quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

As Aventuras de Gulliver no Palco

Aventuras de Gulliver. Peça de teatro baseada no romance As Viagens de Gulliver, de Jonathan Swift. Escrita e dirigida por Dario Uzan, da Companhia Articularte, São Paulo. Lançada originalmente em 2010.

Lemuel Gulliver é um jovem destemido em busca de novas experiências e aventuras. Deixa a Inglaterra e singra os mares, mas não contava com os contratempos do destino. Em decorrência de uma forte tempestade, o navio naufraga e ele vai parar numa ilha desconhecida chamada Lilliput. Partindo desta premissa do clássico As Viagens de Gulliver (Gulliver´s Travels), do escritor irlandês Jonathan Swift, escrito em 1726, a Companhia Articularte de Teatro apresenta uma visão muito particular deste romance de viagens, que originalmente buscou satirizar os costumes políticos e científicos do século XVIII.
Gulliver descobre que Lilliput é habitada por pessoas muito pequenas, com apenas seis centímetros de altura!, e passa a conviver com os problemas da sociedade local, envolta em sérias divergências políticas. Gulliver resolve não tomar partido, procurando arbitrar os problemas entre os grupos rivais – no caso, a intenção do autor era criticar os ingleses e os franceses. A esta proposta séria do autor, a peça prioriza o aspecto lúdico, com Gulliver resolvendo problemas do cotidiano dos pequeninos. E é justamente neste contraste que a peça tem um dos seus grandes momentos de realização, ao contrapor o ator que protagoniza Gulliver com os vários bonecos que representam os habitantes da ilha. Este trecho impulsiona mesmo o interesse pelo restante da peça, por causa do bom resultado desta interação, complementado por uma cenografia agradável e criativa.
Como se sabe, o romance é dividido em quatro partes, mas a peça enfoca os dois primeiros, daí o motivo de chamar Aventuras de Gulliver. Na segunda parte, o herói deixa Lilliput, adentra o mar novamente, mas encontra uma nova ilha, chamada de Brobdingnag – o nome esquisito não é fortuito, pois serve apara acentuar outra realidade. Diferentemente do que viveu em Lilliput, agora Gulliver é que é um pequeno ser frente aos gigantescos habitantes da nova ilha. Ele é capturado e passa a viver numa família sob os cuidados de uma menina. Explorado por um pai malvado até a exaustão, é vendido para servir de atração junto às pessoas desta sociedade. Até que a rainha intercede ao seu favor e ele ganha o mar novamente, desta vez para voltar à sua casa – que, aliás, também é uma ilha!
Nesta segunda parte, o objetivo de Swift era ridicularizar a suposta “grandeza” de saber dos cientistas – que não trazia, em sua opinião, benefícios concretos à sociedade –, mas na peça a relação enfatiza um aspecto mais social, da exploração e humilhação de um estrangeiro em uma sociedade aparentemente mais poderosa. Claro que esta interpretação subjaz no subtexto da trama, pois em si ela mantém o aspecto prioritário do entretenimento e com isso, consegue agradar tanto as crianças pela diversão e imaginação, como ao adulto pela sugestão crítica embutida.
Vale ressaltar o estilo do texto, na adaptação feita pelo diretor, Dario Uzam. Muito saboroso, ao priorizar as rimas, os provérbios, os ditos populares, as advinhas e os limeriques, o texto confere um misto de encantamento e estranhamento, além de sublinhar um efeito de distanciamento imagético que torna mais verossímil a proposta, especialmente se encarada do ponto de vista infantil, teoricamente mais aberto à imaginação irrestrita.
Embora este romance de Swift seja muito conhecido, com várias adaptações na TV e no cinema, o olhar da Cia. Articularte tem seu mérito próprio, ao despertar um interesse diferenciado nos pais e nos filhos, cada um do seu ponto de vista. Além disso é um espetáculo teatral de entretenimento efetivo, seja pela qualidade do texto, seja pela boa dramaturgia posta em cena pelos atores e os muitos bonecos, cada um deles uma atração à parte no desenrolar da história.

– Marcello Simão Branco

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