Mostrando postagens com marcador Chris Weitz. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Chris Weitz. Mostrar todas as postagens

domingo, 17 de fevereiro de 2019

Nova era, Chris Weitz

Mundo novo 3: Nova era (The revival), Chris Weitz. 216 páginas. Tradução de Álvaro Hattnher. Editora Companhia das Letras, Selo Seguinte. São Paulo, 2016.

Com este livro, originalmente publicado em 2016 nos EUA, chega ao fim a saga da tribo de adolescentes novaiorquinos que sobreviveu ao apocalipse depois que um vírus altamente agressivo dizimou toda a população adulta na América.
Nos volumes anteriores, Mundo novo (2014) e Nova ordem (2015), vimos como Jefferson, Donna, Petter, Crânio e seus amigos tentam, a todo custo, encontrar uma cura para a praga antes que todos cheguem a idade fatal. Para isso, abandonaram a segurança de sua aldeia protegida por barricadas e algumas armas, e lançaram-se numa jornada de esperança pela Nova York devastada e ocupada por adolescentes violentos, psicopatas, antropófagos, escravagistas e outros tipos igualmente perigosos. A cura foi enfim encontrada, mas ela era apenas o começo do verdadeiro problema que se desenrolava em outras partes do mundo. Na Europa e na Ásia, uma vacina foi produzida e os adultos sobreviveram, bem como toda a parafernália tecnológica a qual estamos acostumados. Mas o desaparecimento dos EUA no cenário mundial causou grandes mudanças no equilíbrio político do mundo e agora todos querem dominar o que sobrou de útil na América, o que significa "arsenal nuclear". A ideia dos governos estrangeiros, especialmente a Inglaterra, é esperar que todos morram na América para então agir com mais liberdade e segurança. Mas a cura de Jefferson os obriga a acelerar seus planos, ainda mais porque há grupos dissidentes que não querem que a nova ordem mundial seja construída sobre uma hegemonia britânica. Um desses grupos, conhecido como Reconstrução, se alia aos garotos na cruzada para salvar o que restou da América. Mas, enfim, as coisas não eram exatamente o que pareciam.
Neste terceiro e último volume, Jefferson e seus companheiros têm de lutar mais um pouco para salvar seus amigos. De volta a Nova York, o plano de Jefferson de unir as gangues em torno da cura fracassou. Traído pela Reconstrução, a "Bola de futebol" e o "Biscoito", os dispositivos de lançamento de mísseis nucleares encontrados no prédio da ONU onde haviam sido abandonados no auge da crise, acabam nas mãos da tribo de Uptown, um grupo belicoso e muito bem armado liderado por um psicopata chamado Evan. Caçado pelos garotos de Uptown, Jefferrson tem de fugir e encontrar algum apoio, e ele vem na pessoa de Donna que, finalmente, retorna à Nova York acompanhada de um comando militar britânico altamente equipado cuja missão é resgatar os dois equipamentos que estão com Evan. A chama do amor entre Jeff e Donna foi severamente afetada pelos eventos do volume anterior. Ainda há uma fagulha, mas nada pode prosperar enquanto o mundo estiver a beira do desastre nuclear total. Contudo, não é uma opção permitir que os dispositivos caiam nas mãos dos britânicos, nem os russos ou dos chineses, que também enviaram tropas para a ilha com o mesmo fim. A esperança repousa na tribo do Harlen, que Jefferson traiu no passado, e o reencontro entre eles pode ser imprevisível.
Weitz, que tem experiência como roteirista e diretor de cinema, desenvolve sua trama através de depoimentos e registros pessoais de personagens-chaves, de modo que, apesar na narrativa ser linear, o leitor obtém uma visão tridimensional do ambiente e das relações entre os diversos núcleos narrativos. O autor tem grande habilidade em modular as vozes dos personagens, mas a produção gráfica ajuda dando a cada um deles uma tipografia diferente, que combina com sua psicologia. E Weitz fez questão de dar personalidade variada a eles, adotando uma linha inclusiva que privilegia minorias e as trata com dignidade. Por exemplo, Petter, que é negro e homossexual, finalmente ganha neste volume seu próprio núcleo narrativo.
Também percebe-se que Weitz se esforçou por atualizar o ambiente, referindo-se a fatos e personalidades mais recentes, como Donald Trump, o Estado Islâmico, por exemplo, que não chegaram a ser citados nos volumes anteriores. Para uma leitura atual, por certo que tais citações acrescentam realismo, mas são elementos datados que podem envelhecer com o passar dos anos.
Apesar de toda a violência, Nova era é um livro para leitores jovens, de leitura fácil e sem grandes complexidades filosóficas, a não ser nas entrelinhas, pois o ambiente permite insights mais sofisticados aqui e ali.
Em toda grande história, vale mais a jornada do que a chegada, e não é diferente com a trilogia de Chris Weitz. Se é preciso um final, então que seja. Por mim, eu estaria muito disposto a seguir acompanhando as desventuras de Jeff e os sobreviventes de sua tribo nesse mundo desfigurado pela peste. Quem sabe, talvez não tenha sido mesmo o The end definitivo.
Cesar Silva

quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

Mundo novo 2: Nova ordem, Chris Weitz

Mundo novo 2: Nova ordem (The new order), Chris Weitz. 266 páginas, tradução de Álvaro Hattnher. Editora Companhia das Letras, selo Seguinte. 2015.

O odisseia dos adolescentes em um mundo devastado por uma praga continua neste que é o segundo volume da saga iniciada em Mundo novo, publicado em 2014 pela mesma editora Companhia das Letras em seu selo Seguinte, cuja resenha pode ser lida aqui.
Jefferson é um nipoamericano novaiorquino que, depois de testemunhar seu mundo desmoronar e seu irmão mais velho sucumbir à doença, se vê na obrigação de assumir a liderança de seu pequeno mas determinado grupo de sobreviventes. Acompanhado de alguns garotos e garotas bons de briga, além do estranho e cerebral Crânio, partem para a missão de identificar o vírus mortal e encontrar uma cura, sem a qual estão todos condenados. Mas, para isso, têm de atravessar uma Nova York anarquizada, dividida em feudos em guerra, além de monstros antropófagos de quatro e de duas pernas. O primeiro volume se encerra quando, depois de enfrentar o bando de psicopatas liderado pelo último adulto vivo – que foi justamente o criador do vírus – a cura é obtida a partir do sangue de Jeff. Quando uma solução redentora parece próxima, os garotos são surpreendidos por um helicóptero da marinha, repleto de soldados que os capturam e levam para o alto mar. É justamente aqui que se inicia Nova ordem.
Jefferson, Crânio, Donna – que depois de muitos desencontros tinha iniciado um ardente idílio com Jefferson – e os demais sobreviventes já imunizados contra a doença, são aprisionados num porta-aviões fundeado ao largo da costa da cidade. A nave é americana, mas parece estar sendo controlada por oficiais britânicos. Ali, os meninos são submetidos a longos e intermináveis interrogatórios, e logo percebem que o mundo não sofreu com o vírus tanto quanto os Estados Unidos. Ainda há muitos adultos na Europa e em outros continentes, também imunizados contra o vírus, mas a ordem mundial está perturbada e instável. Muitos países desapareceram completamente, mas os que subsistem travam uma espécie de guerra fria, disputando os recursos deixados pelos que se foram. Para facilitar o trabalho, os sobreviventes decidiram abandonar a população dos EUA a própria sorte, esperando até que todos os seus habitantes morram para, depois, tomar seus recursos sem resistência. A cura encontrada por Jefferson é, assim, um grande problema para os planos dos novos senhores do mundo.
Quando os jovens começam a se adaptar a nova realidade de suas vidas, depois que o comandante do porta-aviões relaxa um pouco as suas prisões, os garotos são contatados por um grupo secreto de soldados americanos que querem retomar o controle dos EUA e levar para lá a cura de Jefferson. Depois de um rápido entrevero, os jovens embarcam num helicóptero para voltar para o continente, mas um deles fica para trás: Donna não consegue embarcar e é levada para Londres, onde outra fase de interrogatórios a aguarda. Lá, seus tutores dizem-lhe que todos no helicóptero morreram, e ela terá de superar a tristeza da perda de seus amigos e de seu grande amor. Mas o que Donna não sabe é que tudo o que lhe disseram é mentira.
De volta à Nova York, agora com a ajuda de alguns mariners, Jefferson e seus companheiros iniciam uma campanha de coalizão entre as diversas tribos de sobreviventes, usando a cura como um argumento incontestável. A princípio, as coisa parecem progredir de forma satisfatória, apesar de muitos riscos pelos quais o grupo tem de se sujeitar, mas o que nem Jefferson, nem o inteligentíssimo Crânio imaginam é que eles estão sendo manipulados e que um perigo ainda maior que a doença pode ser liberado no planeta.
Chris Weitz mais uma vez demonstra que sabe muito mais além de dirigir filmes. Seu texto é fluido, de descrições detalhadas e precisas que ajudam a construir as impressionantes imagens de uma Nova York em ruínas. Além disso, usa criativamente diversos recursos estilísticos e gráficos para dar voz individual a cada um dos personagens. Assim como no primeiro volume, o autor narra os acontecimentos através de depoimentos dos personagens, como se estivessem escrevendo um diário pessoal. Cada um deles tem seu próprio estilo narrativo e usa um linguajar diferenciado, com gramática e jargões próprios. Além disso, cada um deles tem sua própria tipologia, que também revela características de suas personalidades. Neste livro, outros além de Jefferson e Donna participam com depoimentos próprios, como o homossexual Peter, valoroso membro da equipe original, a agressiva Kath da tribo de Uptown, que ainda não sabe se ama ou odeia Jefferson, e principalmente o cerebral Crânio, cujo texto sem pontuações e parágrafos reproduz seu confuso fluxo de pensamento. A variedade de tipos e etnias também contribui para fazer a história ser mais que um romance para adolescentes, com muitas discussões sobre ética e intolerância em pauta.
Mundo novo revela ainda que teremos pelo menos mais uma sequência, uma vez que a história não tem uma conclusão, com ganchos poderosos que deixam o leitor ansioso pelo que há de vir. E nestes tempos em que as mídias audiovisuais estão em alta, fazer um leitor ansiar pela publicação de um livro é, sem dúvida, um feito admirável.
Cesar Silva

