segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

O Avatar

O Avatar (The Avatar), Poul Anderson. Publicações Europa-América, coleção FC nos. 11 e 12. Tradução de Américo de Carvalho. Volume 1: 200 e Volume 2: 185 páginas. Portugal, 1980 e 1981. Publicado originalmente em 1978.

Peguei para ler nestas férias o romance O Avatar, de Poul Anderson. Já o olhava lá na estante há tempos, mas a letra minúscula me desestimulava. Contudo, no almoço de fim de ano do Clube de Leitores de Ficção Científica, em São Paulo, Fritz Peter Bendinelli me disse que ultimamente estava lendo (ou relendo) bastante Poul Anderson. Fiquei com aquilo na cabeça, e lembrei de O Avatar. Seria o momento ideal, pois agora teria mais tempo para leitura e durante o dia, e levei os dois volumes comigo por terras do interior do Rio de Janeiro e da Bahia. Apesar do sol forte e das praias convidativas não é que um bom livro de FC conseguiu rivalizar em meu prazer e interesse?
Escritor vinculado à corrente hard da FC, Poul Anderson (1926-2001) publicou algumas das mais notáveis obras neste segmento do gênero. Talvez a de maior impacto foi Tau Zero (Idem, 1970), romance de espaço profundo que mostra uma nave que, em busca de colonizar um planeta distante, ao se deparar com uma nebulosa, passa a acelerar de forma descontrolada rumo à velocidade da luz. É uma das melhores descrições e ambientações que já li sobre os detalhes de operação de uma espaçonave, os problemas de sua tripulação, em uma aventura cósmica de tirar o fôlego.
Contudo, Anderson desce de qualidade quando tentou abordar no contexto de FC uma temática mais política, expondo, muitas vezes, preconceitos e opiniões francamente belicistas e conservadoras. É o caso, por exemplo, do polêmico Fugindo do Caos (Twilight World, 1961) que defende abertamente as estratégias norte-americanas de combate ao comunismo, num cenário de pós-holocausto nuclear.
Assim, quando livre de suas abordagens ideológicas e mais voltado à especulação científica Anderson atinge grandes momentos. E é nesta linha que se situa este O Avatar (1978), uma história fascinante sobre os efeitos do contato com uma civilização tecnologicamente superior e as maravilhas do universo. De fato, poucas vezes li reunido num único romance tantas ideias e situações interessantes para o futuro da presença humana no espaço sideral.
Não fica muito claro, mas a ação se desenrola em um futuro não muito distante, entre o final do século XXI ou meados do XXII.  A humanidade explora o Sistema Solar quando, para sua surpresa, descobre a presença de um portal interestelar, instalado por uma civilização alienígena chamada de Os Outros. Eles não se revelam diretamente, mas deixam informações sobre como utilizar o portal, a Máquina T. Ela permite dar um salto de centenas, milhares ou milhões de anos luz sem precisar percorrê-los diretamente. Dando um salto, de um ponto a outro, driblando, por assim dizer, as limitações da velocidade da luz.
Mas, afinal, quem são Os Outros? Por que colocaram o portal estelar no Sistema Solar? O que querem conosco? Perguntas que causaram um enorme impacto político, cultural e tecnológico em toda humanidade.
O fato é que a chegada de Os Outros causou uma profunda divisão na Terra. Um segmento majoritário passou a defender com entusiasmo que agora era o momento propício para o início de uma aventura interestelar, tendo como principal motivação a busca de respostas para algumas das perguntas acima formuladas. Um outro segmento, politicamente influente, receava a expansão humana junto às estrelas, pedindo cautela e prioridade para a resolução dos muitos (e novos) problemas surgidos a partir da descoberta dos extraterrestres. Isso porque, esta revelação de vida inteligente – e ainda por cima com grande poder tecnológico –, como dito acima, causou grande controvérsia e distúrbios de ordem política e cultural na Terra.
Passou-se por um período chamado de Perturbações, com tentativas de mudança de poder no interior de vários países, especialmente os subdesenvolvidos. Várias nações declararam independência, aconteceram muitas guerras civis. Até se reconstruir uma nova ordem geopolítica com um governo mundial federativo e descentralizado. De forma surpreendente Anderson desenvolve pouco sobre os desdobramentos deste novo contexto político. Afinal quais seriam os detalhes a explicar a motivação de vários povos, a partir da descoberta de vida inteligente alienígena, por lutar por autonomia? Não ficou muito claro.
A narrativa nos situa quando a nave Emissário – um belo nome para uma nave espacial – volta de uma missão exploratória através de um salto na Máquina T. Exploratória sim porque a humanidade já havia utilizado o portal. Mas orientado pelos alienígenas que indicaram as coordenadas para a chegada num novo sistema estelar com um planeta propício à vida humana. Assim foi estabelecida uma colônia bem-sucedida em Demeter, da estrela Febo, distante algumas dezenas de anos-luz da Terra.
Já a missão da Emissário, cercada de grande polêmica, visava, explorar livremente as possibilidades da Máquina T, com grande risco, inclusive, de não mais retornar. Mas em uma missão que durou oito anos para os tripulantes, e apenas alguns meses na Terra, a nave volta. E com novidades. Foi encontrada uma nova civilização alienígena, com um patamar científico-tecnológico semelhante ao nosso, os betanos, do planeta Beta, da estrela Centrum, situado há alguns anos-luz da Terra. Estes alienígenas já se encontram, contudo, num estágio mais avançado de experimentação da Máquina T e, curiosos, enviam um representante para fazer contato com a Terra.
Um grupo clandestino no interior de postos importantes de poder intercepta a volta da Emissário e a aprisiona, junto com a tripulação, numa estação espacial desativada. A tripulação fica incomunicável e a mudança da rotina da estação, bem como uma movimentação incomum de naves entre a Terra e Demeter, provoca uma suspeita num dos líderes políticos do planeta colonizado, levando-o a organizar uma missão secreta até a Terra para desvendar o possível mistério.
O livro publicado pela Europa-América foi dividido em dois volumes e, coincidência ou não, no primeiro temos o contexto geral e a disputa política, e no segundo vai para outro rumo, ao assumir de forma espetacular a exploração espacial como tema principal. Isso porque a nave rebelde Chinook, liderada por Daniel Brodersen, na tentativa de fugir de naves perseguidoras adentra na Máquina T e se perde sem rumo pela galáxia.


