e na aferição de provas e missões aos humanos, de forma a vencer seu tédio de uma existência de milhares de anos e manter o interesse e temor por parte dos nativos e humanos.

Chris e Robin conhecem Gaby, que lhes apresenta Cirocco. As duas ex-astronautas devem partir numa missão de contato com os cérebros regionais e convidam os dois jovens a partirem com eles, mesmo sem saber exatamente como ou em quais circunstâncias possam provar algum valor a Gaia. Aos humanos se juntam alguns titânides, a adorável espécie nativa mostrada no primeiro volume, seres semelhantes a centauros, de feição feminina, mas hermafroditas, já que exercem papeis sexuais tanto masculinos como femininos. Em Titã, eles viviam uma guerra fratricida com os anjos, seres alados que moravam na parte mais alta da estrutura toroidal. Cirocco intervém como mediadora junto a Gaia e como efeito do processo de pacificação, a humana torna-se responsável pela sobrevivência reprodutiva dos titânides. Somente sua saliva pode ativar os óvulos que eles produzem para que sejam implantados em uma mãe hospedeira para crescer. Mas é responsabilidade em demasia para Cirocco e este é o motivo pelo qual recorre com frequência ao alcoolismo.

A maior parte da história se passa nessa peregrinação pelo mundo, eivada de muitos perigos, mortais para alguns personagens. Isso porque, para além dos riscos inerentes à própria travessia de um mundo inóspito e traiçoeiro, ocorre uma reação não declarada da deusa, por intuir um possível plano de Cirocco e Gaby para destroná-la, insatisfeitas que estão com as vaidades e caprichos – por vezes cruéis – da criadora com relação às suas criaturas, vistas como mero joguetes com motivações fúteis. Com isso, o romance ganha em suspense e dramaticidade e o destino de todos é posto em risco praticamente a cada página virada. Isso torna Feiticeira um romance mais vibrante que Titã, no qual a apresentação do mundo em si se constituía como um um dos objetivos principais.




Merece destaque também o relacionamento de Chris com a titânide Valiha. Ela se apaixona pelo humano e o seduz sexualmente, principalmente quando ele não responde por si. Primeiramente chocado, aos poucos, ele vai cedendo aos seus preconceitos e se entrega ao sexo e amor pela titânide. Aqui está outro aspecto particularmente interessante nesta trilogia: a liberdade sexual dos personagens, e de como todas as formas de amor são igualmente válidas, desde que verdadeiras para os que a vivem.

Feiticeira não segue o padrão das histórias do meio de uma série de três livros: a de recheio de algo que apenas prepara o clímax da história final. Pois, como já deve ter se tornado claro, explora com mais desenvoltura as potencialidades do mundo de Titã e desenvolve ainda mais os personagens apresentados na primeira aventura. No fundo, esta trilogia e Feiticeira em especial, discute questões valiosas como o valor e o ônus do livre arbítrio, além da insubmissão a regras e normas que reprimem a expressão mais livre das pessoas. Sejam elas humanas ou alienígenas.

Nesse sentido, chama a atenção a reflexão de Varley sobre as possíveis consequências da existência e convívio mais próximo entre um deus (no caso Gaia, uma deusa) e suas criaturas. De como seria muito complicado este relacionamento, pois os humanos em especial, teriam como julgar os atos divinos, se bons ou maus; se justos ou injustos etc. Ao passo que na possibilidade de existência de um Deus abstrato, não visível e atingível (como o das religiões terrestres, judaico-cristão em especial) seria mais tolerável conviver com o imponderável, já que estaria no plano da indiferença do universo.

Mas mesmo com a eventual existência do Deus de inspiração religiosa da Terra, Gaia não seria parte de seu panteão. Até porque, mesmo poderosa como era, tinha uma existência física no plano natural e, como visto em Titã, ela seria parte de uma espécie alienígena presente em outras partes da galáxia, inclusive numa das luas de Urano. Ou seja, seria uma divindade na capacidade de criar vida, sobretudo, mas, ainda assim, presente no plano natural e, em tese, mortal ou finita. Contudo, talvez seja contraditório que mesmo postulando uma concepção não teísta – de uma divindade sobrenatural – Varley admite a necessidade de que exista um ser que governe Titã. Ora, por que não deixar que a estrutura orbital cheia de atmosfera e vida tome seu próprio rumo?

