Escala
no Tempo (The Door into
Summer), Robert A. Heinlein. Tradução: Eurico da Fonseca. Capa: Lima de
Freitas. 242 páginas. Lisboa: Livros do Brasil, coleção Argonauta n. 111. Lançamento
original em 1957.
Quando Escala
no Tempo foi publicado – de forma seriada em algumas edições da revista The Magazine of Fantasy and Science Fiction
– Heinlein estava numa fase de ascensão comercial e de prestígio na FC. Pelo
primeiro aspecto havia se tornado o primeiro autor do gênero a entrar na lista
dos mais vendidos do jornal The New York
Times, com seus romances de aventura de FC infanto-juvenil. Por outro,
havia acabado de receber o seu primeiro Prêmio Hugo, pelo divertido e
inteligente romance Estrela Oculta (Double Star; 1957), publicado no Brasil
pela Francisco Alves.
Escala
no Tempo se passa em 1970, alguns anos depois da Guerra das
Seis Semanas, um conflito nuclear localizado, mas que ainda assim, dizimou
algumas regiões dos Estados Unidos, com a capital Washington destruída e sendo
transferida para Denver, no estado do Colorado. Mas o romance apenas cita este
evento que, no fim das contas, não deixou traumas profundos, com um recomeço
economicamente próspero do país.
Nesse contexto, é que encontramos Dan
Davis, um engenheiro, que com seu antigo colega de Exército, Miles Gentry, abre
uma pequena empresa para construção de robôs para serviços domésticos. Completa
a sociedade uma linda secretária, Belle Darkin, por quem Dan se apaixona. Em
parte, sua ruína ocorre por isso, mas principalmente por ser um idealista em
meio à maioria das pessoas que veem apenas na prosperidade material as razões
mais importantes para viver. Pois Dan é passado para trás por seus dois
parceiros, quando estes vendem a empresa sem consultá-lo. Além disso, Belle o
trai e se casa secretamente com Miles, seu ex-melhor amigo. Desconsolado e
deprimido ele resolve fugir, e se submeter ao sono frio: um processo de animação
suspensa que permite que a pessoa seja congelada e reanimada posteriormente,
num prazo estipulado. Dan não quer ir sozinho, contudo: quer levar consigo seu
único amigo verdadeiro, seu gato Pete. Além disso, ele transfere, secretamente,
suas ações à Frederica, (Ricky), enteada de Miles, uma adolescente por quem tem
grande afeição.
O plano seria colocado em ação como ele
havia planejado, mas Miles e Belle descobrem, e após ele ser sedado por eles,
termina por reacordar 31 anos depois, em 2001, sem Pete e sem saber o destino
de Rick. Mais do que se vingar dos dois traidores, Dan quer reaver seu gato e
sua amiga. Mas como? O sono frio não permite um retorno ao passado. Após um
início difícil na nova realidade, ele está empregado na mesma empresa que havia
adquirido a sua, e pode, dessa forma, reaver suas plantas e projetos dos
engenhos que ele havia criado – e se tornado grandes sucessos no mercado.
Assim, ele estava quase resignado do seu destino, quando um de seus colegas de
trabalho lhe diz que um cientista conseguiu criar uma máquina do tempo.
Dan consegue contactar o cientista, agora
aposentado, e descobre que o invento não foi tornado público, porque após
algumas experiências bem-sucedidas com objetos, despachou um assistente 500
anos, sem saber se no passado ou no futuro. O sujeito simplesmente sumiu. Mas
ele consegue finalmente convencer o Dr. Twitchell a deixá-lo usar a máquina,
por sua conta e risco. Assim, Dan volta novamente a 1970, a algumas horas antes
do que ocorrera da primeira vez, para tentar reescrever uma nova – e espera –
feliz história. Poder finalmente, por meio de tantas tentativas, encontrar “a
porta para o verão”.
É uma pena que a Argonauta não tenha
traduzido o romance como A Porta para o
Verão, pois a expressão é perfeita para descrever o sentido da história e o
espírito dos personagens. A busca por uma saída de problemas ou situações
aparentemente insolúveis, reabrindo a chance de recomeçar, por meio de um
futuro mais luminoso. Contudo, a Editorial Caminho, também de Portugal, foi
mais feliz e relançou a obra com o título de A Porta para o Verão, em seu número n. 41, em 1986.
Este romance de FC é eivado de um frescor
de aventura absolutamente encantador, do melhor que a Golden Age produziu, mas
com uma prosa acima da média. Desde o início este foi justamente o que chamou a
atenção para Heinlein e o tornou rapidamente um dos mais prestigiados autores
do campo: histórias altamente especulativas, mas calcadas numa sólida
verossimilhança e com personagens ativos e relativamente complexos, num estilo de
prosa dinâmico, moderno, muito objetivo. Escala
no Tempo tem tudo isso, motivo pelo qual é sempre lembrado como um dos
romances mais agradáveis da FC de Heinlein e dos anos 1950, uma década que
estava num processo de transição para o que se desdobraria na New Wave, em
meados dos anos 1960: uma FC mais estilosa, psicologicamente densa e
politicamente contestadora.
Em certo sentido, o romance não começa
como uma história de viagem no tempo no sentido convencional, mas usando o
recurso da hibernação como forma de saltar para outra época. Contudo, a viagem
ao passado acaba ocorrendo, embora eu tenha achado a solução um pouco forçada
na trama, para que o protagonista pudesse reescrever como queria sua trajetória
de vida. Mas, devido ao tom naïve e a simpatia de Dave, e principalmente de
Pete – que gato adorável – isso não chega a comprometer a obra, ainda
enriquecida com situações de paradoxo temporal tão confusos quanto
intelectualmente estimulantes. Mas, no fundo, é um romance bastante
sentimental, no qual a esperança por uma segunda chance é o ponto principal.
Mas, logo depois de The Door into Summer, Heinlein também daria uma guinada em sua
carreira, ao enveredar por histórias marcadamente ideológicas e reacionárias,
tornando-se mesmo para a posteridade, mais como um autor controverso, do que
admirado por suas inegáveis qualidades de prosador e contador de histórias.
Mesmo assim, ele publicou ao menos dois romances notáveis: Um Estranho numa Terra Estranha (Stranger in Strange Land; 1961) e Amor Sem Limites (Time Enough
For Love: The Lives of Lazarus Long; 1973).
Assim, o século XX é concluído com
Heinlein reconhecido entre os leitores de seu país, numa edição da revista Locus, como “o melhor escritor de FC de
todos os tempos” – já nas duas enquetes feitas pelo meu fanzine Megalon (em 1991 e 1998) ele ficou em
sexto lugar. Acredito que dificilmente ele seria eleito o primeiro na nossa
época, marcada pela abertura da FC ao multiculturalismo e pressionada
fortemente por movimentos identitários. O mais provável é que no universo da FC
apenas os fãs mais ideologicamente à direita continuem a considerá-lo como seu
autor preferido. Mesmo assim, numa amostra de como suas histórias são
interessantes por si, houve uma adaptação cinematográfica recente de The
Door into Summer em 2021, e produzida no Japão. O que só reforça que
Heinlein deve ser lembrado e apreciado, essencialmente, por sua arte de contar
histórias. O prazer da leitura deste livro só me comprovou isso, mesmo sendo uma
pessoa que pensa bem diferente dele.
—Marcello Simão Branco