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Mundo novo, Chris Weitz

Mundo novo (The young world), Chris Weitz. 324 páginas. Tradução de Álvaro Hattnher. Capa: kakofonia.com. Editora Companhia das Letras, selo Seguinte, São Paulo, 2014.

Não há dúvida que a ficção científica, mesmo no século 21, continua a atrair a atenção dos leitores e autores. Em algum momento ao longo dos anos 1990, temia-se que a chegada do 'futuro' tornasse o gênero um exercício frívolo e sem utilidade, pois a realidade o superaria. Mas o que se observa é que o interesse pelo exercício especulativo a respeito do impacto da tecnologia na vida das pessoas, seja no futuro distante, seja no próximo, segue surpreendendo.

Mundo novo (The young word), publicado no Brasil em 2014 pela editora Companhia das Letras pelo selo Seguinte, com tradução de Álvaro Hattnher, é o primeiro romance de Chris Weitz, novaiorquino nascido em 1969 e formado em literatura inglesa pelo Trinity College. Weitz é mais conhecido por seu trabalho no cinema: o roteiro de seu longa About a boy (2002), dirigido por ele ao lado do irmão Paul, foi indicado ao Oscar. Além disso, Weitz dirigiu dois grandes sucessos do cinema de fantasia, A bússola de ouro (2007) e Lua nova (2009).
Trata-se de uma ficção apocalíptica, na mesma linha de uma série de produtos recentes da mídia que discutem a mortalidade, como os seriados de tv The walking deadHelix The last ship. O tema é bastante recorrente também na literatura do gênero, que tem clássicos como Só a terra permanece, de George Stewart, Eu sou a lenda, de Richard Matheson e Um cântico para Leibowitz, de Walter M. Miller Jr.
Mundo novo conta o que acontece ao planeta quando uma virose agressiva e desconhecida dizima a população adulta e infantil, deixando vivos apenas os adolescentes, que morrem tão logo completam 18 anos. Sozinhos e sem referências, os jovens tentam sobreviver a sua maneira ao colapso da civilização organizando-se em grupos para procurarem por alimentos e outros recursos necessários que coletam nas ruínas das cidades, e se protegerem de gangues rivais que ali disputam o poder.
A história é contada a partir do ponto de vista de dois personagens: Donna, uma adolescente típica do século 21, e Jefferson, filho de cientistas de ascendência japonesa, que é extremamente compenetrado de suas obrigações. Amigos desde a infância, fazem parte de um grupo de sobreviventes na região de Washington Square, em Nova York. O grupo acabou de perder seu líder, Wash, irmão mais velho de Jeff que completou 18 anos e morreu devido à infecção.
