“Das mais escuras trevas, uma súbita luz brilhou
sobre mim. Tão brilhante e maravilhosa e ainda assim, tão simples. Trocar os
pólos do positivo para o negativo e do negativo para o positivo. Eu acabo de
descobrir o segredo de dar a vida. Não, é muito mais. Eu me tornei capaz de dar
vida à qualquer matéria morta.” – Barão Victor Frankenstein
O famoso comediante Mel Brooks
sempre gostou de satirizar o cinema fantástico em filmes divertidos como
“S.O.S. – Tem Um Louco Solto no Espaço” (Spaceballs, 87), uma paródia de ficção
científica principalmente à série “Star Wars”, ou “Drácula, Morto Mas Feliz”
(Dracula: Dead and Loving It, 95), uma gozação aos filmes de vampirismo. Mas,
inegavelmente, sua grande obra-prima foi produzida bem antes, em 1974, com “O
Jovem Frankenstein” (Young Frankenstein), fotografado em preto e branco numa
grande e muito honrada homenagem aos filmes de horror antigos dos anos 30 da
“Universal”, especialmente os clássicos “Frankenstein” (31) e “A Noiva de
Frankenstein” (35), inspirados no famoso livro de Mary Wollstonecraft
Shelley.
A história inicia com o jovem neurocirurgião Dr. Frederick Frankenstein (Gene
Wilder) dando aulas nos Estados Unidos sobre o cérebro humano. Ele faz questão
de pronunciar seu sobrenome de forma diferente para não haver nenhuma ligação
com seu avô Victor Frankenstein, que foi conhecido por roubar cadáveres para
utilizar em experiências de criação de vida artificial em seu imponente castelo
gótico na Transilvânia, Romênia. Após uma demonstração prática sobre os
estímulos nervosos com resultados hilariantes com o Sr. Hilltop (Liam Dunn)
como cobaia, o Dr. Frankenstein recebe a visita de Gerhard Falkstein (Richard
Haydn), que viajou da Europa especialmente para entregar o testamento de seu
avô.
Frederick
decide então ir até a Transilvânia conhecer o castelo de seus ancestrais, se
despedindo de sua noiva Elizabeth (Madeline Kahn) na estação ferroviária, numa
sequência super hilária com a preocupação exagerada da mulher em não manchar o
batom dos lábios, despentear o cabelo ou amassar a roupa. Uma vez chegando em
seu destino, o jovem Frankenstein encontra o corcunda Igor (Marty Feldman), que
se apresenta como seu ajudante geral e guia para o castelo, além também da bela
Inga (Teri Garr), que se tornaria sua assistente de laboratório.
Chegando
ao castelo, eles são recebidos pela velha arrumadeira Frau Blucher (Cloris
Leachman), que os aguardava com ansiedade e revela que tinha um caso amoroso
com o falecido Barão Victor Frankenstein. Uma vez explorando os incontáveis e
imensos aposentos do castelo, Frederick encontra o antigo laboratório do avô e
também sua biblioteca particular de onde resgata um livro com as explicações de
suas experiências em reanimar carne morta. Mudando de opinião e agora obcecado
pela possibilidade de reativar o trabalho de seu avô, Frederick concentra seus
esforços para dar vida a um cadáver de um criminoso enforcado, roubado de seu
túmulo, gerando um monstro (Peter Boyle, que apareceu como um sinistro vilão em
“Scooby-Doo 2: Monstros à Solta).
Como
o cérebro implantado na criatura era “anormal”, o monstro foge e causa alguns
tumultos nos arredores do castelo, despertando a ira dos aldeões, sob o comando
do Inspetor de Polícia Kemp (Kenneth Mars), que decidem invadir o laboratório
no momento em que o Dr. Frankenstein fazia uma experiência com sua criatura
tentando compartilhar suas mentes.