Por esta e outras questões Feiticeira recebeu uma boa acolhida dos leitores e críticos dos EUA, tornando-se um dos finalistas do Prêmio Hugo de 1981 – assim como já havia acontecido com Titã, um ano antes. O melhor é que seja lido depois do primeiro, mas por sua riqueza narrativa e instigantes questões culturais e existenciais que aborda – e deixa em aberto para Demônio (Demon; 1984), o livro que irá concluir a trilogia –, vale por si. Grande livro.

Marcello Simão Branco


segunda-feira, 1 de julho de 2024

Titã




 Titã (Titan), John Varley. Volumes 1 e 2. Tradução: Maria Nóvoa. Capa do volume 1: Ron Walotsky. Capa do volume 2: Tim White. 164 e 159 páginas, respectivamente. Publicações Europa-América, coleção Ficção Científica nos. 92 e 95, 1985. Lançamento original em 1979.

 

John Varley surgiu como um dos talentos mais promissores da FC norte-americana em meados dos anos 1970. Estreou em 1974 com o conto “Picnic on Nearside”, em The Magazine of Fantasy and Science Fiction e obteve grande prestigio com seu romance de estreia, Ofiúco, o Aviso (The Ophiucchi Hotline; 1977) – publicado pela coleção FC Europa-América, número 15. Com eles sobressaiu qualidades, como a habilidade na renovação de conceitos tradicionais do gênero (como as viagens interestelares e a colonização humana do espaço), sem parecer repetitivo e bem informado sobre o estado da arte do conhecimento científico em áreas diversas, como a clonagem e a inteligência artificial, além de apresentar personagens com valores e comportamentos não convencionais. Tudo isso transparece em Titã, romance de ficção científica hard, mas que usa o modelo para extrapolá-lo num sentido ousado e transformador.

Quando a DSV Ringmaster, uma nave tripulada chega nos arredores de Saturno para uma missão científica de exploração de algumas de suas luas, descobre um satélite novo, mas que, na verdade, não é natural. Os tripulantes, comandados por Cirocco “Rocky” Jones constatam que é semelhante a uma roda, com cabos em direção a um centro. Assim, não se trata da lua Titã, mas de um corpo novo que é nomeado provisoriamente de Themis, justamente um dos titãs da mitologia grega, que também nomeia várias outras luas de Saturno.

Ao se aproximar da estrutura, a nave terrestre é subitamente atraída e destruída, e os astronautas são como que tragados para o subsolo do satélite. Isso porque Themis, posteriormente renomeado de Gaia – a edição lusitana traduziu como “Geia”, mas adoto aqui o nome mais conhecido do conceito –, apesar de ter uma estrutura toroidal é inteiramente preenchido por densas florestas, montanhas, rios e vales. A denominação faz sentido, pois o satélite é uma estrutura alienígena concebida para comportar vida, criada a partir de um ser muito poderoso, quase um Deus, embora como ele mesmo reconhecerá, gerado a partir do que chamou de “os construtores”. Uma espécie alienígena ainda mais antiga e poderosa que, segundo ele, desapareceu da galáxia.

A comandante Jones e os demais tripulantes, como a astrônoma Gaby Plauget, as físicas clones April e Agosto, o piloto Eugene Springfield, o médico Calvin Greene e o engenheiro Bill, reaparecem em pontos distantes de Gaia com a sensação de terem sido devorados e regurgitados para a superfície, cada um deles com sentimentos próprios e apavorantes do que passaram. Jones, em particular, é uma das que menos sofreu transformações dessa experiência traumática. Isso porque, os demais saem com suas personalidades muito alteradas, alguns de maneira irrecuperável.

Jones reencontra Gaby e a seguir Calvin, que reaparece a bordo de um ser gigantesco semelhante a um dirigível, chamado de Assobio, porque se comunica através de sons sibilantes com outros seres de Gaia, que ele conduz em troca de alimentos trazidos pelos outros habitantes. Pois Calvin é capaz de se comunicar com Assobio, torna-se parte do modo de vida do ser, e decide abandonar a missão, para contrariedade de Jones.




