terça-feira, 3 de novembro de 2015

O fantasma do apito, Miguel Carqueija

O fantasma do apito, Miguel Carqueija. 118 páginas. Apresentação de Marcello Simão Branco. Coleção Scarium Fantástica, volume 2. Edições Scarium, Rio de Janeiro, 2007.

Debaixo de chuva, três garotas se encontram na porta da escola aonde vão estudar. Elas nunca se viram antes, mas a breve viagem numa espécie de teleférico que leva à porta da escola desperta entre elas uma cumplicidade que será seu principal apoio nestes primeiros dias de aula. Isso porque, mal desembarcam no saguão, são acuadas pelo bedel que é extremamente rude com as estudantes. Tudo porque algum espertinho soprou um apito estridente na densa floresta que circunda a escola e ele acredita que foi uma entre as novas alunas.
Depois da má recepção, as garotas são acomodadas num mesmo quarto e passam a se conhecer melhor. Na hora da refeição, acabam se indispondo com um estudante por causa de uma sopa de tomates, sem maiores repercussões. Porém, durante a noite, o estudante é assassinado e, mais uma vez, a suspeita recai sobre as garotas.
Apesar da animosidade explícita da diretora da escola, as meninas são defendidas pela investigadora de polícia que acompanha o caso. Mais tarde, ela vai revelar ser clarividente e que reconheceu a inocência das meninas, especialmente o potencial de clarividência de uma delas.
Mas os problemas não terminam. Outros assassinatos acontecem, sempre fazendo acreditar que as garotas estão, de alguma forma, envolvidas. Mais policiais entram em cena e a pressão sobre elas fica cada vez maior. Somente as próprias meninas podem resolver o mistério do apito, que tudo indica ser um aviso do assassino antes de cometer os crimes. Um assassino acima de qualquer suspeita.
Esta é a história da novela O fantasma do apito, de autoria do escritor Miguel Carqueija, volume 2 da Coleção Scarium Fantástica.
Seguindo a característica que tem dominado seus trabalhos, o autor investe em protagonistas femininas para contar uma história de coragem e amizade no meio de um cenário antagônico e lúgubre. Fica clara a influência da série Harry Potter neste trabalho, que procura sustentar o mesmo clima gótico daquela série. Isso exigiu que o autor reinventasse a realidade, instalando a trama numa alternativa em que a história do Brasil caminhou de forma diferente. Apesar de recursos modernos e detalhes tecnológicos próprios do nosso tempo, predominam cenografias do castelo decadente onde a escola se instala, com ambientes escuros e passagens secretas empoeiradas, truques de magia, carruagens, dirigíveis etc.
No aspecto estrutural, a história tem um objetivo claramente infantojuvenil. O vilão, bem como o detetive Anselmo (personagem que cumpre um contraponto cômico) cumprem bem seus papéis esquemáticos apesar de um tanto estereotipados, especialmente o vilão, mas a impressão final é que isso foi um truquezinho do autor para emular o realismo farsesco das histórias em quadrinhos.
Sobre as protagonistas, o autor não se aproveitou bem do fato de ter três pessoas independentes. Em muitos aspectos, as meninas se parecem demasiadamente, falam da mesma maneira e pensam de modo similar. É impossível reconhecê-las apenas pelos diálogos e, ao final de história, ainda não conseguimos identificá-las claramente, mas isso pode ser superado nas sequências da história, uma vez que o autor divulga que voltará ao universo de O fantasma do apito desenvolvendo mais detalhadamente a estrutura histórica alternativa do mesmo.*
O volume tem a apresentação de Marcello Simão Branco, que sintetiza brilhantemente o trabalho no trecho reproduzido a seguir:

“Neste novo trabalho ficcional, Carqueija demonstra desenvoltura com a construção do enredo – que se situa entre o suspense e o sobrenatural –, com a criação e aprofundamento das personagens e com o desenrolar da trama. Cheia de reviravoltas e surpresas que prendem o leitor a cada fim de capítulo, no mais tradicional e eficiente recurso do folhetim.”

Branco ainda faz um breve apanhado da carreira do autor e eu aproveito para lembrar os seus livros mais recentes: A âncora dos argonautas (Coleção Fantástica, Hiperespaço, 1999), A Esfinge Negra (Nova Coleção Fantástica, Hiperespaço, 2003), As luzes de Alice (Hiperespaço, 2004) e A face oculta da galáxia (Editora Casa da Cultura, 2006).
Carqueija é um escritor voluptuoso, que produz em quantidade e participa com frequência das publicações e editoras dispostas a receber colaborações, sem qualquer preconceito. Embora suas últimas histórias sejam todas mais ou menos do mesmo tipo – aventuras na linha infanto juvenil com protagonistas femininas envolvidas em eventos de magnitude muito além delas mesmas, que sobrevivem aos percalços por graça da sua integridade destemida – atestam um amadurecimento estilístico que qualifica o autor alguns degraus acima dos muitos contos que publicou nos fanzines brasileiros ao longo dos últimos 30 anos.
A boa recepção dos textos de Miguel Carqueija em vários públicos, certamente é um facilitador quando se trata de convencer um editor a investir nos seus livros mas, mesmo assim, ainda lhe falta um livro por editora comercial, com grande tiragem e bem distribuído. Não tenho dúvidas que entre os muitos autores de fc&f atuantes no ambiente dos fãs, Carqueija é aquele que reúne as melhores condições para conquistar bons resultados comerciais no mercado editorial. Só lhe falta um editor que também perceba isso.**
Cesar Silva 
* A sequência da história apareceu em 2009 com a novela Tempo das caçadoras (Scarium).
** Como não podia deixar de ser, Miguel Carqueija passou os últimos anos em plena produção autoral e editorial, conquistando a publicação de dois romances de grande porte: Farei o meu destino (Giz, 2008) e O estigma do Feiticeiro Negro, com Melanie Evarino (Ornitorrinco, 2012).

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