"O
Jovem Frankenstein” foi filmado em preto e branco com a intenção acertada de
reconstruir aquele clima típico das produções antigas da “Universal”, em
especial os filmes impagáveis da década de 30. E o diretor Mel Brooks conseguiu
com êxito o objetivo, pois sua obra é uma grande homenagem com inteligência e
muito bom humor aos primeiros anos do cinema de horror falado, sobretudo os
filmes inspirados na clássica história “Frankenstein”, escrita em 1818 por Mary
Shelley.
São muitos os momentos super
divertidos ao longo de todo o filme, mas os destaques são uma cena hilária
envolvendo o Dr. Frankenstein e o corcunda Igor desenterrando um caixão com um
enorme cadáver num cemitério. Frankenstein, cansado pelo esforço em levantar o
pesado caixão de sua cova cheia de terra, reclama da situação desfavorável em
que se encontra. Já Igor, responde que não estava tão ruim, pois poderia ser
pior, poderia estar chovendo. Mal terminou de falar, e trovões aparecem
trazendo uma chuva forte. Logo em seguida, quando estão tentando levar o caixão
para o castelo, são surpreendidos por um policial (Richard A. Roth), que decide
conversar com eles, obrigando-os a terem que simular um cumprimento com um
aperto de mão do cadáver.
Todas as cenas com o inspetor
Kemp são muito engraçadas, principalmente quando ele decide falar de forma
super rápida e incompreensível, e quando todos não entendem nada do que falou,
ele repete pausadamente. Aliás, como ele tem o braço direito artificial feito
de madeira, ele o utiliza para uma série de atividades fora do comum como atear
fogo no dedo para acender um charuto, ou usar seu braço como uma espécie de tora
de madeira para os aldeões arrombarem a porta do castelo do Dr. Frankenstein.
O corcunda Igor, com seus olhos
esbugalhados, também é responsável por vários outros momentos de bom humor,
principalmente quando ele trocava sua corcunda de lugar, ora estando no lado
direito do ombro, ora no esquerdo, e sempre que era questionado sobre a
corcunda, ele fingia não reconhecer que tinha uma anomalia física. Como quando
num dos primeiros encontros com o Dr. Frankenstein, o médico lhe diz que é um
ótimo cirurgião e que poderia operar a corcunda, porém sua existência foi logo
negada por Igor.
Já a arrumadeira do castelo
Frau Blucher, também não ficava muito atrás nas cenas engraçadas, pois o
roteiro reservou especialmente para ela o desagradável fardo de ter que suportar
um incômodo e estridente relinchar de cavalos toda as vezes em que o seu nome
era pronunciado.
Abaixo seguem
várias curiosidades sobre “O Jovem Frankenstein” e seus bastidores, e que valem
a pena serem registradas.
Os cenários,
principalmente o imponente castelo, são recriações muito próximas dos originais
utilizados nos filmes da “Universal”, sendo que inclusive os instrumentos e
todo o maquinário elétrico e equipamentos do laboratório do Dr. Frederick
Frankenstein são exatamente os mesmos criados por Kenneth Strickfaden para os
clássicos dos anos 30 (com um agradecimento especial nos créditos de abertura).
A cena onde o
monstro está carregando Elizabeth desacordada à noite por uma sinistra floresta
é uma referência e homenagem ao clássico “O Monstro da Lagoa Negra” (54), de
Jack Arnold, que tem uma sequência similar envolvendo o monstro do título e a
bela Kay, a mocinha interpretada por Julie Adams.
No início do
filme, ouvem-se treze badaladas do relógio, algo difícil de perceber a não ser
que se contem todas as batidas pacientemente. Aliás, também perto do início, um
casal de passageiros num trem fala exatamente as mesmas palavras em inglês
(quando simulam a passagem por uma estação em New York) e também em alemão
(quando passam por uma estação na Transilvânia).
O estridente e
ameaçador uivo do lobisomem que se ouve quando o Dr. Frankenstein, sua
assistente Inga e o corcunda Igor estão chegando ao castelo numa carruagem, foi
feito pelo próprio diretor Mel Brooks, que aliás também foi o autor de um grito
imitando um gato sendo atingido por um dardo arremessado de forma errada pelo
Dr. Frankenstein, quando tentava acertar um tabuleiro como alvo.
