segunda-feira, 2 de junho de 2025

Escala no Tempo



 

Escala no Tempo (The Door into Summer), Robert A. Heinlein. Tradução: Eurico da Fonseca. Capa: Lima de Freitas. 242 páginas. Lisboa: Livros do Brasil, coleção Argonauta n. 111. Lançamento original em 1957.

 

Quando Escala no Tempo foi publicado – de forma seriada em algumas edições da revista The Magazine of Fantasy and Science Fiction – Heinlein estava numa fase de ascensão comercial e de prestígio na FC. Pelo primeiro aspecto havia se tornado o primeiro autor do gênero a entrar na lista dos mais vendidos do jornal The New York Times, com seus romances de aventura de FC infanto-juvenil. Por outro, havia acabado de receber o seu primeiro Prêmio Hugo, pelo divertido e inteligente romance Estrela Oculta (Double Star; 1957), publicado no Brasil pela Francisco Alves.

Escala no Tempo se passa em 1970, alguns anos depois da Guerra das Seis Semanas, um conflito nuclear localizado, mas que ainda assim, dizimou algumas regiões dos Estados Unidos, com a capital Washington destruída e sendo transferida para Denver, no estado do Colorado. Mas o romance apenas cita este evento que, no fim das contas, não deixou traumas profundos, com um recomeço economicamente próspero do país.

Nesse contexto, é que encontramos Dan Davis, um engenheiro, que com seu antigo colega de Exército, Miles Gentry, abre uma pequena empresa para construção de robôs para serviços domésticos. Completa a sociedade uma linda secretária, Belle Darkin, por quem Dan se apaixona. Em parte, sua ruína ocorre por isso, mas principalmente por ser um idealista em meio à maioria das pessoas que veem apenas na prosperidade material as razões mais importantes para viver. Pois Dan é passado para trás por seus dois parceiros, quando estes vendem a empresa sem consultá-lo. Além disso, Belle o trai e se casa secretamente com Miles, seu ex-melhor amigo. Desconsolado e deprimido ele resolve fugir, e se submeter ao sono frio: um processo de animação suspensa que permite que a pessoa seja congelada e reanimada posteriormente, num prazo estipulado. Dan não quer ir sozinho, contudo: quer levar consigo seu único amigo verdadeiro, seu gato Pete. Além disso, ele transfere, secretamente, suas ações à Frederica, (Ricky), enteada de Miles, uma adolescente por quem tem grande afeição.

O plano seria colocado em ação como ele havia planejado, mas Miles e Belle descobrem, e após ele ser sedado por eles, termina por reacordar 31 anos depois, em 2001, sem Pete e sem saber o destino de Rick. Mais do que se vingar dos dois traidores, Dan quer reaver seu gato e sua amiga. Mas como? O sono frio não permite um retorno ao passado. Após um início difícil na nova realidade, ele está empregado na mesma empresa que havia adquirido a sua, e pode, dessa forma, reaver suas plantas e projetos dos engenhos que ele havia criado – e se tornado grandes sucessos no mercado. Assim, ele estava quase resignado do seu destino, quando um de seus colegas de trabalho lhe diz que um cientista conseguiu criar uma máquina do tempo.

Dan consegue contactar o cientista, agora aposentado, e descobre que o invento não foi tornado público, porque após algumas experiências bem-sucedidas com objetos, despachou um assistente 500 anos, sem saber se no passado ou no futuro. O sujeito simplesmente sumiu. Mas ele consegue finalmente convencer o Dr. Twitchell a deixá-lo usar a máquina, por sua conta e risco. Assim, Dan volta novamente a 1970, a algumas horas antes do que ocorrera da primeira vez, para tentar reescrever uma nova – e espera – feliz história. Poder finalmente, por meio de tantas tentativas, encontrar “a porta para o verão”.

É uma pena que a Argonauta não tenha traduzido o romance como A Porta para o Verão, pois a expressão é perfeita para descrever o sentido da história e o espírito dos personagens. A busca por uma saída de problemas ou situações aparentemente insolúveis, reabrindo a chance de recomeçar, por meio de um futuro mais luminoso. Contudo, a Editorial Caminho, também de Portugal, foi mais feliz e relançou a obra com o título de A Porta para o Verão, em seu número n. 41, em 1986.




Este romance de FC é eivado de um frescor de aventura absolutamente encantador, do melhor que a Golden Age produziu, mas com uma prosa acima da média. Desde o início este foi justamente o que chamou a atenção para Heinlein e o tornou rapidamente um dos mais prestigiados autores do campo: histórias altamente especulativas, mas calcadas numa sólida verossimilhança e com personagens ativos e relativamente complexos, num estilo de prosa dinâmico, moderno, muito objetivo. Escala no Tempo tem tudo isso, motivo pelo qual é sempre lembrado como um dos romances mais agradáveis da FC de Heinlein e dos anos 1950, uma década que estava num processo de transição para o que se desdobraria na New Wave, em meados dos anos 1960: uma FC mais estilosa, psicologicamente densa e politicamente contestadora.

Em certo sentido, o romance não começa como uma história de viagem no tempo no sentido convencional, mas usando o recurso da hibernação como forma de saltar para outra época. Contudo, a viagem ao passado acaba ocorrendo, embora eu tenha achado a solução um pouco forçada na trama, para que o protagonista pudesse reescrever como queria sua trajetória de vida. Mas, devido ao tom naïve e a simpatia de Dave, e principalmente de Pete – que gato adorável – isso não chega a comprometer a obra, ainda enriquecida com situações de paradoxo temporal tão confusos quanto intelectualmente estimulantes. Mas, no fundo, é um romance bastante sentimental, no qual a esperança por uma segunda chance é o ponto principal.

Mas, logo depois de The Door into Summer, Heinlein também daria uma guinada em sua carreira, ao enveredar por histórias marcadamente ideológicas e reacionárias, tornando-se mesmo para a posteridade, mais como um autor controverso, do que admirado por suas inegáveis qualidades de prosador e contador de histórias. Mesmo assim, ele publicou ao menos dois romances notáveis: Um Estranho numa Terra Estranha (Stranger in Strange Land; 1961) e Amor Sem Limites (Time Enough For Love: The Lives of Lazarus Long; 1973).

Assim, o século XX é concluído com Heinlein reconhecido entre os leitores de seu país, numa edição da revista Locus, como “o melhor escritor de FC de todos os tempos” – já nas duas enquetes feitas pelo meu fanzine Megalon (em 1991 e 1998) ele ficou em sexto lugar. Acredito que dificilmente ele seria eleito o primeiro na nossa época, marcada pela abertura da FC ao multiculturalismo e pressionada fortemente por movimentos identitários. O mais provável é que no universo da FC apenas os fãs mais ideologicamente à direita continuem a considerá-lo como seu autor preferido. Mesmo assim, numa amostra de como suas histórias são interessantes por si, houve uma adaptação cinematográfica recente de The Door into Summer em 2021, e produzida no Japão. O que só reforça que Heinlein deve ser lembrado e apreciado, essencialmente, por sua arte de contar histórias. O prazer da leitura deste livro só me comprovou isso, mesmo sendo uma pessoa que pensa bem diferente dele.

Marcello Simão Branco