Em sua jornada por respostas, Jones, Gaby e Bill – que perdeu parte de sua memória –, encontram uma espécie parecida com centauros, chamada de titânides, no qual todos têm a forma feminina, embora alguns com órgão sexual masculino. Eles conseguem entender os humanos, mas se comunicam por meio de cantos. Jones e os demais, têm de se esforçar para cantar para se comunicar com eles. Mas após certa estranheza e dificuldade inicial, se adaptam. Assim, ficam sabendo que os seres vivem em guerra com outros alados chamados de anjos. Que surgem do alto e os atacam de forma inesperada, razão pela qual estão sempre alertas.

Muito impactada após um ataque devastador dos anjos à vila dos titânides, Jones promete ao seu líder arbitrar um possível acordo de paz. Mas na verdade, o que a comandante busca é a fonte de poder deste mundo, já que os titânides lhe revelaram que existe a entidade central citada acima, que lhes deu a vida e conduz este mundo, chamado por eles, justamente, de Gaia. Assim, Jones, Gaby e Gene abandonam a vila e partem em busca de respostas e possível ajuda para voltar à Terra.  Contudo, nessa jornada de cerca de 600 quilômetros de altura, escalando árvores e montanhas, em meios a súbitas mudanças de temperatura – do calor ao frio extremo – novos desafios e transformações estarão adiante das duas – Gene se perde no meio do caminho, após atacar sexualmente a ambas, numa fúria em parte provocada pelas transformações pelo qual passou quando tragado sob a superfície –, até o eventual contato com a entidade que criou as formas de vida nesta estrutura orbital.

Como se vê, Varley constrói um mundo extremamente imaginativo e cheio de energia. A cada capítulo, o leitor tem diante de si, uma aventura intensa e repleta de surpresas. Tanto no nível macro, do enredo, como do comportamento dos próprios personagens, em parte também sob o impacto deste mundo incrível. Neste sentido, chama a atenção a liberalidade sexual dos personagens, com Cirocco Jones e Gaby se tornando amantes, além da comandante também se envolver com Bill, e as irmãs Agosto e Abril viverem uma relação incestuosa, aqui já antes da chegada às cercanias de Saturno. Num certo momento da narrativa, também há o consumo de cocaína, tudo isso muito provocativo no cenário conservador da FC norte-americana, mesmo com Varley surgindo no contexto pós-new wave e dos contestadores anos 1960. Outro aspecto interessante que foge do padrão é o protagonismo feminino, com a história sendo conduzida de fato por mulheres, além do próprio mundo ter, de uma certa forma, uma dimensão feminina, como na exposição de duas de suas espécies, os titânides e os anjos, além da própria entidade que governa o mundo toroidal.

E os leitores e os críticos norte-americanos gostaram, pois Titã venceu o Prêmio Locus de 1980 e foi finalista dos dois principais prêmios da FC norte-americana, o Nebula em 1979 e o Hugo em 1980. É de fato seu livro mais popular e, conforme o final já sugeria com o destino surpreendente da comandante Cirocco Jones, deu ensejo a mais duas sequências: Feiticeira (Wizard; 1980) – coleção FC Europa-América, números 87 e 89 – e Demônio (Demon; 1984) – coleção FC Europa-América 118 e 119 – constituindo a chamada Trilogia de Gaia.

Para quem gosta de uma FC com uma estrutura hard competente, personagens vivos e atuantes, e um sentido de aventura apurado, Titã é uma das melhores pedidas, e ainda permeado por momentos de sense of wonder na melhor tradição do gênero. Grande livro.

Marcello Simão Branco

 

sábado, 4 de abril de 2020

Uma Força Medonha


Uma Força Medonha (That Hideous Strength), C.S. Lewis. Tradução de Waldéa Barcellos, 556 páginas. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012. Lançado originalmente em 1945.