Quando o Dr.
Frankenstein localiza a biblioteca particular de seu avô, Victor, num aposento
secreto no imenso castelo, ele encontra um livro escrito por seu avô intitulado
“How I Did It” (Como eu Fiz), que é uma brincadeira do roteiro ao mencionar a
existência de um registro que revelava como Victor Frankenstein conseguiu
reanimar carne morta, um fato que não está revelado no livro original de Mary
Shelley.
Naquela cena
onde o monstro encontra na floresta uma garotinha, Helga (Anne Beesley), numa
referência à mesma sequência do filme de 1931 de James Whale, eles ficam
jogando flores num lago, e no momento em que a menina diz não ter mais flores
para jogar, perguntando o que poderia então ser arremessado na água (para quem
conhece o filme da Universal sabe o que o monstro escolheu para jogar no lago,
numa cena que chocou o público na época e que ficou censurado por muitos anos),
a criatura faz uma expressão de deboche para a câmera.
Quando o
monstro faz uma visita espontânea ao homem cego, e depois de não ter obtido
sucesso com a sopa quente, vinho e um charuto oferecidos por ele, numa série
antológica de trapalhadas totalmente hilariantes, o monstro decide fugir com
raiva e em seu encalço o homem cego ainda lhe oferece um cafezinho (essa última
parte foi improvisada pelo ator Gene Hackman, pois não estava no roteiro).
O primeiro
cérebro escolhido para a criatura era de um tal de Hans Delbruck, que no filme
era descrito como cientista e santo, homem de grande inteligência e ideal para
fazer parte do monstro, e na realidade Delbruck era mesmo um historiador e
professor alemão de grande relevância nas áreas de economia e política.
Numa das cenas
finais, Elizabeth utiliza um cabelo igual ao da noiva do monstro no filme de
1935, quando a atriz Elsa Lanchester tinha um penteado com enormes mechas
brancas no cabelo, que foi inspirado em antigas esculturas da rainha egípcia
“Nefertiti”.
Desde o dia
fatídico como lama fedorenta que arraste-se do mar e grita paras as estrelas.
Eu sou o Homem. Nosso maior temor tem sido saber de nossa mortalidade. Mas esta
noite, vamos fazer a ciência desafiar e enfrentar a terrível face da morte.
Esta noite, vamos chegar até as nuvens. Nós vamos imitar o terremoto. Vamos
comandar os trovões. E conhecer as profundezas da impenetrável natureza.”
– discurso do Dr. Frederick
Frankenstein, momentos antes da experiência em conceber vida à criatura
O Jovem Frankenstein (Young Frankenstein, Estados Unidos, 1974). 20th
Century Fox. Preto e Branco. Duração: 106 minutos.
Direção de Mel Brooks. Roteiro e história de Gene Wilder e Mel Brooks,
inspirados em personagens da novela de Mary Wollstonecraft Shelley. Produção de
Michael Gruskoff. Fotografia de Gerald Hirschfeld. Música de John Morris.
Edição de John C. Howard. Direção de Arte de Dale Hennessy. Desenho de Produção
de Dale Hennesy. Maquiagem de Ed Butterworth e William Tuttle. Efeitos
Especiais de Hal Millar e Henry Millar Jr.. Elenco: Gene Wilder (Dr. Frederick
Frankenstein), Peter Boyle (O Monstro), Marty Feldman (Igor), Madeline Kahn
(Elizabeth), Cloris Leachman (Frau Blucher), Teri Garr (Inga), Kenneth Mars
(Inspetor de polícia Hans Wilhelm Friederich Kemp), Richard Haydn (Gerhard
Falkstein), Gene Hackman (Harold, o homem cego), Liam Dunn (Sr. Hilltop), Danny
Goldman (Estudante de medicina), Oscar Beregi Jr., Arthur Malet, Monte Landis,
Rusty Blitz.
(Juvenatrix - 30/12/04)