Um dia, sem maiores explicações, a sua mãe morta há anos ressurge na cozinha, repetindo continuamente uma ação do seu passado. Ela não interage com você; apenas revive a cena, como se fosse um filme antigo em realidade expandida. Ela pode ser tocada, mas aparentemente não sente o seu toque. A textura é estranha, borrachuda. Não pode ser ferida e não muda uma vírgula no roteiro. No começo, é emocionante mas, com o passar do tempo, torna-se dolorosamente insuportável. Outras pessoas começam a experimentar situações similares, com seus antepassados retornando da morte para interpretar repetidamente antigos papéis. Tudo se complica quando outros momentos dessa pantomima macabra começam a se sobrepor, com diversas cópias dos duplos ressurretos entrecruzando-se no espaço. E fica ainda pior quando mais personagens materializam-se do passado, numa cacofonia enlouquecedora. E quando ressurgirem personagens famosos, como Hitler e Jesus Cristo, onde o mundo irá parar?
Esta é a história que o escritor Luiz Bras oferece aos leitores no ebook Anacrônicos, um conto de ficção fantástica de 30 páginas, ao estilo New Weird, em que o autor retoma o tema da solidão, explorado em profundidade no romance Sozinho no deserto extremo (Prumo, 2012). Mas aqui a situação se inverte: ao invés do isolamento físico, a solidão emerge da multidão de pessoas alheias que impedem a interação social e emocional dos indivíduos. Também a questão dos personagens famosos ressuscitados dialoga com outras obras da ficção especulativa, como a série Riverworld, de Philip Jose Farmer, uma influência de peso que revela a possibilidade de uma exploração mais profunda no tema, que não foi o objetivo de Bras nesta obra.
Luis Bras é escritor de ficção fantástica, nascido na cidade imaginária de Cobra Norato, mas na verdade é uma persona do premiado escritor Nelson de Oliveira, que experimenta aqui os préstimos da edição digital através da plataforma de autopublicação da Amazon. A produção editorial é gráfica é do próprio autor, que também fez sua revisão e encomendou a Teo Adorno, a persona ilustradora de Oliveira, o ótimo desenho da capa. A produção interna também é minimalista, com pequenos toques coloridos nas aberturas dos capítulos. Tudo muito limpo e elegante.
A edição ainda está disponível no saite da livraria Amazon, aqui.
— Cesar Silva
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