sexta-feira, 14 de abril de 2023

Guerra do Velho

 

Guerra do Velho (Old Man´s War), John Scalzi. Tradução: Petê Rissatti. Capa: Pedro Inoue. 368 páginas. São Paulo: Aleph, 2016. Lançamento original em 2004.

 


Num futuro indefinido, a humanidade finalmente chegou às estrelas e colonizou planetas pela galáxia. Mas o que poderia representar um novo momento de glória, viu-se seriamente ameaçado com a concorrência violenta de espécies alienígenas. Pois, elas também disputavam a conquista e posse dos mesmos planetas disponíveis para a vida, já que, constatou-se que eles não eram abundantes, na parte mutuamente colonizada da Via-Láctea.

Como o leitor desta resenha percebe, a premissa é das mais instigantes: estamos no espaço e disputando-o com civilizações extraterrestres. Trata-se de um romance de FC de tema padrão, mas na melhor tradição de guerra espacial, um dos mais populares e praticados na história da FC, em especial da norte-americana. Colocando desta maneira, talvez pudesse ser apenas mais um entre tantos que já foram publicados. Mas há dois diferenciais. Primeiro, as particularidades do enredo e depois, a maneira como é narrado.

Os soldados das Forças Coloniais de Defesa (FCD), responsáveis por proteger os colonos, procurar novos planetas e servir como linha militar de defesa contra as espécies alienígenas inimigas, são todos formados por pessoas com 75 anos ou mais. Como o caso de John Perry, um publicitário, que após perder a esposa resolve se alistar. Mas o que realmente significa isso?

Os homens e mulheres idosos que se alistam ganham uma extensão de sua vida, embora em condições muito arriscadas, ao se tornarem soldados. Perry, assim como os outros e outras, passam por um período breve, mas intenso de exames e treinamentos até saberem o que de fato acontecerá com eles. Ninguém que se alista na Terra sabe. A FCD nunca revelou como transformam velhos em soldados que a defendem. E eles deixam o lar para sempre. Não podem voltar ou ter qualquer forma de contato.

Os novos soldados têm suas consciências transferidas para um novo corpo. Não uma réplica do antigo, mas um muito melhorado, jovem e com capacidades de força, velocidade e resistência inimagináveis para um ser humano normal. Se tornam supersoldados, com mecanismos internos de recuperação e regeneração em caso de acidentes ou ferimentos graves.

Perry, em particular, fica chocado com a situação, mas não há volta. Pois agora entendeu quando lhe disseram que ele renasceria, literalmente, para uma nova vida. E é uma vida de batalhas com várias espécies alienígenas, com diferentes graus de avanço tecnológico e de agressividade.

Scalzi no coloca diante de um futuro ao mesmo tempo promissor e sombrio. Promissor do ponto de vista do que a medicina poderá ser capaz de realizar. Se não alcançando a imortalidade, estendendo e aperfeiçoando a vida das pessoas a um nível fantástico. E sombrio, porque, mostra que o universo é um lugar muito hostil e potencialmente perigoso. E que, no limite, pode levar à extinção da raça humana. Isso porque as disputas bélicas são fratricidas e praticadas rotineiramente com diferentes espécies. John Perry se torna um soldado particularmente capaz e corajoso e, em seguidas missões, é promovido até se tornar capitão. Mas sem evitar que sofra muito, ao perder a maioria dos amigos desta nova vida.

Este romance vibrante de FC se inspira claramente no controvertido clássico de Robert A. Heinlein, Tropas Estelares (Starship Troopers; 1959), no qual também o militarismo era não apenas o primeiro plano da história, mas a própria razão da vida dos soldados, numa guerra interminável com uma espécie inteligente extremamente agressiva. Mas se não há em Scalzi o glamour da carreira militar e o pendor ideológico reacionário de Heinlein, é de se questionar por que, afinal, o modus operandi de todas as espécies alienígenas seja o mesmo, de violência como meio não só de conquista, mas de vida, como uma cultura própria. E nisso os seres humanos também estão incluídos.

