quarta-feira, 20 de abril de 2016

Trilogia da Fundação

Fundação (238 páginas), Fundação e Império (244 páginas) e Segunda Fundação (235 páginas), de Isaac Asimov. Tradução de Fábio Fernandes e Marcelo Barbão, capa e ilustrações de Delfin. Editora Aleph, São Paulo, 2009.

Como parte de sua proposta de relançar clássicos da ficção científica, a editora Aleph começou bem com Isaac Asimov em 2009, ao tornar disponível novamente nas livrarias os três volumes da Trilogia da Fundação. É a obra mais volumosa de Isaac Asimov (1920-1992) e uma das mais populares da história da ficção científica.
Isaac Asimov (1920-1992) é um dos principais autores da chamada Golden Age da ficção científica norte-americana, vivida basicamente nas páginas das pulp magazines, de meados dos anos 30 até o final dos anos 40. Uma plêiade de autores hoje considerados clássicos no modelo ainda hoje mais conhecido do gênero – com aventuras espaciais e abordagem hard (das ciências naturais) –, surgiu neste período como, por exemplo, Robert A. Heinlein (1907-1988) e A.E. van Vogt (1912-2000).



O romance em três volumes chamado Trilogia da Fundação é, na verdade, composto de cinco noveletas e quatro novelas publicadas entre 1942 e 1949 na mais influente revista da época, a Astounding Science Fiction, editada por John W. Campbell, Jr., o maior responsável por esta nova geração de autores. Apenas nos anos 50 é que as histórias foram reunidas em três volumes: Foundation (1951), Foundation and Empire (1952) e Second Foundation (1953). A publicação em formato de livro valorizou a obra e a popularizou ainda mais, para além do círculo dos fiéis apaixonados pelo gênero.
A popularidade da obra é indiscutível, como atesta estes dois exemplos. Em primeiro lugar, recebeu o Prêmio Hugo Especial de 1966, como “a melhor série de todos os tempos”, uma distinção única, criada à parte no mais importante prêmio do gênero. Em segundo aqui no Brasil, no restrito ambiente do fandom, foi escolhido por duas vezes, o “melhor romance de ficção científica de todos os tempos”, em votações dos leitores do fanzine Megalon, em 1991 e 1998. Mais recentemente, em 2013,  a revista norte-americana Locus – The Magazine of the Science Fiction and Fantasy realizou uma ampla pesquisa com seus leitores, que a considerou como o terceiro melhor romance de ficção científica do século XX.
A história é uma grande saga de dimensões épicas que procura mostrar a expansão humana por toda a Via Láctea. Neste universo não existem alienígenas e nos espalhamos por toda a galáxia construindo um gigantesco império formado por milhares de planetas, todos controlados pelo centro político, a capital Trantor. Se você pensou no Império Romano está correto pois a inspiração é assumida pelo próprio autor. Mas ele foi além ao apresentar como este poderoso império – a exemplo do romano – semeia em seu próprio esplendor as contradições internas que o levam à decadência e violenta dissolução, num retorno à “barbárie”.
Hari Seldon, um brilhante cientista, cria a ciência da psico-história como um antídoto para reduzir os efeitos catastróficos da queda do império, prevista por ele para acontecer em alguns séculos. É acusado de conspirador, mas seu plano é aceito e posto em prática. São estabelecidas duas colônias de cientistas nos extremos do império – as fundações – de motivações distintas, para preservar a sabedoria e a cultura, e continuar desenvolvendo a ciência e a tecnologia mesmo em tempos de barbárie. Para Seldon não será possível impedir a queda, pois o processo já estaria adiantado, mas permitir o ressurgimento em apenas mil anos de um novo e revigorado império galáctico.
A psico-história é uma ciência que lida com os fenômenos sociais de um ponto de vista coletivo, adotando, princípios filosóficos de indução e as ferramentas da estatística. Pode soar pouco crível, mas bebe na fonte das teorias dos jogos, que começaram a ganhar ímpeto nos anos 1940 e tem servido como um suporte metodológico importante para as ciências sociais desde então, em especial para a economia.