Crânio, um outro membro do grupo e fenômeno mirim da ciência, surge com a proposta de pesquisar um certo artigo científico numa revista que pode estar arquivada na grande biblioteca pública da cidade. Triste com a perda do irmão, Jeff acaba concordando em ajudá-lo, mais para sentir que está fazendo alguma coisa a respeito da doença que acabará por levar a todos, mais cedo ou mais tarde. Aos dois garotos associam-se Donna – que não acredita na possibilidade de que Crânio possa fazer o que os cientistas do mundo todo não puderam – e Peter, negro alto e forte que não esconde sua condição homossexual. A eles, mais tarde, vai se unir Minifu, sino-americana com um grande talento em lutas corpo a corpo.
A jornada inicia a bordo de uma caminhonete, que prova ser muito útil para chegar até a biblioteca, mas não mais do que isso. Contudo, esse é apenas o início de uma jornada repleta de perigos mortais como gangues inimigas, uma comunidade de canibais, matilhas de cães ferozes, animais selvagens sobreviventes do zoológico, muito tiroteio e correrias. Amarrando a peregrinação, que vai passar por diversos pontos turísticos dessa Nova York arruinada, o drama íntimo de Jeff, que não consegue declarar seu amor por Donna, uma história que só vai se definir nas páginas finais.
A narrativa é linear, mas a alternância de narrador lhe acrescenta tempero especial, porque Weitz maneja muito bem as duas vozes. O feito é o de ler dois diários que contam a mesma história em estilos bem diferentes. O texto de Jeff é escorreito e segue a norma culta da língua, o que combina com a personalidade séria do garoto. Já a narração de Donna é indisciplinada e errática, repleta de soluções improvisadas, com o uso exagerado de gírias e de estruturas típicas do roteiro de teatro, com os nomes dos personagens antes de suas falas. A editora também ajudou, definindo uma tipologia específica para cada narrador, de forma que percebemos a variação não apenas pela leitura, mas também no visual das páginas.
Outro mérito de Weitz são as alfinetadas que ele distribui a vontade contra o ambiente acadêmico. Por exemplo, quando Jeff e Crânio discutem a extinta prática da publicação de artigos acadêmicos. Jeff diz:
"Na superfície, parece ser um artigo de opinião, ou mesmo um ensaio sobre ética científica, mas me parece o tipo e coisa com que meus pais tinham de lidar. Chamavam de defesa de interesses pessoais." (página 121).
O autor também insere muitas referências à cultura pop e não evita revelar suas influências mais imediatas, tais como o romance O senhor das moscas (Lord of the flies), de William Golding, e Os arquivos confusos da sra. Basil E. Frankweiler (From the mixed-up files of Mrs. Basil E. Frankweiler) de E. L. Konigsburg, citados pelos personagens, entre outros.
Mundo novo é um romance divertido e adequado ao público jovem-adulto ao qual foi dirigido, mas que não abandona o leitor experiente, oferecendo discussões éticas e morais que podem levar a reflexões bastante profundas.
— Cesar Silva