sábado, 15 de agosto de 2020

A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça (Sleep Hollow, EUA, 1999)

 


(Texto escrito em Maio de 2000 e publicado originalmente no fanzine Juvenatrix # 44)

               Com produção de Francis Ford Coppola e direção de Tim Burton, já fica previsível o resultado dessa união: um excelente filme de horror gótico, “A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça”, com todos os elementos característicos do gênero, casarões sombrios, florestas com árvores fantasmagóricas e constante névoa espessa, cemitério horripilante com suas lápides de pedra, carruagens e vestuário do século XIX, etc. Burton também homenageou o lendário ator Christopher Lee, que participou em magistrais, nostálgicos e emocionantes 3 minutos de película na pele de um burgomestre, assim como ele fez em 1990 com o já falecido Vincent Price em “Edward Mãos de Tesoura”.

                Lee é o único, ainda vivo com mais de 90 anos de idade, do grupo de atores que moldaram o Horror cinematográfico ao longo dos anos 1950, 60 e 70, ao lado de Price (1911-93), Peter Cushing (1913-94), John Carradine (1906-88) e Donald Pleasence (1919-95), entre outros, e que tem sua carreira principalmente marcada por suas interpretações como o “Conde Drácula” (das produtoras inglesas “Hammer” e “Amicus”), e diversos outros vilões do Horror. O diretor também homenageou novamente o grande e veterano Martin Landau, que participou em poucos minutos no início do filme como o patriarca da família Van Garrett, sendo logo decapitado. Ele também é um ícone do gênero muito conhecido por atuar fixo na antiga série de ficção científica da TV “Espaço 1999”. Um fato estranho é que ele não aparece nos créditos do filme.

               Tem também o eterno vilão do cinema moderno Christopher Walken (o diabólico anjo Gabriel de “Os Anjos Rebeldes”, 1994), cujo nome só aparece nos créditos finais (o que também é estranho). Ele, que encarnou magistralmente o cavaleiro decapitador de cabeças (quando ele ainda tinha a sua, é claro), sem precisar emitir uma única palavra e apenas utilizando-se de interpretações faciais e grunhidos de gelar a alma dos vivos e mortos, ajudado pela expressão de seus dentes pontiagudos serrilhados especialmente para impor de forma mais acentuada sua ferocidade anormal.

                E para completar o time, o jovem casal de protagonistas é formado por Johnny Depp e Christina Ricci. Ele iniciou sua carreira no primeiro filme da franquia “A Hora do Pesadelo” (1984), além do drama de guerra “Platoon” (1986), a série televisiva “Anjos da Lei” (1987-90) e participações em outros filmes de Burton como “Edward Mãos de Tesoura” e “Ed Wood’. Já a lindíssima Christina Ricci, cuja beleza fenomenal é a única oposição ao horror sanguinário do filme, foi a garota esquisita de “A Família Addams”, com os cabelos morenos, e agora produzida com longos cabelos loiros, que realçaram ainda mais sua beleza.

                Depois de uma introdução desse porte fica fácil imaginar a grandiosidade dessa obra, que já concorre como um dos melhores filmes de horror dos carentes últimos tempos. “A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça” (Sleepy Hollow, 1999) estreou nos cinemas brasileiros em 28/01/2000, dirigido por Tim Burton, que já é conhecido por suas outras produções similares dentro do universo gótico como a belíssima fantasia “Edward Mãos de Tesoura”, “Batman” 1 e 2, a homenagem emocionante “Ed Wood”, as animações dark “O Estranho Mundo de Jack”, “A Noiva Cadáver” e “Frankenweenie”, a comédia “Os Fantasmas Se Divertem”, a divertidíssima paródia de ficção científica “Marte Ataca!”, a versão de 2001 de “Planeta dos Macacos”, a de 2005 de “A Fantástica Fábrica de Chocolate”, a de 2010 de “Alice no País das Maravilhas” e a de 2012 de “Sombras da Noite”, além do musical “Sweeney Todd: O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet”.

