sexta-feira, 16 de março de 2018

A grande fantasia chamada "Fantasia"

         Servido por uma equipe gigantesca e dividida no trabalho de oito segmentos de animação e nos trechos intermediários com pessoas de carne e osso, Walt Disney intentou, ao lançar Fantasia em 1940, uma nova – mais uma – revolução no cinema, através do seu gênio criador. Apesar de não ter agradado tanto como Branca de Neve e os sete anões, de 1937, o fato é que o tempo se encarregou de tornar Fantasia um filme cult inesquecível e que, hoje preservado em DVD, será visto enquanto existir cinema neste planeta.
            O que é, afinal, Fantasia? Trata-se, basicamente, de uma homenagem que Walt Disney prestou à música dos mestres, ele que era um autêntico melômano. E procurou mostrar que o cinema podia se aliar à música e que o desenho animado podia representar plasticamente os temas musicais. Para isso Disney convocou o superastro da música erudita, Leopold Stokowski, junto com a Orquestra Filarmônica de Filadélfia. A atuação de Stokowski, mesmo na penumbra, é majestosa; e ficou famosa a cena em que ele é cumprimentado pelo Mickey (cuja voz era do próprio Walt).
            O primeiro número apresentado é a “Tocata e fuga em ré menor” de Bach, chamado o “Pai da Música”. Trata-se aí de um exercício de cinema puro, linhas e cores acompanhando o ritmo musical.
“Suíte quebra-nozes” de Tchaikovski nos traz uma fábula com elementais, bichos e plantas. É delicada a cena dos cogumelos que viram dançarinos de aspecto chinês, ou então os peixinhos de longas caudas transparentes, numa linda superposição de imagens.
Todavia é deliciosa a história do “Aprendiz de feiticeiro” de Paul Dukas: Mickey Mouse faz o aprendiz do título, que se mete numa grande encrenca ao liberar forças que, depois, não saberá controlar. E tudo apenas para se livrar do trabalho de transportar baldes de água! Não falta uma paródia à megalomania, quando Mickey se vê, em sonho, controlando as próprias forças cósmicas.
Vale lembrar que aquela voz de falsete do Mickey era do Walt Disney, só após sua morte deve ter sido substituído.
A sequência seguinte me parece a mais elaborada: a “Sagração da Primavera” de Igor Stravinski. Trata-se da história do universo de da própria Terra, conforme o que a Cosmologia, Astronomia, Física, Paleontologia e a teoria da evolução dizem. Chega até a época dos dinossauros e sua misteriosa extinção.
A cena máxima, claro, é a luta entre o estegossauro e o tiranossauro Rex, que costuma ser tido como a maior fera da Pré-História.
Vem a seguir a “Sinfonia Pastoral” de Beethoven, e aí Disney aproveitou para contar uma vinheta mitológica e bucólica com Baco, Zeus,  faunos, centauros, cupidos e outros personagens.
A “Dança das Horas” de Ponchielli é muito engraçada e mostra avestruzes, jacarés, elefantes e hipopótamos dançando. Dá vontade de dizer: — Que ideia!
O sétimo e o oitavo números são a “Noite no Monte Calvo” de Mussorgski e a “Ave Maria” de Schubert. O oitavo completa o sétimo. Passamos da vertiginosa e caótica manifestação do Mal em estado puro (o próprio demônio) à pureza e serenidade de uma procissão cristã. O toque do sino da igreja interrompe a “noite de Walpurgis” e paralisa o mal. A mensagem é evidente.
Há muita gente que não gosta de Fantasia por fugir aos aspectos mais comuns dos filmes mas há que reconhecê-la uma obra-prima do cinema e comprovativa do gênio de Walt Disney, que congregou em torno de si a fina flor dos animadores norte-americanos. Como diretores das sequências aparecem Wilfred Jackson, James Algar, David Hand, Hamilton Luske, Ben Sharpsteen, Norman Ferguson e Samuel Armstrong. A produção é de Walt Disney, o catalisador da obra monumental, e a equipe é gigantesca, incluindo os animadores que constituíam de fato o melhor grupo de animação do cinema na época.
— Miguel Carqueija
Rio de Janeiro, 2 de fevereiro a 16 de março de 2018.

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