terça-feira, 17 de março de 2015

O Mundo Além da Imaginação de Rod Serling

Marcello Simão Branco

Se os anos 1960 foram os mais radicais e contestadores do século XX, até na mais conservadora das mídias seus ecos foram sentidos. A partir de 1959 estreava na TV americana uma série que modificaria para sempre seus padrões de qualidade, filmagem e criatividade. Uma série que mostrava a que viera até no nome: ‘além da imaginação’ àquilo já visto e imaginado na TV.
O responsável por essa virada foi um sujeito que lia as revistas ‘pulp magazines’ (compradas em bancas de jornais por menos de um dólar) desde criança. Rod Serling  foi além da ‘zona do crepúsculo’ em revistas como Weird Tales, Amazing Stories e Astounding Science Fiction. Chegou até escrever alguns contos para elas, mas suas idéias e criações ganharam espaço mesmo em um novo meio de comunicação e entretenimento que mudou o padrão de comportamento da América nos anos de 1950. Sim, ela, a televisão.
Sem elenco fixo, com cada episódio tendo uma história própria sem ligação alguma com as demais, apenas com a narração clássica de Serling abrindo cada epísódio, Além da Imaginação (Twilight Zone) explorou à exaustão o fantástico na TV.  Foram 156 episódios (138 com 25 minutos de duração e 18 com 50 minutos), Destes apenas 70 foram exibidos entre nós, numa clássica fotografia em preto e branco, angulações ousadas, recursos de metalinguagem e metáforas jamais pensadas que muito ajudaram a mudar o panorama artístico e temático da época.
Isto por si só já seria de interesse em meio à mediocridade reinante, mas o que realmente cativou o público transformando a série num fenômeno popular, foi a solidez, o conhecimento do fantástico que Serling e seus brilhantes roteiristas, entre eles os escritores Richard Matheson e Charles Beaumont, demonstraram em histórias insólitas, absurdas, oníricas, assustadoras, mas sempre com um pé na realidade. Só a primeira pisada do pé direito, é claro. Pois com o esquerdo, Serling & Cia. nos levava a tempos, lugares, acontecimentos ‘além da imaginação’.
Um dos segredos da empatia das histórias era a sua premissa: em situações banais do dia-a-dia os personagens se deparam com fatos, situações, lembranças, imagens, ou até aparições que subvertem o cotidiano onde estão mergulhados. E aí de pouco adianta tentar voltar à realidade. Acompanhamos fascinados, surpresos, apavorados e com pena, as peripécias e o destino dos pobres coitados que entraram numa região onde nossas leis e senso comum não existem. Vale apenas a imaginação além da zona do crepúsculo.
Serling brincou com o público de uma maneira nova: fora dos westerns e comédias de costumes tão características da TV americana da época. Colocou o estranhamento, o sobrenatural, a fantasia na casa dos conservadores familiares da classe média. E eles adoraram!  Além da Imaginação foi além do mero escapismo em suas histórias de viagens no tempo, colonização espacial, pacto com o demônio, invasão extraterrestre, universos paralelos,  discutindo dentro do ‘além’, desde questões importantes e delicadas da condição humana — como morte, pecado, vaidade, egoísmo , até questões da vida social e histórica: ecologia, guerra nuclear, ética científica e tantos outros mais.
E a estrutura e os recursos técnicos de que dispunha só ressaltam a criatividade e qualidade dos episódios. Os filmes eram produzidos ainda em 16 mm, num ritmo alucinante de dois episódios por semana. Trocando em miúdos, apenas um ou dois dias de filmagem para cada episódio, pois após as filmagens vêm as etapas de finalização, como montagem, efeitos especiais, sonorização e copiagem.
Outra curiosidade era quanto ao elenco de atores que Rod Serling dispunha: na grande maioria jovens, sem muita experiência, cobrando um cachê baratinho, precisando de trabalho para alçar sonhos mais altos em Hollywood. E destes vários realmente trilharam uma carreira brilhante, como Lee Marvin, William Shatner, Bill Mumy, Anne Francis, Donald Pleseance, Warren Stevens, Rod Taylor, Dean Stockwell, Leonard Nimoy, Elisabeth Montgomery, Charles Bronson, Jonathan Harris, Buster Keaton, Lee van Cleef, Jeff Morrow, Burgess Meredith, Martin Landau, James Franciscus e... ufa! Muitos outros.