                O cinema de Horror ao longo de sua história gerou muitas faces, entre elas os velhos filmes góticos ambientados em séculos recentes do passado, com mansões obscuras, famílias amaldiçoadas, ou as obras que exploraram o horror psicológico em histórias de fantasmas e assombrações, ou ainda aqueles centrados em violência explícita com muito sangue entre zumbis, monstros disformes e psicopatas modernos. Mas o horror que mais assusta e influencia o público é certamente aquele mais próximo da realidade do que da ficção. A história da humanidade está repleta de referências e provas decisivas de grandes atrocidades cometidas como guerras bestiais e sangrentas e torturas insanas, e vários foram os filmes que utilizaram essa temática. “A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça” mistura a realidade dos ferozes guerreiros do passado que empalavam e decapitavam suas vítimas por puro prazer sádico, à ficção sobrenatural de fantasmas que retornam do inferno para continuar a espalhar sangue através de suas espadas. A união desses elementos resultou num filme agressivo por sua violência, apesar de bons momentos de humor negro, e divertido por suas caracterizações góticas, sem contar as diversas homenagens que Tim Burton fez tanto com os atores especialmente convidados quanto às referências de velhos filmes.

               O diretor já havia feito isso de maneira muito mais detalhada na paródia de FC “Marte Ataca!” (1996), onde ele homenageia todos os velhos clichês da ficção científica dos anos 50 e 60, a época dos “monstros de olhos esbugalhados” e a paranoia de invasão comunista aos Estados Unidos, num exercício de pura nostalgia e entretenimento, com referências explícitas a diversos clássicos do cinema “B” como “O Dia Em Que a Terra Parou” (51), “A Invasão dos Discos Voadores” (56), “A Guerra dos Mundos” (53) e “O Planeta dos Macacos” (68).

                Em “A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça”, baseado no livro “The Legend of Sleepy Hollow”, de Washington Irving, a história passa-se em 1799 e fala de um sanguinário guerreiro (Christopher Walken) cuja especialidade era decepar as cabeças de seus inimigos em batalhas decididas pelo aço das lâminas das espadas. Ele era como se fosse o próprio demônio na Terra, lembrando personagens reais de nossa sangrenta história como o Drácula que empalava seus prisioneiros de guerra. Um fato curioso é que nas cenas onde o vilão já está sem sua cabeça e nas sequências onde ele cavalga seu corcel negro, a interpretação ficou por conta de Ray Park, o Darth Maul do episódio I de “Star Wars: A Ameaça Fantasma”.

 (Atenção: o texto a seguir contém spoilers)

                Após muito tempo colecionando mortes em seu currículo de sangue, o cavaleiro decapitador foi finalmente pego numa emboscada e morto com um destino irônico, pois deceparam-lhe a cabeça, fato testemunhado por duas pequenas meninas que estavam nas proximidades. Seus restos mortais foram então enterrados numa floresta e o local de sua cova ficou conhecido como “A árvore dos mortos“, um verdadeiro portal entre o mundo externo e o inferno. Muitos anos se passaram e uma das meninas, já adulta, desenterrou o cavaleiro e roubou-lhe o crânio, incitando feitiçaria para trazer de volta do além o assassino em busca de sua cabeça, que agora estava sob o poder negro da moça. Ele é incitado a decapitar brutalmente os aldeões de uma pequena comunidade chamada “Sleepy Hollow”.

                A moça, Lady Van Tassel (interpretada por Miranda Richardson), está agora casada com um rico fazendeiro da região, Baltus Van Tassel (Michael Gambon), e ela planeja matá-lo e às principais personalidades do vilarejo para herdar fortunas e propriedades. Com o crânio do cavaleiro sanguinário em suas mãos, ela controla e ordena seus assassinatos, todos com requintes de crueldade e cabeças decepadas. Para ajudar nas investigações das mortes, é então enviado um detetive de New York, Ichabod Crane, o jovem interpretado por Johnny Depp num estilo Sherlock Holmes, que tem a missão de desvendar a lenda do cavaleiro sem cabeça. Ele, ajudado pela jovem Katrina Van Tassel (interpretada por Christina Ricci) e principalmente por um garoto, órfão graças ao decapitador, consegue descobrir a trama sobrenatural e ao devolver o crânio ao cavaleiro negro ele despacha-o novamente para o mundo das trevas, levando consigo a moça que havia roubado sua cabeça.

