A
Caixa Verde (Claimed), Gertrude Barrows Bennett. Tradução:
Gustavo Terranova Aversa. Capa: Natália Mieko Okamoto Aversa. 247 páginas. São
Paulo: Andarilho, 2023. Lançamento original de 1920.
Uma tendência dos últimos
anos no ambiente editorial voltado à FC&F no Brasil tem sido a publicação
de autores estrangeiros em domínio público. Isso se tornou mais presente por
causa da entrada de vários desses autores nessa condição. Com isso, além de
nomes consagrados como, por exemplo, H. G. Wells e Lovecraft, outros menos
conhecidos ou inéditos no país ganharam suas edições.
Este é o caso desta
autora, Gertrude Barrows Bennet (1883-1948), apesar de A Caixa Verde não ser sua primeira obra a ser lançada no Brasil.
Antes, dentro deste contexto recente, ela já teve publicados As Cabeças de Cerbero (The Head of Cerberus; 1919) e A Cidadela do Medo (The Citadel of Fear; 1918), pela editora Melusine, no sistema de
financiamento coletivo Catarse.
A
Caixa Verde começa com a descoberta de uma ilha alçada
à superfície do mar depois de uma poderosa tempestade que quase tragou um navio
na região das ilhas portuguesas dos Açores, no Atlântico Norte. Parte da
tripulação vai ao pedaço de terra e se depara com um conjunto de altas colinas
rodeadas por estranhas formações que parecem ruínas de uma cidade desaparecida.
Um dos marujos traz um pedaço tirado de uma pedra e, ao mexer nela com mais
cuidado no barco, vê surgir uma estranha e hipnótica estrutura retangular de
cor esverdeada. James Blair, contudo, passa a ter pesadelos e visões
perturbadoras, e vende a caixa numa loja de antiguidades. Mas esse objeto irá
amaldiçoar toda a pessoa que tem contato com ela. Como é o caso de Jesse
Robinson, um empresário de personalidade autoritária que vive com sua linda sobrinha,
Leilah Robinson. Após contato com a caixa, ele passa mal, recebe a visita de um
jovem médico, o doutor Vanaman, e a partir daí os três estarão definitivamente
envolvidos pelo poder maléfico e sobrenatural da caixa, que, além disso,
desperta curiosidade pela inscrição misteriosa numa de suas bases e por não ter
uma abertura visível para se conhecer o que pode, eventualmente, ter em seu
interior.
A autora escreve muito
bem, tem uma linguagem fluente, sem firulas, e as imagens que cria a partir dos
poderes da caixa impressionam pela imaginação de tons verdadeiramente
fantásticos. Além disso, seus personagens são pouco mais densos do que o
habitual nas revistas pulps, onde, a
história foi primeiro publicada de forma seriada, na revista Argosy. Apesar disso, talvez fosse comum
para a época, temos o manjado triunvirato: o ancião poderoso, sua linda
protegida e um jovem cientista que, ao prestar serviços ao homem, se apaixona
pela garota. Tal estrutura foi repetida à exaustão na literatura pulp, quadrinhos, séries de TV e cinema,
século XX adentro. Mas não chega a incomodar nesta história, pois, como dito,
ela é bem dinâmica e está centrada no mistério da caixa e seus efeitos
perturbadores nas pessoas.
Tal como uma história
circular, o desenlace se dá no mar: Robinson e sua sobrinha são raptados por um
barco sobrenatural e Vanaman, claro, vai no encalço para resgatar,
principalmente, Leilah. Mas, mais importante: o que seria exatamente esta caixa
verde, e porque exercia esses poderes, e de quem, afinal ela era? As respostas
são parcialmente oferecidas no contexto de uma civilização perdida que teria
existido em tempos imemoriais entre a América do Norte e a Europa, sim, o
continente mítico da Atlântida. Ao possuir a caixa e procurar desvendar seus
poderes, Jesse Robinson desencadeou a fúria de uma antiga entidade atlante que,
renascida, passou a reivindicar a devolução do objeto.
Quase tão interessante
quanto a história, é a figura da autora, que foi descoberta, por assim dizer,
em 1952, quatro anos após sua morte, quando do lançamento em livro do pequeno
romance The Citadel of Fear, onde o
pesquisador Loyd Arthur Eshbach (1910-2003) apresentou provas sobre sua
identidade. Isso porque, em vida ela publicou com o pseudônimo de Francis
Stevens, entre os anos de 1917 e 1923, quando escreveu doze histórias
publicadas em revistas, como a já citada Argosy
e em Weird Tales. Por receio de não
ser bem recebida, ela sugeriu ao editor que a publicasse com um nome fictício,
vindo daí o nome que ficou associado a um homem. Pelo fato de ter tido uma
carreira muito curta, até a descoberta de sua verdadeira identidade muitos
imaginaram, inclusive, que Francis Stevens fosse pseudônimo do autor e editor
prestigiado da época, A. Merritt (1884-1943).
Portanto, sendo uma
mulher, ela foi uma precursora nos gêneros FC&F nos Estados Unidos,
especialmente na primeira metade do século XX, num ambiente extremamente
masculino e machista. Para além de seu pioneirismo de gênero, Bennett é um nome
importante pela qualidade de sua obra, uma instigante mistura entre ficção
científica, fantasia e horror, bem ao feitio da corrente weird que tomou as páginas de muitas das pulp magazines nas décadas de 1920 e 1930. O influente crítico Sam
Moskowitz (1920-1997) chegou a afirmar que ela foi “a maior escritora de FC no
período entre Mary Shelley e C.L. Moore” – citado no livro Partners in Wonder: Women and the Birth of Science Fiction, 1926-1965,
de Eric Leif Davin, publicado em 2005.
Por tudo isso, esse
lançamento da pequena editora Andarilho – que inclui como brinde, um mapa da
Atlântida! – na sua simpática coleção de livros de FC&F de autores em
domínio público, merece mais atenção: seja pelo prazer de uma aventura
enigmática e inteligente, seja por aqueles que pesquisam sobre a história da
FC&F.
—Marcello Simão Branco
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