sexta-feira, 15 de maio de 2020

Almanaque Entrevista

Clinton Davisson lança uma nova versão do seu romance Hegemonia: O Herdeiro de Basten e analisa os rumos da ficção científica brasileira


por Marcello Simão Branco


Natural de Volta Redonda, interior do Rio de Janeiro, o jornalista Clinton Davisson é um nome presente e atuante no fandom de ficção científica brasileiro desde de o final dos anos 1990, já na fase final da Segunda Onda do gênero no país. O nome incomum vem de uma homenagem de seu pai – um físico – a Clinton Davisson, prêmio Nobel de física de 1937. Como ele mesmo admite, talvez isso o tenha influenciado a se identificar e escrever uma ficção científica hard, aquela voltada a temas de ciências naturais. Autor de dois romances, contos e uma peça de teatro, o autor é uma voz consolidada na seara hard, dando sequência a uma tradição dentro da ficção científica brasileira. Muito ligado aos movimentos de fãs, esteve à frente de várias atividades do Conselho Jedi, o primeiro fã clube de Guerra nas Estrelas no país, e marcou presença como o mais longo dirigente da história do Clube de Leitores de Ficção Científica (CLFC). Na entrevista a seguir Clinton comenta sobre a nova versão do seu romance Hegemonia: O Herdeiro de Basten – talvez sua obra mais ambiciosa –, faz um balanço de sua gestão à frente do CLFC e comenta sobre as perspectivas dos autores brasileiros de ficção científica.


Você foi quem presidiu por mais tempo o Clube de Leitores de Ficção Científica (CLFC). Quatro mandatos, de 2011 a 2019. Praticamente uma década! Faça um balanço de suas administrações e o legado você deixa para a nova diretoria.

Eu sou bem crítico em relação as minhas administrações do CLFC. Embora tenha certeza que deixei o Clube bem melhor do que encontrei e isso é endossado por, pelo menos, dois presidentes, anteriores, eu gostaria de ter tido condições para fazer mais. O fato é que consegui reativar o prêmio Argos, reativar o Somnium e o site do CLFC, além de agora termos a Biblioteca Nacional de Ficção Científica em parceria com a USP – na cidade de Ribeirão Preto (SP). Eu acho que foi uma boa administração, mas poderia ter ido mais longe. Queria que o Argos fosse mais reconhecido, mas isso esbarra em investimentos. Teria que largar a vida pessoal para me dedicar a isso e transformar o CLFC em uma empresa. Resolvi não cruzar este limite. Fica o desafio para as próximas gerações.


Sua ficção científica é assumidamente hard. Nos explique sobre esta preferência temática, e nesse sentido, quais autores mais o influenciaram.

Eu sempre li muito e de tudo. Desde revista do Tio Patinhas até James Joice e Dostoiévski. Acho que a ficção científica hard veio mais do meu pai ser físico e de eu ser pesquisador, fazendo doutorado agora. A minha área é ciências humanas, estou fazendo doutorado em comunicação, mas devoro livros científicos desde sempre. Ultimamente comprei aquela série completa O Universo e descobri que já tinha assistido várias vezes todos os episódios. Estudo química e biologia por conta própria até hoje. Sempre quis saber os porquês das coisas. Sempre tentando priorizar mais a boa história, a história bem contada. Eu diria que minha maior influência muda de acordo com o tempo. Teve época que foi Guimarães Rosa, atualmente leio repetidamente os livros do Max Mallman, vejo como ele constrói os personagens, constrói as cenas, tem uma veia humorística forte. Tem o China Miéville também, que é um autor contemporâneo de muita criatividade. Mas sempre tenho a sensação de que deveria ler mais..


Há quase vinte anos você tem trabalhado no seu universo ficcional de Hegemonia, com contos e romances. Você poderia explicar resumidamente as linhas gerais dos temas tratados neste universo, e porque você decidiu lançar agora em 2020 uma nova edição ampliada do romance Hegemonia: O Herdeiro de Basten? Quais as diferenças entre as duas edições?