Pergunte aos fãs de horror e ficção científica entre os 40 e 50 anos (talvez seu pai ou sua mãe), qual foi o programa de TV que os fez definitivamente amar histórias de monstros e viagens espaciais. E sem precisar ficar escondido se sentindo um sujeito bizarro e desajustado. Pois a série era elegante e criativa o suficiente para ser assistida por toda a família.
A maioria dos episódios são de ótima qualidade, mas os três primeiros anos foram os mais criativos, quando as histórias eram contadas em apenas 25 minutos e os roteiros eram mais enxutos e as situações mais decisivas e arrebatadoras. Histórias que me vem à mente sem muito esforço, como “Onde Estão Todos”? (“Where is Everybody?), o primeiro da série, onde um homem descobre que está sozinho em uma pequena cidade. Até aí é estranho, mas o que me arrepia até hoje é o final quando ele descobre que fazia parte de uma experiência para analisar as reações humanas na solidão do espaço.
Também muito lembrado é “Tempo Suficiente” (“Time Enough at Last”). Único sobrevivente de uma guerra nuclear, um homem pode se dedicar ao seu passatempo predileto: ler. Depois de selecionar milhares de livros, ele deixa cair seus óculos no chão e...!
Só pra deixar vocês com inveja vou citar mais dois (só mais dois eu prometo!). Em “A Elegia” (“Elegy”), astronautas pousam em um planeta onde seus habitantes parecem estar sempre em transe. Parecem, pois o que lhes espera não os deixarão muito diferentes dos nativos. Já “Céu Aberto” ("And When the Sky is Opened”), mostra três pilotos que depois de voltarem do primeiro vôo espacial tripulado começam a desaparecer, um a um, sem deixar rastros nem lembranças de sequer terem existido. Deu pra sentir o que é estar em contato com “uma dimensão tão vasta quanto o espaço e tão desprovida de tempo quanto o infinito”?
The Twilight Zone é a mais criativa e original série de ficção científica, horror e fantasia já exibida e depois de seu encerramento em 1964 restou a Serling negociar os direitos de reprise em pequenas estações de TV pelo interior dos Estados Unidos. Não demorou muito para aparecem imitações. A primeira delas foi Quinta Dimensão (The Outer Limits) já no ano de 1963. Produzida pela ABC enfocou mais a ficção científica. Durou duas temporadas, 50 episódios e poucos momentos de brilhantismo.
Em 1969 os fãs estavam saudosos e Rod Serling iniciou um novo projeto Rod Serling’s Night Gallery (A Galeria do Terror). Um novo seriado com 50 episódios independentes levados ao ar entre os anos de 1970 e 1972. Desta vez o enfoque foi mais explícito no horror, com adaptações de contos de H.P. Lovecraft, Arthur Machen, Robert Bloch entre outros mestres do pavor. Mas não tinha o mesmo espírito inovador e ousado de sua criação original, pois ele não tinha a mesma independência sobre a produção da série. Serling faleceu em 1975, com apenas 50 anos deixando sua marca como um dos mais brilhantes homens a manipular a imaginação muito além dos nossos sentidos e dimensões.
Todo um culto a Rod Serling apareceu depois de sua morte. Uma revista de cinema e literatura a Twilight Zone Magazine foi publicada de 1981 a 1989 ao mesmo tempo que a CBS produzia entre 1985 e 1987 o remake do clássico com o mesmo nome de Twilight Zone. Nesta, os recursos foram generosos, o que faltou foi qualidade na direção, interpretação e principalmente o nível dos episódios (apesar de ter  boas adaptações de contos de Ray Bradbury, Arthur C. Clarke e Harlan Ellison), que ficava em sua maioria aquém do único que nos levou realmente ‘além da imaginação’. Mais recentemente foi produzido um segundo remake, também com uma produção melhor do que a qualidade média dos episódios, embora seja interessante e louvável que este estilo de seriado, ou seja, pequenos contos independentes sobre o fantástico e o sobrenatural, ainda sobreviva na competitiva e imediatista TV americana.
Mas o charme e, por que não?, o saudosismo da série clássica em preto e branco ainda é insuperável, a começar por sua inesquecível na abertura: “Há uma quinta dimensão além daquelas conhecidas pelo homem. É uma dimensão tão vasta quanto o espaço e tão desprovida de tempo quanto o infinito. É o espaço intermediário entre a luz e a sombra, entre a ciência e a superstição; e se encontra entre o abismo dos temores do homem e o cume dos seus conhecimentos. É a dimensão da fantasia. Uma região Além da Imaginação”.

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