Debaixo de chuva, três garotas se encontram na porta da escola aonde vão estudar. Elas nunca se viram antes, mas a breve viagem numa espécie de teleférico que leva à porta da escola desperta entre elas uma cumplicidade que será seu principal apoio nestes primeiros dias de aula. Isso porque, mal desembarcam no saguão, são acuadas pelo bedel que é extremamente rude com as estudantes. Tudo porque algum espertinho soprou um apito estridente na densa floresta que circunda a escola e ele acredita que foi uma entre as novas alunas.
Depois da má recepção, as garotas são acomodadas num mesmo quarto e passam a se conhecer melhor. Na hora da refeição, acabam se indispondo com um estudante por causa de uma sopa de tomates, sem maiores repercussões. Porém, durante a noite, o estudante é assassinado e, mais uma vez, a suspeita recai sobre as garotas.
Apesar da animosidade explícita da diretora da escola, as meninas são defendidas pela investigadora de polícia que acompanha o caso. Mais tarde, ela vai revelar ser clarividente e que reconheceu a inocência das meninas, especialmente o potencial de clarividência de uma delas.
Mas os problemas não terminam. Outros assassinatos acontecem, sempre fazendo acreditar que as garotas estão, de alguma forma, envolvidas. Mais policiais entram em cena e a pressão sobre elas fica cada vez maior. Somente as próprias meninas podem resolver o mistério do apito, que tudo indica ser um aviso do assassino antes de cometer os crimes. Um assassino acima de qualquer suspeita.
Esta é a história da novela O fantasma do apito, de autoria do escritor Miguel Carqueija, volume 2 da Coleção Scarium Fantástica.
Seguindo a característica que tem dominado seus trabalhos, o autor investe em protagonistas femininas para contar uma história de coragem e amizade no meio de um cenário antagônico e lúgubre. Fica clara a influência da série Harry Potter neste trabalho, que procura sustentar o mesmo clima gótico daquela série. Isso exigiu que o autor reinventasse a realidade, instalando a trama numa alternativa em que a história do Brasil caminhou de forma diferente. Apesar de recursos modernos e detalhes tecnológicos próprios do nosso tempo, predominam cenografias do castelo decadente onde a escola se instala, com ambientes escuros e passagens secretas empoeiradas, truques de magia, carruagens, dirigíveis etc.
No aspecto estrutural, a história tem um objetivo claramente infantojuvenil. O vilão, bem como o detetive Anselmo (personagem que cumpre um contraponto cômico) cumprem bem seus papéis esquemáticos apesar de um tanto estereotipados, especialmente o vilão, mas a impressão final é que isso foi um truquezinho do autor para emular o realismo farsesco das histórias em quadrinhos.
Sobre as protagonistas, o autor não se aproveitou bem do fato de ter três pessoas independentes. Em muitos aspectos, as meninas se parecem demasiadamente, falam da mesma maneira e pensam de modo similar. É impossível reconhecê-las apenas pelos diálogos e, ao final de história, ainda não conseguimos identificá-las claramente, mas isso pode ser superado nas sequências da história, uma vez que o autor divulga que voltará ao universo de O fantasma do apito desenvolvendo mais detalhadamente a estrutura histórica alternativa do mesmo.*
O volume tem a apresentação de Marcello Simão Branco, que sintetiza brilhantemente o trabalho no trecho reproduzido a seguir:
“Neste novo trabalho ficcional, Carqueija demonstra desenvoltura com a construção do enredo – que se situa entre o suspense e o sobrenatural –, com a criação e aprofundamento das personagens e com o desenrolar da trama. Cheia de reviravoltas e surpresas que prendem o leitor a cada fim de capítulo, no mais tradicional e eficiente recurso do folhetim.”
Branco ainda faz um breve apanhado da carreira do autor e eu aproveito para lembrar os seus livros mais recentes: A âncora dos argonautas (Coleção Fantástica, Hiperespaço, 1999), A Esfinge Negra (Nova Coleção Fantástica, Hiperespaço, 2003), As luzes de Alice (Hiperespaço, 2004) e A face oculta da galáxia (Editora Casa da Cultura, 2006).
Carqueija é um escritor voluptuoso, que produz em quantidade e participa com frequência das publicações e editoras dispostas a receber colaborações, sem qualquer preconceito. Embora suas últimas histórias sejam todas mais ou menos do mesmo tipo – aventuras na linha infanto juvenil com protagonistas femininas envolvidas em eventos de magnitude muito além delas mesmas, que sobrevivem aos percalços por graça da sua integridade destemida – atestam um amadurecimento estilístico que qualifica o autor alguns degraus acima dos muitos contos que publicou nos fanzines brasileiros ao longo dos últimos 30 anos.
A boa recepção dos textos de Miguel Carqueija em vários públicos, certamente é um facilitador quando se trata de convencer um editor a investir nos seus livros mas, mesmo assim, ainda lhe falta um livro por editora comercial, com grande tiragem e bem distribuído. Não tenho dúvidas que entre os muitos autores de fc&f atuantes no ambiente dos fãs, Carqueija é aquele que reúne as melhores condições para conquistar bons resultados comerciais no mercado editorial. Só lhe falta um editor que também perceba isso.**
— Cesar Silva
* A sequência da história apareceu em 2009 com a novela Tempo das caçadoras (Scarium).
** Como não podia deixar de ser, Miguel Carqueija passou os últimos anos em plena produção autoral e editorial, conquistando a publicação de dois romances de grande porte: Farei o meu destino (Giz, 2008) e O estigma do Feiticeiro Negro, com Melanie Evarino (Ornitorrinco, 2012).
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