Eu não me conformava com um livro que escrevi com tanto carinho por longos sete anos, ter sido terminado às pressas em 2007. Quando a primeira edição se esgotou em 2010, eu quis terminar com calma essa nova versão. Quando terminei já era 2012 e não consegui editora para relançar. Esperei e não apareceu. Então resolvi lançar na Amazon.com. Deu certo. As duas versões contam a mesma história, mas me aprofundei mais nos personagens e no funcionamento daquele universo. E tive que fazer uns ajustes pois estava dando algumas contradições com o segundo livro, Hegemonia: Vellanda, que vou lançar em breve. Eu diria que esta nova versão de O Herdeiro de Basten é um livro mais hard do que a primeira versão.
O mais engraçado é que, com Fáfia: A Copa do Mundo de 2022, eu brinquei de profeta para tentar adivinhar como seria o futuro. Mas com o Hegemonia: O Herdeiro de Basten, não tinha essa pretensão. O livro se passa mais de 100 mil anos no futuro. Mas acabou que agora que relancei, está em alta um dos temas principais do livro que é o isolamento social, já que boa parte do livro discute como morar em uma Esfera de Dyson, com um excesso de absurdo de espaço e com armaduras computadorizadas que permitem uma autossuficiência. Isso tornaria os humanos seres muito frios, distantes, sem interatividade social além do mundo virtual. Era algo que eu estudava muito em 2002 na primeira versão da história em forma de conto. Eu ainda estava na faculdade de comunicação. Agora, devido à pandemia do novo coronavírus, o isolamento social virou uma realidade distópica presente e isso tem rendido um bom retorno ao livro.


Em 2022 haverá a próxima Copa do Mundo. Mas você a antecipou em termos ficcionais com o seu primeiro romance, Fáfia: A Copa do Mundo de 2022, publicado em 1999. O que você pode dizer sobre o que especulou neste romance e a provável realidade de 2022? Você pretende relançar o livro para aproveitar o ensejo da copa?

Sim, eu planejo também relançar o Fáfia em 2021. Já até fiz algumas correções no livro, mas realmente me doeu os olhos em descobrir como o escritor de 22 que escreveu o Fáfia em 1993 era fraco na hora de estruturar o enredo. Tinha muita coisa que hoje para mim não fazia sentido. Eu sei que faz parte. Escrever tem que ser algo contínuo e a gente vai melhorando a cada livro. No quesito “profecias”, até que acertei muita coisa. Carros falando, a China caminhando para se tornar a maior potência mundial, o Brasil sendo campeão mundial mais duas vezes, uma crescente preocupação com saúde e alimentação, banimento do cigarro e obrigatoriedade do cinto de segurança, mas não previ o wifi por exemplo e os hackers do livro precisam se conectar em cabos telefônicos. Escrevi que o Brasil teria um grande crescimento econômico, mas sucumbiria por causa da corrupção e a população acabaria se revoltando e escolhendo uma opção conservadora, no caso, o país se tornou uma monarquia parlamentarista. Estamos atualmente em risco de o país virar uma monarquia bolsonarista.
Foi onde eu cheguei mais perto. Mas desde o começo, a intenção era brincar com essa coisa de você fazer previsões para um futuro próximo e todo o pacote que vem com isso. Eu achava que erraria bem mais. Ao menos não coloquei, por exemplo, carros voadores como no filme De Volta para o Futuro (1985). A minha dúvida era se eu simplesmente relançava com algumas correções de estrutura ou se eu tentava corrigir as “profecias” que não deram certo. Acho que isso seria trapaça. Pensei então em colocar o livro para mais para frente, tipo, 2122. Mas seria perder tempo demais. Então, fica do jeito que está, é uma espécie de 90’s punk, como se a tecnologia do início dos anos 1990 tivesse evoluído. Fáfia sempre foi meu livro com mais pegada humorística e acho que se encaixa bem em uma versão alternativa de 2022. Afinal, a gente nem sabe se vai ter essa Copa. Duvido que hajam eventos esportivos ou mesmo eventos de massa antes de uma vacina eficaz contra o Covid-19.


Sendo um autor identificado com a terceira onda da FCB qual sua visão sobre a condição atual do gênero no país e suas perspectivas, num cenário que mostra um fandom fragmentado e autores que publicam, mas continuam pouco notados no contexto literário brasileiro?

Acho que a Amazon.com acabou mudando radicalmente o cenário do mercado brasileiro. Porque tínhamos várias editoras para um mercado muito restrito. Poucas souberam “jogar o jogo” mas acredito que o mercado de e-book está prestes a encerrar a era das editoras e iniciar a era dos autores. Pela primeira vez o autor está podendo pular etapas e vender seu livro diretamente para o público e recebendo o dinheiro. Hoje temo autores pouco conhecidos, mas que conseguem até se sustentar com dinheiro dos livros, tudo isso graças a Amazon.com. Acho que o mercado de livros de papel não vai acabar, mas o e-book vai ser o predominante em breve.


Para encerrar nos fale sobre seus próximos projetos.

Assim que lançar a continuação do Hegemonia em junho, que vai se chamar Hegemonia: Vellanda, devo me dedicar a outro projeto que estou terminando que envolve terror juvenil com folclore nacional. Algo no qual venho trabalhando também desde 2010, mas que requer muita pesquisa e esbarrei neste problema. Porque pesquisa demanda tempo e dinheiro. Eu não tinha nenhum dos dois. Agora, com a pandemia, eu tenho tempo.




Um comentário:

  1. Excelente indicação de obra em tempos de pandemia, distanciamento social e negação científica.

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