As diversas aventuras situadas nos três volumes mostram as turbulências entre o fim do império e o surgimento de vários pequenos estados despóticos, assim como o desenvolvimento das duas fundações, que tem por objetivo restaurar a glória perdida.  Contudo, aparece uma situação não planejada pelas equações da psico-história, um poderoso mutante com poderes mentais chamado O Mulo, que ambiciona assumir o controle da galáxia.
 Se é verdade que estamos diante de uma clássica história ao estilo space opera – colonização espacial, futuro de consenso, grandes períodos de tempo, ritmo de aventura e personagens pouco densos, em sua maioria – percebe-se o quão complexa é a trama e as várias nuances que surgem ao longo dos três romances. Chama a atenção que a ênfase do enredo esteja no processo histórico e nas mudanças na sociedade, ou seja, discute-se as relações humanas numa aventura de space opera, que é mais afeita também à exploração de grandes engenhos tecnológicos. Em Fundação eles apenas fazem parte do pano de fundo, aceitos como integrantes da civilização. Deste modo, Asimov descola a ênfase das ciências naturais para as sociais, utilizando, contudo, o uso de uma nova ciência que alia História e Matemática.
Há quem veja também em Fundação os efeitos do contexto político em que a história foi criada, pois estávamos em plena Segunda Guerra Mundial. Talvez Asimov especulasse sobre o destino do modo de vida dominante à época, primeiramente desafiado pelo colapso da balança de poder entre as potências europeias (na Primeira Guerra Mundial) e anos depois por um regime totalitário que a todos queria subjulgar. Assim, talvez as duas fundações pudessem representar as democracias e seus valores civilizatórios em perigo.
Já para a figura de Seldon e seus colaboradores seria possível estabelecer um paralelo com a idéia de Platão, de sábios a conduzir o destino da sociedade, em que a ciência teria as melhores soluções para os conflitos inerentes da natureza humana. Aqui poderíamos compreender as implicações da história de um ponto de vista mais autoritário.
Seja qual interpretação for mais relevante – ou outras, a depender da interpretação de cada um –, o fato é que a Trilogia da Fundação é uma obra significativa, pois vai além do tradicional das histórias de exploração do espaço que, procuravam mostrar muito da visão anglo-americana de como se constituir a melhor forma de sociedade. Em Fundação tais alicerces são construídos para depois serem questionados, a partir de desafios políticos e surpresas do destino.
Durante os anos 1980 esta obra foi publicada pela editora Hemus, de São Paulo, em um único volume. A edição era modesta, mas simpática e, melhor, econômica. O relançamento ocorre em três volumes separados, o que encarece a compra. Ainda mais porque a edição é bem produzida, com uma tradução melhor do que a anterior, ainda que as ilustrações de capa destoem do espírito da obra. Quem tem a edição da Hemus deve preservá-la já que ela é única também com relação ao conteúdo, pois é a tradução da obra original escrita nos anos 1940. Já a da Aleph contempla uma revisão realizada por Asimov em meados dos anos 1980 para padronizá-la em relação ao conjunto de suas obras de ficção científica, já que ele passou a escrever outras aventuras dentro deste universo. Seja por qual edição for, o excitamento pelo entretenimento inteligente ou por debates políticos-filosóficos subjacentes, garante uma leitura rica e ilustrativa da própria evolução do gênero no século XX.

– Marcello Simão Branco

Um comentário:

  1. Acho que, dado o contexto cultural na publicação, Segunda Funcacao = Marxismo, que pretendia ser uma Ciencia de História. Seria um Marxismo, atualizado pela Econofisica, Sociofisica e Fisica Estatística. Já a Primeira Fundacao é o mundo capitalista, tecnológico, como é melhor visto no Fundations Edge pelas comparações entre a presidente da Segunda Fundacao e Margareth Tatcher. O Mulo, um mutante que domina as massas de um momento para outro, seria Hitler.

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