Flash Forward
(idem), Robert J. Sawyer. Tradução de Ana Carolina Mesquita. Capa de Igor
Campos. Rio de Janeiro: Galera Record, 2014. 382 páginas. Lançamento original
de 1999.
Em julho de
2012 físicos do CERN (Centro Europeu de Pesquisa Nuclear), em Genebra, na
Suíça, realizaram um experimento de aceleração de partículas com o objetivo de
encontrar o Bóson de Higgs. Este componente supremamente ínfimo da natureza seria
a peça fundamental que formaria as partículas subatômicas e, por extensão, toda
a matéria do universo. O evento foi cercado por alguma polêmica, pois alguns
grupos de esotéricos e religiosos temeram que o acelerador de partículas
pudesse alterar a tessitura da realidade, talvez criando um miniburaco negro
que pudesse engolir a própria Terra.
Em termos de
ficção científica a concretização deste temor foi abordada de forma brilhante
por David Brin em seu romance Terra (Earth), publicado em Portugal pela coleção
Europa-América, nos. 182 e 183 (1991). Mas em Flash Forward, ocorre um outro fenômeno tão ou mais surpreendente e
improvável: No ano de 2009, quando a experiência para a descoberta do Bóson de
Higgs é realizada toda a humanidade perde os sentidos. Fica neste estado por
dois minutos e dezessete segundos. E durante este período cada pessoa se vê 21
anos à frente, no qual cada um sente o fenômeno por meio de sua consciência no
futuro, ou seja, em 2030.
Aqueles que
estavam em movimento no momento do evento sofrem acidentes ou morrem: em
escadas, carros, aviões etc. Milhares perdem a vida em todo o mundo. Mas afora
esta tragédia imediata o evento altera de várias maneiras as vidas das pessoas
em toda a parte. Pense: como você reagiria se pudesse saber como seria o seu
futuro daqui a 21 anos? Para muitas pessoas o futuro é interessante: está com
saúde, casou e tem filhos, progrediu na carreira, realizou algum sonho antigo.
Mas para muitos outros os objetivos se mostraram um fracasso: sofre de doença
grave, relacionamentos sem futuro, carreiras malsucedidas, e o pior: escuridão.
Várias pessoas não viram nada, numa indicação de que, então, não terão futuro
porque não estarão vivas.
Tal é o caso
de um dos cientistas que participam da experiência, o grego Theo Procopides.
Com apenas 28 anos, teria 49 duas décadas depois. Mas nada viu. Como vaticina
de maneira lúgubre seu chefe, Lloyd Simcoe, é porque ele estará morto em 2030. Mas
Simcoe também vê seus planos mais imediatos serem abalados: prestes a casar com
Michico Tamura, sua assistente, constatou que sua visão o mostra numa cama com outra
mulher, que ele ainda nem chegou a conhecer. E para piorar Tamiko, a filha
pequena do primeiro casamento de Michico, morre atropelada por causa do flashforward. Você planejaria um futuro
com alguém que não vai estar com você?
Mas as
consequências também assumem contornos coletivos, em termos econômicos e
tecnológicos. Como o evento ocorreu às 17 horas em Genebra, vislumbrou
situações de possíveis vantagens econômicas (de saber como tal produto ou segmento
estará) ou tecnológicas (com possíveis invenções). Isso porque boa parte das
visões relatadas pelos habitantes da Ásia relatou situações desconexas e sem
sentido. Claro, estavam dormindo, e viram seus sonhos. Por outro lado, morreram
menos do que os ocidentais, acordados em sua maioria na hora do fenômeno.
No início não
estava claro que o flashforward havia
sido provocado pela experiência de alta energia, mas evidências indiretas foram
sendo compostas até ficar claro de que se tratava de algum fenômeno estranho,
que levou ao desmaio de sete bilhões de pessoas. Um dos efeitos secundários inquietantes
é que nenhum aparelho de gravação registrou as pessoas desmaiadas ou os
acidentes. Não filmou nada, só estática. Uma explicação oferecida pelos
cientistas – mas que não me convenceu totalmente – é que com a ausência de
qualquer consciência humana durante o flashforward,
é como se a realidade tivesse ficado suspensa. Uma evidência do efeito
observador na teoria quântica.
Depois de
evitar realizar novamente o experimento e de ficar claro de que deviam alguma
explicação pública para o ocorrido, Simcoe anuncia a provável conexão e, embora
ele e o CERN não sejam imediatamente culpabilizados, é claro que há uma
percepção geral de que alguma responsabilidade eles têm pelo que aconteceu.
Sawyer poderia
ter desenvolvido a história numa espécie de mosaico, que pudesse mostrar o
ponto de vista de vários personagens, em diferentes partes do mundo. Talvez
reunindo seus destinos ou não, para mostrar as muitas nuances possíveis de como
o fenômeno afetou as mais diversas vidas. Talvez com isso o romance ganhasse no
desenvolvimento de dramas particulares, e o romance provavelmente seria maior.
Contudo, ele optou por apresentar os dramas das pessoas diretamente envolvidas
com a deflagração do evento: os físicos do CERN. De como afetou suas vidas
pessoais e profissionais.
Neste aspecto,
obviamente, o futuro mais inquietante é o de Procopides. Será mesmo que a
escuridão representa a morte? Se sim, poderia haver alguma maneira de evitá-la,
já que há um conhecimento prévio de sua ocorrência? Ele divulga publicamente
seu problema na internet e encontra pessoas que teriam compartilhado a visão do
momento de sua morte, como a de um menino de sete anos que daqui a 21 anos será
o policial que investigará o seu assassinato. Mas o drama de Procopides não
para aí. Seu irmão mais novo, um escritor talentoso comete suicídio ao
descobrir que não teria o futuro de sucesso que imaginava.