Este é o livro de encerramento da Trilogia Cósmica, ou de Ransom, o mais longo dos três livros e, talvez, o mais controverso. Iniciada com Além do Planeta Silencioso (Out of the Silent Planet, 1938) – resenha aqui –, e continuada com Perelandra (Perelandra, 1943) – resenha aqui.
Uma Força Medonha recebeu o subtítulo “Um conto de fadas para adultos”, pois a possível intenção do autor era apresentar ao leitor adulto o romance mais sobrenatural (ou fantástico) da trilogia, embora fenômenos deste tipo também tenham sido vistos nos dois livros anteriores, além de abordar de uma forma mais explícita o conflito entre o bem e o mal.
Aqui, o linguista Ransom não atua como protagonista. Ganha a cena agora um jovem casal, Mark e Jane Sutddock, recém-casados e à procura de afirmação, profissional e sentimental. Mark é professor de Sociologia numa pequena universidade no interior da Inglaterra, e Jane anseia retomar seu doutorado, insatisfeita com a condição de dona de casa.
O enredo se desenvolve por meio das trajetórias paralelas dos dois, afastados um do outro pelo curso dos acontecimentos estranhos que ocorrem na cidade de Edgestown, mas, sobretudo, pela distância que existe entre os dois. Tanto que passarão quase o livro inteiro separados, e pouco incomodados com isso.
Mark, inseguro e carente por reconhecimento, adentra numa nova organização que se instala na cidade, o obscuro Instituto Nacional de Experimentos e Coordenações (Inec), uma sigla que, a rigor, não quer dizer nada. Mas a ideia é esta: não revelar suas reais intenções até poder se apossar de uma “força medonha”, daí o título do livro.
O Inec compra um terreno não usado pela universidade, e a partir disso vai assumindo o controle da própria cidade: derrubando árvores e alterando o curso do rio, desapropriando os moradores de suas casas, tudo de forma abrupta e violenta. Mark inicialmente não se importa com nada disso – e nem se sua esposa possa ser ameaçada –, pois quer apenas saber que funções terá nesta organização. Aliás, este personagem é irritante com sua atitude subserviente e omissa com as barbaridades, interessado apenas em si mesmo.
Jane, por sua vez, de repente passa a ter sonhos perturbadores, que alteram sua rotina. Como o de um homem preso e depois morto pela guilhotina, que surge vivo apenas com sua cabeça. Ao abrir o jornal no dia seguinte ela lê a notícia de um preso morto, com a cabeça separada do corpo. Sem saber o que fazer – consultar seu ocupado marido nem pensar – ela acaba encontrando casualmente uma amiga, também esposa de um professor da mesma universidade. Este a aconselha a procurar uma certa mulher que poderia ajudá-la. Mesmo contrariada Jane a procura, e esta lhe diz que não há nada de errado com sua saúde, mas que ela é uma vidente, e deve usar esse dom a favor da causa pela qual ela está por trás, num mosteiro situado nas cercanias de Edgestown.
A história alterna os capítulos, com as realizações e planos dos membros do Inec, e a resistência informal que se forma, com ambas as situações sendo mostradas do ponto de vista de Mark, de um lado, e Jane, de outro. Esse aspecto é interessante pois acompanhamos junto com os dois do que se trata afinal tudo isso, sem sabermos de antemão os objetivos de ambos os lados.
Mas Lewis concentra mais a narrativa no desenvolvimento do Inec, a instituição que altera o status quo e provoca a reação dos membros do mosteiro. Formado por velhos cientistas, nas áreas da Física, Química e Biologia, é um lugar sombrio e que oculta suas reais intenções até de vários de seus membros, embora todos compartilhem uma visão de mundo sectária e totalitária. Não é revelado como, mas o Inec tem conexões poderosas com políticos, banqueiros, jornalistas e militares e, com isso, com abertura para agir em nome de suas próprias leis, como se fosse um novo Estado no interior do Estado britânico. Se apodera dos principais jornais, opera uma força paramilitar – chamada eufemisticamente de polícia institucional –, que reprime, prende e tortura os cidadãos de Edgestown que oferecem alguma resistência a esta nova ordem.
Dentro deste contexto cabe a Mark escrever artigos mentirosos aos jornais de Londres, enaltecendo o Inec e depreciando os cidadãos que se opõem, rotulando-os de vândalos e bandidos. No interior do Inec são realizadas experiências “científicas” com animais e condenados pela Justiça, lá encaminhados às escondidas. Querem descobrir vacinas e criar vitaminas para tornar o ser humano mais saudável e inteligente. Neste projeto pobres, doentes e idosos deverão ser exterminados, um estorvo na direção de uma espécie mais “evoluída”. Aqui Lewis, de forma contundente, critica as ideologias racistas e eugenistas de um certo darwinismo social vigente em parte da intelectualidade ocidental entre o fim do século 19 até o tempo em que ele escreveu o livro. Ora, em graus variados viraram políticas públicas em vários Estados nacionais – inclusive no Brasil durante o século XIX –, mas se tornaram o terror desenfreado mostrado no livro especialmente em regimes totalitários, como o nazismo alemão.
