quarta-feira, 11 de maio de 2016

O quadrinho brasileiro de fc&f em 2004

Ficção científica não é uma tradição na arte dos quadrinhos brasileiros, e isso é um fato. Poucos são os autores que destacaram-se na hq nacional com histórias ou personagens claramente vinculados a fc. Mas isso não significa que não exista uma tradição razoavelmente forte em outros gêneros fantásticos, principalmente o horror e a fantasia, dentro dos quais podemos identificar um bom número de trabalhos antigos e recentes.
Entretanto, em 2004 nenhum desses gêneros foi muito prestigiado pelos autores brasileiros e reunir os títulos que formam a lista de lançamentos no ano foi uma tarefa árdua, sendo necessária alguma permissividade quanto ao alcance dos gêneros. E mesmo assim, foi um ano muito fraco.
O conteúdo dos trabalhos publicados não superou o óbvio e não aconteceu o lançamento de nenhum bom trabalho inédito. As revistas publicaram histórias de personagens já vistos, sendo algumas apenas compilações do que já havia sido publicado em outros tempos. Entre os fanzines houve estreias de personagens, mas sem inovação quanto a forma e conteúdo que continuaram a imitar o que é visto nos quadrinhos estrangeiros, especialmente americano e japonês.
Entre os velhos personagens que retornaram em edições novas tivemos As aventuras do Leão Negro, da dupla Ofeliano e Cynthia, fantasia publicada nos anos 1980 em tiras no jornal carioca O Globo e em álbum pela Meribérica Brasil, e nos anos 1990 na revista Saga (Escala). Retornou numa coleção com edição por demanda comercializada pela internet, republicando as tiras saídas no jornal citado há pouco.
Quebra-queixo, personagem de ficção científica criado por Marcelo Campos para a revista Pau Brasil (Vidente) em 1991, e com uma edição especial publicada pela editora Brainstore em 1999, ganhou em 2004 o álbum Quebra-queixo: Technorama, Volume 1, pela editora Devir, com histórias elaboradas por diversos autores convidados.
Dungeon crawlers, de Marcelo Cassaro e diversos ilustradores, publicado pela Editora Mythos, conta a história de Aurora, uma humana versada nas artes mágicas que quer chegar a Lenórienn, a cidade perdida dos elfos, um local de grande conhecimento mágico que foi tomado por hordas de hobgoblins que de lá expulsaram seus ocupantes originais. Aurora pretende resgatar livros que lhe ensinem conhecimentos secretos. Para isso é acompanhada da humana Brigandine e do elfo Fren, que se uniu a elas no caminho.
Em tese, Dungeon crawlers é uma série nova, mas parece vinculada de muitas maneiras aos trabalhos anteriores do autor, especialmente a série Holy avenger, publicada inicialmente pela editora Trama e depois pela Talismã. Ambas são histórias de fantasia que usam boa parte do imaginário do romance O senhor dos anéis, porém com o desenho imitando o estilo dos quadrinhos japoneses, também muito populares no Brasil nesse ano.
Apesar de realizado com competência técnica, não há nada de muito original a ser destacado.
Mais ou menos no mesmo estilo vimos Ethora, de Beth Kodama, Karina Erica Horita e Elton Azuma, publicada pela Talismã. Os personagens apareceram anteriormente com histórias curtas na revista periódica Tsunami e esta edição apresenta-se como um especial. Raposa é um meio elfo fora da lei, que está viajando com a jovem ladra Satine. Ela roubou um livro de magias que é cobiçado por outros magos. Eles são atacados na estrada por dois desses magos e o livro é retirado deles. Uma história um tanto inconclusiva para uma edição especial. Há uma ligeira personalidade dark fantasy na narrativa, mas o fundo heroico unido aos desenhos em estilo japonês tornam muito difícil a percepção de uma identidade realmente original, o que talvez tenha sido proposital.
Ainda imitando o estilo gráfico japonês, foi distribuído nas bancas brasileiras o almanaque Banzai, publicado pela editora Escala. Uma única edição com várias histórias inéditas de artistas experientes, tais como Mozart Couto, Watson Portela e Paulo Yokota. O material publicado tem alguma qualidade mas a precária produção editorial da publicação deu pouca visibilidade a mesma, que mal foi vista inclusive pelos fãs dos mangás.
Brado retumbante, produzida e publicada independentemente por uma cooperativa de autores emergidos dos fanzines, apresenta várias séries de autores diversos. As histórias seguem o modelo dos super heróis americanos, tanto no estilo narrativo quanto na plástica. Não há muito o que se destacar nas histórias, mas alguns dos ilustradores surpreendem.
No final de 2004, apareceu nas bancas a revista Kaos!, publicada pela Manticora, editora especializada em jogos de representação (RPG) em sua primeira incursão nos quadrinhos. A revista apresenta cinco histórias curtas de vários autores, entremeadas por entrevistas com artistas dos quadrinhos. Entre os autores das hqs publicadas aparecem os nomes de Sam Hart e Roger Cruz, quadrinhistas brasileiros com carreiras bem sucedidas nos exterior. Nem todas as histórias são de fc&f, mas isso não lhe tira os méritos.
Entre os fanzines observa-se o mesmo predomínio de fantasias em estilo mangá e de super-heróis, mas duas publicações destacam-se entre eles, porém sem serem novidades.
Uma delas é O martelo, editado por Erick Lustosa em Recife. O fanzine é dedicado aos quadrinhos de horror brasileiro clássico, lançou três edições em 2004 republicando histórias anteriores a 1980, de autores como Rubens Lucchetti, Nico Rosso, Toninho Lima, José Menezes, Renato Silva e Francisco Armond, com comentários relevantes do editor. Ainda que não tenha trazido nada de novo aos leitores, isso não impediu que O martelo fosse uma das mais expressivas publicações de quadrinhos fantásticos brasileiros em 2004, por conta de seu caráter documental.
O outro fanzine que se destacou em 2004 foi Aventura, editado em Valença por Luiz Eduardo "Luga" de Castro, com mais uma história da saga do Lôbo, personagem de fc que tem muitos fãs entre os leitores que acompanham os fanzines brasileiros. Lôbo é um oficial militar cheio de bons princípios que tenta sobreviver sem perder a dignidade em um Brasil destruído pela guerra num futuro próximo. O personagem foi criado na década de 1980 e teve a maior parte de suas edições então, mas autor esteve ausente do cenários dos fanzines por longo tempo, só voltando em 2001, com edições espaçadas e sem periodicidade fixa. Por isso, é sempre bom registrar a sua publicação, ainda que desta vez a história tenha sido bem curtinha.
2004, portanto, foi um ano no qual a hq brasileira de fc&f andou pouco e para o lado. Talvez tenha sido inibida pela publicação massiva de quadrinhos estrangeiros, entre eles muitos títulos de qualidade indiscutível vindos do Japão. Há uma gangorra histórica entre os quadrinhos nacionais e estrangeiros em ação no país: quando um está em alta, o outro está em baixa. Este ano foi a vez dos quadrinhos brasileiros ficarem na posição inferior, infelizmente.
Cesar Silva