           São várias as cenas memoráveis ao longo do filme, como a autópsia feita pelo detetive no cadáver de uma senhora grávida, vítima do decapitador, onde um preciso corte no abdômen denuncia também a decapitação do feto, e que deixou o jovem coberto de sangue parecendo um açougueiro em um matadouro; os pesadelos do detetive ambientados em sua infância, num momento onde ele entra em uma câmara de torturas e vê sua mãe, Lady Crane (Lisa Marie), morrendo aprisionada em um brutal instrumento de tortura da inquisição que rasgou toda a sua carne e dilacerou seu corpo em um banho de sangue; a sequência do duelo entre o cavaleiro decapitador e um corajoso jovem, Brom Van Brunt (interpretado por Casper Van Dien, de Tropas Estelares, 97), onde após longa batalha de espadas, o vilão, manuseando duas armas cortantes nas mãos com uma habilidade sobrenatural, esquarteja o jovem em dois pedaços; o momento onde o detetive, procurando pistas sobre o local da cova do cavaleiro sem cabeça, entra em contato com uma feiticeira da floresta (na verdade, a irmã de Lady Van Tassel, que também testemunhou a morte do vilão), a qual lhe revela a existência e o mapa da “árvore dos mortos” através da possessão de um demônio; a cena onde o jovem Crane, de posse de um grande machado, desfere vários golpes nas raízes da “árvore dos mortos” e a cada golpe uma enorme golfada de sangue jorrava da árvore manchando a sua face; ou ainda a sequência final da luta entre o cavaleiro sem cabeça e o detetive num moinho de vento abandonado, numa clara referência ao clássico Frankenstein (31), onde também na sequência final a criatura e o criador se confrontam mortalmente num moinho idêntico.

 (Fim dos spoilers)

         Depois de tudo que foi relatado fica óbvio dizer que o filme é uma grande diversão e homenagem ao cinema de horror. Pois tem grandes personalidades envolvidas no projeto como Francis Ford Coppola (diretor do clássico sobre a Guerra do Vietnã “Apocalypse Now”, 79, da clássica trilogia de máfia “O Poderoso Chefão” e do moderno “Drácula”, 1992), os veteranos atores Christopher Lee e Martin Landau em pequenas, porém notáveis participações e ainda outros artistas talentosos como Christopher Walken e Johnny Depp. Tem todos os elementos góticos do horror numa atmosfera sombria de épocas passadas onde lendas sobrenaturais imperavam em meio às atrocidades reais. E tem Tim Burton, um diretor não convencional, em um excelente momento cinematográfico proporcionando nostalgia e entretenimento, e mostrando que o gênero fantástico ainda sobrevive com talento, principalmente quando se propõe a homenagear com respeito e admiração os velhos clichês do estilo.

 A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça (Sleepy Hollow, EUA / Alemanha, 1999). Duração: 105 minutos. Direção de Tim Burton. Produção de Francis Ford Coppola. Roteito de Andrew Kevin Walker (o mesmo de Seven), baseado no livro The legend of Sleepy Hollow, de Washington Irving. Fotografia de Emmanuel Lubezki. Desenho de Produção de Rick Heinrichs. Música de Danny Elfman. Efeitos Especiais de Jim Mitchel (Industrial Light & Magic). Elenco: Martin Landau, Christopher Lee, Christopher Walken, Johnny Depp, Christina Ricci, Miranda Richardson, Michael Gambon, Michael Gough, Ian McDiarmid, Casper Van Dien.

(Juvenatrix - Maio 2000)

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