Embora Mark faça vista grossa à forma violenta como o Inec funciona, começa a ficar contrariado, primeiro por se prestar ao papel indigno de escrever mentiras, depois ao saber o grau de barbaridades que estão sendo cometidas. Principalmente quando lhe é permitido conversar com o Cabeça. Sim, a cabeça guilhotinada do sonho de Jane está viva, através de conexões com um computador. E é neste aspecto que o romance pode ser mais diretamente relacionado com a ficção científica, além do contato com os chamados macróbios, seres não claramente identificados como alienígenas ou sobrenaturais que, supostamente, orientariam os membros do Inec, para que a humanidade chegasse à condição de uma “realidade superior”. Mas não fica claro se realmente estes seres existem, ou não passa da imaginação delirante de cientistas loucos.
Já em torno do mosteiro se reúnem pessoas com diferentes habilidades, sendo que a de Jane é central pois ela pode vir a antecipar futuros movimentos do Inec. O que as une é a fé cristã, a resistência a uma ‘força medonha’ que quer se apossar definitivamente da Terra (Thulcandra), já corrompida pelo mal e pecado. Nesta missão, quem os aproxima é Ransom, nesta história uma figura quase não humana, um espírito evoluído, mas ainda encarnado, que terá sua última tarefa para tentar salvar a humanidade.
Ora, neste terceiro livro torna-se mais claro o confronto ensaiado nas aventuras vividas em Marte (Malacandra) e Vênus (Perelandra). Mas o que incomoda é esta vinculação da ciência com uma visão niilista e desumana, configurados num regime de terror. Se Lewis critica corretamente a doutrina racista e eugenista de parte da mentalidade da época, exagera ao mostrar uma organização poderosa formada por cientistas com carta branca para realizar todas estas atrocidades, como se o próprio desenvolvimento científico estivesse relacionado com uma visão de mundo deste tipo. Não há o devido contraponto de cientistas e intelectuais que se oponham ao Inec. Onde estão os acadêmicos das universidades de Oxford e Cambridge, as duas maiores do Reino Unido e das mais prestigiadas do mundo?
Dá a impressão que estamos diante de uma polarização entre uma ciência utilitarista e anti-civilizatória, contra os religiosos – e só cristãos –, e estes que tem por missão salvar o mundo, e os valores do amor, solidariedade e moralidade. Ora, mas o que o mundo mostra, primeiro no Renascimento e sobretudo com o Iluminismo é que os valores da individualidade e da razão se opuseram aos valores da submissão e do sobrenatural, configurados pela associação do cristianismo com o poder político. Lewis veria como corrompido o mundo pós-iluminista por separar a esfera de ação humana do julgo religioso? Veria a economia de mercado e o conhecimento científico como males da modernidade? Não fica claro se ele radicaliza a este ponto, e creio que não, mas da maneira como apresenta fica uma sensação incômoda de anti-modernidade, de defesa de um certo romantismo a um mundo regressivo que não existe mais.
No plano narrativo ocorrerá o óbvio confronto, mas surpreende que a figura responsável pelo desfecho será o mitológico mago Merlin. Sim, ele mesmo, revivido não se explica como depois de séculos enterrado no terreno da faculdade, por isso comprado pelo Inec. Os dois lados lutam para reviver Merlin primeiro, para trazê-lo para o seu lado e ter mais chances de vitória. Outra surpresa é a quase ausência dos seres espirituais dos romances anteriores, os eldila, que atuam de forma muito tênue, através da liderança de Ransom.
Uma Força Medonha é o mais denso e ideológico dos três livros, e aquele que mais depende dos outros para ser melhor compreendido. Já havia sido publicado em Portugal em 1991 pela coleção FC Europa-América, nos. 185 e 186, como Aquela Força Medonha, e só apareceu uma tradução no Brasil com esta edição da Martins Fontes, cerca de vinte anos depois – mais recentemente foi publicada uma nova edição pela Editora Thomas Nelson Brasil, como Aquela Fortaleza Medonha, em 2019.
Apesar de tomar partido de uma visão anti-moderna, embora não necessariamente medievalista, o romance é forte e se mantém, principalmente, por sua estrutura narrativa bem organizada, a presença de personagens densos e complexos, que acabam por justificar a leitura e a conclusão da trilogia.

