sábado, 21 de julho de 2018

O Templo do Passado


O Templo do Passado (Le Temple du Pasè), Stefan Wul. Tradução de André Varga. Capa de Lima de Freitas. Lisboa: Edição Livros do Brasil, Coleção Argonauta no. 85, 1964. 149 páginas. Lançado originalmente em 1957.

Tenho uma história curiosa com este livro. Estava de férias com a família no interior de Santa Catarina. Era 19 de janeiro de 1989 e voltávamos para casa. Meu pai parou num posto de gasolina na saída de Joinville para abastecer o carro. Da janela da parte de trás eu vi um sebo. Sim, um sebo! Saí do carro e fui até lá, sob protestos dos meus acompanhantes. E foi aí que achei O Templo do Passado e mais uns dez outros livrinhos da Argonauta. Foi o momento mais feliz das férias e, até hoje, a única coisa que lembro dela.
Escolhi a esmo um dos livros. Era O Templo do Passado, que li durante todo o tempo da viagem de sete horas até São Paulo. Valeu muito a pena, pois o livro é sensacional. FC pulp da melhor cepa, e minha estreia com a ficção incrivelmente imaginativa de Stefan Wul.
Este pequeno romance é o quinto da carreira de Pierre Pairault (1922-2003), que escreveu toda a sua obra de ficção científica sob o pseudônimo de Stefan Wul. Foi publicado pela primeira vez na célebre coleção francesa Fleuve Noir, no. 106, em 1957, e é o quinto publicado na igualmente célebre Coleção Argonauta, de Portugal, em seu número 85, no ano de 1964.
Durante uma viagem espacial a nave sobre um acidente e entra velozmente na atmosfera de um planeta desconhecido. Foi tudo muito rápido, e com o choque a maioria da tripulação morreu instantaneamente. Inicialmente, quatro sobreviveram mas, em parte por causa dos ferimentos, apenas dois permaneceram vivos: o piloto Massir e o médico Jolt.
A nave foi seriamente avariada e eles percebiam que ela balançava de um lado para outro, subia de cima para baixo ou vice-versa. Para solucionar o mistério Massir sai da nave e adentra num ambiente surpreendente: o interior de uma gigantesca baleia! Mas como foram parar dentro dela? Não há como ter certeza mas, provavelmente, em sua queda a nave penetrou, tal como uma bala, no corpo do cetáceo. Desta forma, além de estarem dentro de um ser vivo, ainda se encontravam no fundo do mar.
Esta é uma típica história identificada com o que os americanos chamam de problem story, na qual os personagens são colocados em perigo e, para sair desta situação, tem de buscar soluções científicas ou tecnológicas. Pois, então,  depois de vencerem a estupefação e o desespero puseram-se a trabalhar com o que tinham à mão dentro da nave. Primeiro, retirá-la do interior do estômago da baleia e depois consertar a nave para decolarem novamente. Duas tarefas extremamente difíceis e improváveis. Mas eles conseguem injetar algumas substâncias moleculares no metabolismo da baleia, para provocar mutações que a fizessem deixar o mar e passasse a viver, gradativamente, na superfície.
Após algumas experiências frustradas Massir e Jolt finalmente conseguem o seu intento, pois a baleia desenvolve patas dianteiras e traseiras, que a permitem deixar a água e viver em terra. Nunca deixa de ser aquático, contudo, transformando-se num anfíbio, mas que passa a maior parte do tempo num ambiente intermediário: um enorme pântano, que lhe dá muito prazer! (As passagens em que a baleia assume a narrativa são encantadoras e nos fazem ter simpatia por ela).
Assim, quando ambos percebem que, na verdade, estavam numa situação ainda mais complicada, decidem sacrificar a baleia, apesar dos protestos de Jolt. Conseguem, depois, retirar a nave do interior do enorme corpo, que acabou por se liquefazer diante de poderosos compostos ácidos presentes na própria atmosfera do planeta, à base de ácidos clorídricos.
É interessante observar que em O Templo do Passado, Wul explora mais profundamente a aventura de uma missão no interior de um organismo, vista pela primeira vez em seu primeiro romance, Regresso a Zero (Retour à “0”), de 1956, quando uma equipe de cirurgiões operou um astronauta acidentado. Outro aspecto interessante é que Wul faz uso do seu conhecimento científico, pois era dentista de formação e profissão. Ele faz um largo e detalhado processo descritivo de como Jolt desenvolve os mecanismos possíveis para uma rápida mutação, além de também usar do próprio organismo da baleia para produzir oxigênio para eles. Nesse sentido é uma FC pulp com pendor hard bastante apurado.
Após a morte da baleia eles descobrem dezenas de ovos. Ela estava grávida e acaba gerando alguns bebês mutantes, anfíbios que, depois de adultos e se reproduzirem, produzem répteis, lagartos de vários tipos que passam a povoar a superfície do planeta. Passam-se anos, mas os dois não desistem de seu objetivo de consertar a nave e voltar para a Terra. Mas ao perceberem que os lagartos os adoram e são telepatas, acabam por se atrapalhar em seu objetivo, ficando, por fim, presos ao planeta desconhecido.
Mas a que se refere o templo do passado do título? Após ficar sozinho no planeta, Massir, fazendo uso de seus conhecimentos técnicos, constrói uma câmara à base de gelo cristalizado, onde hiberna na esperança de ser resgatado num futuro distante. O tal templo é finalmente descoberto alguns milhares de anos depois por uma expedição vinda exatamente da Terra. E o final do livro ainda reserva uma surpresa de cair o queixo. É um daqueles livros com um final extremamente impactante, que fica na memória por anos. Nesse sentido, relutei em voltar a ler o livrinho décadas depois. Mas redescobri o prazer da prosa fluente e direta, de personagens ativos e pragmáticos, e de uma imaginação pulpesca com raro paralelo dentro do campo da ficção científica, deste que é, possivelmente, o melhor livro de Stefan Wul.

– Marcello Simão Branco

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