Não há, de fato, base racional, para acreditar que uma civilização extraterrestre seja pacífica, mas por que todas seriam seu oposto? O que incomoda um pouco é que não é explorado qualquer tentativa de meio-termo. No sentido de negociações diplomáticas ou acordos comerciais que poderia estabelecer, se não um ambiente plenamente seguro de paz, ao menos uma convivência mais amistosa e que pudesse convergir para o desenvolvimento de interesses comuns que dissuadissem agressões militares tão fáceis de acontecer. Ao que parece a Terra foi empurrada para um contexto violento de conquista que já existia quando ela chegou ao espaço profundo. E, então, para se defender teve de adotar as mesmas estratégias. Mas isso não fica suficientemente claro na história.

Guerra do Velho renovou o subgênero da guerra futura, quando quase ninguém pensava isso ser possível, inaugurando o que se chamou de nova space opera. Além de Heinlein é possível perceber também a influência de Joe Haldeman com seu clássico Guerra Sem Fim (The Forever War; 1976), talvez o melhor romance de FC já escrito neste segmento temático, e que, ao contrário de Tropas Estelares, é um libelo anti-guerra, tomando o longo conflito dos EUA com o Vietnã como inspiração. É que John Perry lembra Wiliam Mandella, de Guerra Sem Fim. Também um sujeito meio desesperançado com as perspectivas de sua vida e que se alista e ganha uma nova oportunidade, renovando seu interesse, embora não glorificando a atividade militar em si. Adere a ele de forma pragmática, porque é o que melhor estava à disposição. Ainda mais no caso de Perry.

Outro aspecto particularmente estranho em Guerra do Velho é que todos os personagens são norte-americanos. Não faria mais sentido que as milhares de naves de combate da Terra pelo espaço sideral fossem tripuladas por soldados de todas as partes da planeta? Em algumas passagens é citada a Guerra Subcontinental, ocorrida em nosso mundo, mas não se avança muito no que poderia ser uma explicação para a provável manutenção da divisão política interna com países. Mas, no contexto geral, este aspecto não chega a incomodar numa aventura passada quase que inteiramente dentro de espaçonaves, muito bem descritas pelo autor, assim como, em especial, os conhecimentos médicos que permitiram a construção de novos seres, no qual eles mesmos são levados a questionar o quanto ainda são humanos. Ainda mais entre aqueles de uma unidade de elite, as Forças Especiais – apelidados de A Brigada Fantasma –, criados já adultos a partir de DNAs de soldados mortos. Inclusive, porque Perry descobrirá – ao ser salvo entre a vida e a morte após uma batalha – que uma soldado, Jane Sagan, foi criada com esta tecnologia a partir da sequência genética de sua finada esposa Kathy. De forma emocionante, Scalzi explora aqui como o sentimento do amor é forte e pode ir além do que nos acostumamos a pensar ou principalmente sentir.

John Scalzi tem uma escrita limpa, diálogos ágeis, personagens carismáticos e bom humor. Sim, me peguei gargalhando com algumas situações vividas pelos personagens. Ele sabe tirar o peso de um cenário violento e com mortes sempre à mostra, tornando a história não propriamente leve, mas fluente e interessante. Pois estas qualidades de sua prosa, somadas às muitas inovações temáticas, tornaram Guerra do Velho um sucesso, premiado com o John W. Campbell Memorial Award 2005 e finalista do Hugo de 2006. E, neste que foi seu primeiro romance publicado, abriu as portas para a construção de um amplo universo de histórias, principalmente com os romances As Brigadas Fantasma (The Ghost Brigades; 2006), A Última Colônia (The Last Colony; 2007) – ambos publicados pela Aleph –,  Zoe´s Tale (2008), The Human Division (2013) e o mais recente The End of All Things (2015).

Fica difícil não querer ler suas demais histórias neste universo fascinante e perigoso, mas acho improvável se deparar com o mesmo impacto deste romance inicial, primoroso, que renovou o subgênero de guerra futura e se constitui como um dos melhores e mais influentes livros de FC do século XXI até aqui.

Marcello Simão Branco

 

Um comentário:

  1. Resenha muito boa. A ilustração de capa do livro é de Sparth (Nicolas Bouvie), importante artista de produção francês.

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