Marcello Simão Branco

quarta-feira, 20 de abril de 2016

Trilogia da Fundação

Fundação (238 páginas), Fundação e Império (244 páginas) e Segunda Fundação (235 páginas), de Isaac Asimov. Tradução de Fábio Fernandes e Marcelo Barbão, capa e ilustrações de Delfin. Editora Aleph, São Paulo, 2009.

Como parte de sua proposta de relançar clássicos da ficção científica, a editora Aleph começou bem com Isaac Asimov em 2009, ao tornar disponível novamente nas livrarias os três volumes da Trilogia da Fundação. É a obra mais volumosa de Isaac Asimov (1920-1992) e uma das mais populares da história da ficção científica.
Isaac Asimov (1920-1992) é um dos principais autores da chamada Golden Age da ficção científica norte-americana, vivida basicamente nas páginas das pulp magazines, de meados dos anos 30 até o final dos anos 40. Uma plêiade de autores hoje considerados clássicos no modelo ainda hoje mais conhecido do gênero – com aventuras espaciais e abordagem hard (das ciências naturais) –, surgiu neste período como, por exemplo, Robert A. Heinlein (1907-1988) e A.E. van Vogt (1912-2000).



O romance em três volumes chamado Trilogia da Fundação é, na verdade, composto de cinco noveletas e quatro novelas publicadas entre 1942 e 1949 na mais influente revista da época, a Astounding Science Fiction, editada por John W. Campbell, Jr., o maior responsável por esta nova geração de autores. Apenas nos anos 50 é que as histórias foram reunidas em três volumes: Foundation (1951), Foundation and Empire (1952) e Second Foundation (1953). A publicação em formato de livro valorizou a obra e a popularizou ainda mais, para além do círculo dos fiéis apaixonados pelo gênero.
A popularidade da obra é indiscutível, como atesta estes dois exemplos. Em primeiro lugar, recebeu o Prêmio Hugo Especial de 1966, como “a melhor série de todos os tempos”, uma distinção única, criada à parte no mais importante prêmio do gênero. Em segundo aqui no Brasil, no restrito ambiente do fandom, foi escolhido por duas vezes, o “melhor romance de ficção científica de todos os tempos”, em votações dos leitores do fanzine Megalon, em 1991 e 1998. Mais recentemente, em 2013,  a revista norte-americana Locus – The Magazine of the Science Fiction and Fantasy realizou uma ampla pesquisa com seus leitores, que a considerou como o terceiro melhor romance de ficção científica do século XX.
A história é uma grande saga de dimensões épicas que procura mostrar a expansão humana por toda a Via Láctea. Neste universo não existem alienígenas e nos espalhamos por toda a galáxia construindo um gigantesco império formado por milhares de planetas, todos controlados pelo centro político, a capital Trantor. Se você pensou no Império Romano está correto pois a inspiração é assumida pelo próprio autor. Mas ele foi além ao apresentar como este poderoso império – a exemplo do romano – semeia em seu próprio esplendor as contradições internas que o levam à decadência e violenta dissolução, num retorno à “barbárie”.
Hari Seldon, um brilhante cientista, cria a ciência da psico-história como um antídoto para reduzir os efeitos catastróficos da queda do império, prevista por ele para acontecer em alguns séculos. É acusado de conspirador, mas seu plano é aceito e posto em prática. São estabelecidas duas colônias de cientistas nos extremos do império – as fundações – de motivações distintas, para preservar a sabedoria e a cultura, e continuar desenvolvendo a ciência e a tecnologia mesmo em tempos de barbárie. Para Seldon não será possível impedir a queda, pois o processo já estaria adiantado, mas permitir o ressurgimento em apenas mil anos de um novo e revigorado império galáctico.
A psico-história é uma ciência que lida com os fenômenos sociais de um ponto de vista coletivo, adotando, princípios filosóficos de indução e as ferramentas da estatística. Pode soar pouco crível, mas bebe na fonte das teorias dos jogos, que começaram a ganhar ímpeto nos anos 1940 e tem servido como um suporte metodológico importante para as ciências sociais desde então, em especial para a economia.