Lançamentos de quadrinhos de fc&f de autores brasileiros publicados no Brasil em 2004
Álbuns e revistas:
Fantasia
- Dungeon crawlers, Marcelo Cassaro/Daniel HDR/Ricardo Riamonte, Mythos
- As aventuras do Leão Negro, Ofeliano de Almeida/Cynthia, Vitor Moura, ed.
- Ethora, Beth Kodama/Karina Erica Horita/Elton Azuma, Talismã
- Brado retumbante (antologia), Leonado Santana, org., dos autores
- Kaos! (antologia), Gisele Roth Saiz, Fabio Akio Fugikawa, eds., Manticora
- Banzai (antologia), Franco de Rosa, ed., Escala
Ficção científica
Quebra-Queixo: Technorama, Volume 1, Marcelo Campos, Devir
Fanzines:
Fantasia
- Máscara de Prata, Cleber Cachoeiras, ed.
- Power of the dreams, Marco/Cris/ Vanessa, eds.
- Demônios lendários, Júlio Cesar da Silva Costa, ed.
- Tormenta, Eduardo Manzano, ed.
- Projeto Continuum, Rafael de Melo Tavares, Daniel Siqueira e Adriano Sapão, eds.
Ficção científica
- Aventura, Luiz eduardo de Castro, ed.
- Freedom, Fabrício Santos e Gleison Santos, eds.
- A maldição, Reciney Rodrigues, ed.
Horror
- O martelo, Erick Lustosa, ed.
- Trindade, Pablo Augusto da Silva, ed.
- Canibais, Michael Kiss, ed.
- Assombração, Michael Kiss, ed.
- Demônios, Eudes S. Lopes, ed.

Obs: Este artigo relata o que se pode encontrar nas bancas de São Paulo em 2004, mas muitas das publicações citadas trazem datas anteriores. Isso acontece porque a publicação de quadrinhos no Brasil não é cuidadosa com as datas que faz estampar – quando o faz –, por isso muitas revistas apresentam disparidades. E a distribuição setorizada pode fazer uma publicação demorar a chegar as bancas em certas regiões, dificultando os registros mesmo entre testemunhas oculares.

Nenhum comentário:

Postar um comentário