Mas será que o
futuro seria mesmo imutável? No fundo o livro faz uma ampla discussão sobre se
existe livre-arbítrio ou tudo já está determinado. Talvez alguma contribuição
religiosa ou mística também pudesse ser incluída, na voz de alguns personagens,
mas a discussão fica restrita mesmo às teorias da física. Mesmo assim não deixa
de ser altamente instigante acompanhar os diferentes argumentos a defender um
ou outro ponto de vista. Acredito que o futuro é aberto, e cada um traça o seu
destino, a cada segundo de vida. Mas quase fui quase levado a crer que a visão
determinista prevalece, como defendida por Simcoe. Ele se baseou nas teorias de
Minkowski, de que a estrutura da realidade seria uma espécie de bloco que
conteria passado, presente e futuro. E ao transitarmos pelos diferentes trechos
deste espaço poderíamos constatar o que já passou e o que irá ocorrer. Embora
seja sugestiva, a observação de Michico ajuda a entender por que Simcoe, no seu
íntimo, a defende: seria um álibi para todas as mortes ocorridas. Ele não teria
tido responsabilidade porque já estava tudo traçado no continuum inscrito no bloco de Minkowski. Sobretudo pela morte da
sua enteada, a razão maior da crise de relacionamento entre os dois, até mais
do que a visão dele com outra mulher. Mas aos poucos alguns fatos vão mostrando
que o futuro pode ser mudado. Principalmente quando pessoas dão cabo da própria
vida, como o irmão de Procopides.
Então era
preciso tirar tudo isso a limpo. Não principalmente para eles, mas a maioria
das pessoas que ansiavam por uma nova visão que confirmasse ou não seu porvir.
Com autorização da ONU a experiência é repetida, mas às 5 horas da manhã, em
Genebra, ou seja, invertendo o horário da primeira vez e dando a chance ao
Oriente de, eventualmente, vislumbrar mais seus futuros e eventuais ganhos em
termos econômicos e tecnológicos. É claro que tudo desta vez é preparado para
que as pessoas não sejam pegas de surpresa e se acidentem.
Mas será que
haverá um novo vislumbre do futuro? E, afinal de contas, o que o teria
provocado? Num laboratório de pesquisas físicas no Canadá, surge a hipótese de
que o flashforward teria ocorrido por
um súbito aumento da ocorrência de neutrinos na Terra no momento da
experiência. Os neutrinos são partículas quase sem massa que vagam pelo
universo sem nenhuma resistência. No sistema solar são produzidos principalmente
pelas explosões nucleares no interior do Sol, e trilhões deles preenchem o
nosso planeta – e nossos corpos – em frações de segundo, mas sem interação
alguma com outros átomos e moléculas. Neste caso, contudo, o aumento repentino
não teria sido provocado pelo Sol, mas pelo acréscimo de neutrinos ainda em
vigência pela explosão da supernova 1987A, a maior de uma estrela observada
pela humanidade em 383 anos, ocorrida em 1987 na estrela supergigante azul Sanduleak,
na Grande Nuvem de Magalhães, a 170 mil anos-luz
da Terra.
De certa
forma, a não imutabilidade do destino e a descoberta da provável causa do flashforward, causa alívio nas pessoas,
fazendo-as perder o receio de repetir a experiência, justamente na data: 21 de
outubro de 2030. Mas como seria possível reproduzir o fenômeno, totalmente
fortuito na interação dos neutrinos? É enviada uma sonda em direção aos restos
da supernova, com um sistema de alerta para determinar o próximo pico de
atividade dos neutrinos. Com isso haveria a chance de repetir um novo flashforward. Contudo, se o futuro não é
imutável, parte das visões vislumbradas em 2009 se tornaram realidade.
Inclusive para Simcoe, Michico e Procopides.
Flash Forward acrescenta mais um aspecto
interessante ao tema da viagem no tempo, um dos mais clássicos da ficção
científica. Se os viajantes não comparecem de corpo presente à outra época,
eles têm visões do que pode vir a ocorrer com eles. Nesse sentido lembra um
pouco o porviroscópio, uma máquina de visualizar o futuro, imaginada por
Monteiro Lobato em seu romance O
Presidente Negro (1926). Mas o que dá um ganho substancial à obra é o
tratamento realista da premissa: O que aconteceria ao mundo se um fenômeno
desses acontecesse? Além disso, uma narrativa vigorosa, que soma ao tema
fascinante, personagens críveis e humanos que faz com que o interesse pela
leitura só cresça a cada página.
O romance foi
uma das sensações da ficção científica no final do século XX, embora não tenha
vencido o Prêmio Nebula como afirma a Record na capa do livro, mas sim o
Aurora, prêmio canadense de FC, em 2000. Foi adaptado numa cultuada série de TV
entre 2009 e 2010, que durou apenas uma temporada. Mas o que este livro sobretudo
demonstra é como o vigor das boas ideias bem desenvolvidas sustenta uma narrativa
criativa e inteligente de ficção científica.
– Marcello Simão Branco
Eu vi a série toda antes de saber da existência do livro e me frustrei ao saber que tratava apenas dos cientistas, não de pessoas comuns que viriam a se relacionar com os responsáveis.
ResponderExcluirNão comprei o romance por conta de avaliação da Amazon, mas, vendo sua resenha, uma esperança surge.
Obrigado!
Lucas Palhão