As diversas aventuras situadas nos três volumes mostram as turbulências entre o fim do império e o surgimento de vários pequenos estados despóticos, assim como o desenvolvimento das duas fundações, que tem por objetivo restaurar a glória perdida.  Contudo, aparece uma situação não planejada pelas equações da psico-história, um poderoso mutante com poderes mentais chamado O Mulo, que ambiciona assumir o controle da galáxia.
 Se é verdade que estamos diante de uma clássica história ao estilo space opera – colonização espacial, futuro de consenso, grandes períodos de tempo, ritmo de aventura e personagens pouco densos, em sua maioria – percebe-se o quão complexa é a trama e as várias nuances que surgem ao longo dos três romances. Chama a atenção que a ênfase do enredo esteja no processo histórico e nas mudanças na sociedade, ou seja, discute-se as relações humanas numa aventura de space opera, que é mais afeita também à exploração de grandes engenhos tecnológicos. Em Fundação eles apenas fazem parte do pano de fundo, aceitos como integrantes da civilização. Deste modo, Asimov descola a ênfase das ciências naturais para as sociais, utilizando, contudo, o uso de uma nova ciência que alia História e Matemática.
Há quem veja também em Fundação os efeitos do contexto político em que a história foi criada, pois estávamos em plena Segunda Guerra Mundial. Talvez Asimov especulasse sobre o destino do modo de vida dominante à época, primeiramente desafiado pelo colapso da balança de poder entre as potências europeias (na Primeira Guerra Mundial) e anos depois por um regime totalitário que a todos queria subjulgar. Assim, talvez as duas fundações pudessem representar as democracias e seus valores civilizatórios em perigo.
Já para a figura de Seldon e seus colaboradores seria possível estabelecer um paralelo com a idéia de Platão, de sábios a conduzir o destino da sociedade, em que a ciência teria as melhores soluções para os conflitos inerentes da natureza humana. Aqui poderíamos compreender as implicações da história de um ponto de vista mais autoritário.
Seja qual interpretação for mais relevante – ou outras, a depender da interpretação de cada um –, o fato é que a Trilogia da Fundação é uma obra significativa, pois vai além do tradicional das histórias de exploração do espaço que, procuravam mostrar muito da visão anglo-americana de como se constituir a melhor forma de sociedade. Em Fundação tais alicerces são construídos para depois serem questionados, a partir de desafios políticos e surpresas do destino.
Durante os anos 1980 esta obra foi publicada pela editora Hemus, de São Paulo, em um único volume. A edição era modesta, mas simpática e, melhor, econômica. O relançamento ocorre em três volumes separados, o que encarece a compra. Ainda mais porque a edição é bem produzida, com uma tradução melhor do que a anterior, ainda que as ilustrações de capa destoem do espírito da obra. Quem tem a edição da Hemus deve preservá-la já que ela é única também com relação ao conteúdo, pois é a tradução da obra original escrita nos anos 1940. Já a da Aleph contempla uma revisão realizada por Asimov em meados dos anos 1980 para padronizá-la em relação ao conjunto de suas obras de ficção científica, já que ele passou a escrever outras aventuras dentro deste universo. Seja por qual edição for, o excitamento pelo entretenimento inteligente ou por debates políticos-filosóficos subjacentes, garante uma leitura rica e ilustrativa da própria evolução do gênero no século XX.

– Marcello Simão Branco