Com isso cada capítulo é uma história à parte, com as aventuras da tripulação em um novo recanto da Via-Láctea. Aqui Anderson vai longe e brinda o leitor com vários momentos de suspense e sense of wonder, além de especulações científicas ousadas, quase que na fronteira com a fantasia. Situações como quando descobrem uma espécie inteligente vivendo na superfície de um pulsar (!); quando se aproximam perigosamente de um buraco negro super massivo no núcleo da nossa galáxia; ao conhecerem uma espécie inteligente no interior de um planeta líquido, semelhantes a cachalotes que tentam se comunicar por ondas sonoras; ao descerem num planeta – sugestivamente chamado de Pandora – onde encontram as ruínas de uma civilização tecnológica, mas habitado por uma espécie que vive nas selvas. O que torna estas aventuras interessantes é que são narradas com muita acuidade e verossimilhança, mostrando que Anderson tem intimidade com os assuntos.
Além disso, e talvez com menos densidade, discute também os problemas existenciais e psicológicos da tripulação, inerentes a uma viagem pelo espaço, ainda mais com grande risco de jamais voltarem para casa. Por outro lado, isto permite uma liberdade maior de comportamento, especialmente do ponto de vista sexual, com homens e mulheres partilhando uns dos outros sem grandes problemas afetivos ou de ciúmes.
Mas quem, afinal, são Os Outros? E, mais ainda, a que se refere o avatar do título? Como era de se esperar, estas respostas estão no clímax do romance, quando finalmente os nove tripulantes da Chinook fazem contato com a supercivilização alienígena responsável por espalhar os portais interestelares galáxia afora. Um dos objetivos seria estudar e acompanhar o desenvolvimento das espécies inteligentes que mostraram capacidade tecnológica para chegar ao espaço, mas não apenas este e nem o mais importante. O contato e a revelação permitirá uma chance de reconciliação e consenso entre a humanidade.
Como diz a epígrafe na capa, O Avatar é “uma aventura apaixonante para lá do espaço e do tempo”. Sim, é um romance de ficção científica de mão-cheia, que se lê com prazer e renovado interesse a cada página.


– Marcello Simão Branco

Um comentário:

  1. Fiquei super interessado! Assim que terminar o "827 Era Galáctica" (que estou adorando ler) vou procurar uma cópia do título resenhado! Obrigado pela sugestão de leitura...

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